sexta-feira, 19 de julho de 2013

Ação social do C.A.C.-Centro Artístico e Cultural de São João del-Rei em socorro aos flagelados do Nordeste, em 1960


Por Francisco José dos Santos Braga 



I.  INTRODUÇÃO
 

O presente "post" trata de certa provocação feita à sociedade são-joanense pelo jornal "Diário do Comércio", em 27/03/1960, noticiando que o referido periódico estava abrindo uma campanha de donativos para socorro às vítimas de inundação no Nordeste brasileiro, cansado de só informar sobre as agruras que padeciam então nossos irmãos nordestinos. No dia seguinte, o presidente do C.A.C. - Centro Artístico e Cultural de São João del-Rei, Pe. Luiz Zver, trouxe ao conhecimento do jornal que a instituição que presidia também tinha decidido fazer campanha idêntica em benefício dos flagelados nordestinos. Chegou-se, portanto, à conclusão de que, nesse caso, seria necessária a unidade de comando, tendo ficado estabelecido que o C.A.C. assumiria a coordenação do empreendimento, com o apoio integral do "Diário do Comércio".

Como Pe. Luiz Zver e os "caqueanos" se desincumbiram daquela nova missão é o que veremos nas cinco matérias abaixo, escritas durante o período de um mês pelos dois interlocutores (C.A.C. e Diário do Comércio). Lembro que a ortografia foi respeitada em todos os textos.



II. MATÉRIAS DO "DIÁRIO DO COMÉRCIO"


1) O Açude de Orós, o maior do Brasil, cedendo ao pêso das águas, atingirá e destruirá cinco cidades do Ceará

Tôda a imprensa e o rádio vêm noticiando a dolorosa expectativa em que se acham as populações cearenses, com a condenação do Açude de Orós, que, segundo as últimas notícias, trará destruição à imensa região e desolação a quase 100.000 pessoas.
"Diário do Comércio" abrirá uma campanha de donativos para as vítimas dessa inundação sem precedentes, pretendendo remeter ao nosso caríssimo amigo, Dom Lustosa ¹, Bispo de Fortaleza, os resultados que a solidariedade do povo sanjoanense não deixará de propiciar aos nossos irmãos do Ceará.
Dom Lustosa, Bispo da Capital cearense, é um sanjoanense que honra o nome de São João del-Rei e que ocupa com invulgar serenidade e brilhantismo a direção da Diocese de Fortaleza.

Fonte: Diário do Comércio, Ano XXIII, 27 de março de 1960, p. 1


2) Ajudemos os nossos irmãos do Nordeste! (Apêlo do Centro Artístico e Cultural ao povo sanjoanense)

Cada vez mais aflitivas são as notícias que nos chegam do Nordeste brasileiro, flagelado por terríveis inundações.
Os jornais nos descrevem diàriamente em têrmos dramáticos a vastidão do desastre que desabou sôbre aquelas regiões, e as estações de rádio, hora após hora, lançam aos ares notícias que descrevem as indizíveis angústias de dezenas e centenas de milhares de pessoas que perderam suas terras, seus haveres, seus lares, e se encontram expostas a privações de tôda sorte.
Não é lícito acompanhar a terrível tragédia das inundações nordestinas com a mera curiosidade ou interêsse com que se acompanha o desenrolar de um drama no filme, no palco, no livro de aventuras ou os episódios de uma novela de rádio.
Os açudes que se rompem, as casas que desmoronam, as populações que são impiedosamente desalojadas e despojadas de seus pertences, não são ficção romanesca, mas terrível realidade da hora presente.
É preciso fazer qualquer cousa!
É preciso agir urgentemente!
É preciso correr em socôrro dos nossos irmãos flagelados!
O Centro Artístico e Cultural de São João del-Rei faz um apêlo caloroso à população sanjoanense: UNAMO-NOS AOS QUE DE TODO O BRASIL CORREM EM AUXÍLIO DOS IRMÃOS DO NORDESTE INUNDADO.
Façamos também nós alguma cousa!
O que dermos não nos tornará mais pobres.
Far-nos-á mais ricos — em méritos, em justas satisfações íntimas e na paz da consciência.
COMERCIANTE, renuncie ao seu lucro por um dia!
MÉDICO, ENGENHEIRO, ADVOGADO, DESTISTA, dê uma migalha de seus proventos diários!
INDUSTRIAL, abra mão de uma parcela das suas entradas de um dia!
HOMEM, renuncie a uma garrafa de cerveja ou a um gole de pinga!
MOÇO, deixe de jogar sinuca por hoje!
ESTUDANTE, deixe de ir ao cinema por uma vez!
MENINO, MENINA, não compre hoje o seu picolé!
SENHORITA, renuncie à compra de mais uma jóia, um "bâton", um perfume!
SENHORAS E MOÇAS, antes de encomendar vestidos novos e caros para a Semana Santa, pensem nas crianças sem roupa e nas mulheres do Nordeste, que tudo perderam nas águas! Será mesmo necessário um vestido novo para acompanhar Jesus esfarrapado ao Calvário?
O fruto dessas renúncias pode resultar em muitos milhares de cruzeiros, que transformaremos em roupa, alimentos, remédios, abrigos e futura construção de casas para os que tudo perderam.
Sanjoanenses, atendam com a sua proverbial generosidade ao apêlo que lhes dirige o Centro Artístico e Cultural.
Eis de que modo:
Nestes dias um grupo de senhoritas, contituído sobretudo pelas Bandeirantes, convocadas pela sua dirigente, Srta. Zoé Simões Coelho, visitará tôdas as lojas, casas de comércio, estabelecimentos industriais, bancos e residências particulares, para recolher donativos e contribuições.
Importante: a) Não há necessidade de assinaturas em listas e declarações das importâncias ofertadas. Não importa que o vizinho saiba quanto você deu: basta que Deus saiba.
b) Para evitar eventuais equívocos, as Bandeirantes irão uniformizadas e exibirão um cartão com apresentação e carimbo do C.A.C.. Sòmente assim poderão ser atendidas.
c) Os donativos poderão também ser entregues nos locais seguintes: Farmácia Guimarães, Casa Sade, Casa Assis, Casa Alves Neto, Joalheria Costa, Cantina Calabresa, Bar Social (Matosinhos), Casa Garcia (Matosinhos), Armazém Bassi & Castro (Fábricas) e finalmente na redação do "Diário do Comércio".
Perante os sofrimentos dos nossos irmãos não podemos ficar indiferentes.
Imitemos Verônica, enxugando as lágrimas no rosto de Cristo que padece nos flagelados do Nordeste brasileiro.
Diminuir a dor alheia será a melhor maneira de celebrar a Semana Santa.
Estendamos os braços, abramos os corações.
É um dever de humanidade.
É uma obrigação de patriotismo.
Mas é sobretudo uma lei do Cristianismo.
Pe. Luiz Zver — Presidente do C.A.C.

Fonte: Diário do Comércio, Ano XXIII, 30 de março de 1960, p. 1


3) REPERCUTE no Coração do Povo a Campanha em Favor das Vítimas das Inundações do Nordeste

Em comovente passeata pelos bairros, caravana do C.A.C. inicia a coleta pública, com alto-falante, banda de música e personalidades de destaque da sociedade local. A incansável e meritória colaboração das "Bandeirantes", sob o comando de Zoé Simões Coelho.

Quando a situação do Ceará, no açude de Orós, chegou a um momento dramático, "Diário do Comércio" tornou pública a sua intenção de iniciar imediatamente uma campanha em benefício das populações vitimadas. Isso foi no dia 27 de março. A 28, o presidente do C.A.C., Revmo. Padre Luiz Zver, entrava em entendimentos com êste jornal, pois o C.A.C. tinha resolvido fazer também uma campanha no mesmo sentido. Ficou então estabelecido que o C.A.C., assumindo o comando dêsse empreendimento, poderia contar com o apôio integral do "Diário do Comércio", o que vem ocorrendo sistemàticamente.
Já demos algumas notícias esparsas sôbre os primeiros movimentos voluntários, citando mesmo os primeiros donativos.
Mas foi na tarde de domingo, de acôrdo com os planos do C.A.C., que a campanha tomou o seu impulso mais vigoroso, reunindo-se os organizadores na Praça Raul Soares, com os veículos disponíveis, com banda de música, alto-falante e duas bandeiras, a Nacional e a das Bandeirantes. Êsse grupo da boa vontade sanjoanense percorreu diversos bairros da cidade, lentamente, tendo obtido o apôio da população, mesmo nas ruas mais pobres, verificando-se nêsse espetáculo de solidariedade humana que o povo sanjoanense não está ausente da grande tragédia que une ainda mais todos os brasileiros.
Com as bandeiras abertas e seguradas nas suas pontas por "fadinhas" ou Bandeirantes, o grupo esteve no bairro das Fábricas, em Matosinhos, no Tijuco e em outros locais, sendo chamadas, a todo momento, para receberem nas janelas das casas a contribuição valiosa e benemérita.
Foi um espetáculo comovente, tanto pela parte dos que atuaram diretamente no movimento, na formação da coluna precatória, como pela parte dos que acolheram com a máxima simpatia o grupo móvel do C.A.C..
No campo do Minas Futebol Clube, onde se realizava uma partida amistosa, as bandeiras receberam novos e numerosos donativos, tendo havido também uma homenagem dos clubes em jôgo, que fizeram um minuto de silêncio pelas vítimas da calamidade que enluta o Norte.
Entre os que acompanhavam a passeata do C.A.C., pudemos ver cidadãos nordestinos, definitivamente radicados em São João del-Rei, que emocionados ajudavam na campanha, prestigiando com a sua presença êsse movimento de tão grande alcance social.
A verdade é que o C.A.C., criado há tão pouco tempo, entidade que congrega valores de tôdas as colorações políticas e de tôdas as classes e profissões, está dando mais uma demonstração de quanto poderá essa organização fazer em benefício de São João del-Rei. Porque essa movimentação em favor das vítimas das inundações é uma prova da receptividade que tem o Centro Artístico e Cultural, apesar de ser ainda uma criança, fundado que foi no ano passado.
A senhorita Zoé Simões Coelho, na chefia das "Bandeirantes", auxiliada por suas colegas e subordinadas, deu a nota alta nêsse movimento de domingo, estando o povo sanjoanense na convicção de que as "Bandeirantes" constituem, sem dúvida, o símbolo vivo de muitos ideais que se materializam em boas ações.
A campanha do C.A.C. continua e há de receber do povo, do comércio, da indústria, dos funcionários públicos e dos profissionais liberais o apôio que nos merecem os brasileiros do Norte, pois a situação se agrava a cada momento, desde o Pará até Alagoas, em cêrca de oito Estados, tendo vindo oferecimentos de muitos países, até da Rússia.
É preciso considerar que neste momento as responsabilidades do Govêrno na calamidade devem ocupar um plano inferior. O auxílio é para as populações vitimadas e tôdas as considerações de outra espécie constituem um capítulo à parte.
Colaboremos, pois, com o C.A.C., para que em poucos dias possa o arcebispo de Fortaleza, o ilustre sanjoanense Dom Lustosa, ter a satisfação de receber de sua terra uma surprêsa que será motivo de alegria para Sua Excelência e de alívio para milhares de irmãos brasileiros.

Fonte: Diário do Comércio, Ano XXIII, 5 de abril de 1960, p. 1


4) Duas Cartas

Esta é a Carta — enviada pelo presidente do C.A.C. ao Bispo de Fortaleza

São João del-Rei, 8 de abril de 1960.
Excelência Reverendíssima,
Laudetur Christus.
Tenho a honra e a satisfação de comunicar a V. Excia. Revma. que seguiu hoje uma ordem telegráfica da Agência do Banco do Brasil desta cidade, pondo à Sua disposição a importância de Cr$ 100.000,00 (cem mil cruzeiros), donativo do povo da terra natal de V. Excia. para as vítimas das inundações do Nordeste brasileiro, sobretudo do Ceará.
Contribuíram para reunir essa quantia tôdas as classes sociais da cidade: operários e professoras, crianças dos Grupos Escolares, Bandeirantes, Fadinhas e alunos da Escola de Comércio, Bancários e Comerciários, as famílias mais abastadas e as mais pobres; ninguém, enfim, ficou indiferente ao apêlo e à campanha empreendida pelo Centro Artístico e Cultural de São João del-Rei.
Muito em breve esperamos remeter mais uma soma. Também alguns volumes, contendo principalmente roupa, serão nestes dias enviados a V. Excia. por intermédio da organização de socorros dirigida pelo Exmo. Sr. Dom Hélder Câmara.
Ainda que seja modesto o fruto dos nossos esforços e pequena a nossa contribuição defronte a tão graves necessidades, que afligem o Nordeste nesta hora angustiosa, fizemos questão de que tudo fôsse remetido e depositado nas mãos venerandas de V. Excia., na esperança de que sirva para aliviar um pouco os padecimentos dos Seus diocesanos como dos demais nordestinos, atingidos pelas inundações.
Quiséramos igualmente que o nosso gesto fizesse sentir a V. Excia. quanta estima e veneração Lhe dedica o povo de São João del-Rei, que se sente orgulhoso de tão ilustre, santo ² e querido concidadão.
Nas suas orações e no Santo sacrifício da Missa queira V. Excia. pedir a Deus pelo bem espiritual e temporal de todos quantos contribuíram com o seu óbulo e o seu trabalho para o êxito desta campanha e estender a Sua santa bênção também ao CENTRO ARTÍSTICO E CULTURAL DE SÃO JOÃO DEL-REI.
De V. Excia. Revma. servo humilde em Cristo nosso Senhor,
Pe. Luiz Zver SDB — Presidente do C.A.C.

RESPOSTA À CARTA DO PE. LUIZ ZVER

Presidente do C.A.C.
Fortaleza, 12-4-60
Revmo. Pe. Luiz Zver

Recebi a carta de V. Revma.
O Centro Artístico e Cultural, no seu gesto de caridade, conseguiu admirável êxito. Belo resultado da iniciativa de solidariedade cristã que muito comoveu os cearenses.
Não sei como agradecer a V. Revma. e a quantos cooperaram nessa iniciativa caridosa.
Como Presidente da Comissão Episcopal de Socôrro às vítimas das inundações, agradeço do fundo d' alma e peço a Deus larga recompensa para quantos concorreram para o movimento de socôrro aos flagelados.
As famílias desabrigadas estão voltando para suas casas — que não ruíram, — onde encontram lama e miséria. Têm o confôrto de saber que brasileiros distantes lhes estenderam a mão cristã.
Penhoradíssimo me subscrevo com amizade fraterna e gratidão, de V. Revma.
Antônio A. Lustosa
Arcebispo de Fortaleza

Nota: Além dos cem mil cruzeiros remetidos no dia 8, seguiram anteontem os sete volumes de donativos em roupas, alimentos, etc., e mais a importância em dinheiro de Cr$ 43.248,00.
Especial agradecimento ao Expresso Vera-Cruz, pelo transporte gratuito da mercadoria até o Rio de Janeiro, e à gerência do Banco do Brasil pela gentileza da remessa do dinheiro sem ônus para a campanha.
Pe. Luiz Zver

Fonte: Diário do Comércio, Ano XXIII, 20 de abril de 1960, p. 4


5) Na fase final a campanha pró-flagelados do Nordeste

A campanha empreendida pelo Centro Artístico e Cultural de São João del-Rei no mês passado em favor das vítimas das recentes inundações nordestinas está chegando ao seu fim, ultimando-se a coleta e o envio ao seu destino dos donativos que foram feitos por várias pessoas ainda nestes dias.
Anteontem, dia 9, através dos bons ofícios do Banco do Brasil, foi mais uma vez remetida para Fortaleza, nas mãos do Exmo. Sr. Dom Antônio de A. Lustosa, a importância de Cr$ 13.353,30, que somada às duas remessas anteriores, perfaz um total de Cr$ 156.601,90, fora os sete grandes volumes de roupas, alimentos, etc., que foram enviados durante as festas da Páscoa.
Para a soma desta terceira remessa em dinheiro, além de várias outras pessoas, contribuíram sobretudo o sr. Vicente Terra e a sua fábrica de pregos, a Associação de Ex-alunos de Dom Bosco, que ofereceu a renda de um espetáculo teatral realizado no Oratório de São João, e especialmente o sr. Antero Ribeiro Filho, que da vizinha Nazareno nos remeteu a bela importância de Cr$ 10.200,00, fruto do seu ânimo empreendedor e caridoso e do seu trabalho realizado entre os generosos Nazarenses.
A todos o muito-obrigado em nome do C.A.C. e dos flagelados socorridos. Que Deus lhes pague!
Pe. Luiz Zver

Fonte: Diário do Comércio, Ano XXIII, 10 de maio de 1960, p. 4



III.  NOTAS DO AUTOR

 
¹  Dom Antônio de Almeida Lustosa, Arcebispo da Arquidiocese de Fortaleza, tinha onze irmãos, dos quais Dr. Carlos de Almeida Lustosa (1881-1937) foi o primeiro ortodontista do Brasil e Dr. Paulo de Almeida Lustosa (1887-1986) se destacou como o inventor e fabricante da "Cera Dr. Lustosa", muito utilizada desde 1922 para o alívio da dor de dente. Todos três são-joanenses!

²  O professor universitário cearense Francisco Sales Cunha, utilizando crônicas e cartas pastorais, em que Dom Antônio de Almeida Lustosa procurava sensibilizar leitores para o cultivo de valores cristãos e a responsabilidade social, tem desenvolvido inúmeras produções literárias e estudos sobre esse intelectual são-joanense, pelo menos desde 2006. É da sua autoria a Breve Biografia de Dom Lustosa que transcrevo a seguir:
"(Dom Antônio) nasceu na cidade de São João del-Rei, em Minas Gerais, no dia 11 de fevereiro de 1886. De seus pais que eram cristãos exemplares, recebeu Antônio Lustosa uma boa formação humana e cristã. Menino inteligente e de boa índole, logo se revelou educado e possuidor de visíveis sinais de vocação para o sacerdócio. Ingressou na Congregação Salesiana, tornando-se religioso em 28 de janeiro de 1906. Ordenado sacerdote no dia 28 de janeiro de 1911 e, após ocupar vários cargos na Congregação, foi nomeado Bispo, sendo ordenado para a sagrada ordem do Episcopado no dia 11 de fevereiro de 1925.
Exerceu o ministério de bispo em quatro dioceses: em Uberaba, no Estado de Minas Gerais, durante quatro anos; em Corumbá, no Estado de Mato Grosso do Sul, por dois anos; em Belém, no Estado do Pará, trabalhou ao longo de dez anos; à Arquidiocese de Fortaleza, porém, como arcebispo, dedicou ele 22 preciosos anos de sua vida de pastor amigo e bispo santo, no meio do seu povo sofrido (05/11/1941 a 11/05/1963).
Plenamente identificado, viveu intensamente a sorte do povo cearense, chegando a pedir esmola em favor do povo torturado pelo flagelo da seca. Assim como o povo hebreu no deserto, dizia ele: "... também nossos pobres flagelados, ora sob a nuvem luminosa de uma esperança ilusória, ora sob a nuvem sombria de uma decepção dolorosa" (Terra Martirizada, p. 44). No intuito de ajudar os seminaristas e socorrer os pobres, escreveu numerosos livros. Homem verdadeiramente de Deus, sempre preocupado com o bem-estar das pessoas, ele foi o pai e o amigo dos pobres, testemunhando sua caridade com gestos muitos e concretos.
Terminado o tempo de Arcebispo em Fortaleza, humilde e obediente, recolheu-se na Casa Salesiana de Carpina, em Pernambuco. Aí entre os seminaristas, como confessor, viveu santamente seus últimos anos de vida, entre o trabalho, o sofrimento e a oração, vindo a falecer no dia 14 de agosto de 1974.
A Arquidiocese de Fortaleza, tendo à frente o Sr. Arcebispo, Dom José Antônio, já abriu e encerrou o processo local de beatificação e canonização, remetendo-o a Roma, onde se encontra atualmente. Resta: rezar, divulgar sua vida, sua missão e aguardar que se cumpra nele a vontade expressa de Deus: "Sede santos porque eu sou santo" (I Pe 1:16).

'Abre teus olhos à luz da fé, para saberes apoiar o dom de Deus.'
'Não é só de pão, mas é também de pão que vive o homem.'
'Na hora da provação apura-se-nos o sentimento da gratidão. E urge conosco o dever de significar aos que nos estendem a mão quanto nos penhorou o conforto quem, na hora amarga, nos dispensaram.'
Dom Antônio de Almeida Lustosa"

Além desse depoimento fiel, cabe-me reproduzir aqui trecho do livro D. Antônio de Almeida Lustosa: um discípulo do Mestre — manso e humilde, em que o autor, o saudoso Vinícius (Antonius Holanda de) Barros Leal (Baturité, 1922-Fortaleza, 2010), assim se expressou sobre a ação social de D. Antônio em Fortaleza nas pp. 128-130:
"Logo no início de seu episcopado sobressaiu a impressão do grande abandono em que jaziam milhares de homens, mulheres e crianças vítimas das calamidades, das injustiças sociais e da própria estrutura econômica da região. Uma verdadeira rotina nas instituições assistenciais detinha qualquer efeito benéfico de iniciativas governamentais ou particulares no sentido de minorar este estado de coisas. O povo, embotado pela repercussão de sua própria condição, não se animava a exigir um melhor tratamento ou a aspirar uma situação mais condigna. D. Antônio entendeu a grandeza do problema e passou a agir contra tal influência obnubilante, criando, ainda nos primeiros tempos de sua chegada ao Ceará, os Postos Arquidiocesanos de Saúde, verdadeira bênção para a pobreza desamparada. (...)
D. Antônio teve a intuição, nesse caso da assistência médica, como em outros setores de seu trabalho social, de criar associações mantenedoras para assegurar a captação de recursos públicos e particulares para a sustentação das valiosas obras. No caso específico dos Postos Médicos, fundou a Associação Protetora dos Doentes Pobres, através da qual eram reunidos fundos em dinheiro e adquiridos os bens necessários ao pronto atendimento dos necessitados.
Data de 1945 a fundação dos primeiros postos dessa instituição. No dia primeiro de agosto daquele ano foram instaladas unidades de saúde nos seguintes bairros:
1— Piedade, sob a direção das Irmãs do Colégio da Imaculada Conceição...
2— Posto São Vicente, no bairro da Pirocaia...
3— Posto de Santa Luzia, na Igreja da mesma invocação...
4— Posto de Santa Luísa, no Mucuripe...
5— Posto São João, no bairro de São João do Tauape...
6— Posto da Sagrada Família, no Bairro Vermelho...
7— Em Cajazeiras, o Posto Santa Rosa de Viterbo...
8— O Posto Nossa Senhora das Dores, sob a direção das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado...
9— Na Floresta, o Posto da Imaculada Conceição...
10— O Posto La Sallete, no bairro de Sallete...
11— A 12 de outubro de 1945 foi instalado o Posto São Francisco, na Avenida Francisco Sá...
12— Em janeiro de 1946 foi instalado o décimo segundo Posto, no bairro Arraial Moura Brasil. (...)
13— Posto Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Carlito Pamplona...
(...) Os serviços odontológicos ficaram a cargo de profissionais competentes que atendiam na Rua Pedro Borges, 249 e no Centro Assistencial Santa Luzia, onde quatro dentistas (...) prestavam todos os socorros odontológicos necessários a uma grande parte da população pobre de diversos bairros de Fortaleza. (...)"

No domínio da educação, ou seja, da instrução gratuita aos pobres, D. Antônio se excedeu em sua atividade de caráter social. Vou abster-me de citar todos os seus feitos nesta área, para não ultrapassar os limites deste post. Cabe, entretanto, citar que "nenhuma obra neste setor educacional foi mais duradoura e teve maior significação do que a fundação da Escola de Serviço Social, patrocinada pela Associação de Educação Familiar e Social, instituição arquiepiscopal mantenedora da entidade que mais tarde foi incorporada à Universidade Federal do Ceará, pelo Reitor Martins Filho." (LEAL, 1992, p. 133)

Também a Semana Social em setembro de 1945, idealizada por D. Antônio, foi outro grande momento da ação social desenvolvida em Fortaleza. Com essa iniciativa, D. Antônio conseguiu as adesões mais significativas das autoridades civis e militares de todos os quadrantes do Brasil. Não só o Núncio Apostólico exaltou essa iniciativa, mas o próprio Papa mandou uma bênção especial a todos os envolvidos com a realização da Semana Social (conferencistas, faculdades, colégios, associações de classe, rádio e imprensa). Segundo LEAL, 1992, p. 134, "a finalidade da Semana era, entre outros objetivos, tornar esclarecida a classe operária, diante da intensa propaganda comunista e recrutamento manhoso de novos adeptos no meio trabalhador. A agremiação esquerdista, orientada por Luiz Carlos Prestes e contando em Fortaleza com ardorosos sectários, através dos "Comitês populares" estava em ampla campanha de arregimentação, tudo fazendo para divulgar a sua doutrina materialista entre os operários."

D. Antônio acreditava que não só ao Governo competia a responsabilidade do bem-estar social. À Igreja, como mãe e mestra, à sua maneira e sem substituir o Estado, cabia a função de educadora da humanidade. Entendia que "um milenar patrimônio de valores cristãos é um lastro suficiente para fazer inspirar o estabelecimento de uma sociedade conforme Deus delegou ao homem aperfeiçoar... Diversas radiomensagens de Pio XII estão repletas desses ensinamentos e foram roteiros seguros para a pastoral social de D. Antônio. Encontrou ele, na realização da Semana Social, um meio de sensibilizar a população cearense ao melhor conhecimento das conquistas sociais, especialmente depois dos estudos mais acurados e de aplicação dos ditames das encíclicas e pronunciamentos papais, a datar de Leão XIII." (LEAL, 1992, p. 135)

Para não me estender muito mais no estudo da ação social desenvolvida por D. Antônio, acho conveniente concluir em comunhão com LEAL, 1992, p. 123: "Até ao fim de sua vida defendeu a dignidade da pessoa humana e essa sua afeição a tal esforço fê-lo merecer, justamente, a aplicação daquelas sábias palavras do filho de Deus em Ap. 2, 19: 'conheço tuas últimas obras, maiores do que as primeiras'."



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CUNHA, F.S.: Blog de Dom Antônio de Almeida Lustosa, no seguinte endereço eletrônico: http://domantonioalustosa.blogspot.com.br/

Diário do Comércio: O Açude de Orós, o maior do Brasil, cedendo ao pêso das águas, atingirá e destruirá cinco cidades do Ceará, Ano XXIII, edição de 27 de março de 1960, p. 1
        . REPERCUTE no Coração do Povo a Campanha em Favor das Vítimas das Inundações do Nordeste, Ano XXIII, edição de 5 de abril de 1960, p. 1

LEAL, V.B.: D. ANTÔNIO DE ALMEIDA LUSTOSA: UM DISCÍPULO DO MESTRE - MANSO E HUMILDE, Fortaleza: sem referência de editoração, 1992, 178 p.

ZVER, L.: Ajudemos os nossos irmãos do Nordeste! (Apêlo do Centro Artístico e Cultural ao povo sanjoanense), in Diário do Comércio, Ano XXIII, edição de 30 de março de 1960, p. 1
          . Duas Cartas, in Diário do Comércio, Ano XXIII, edição de 20 de abril de 1960, p. 4
       . Na fase final a campanha pró-flagelados do Nordeste, in Diário do Comércio, Ano XXIII, edição de 10 de maio de 1960, p. 4

12 comentários:

A. Molina disse...

Boa tarde !!
Amigo Braga !

Tive o prazer de ver o seu trabalho , muito bom , meus parabéns .

Abraços

Molina

Prof. José Maurício de Carvalho disse...

Li alguns textos do pe. Luiz. Ele era especialmente culto e é bom que podemos cultivar sua memória. Mauricio.

Ulisses Passarelli disse...

Mais uma excelente pesquisa. Homem notável o Padre Zver!

Prof. Fernando Teixeira disse...

Prezado Braga, há figuras que marcam nossa vida e das comunidades. Padre Luiz é uma destas figuras. Marcou sua vida e a de São João del-Rei. Abraço do Fernando Teixeira

Prof. Ulisses Passarelli disse...

Prezado mestre das letras:
Li ontem sua matéria sobre o Padre Zver acudindo aos nordestinos. Mais uma excelente contribuição para enaltecer este grande nome que tanto serviço prestou à nossa terra.

Com um abraço fraterno, Ulisses.

José Luiz Alquéres disse...

Abraço
Obrigado
JLuizAlquéres

RUTE PARDINI disse...

QUERIDO MARIDO; FICO MUITO CONTENTE AO VER QUANTAS BENESSES O GRANDE LUIZ SVER FEZ AOS POBRES NÃO SÓ DE SÃO JOÃO MAS A VÁRIOS LOCAIS NESTE RINCÃO NACIONAL. PARABÉNS PELO SEU CARISMA PELO SVER E PELA SUA TÃO QUERIDA SÃO JOÃO DEL-REI.
SUA ESPOSA E ADMIRADORA:
RUTE

Prof. Dr. Adriano Benaon disse...

Prezado colega Dr. Braga,



Grato pela comunicação destes seus trabalhos, que li e estou mantendo em meus arquivos, como referência em temas referentes a educação e formação moral, a qual também é muito importante para a constituição de um sistema político capaz de viabilizar o Brasil como nação, algo que se vem tornando cada vez mais carente, há numerosos decênios.

Adriano Benayon

Prof. Dr. Adriano Benayon disse...

Caro Braga,

Grato pela transmissão de seu texto, o qual, enquanto resume as atividades do Pe. Luiz Zver e enaltece a figura dele, utiliza o exemplo de sua trajetória de docente para enunciar, com comentários, os princípios que deve pôr em prática um educador de qualidade, sempre em evolução.

Parabéns e abraço de

Adriano Benayon

Aluízio José Viegas disse...

Caro Francisco,

Parabéns pela sua indicação como membro correspondente da Academia Barbacenense de Letras.

Tomei conhecimento também dos problemas que surgiram na Academia de Letras de São João del-Rei, tudo por vaidades pessoais.

Conselho de um velho amigo: Continue a ser a pessoa inteligente, ativa e que se preocupa em escrever e divulgar com seriedade os mais variados assuntos, tanto literários como históricos.

Você é um dos que dignificam o que aprenderam do grande mestre que foi o Padre Luiz Zver.

Tenho recebido seus e-mails e muito tenho aprendido com o que eles contêm.

Grande abraço e sucesso como novo membro da Academia Barbacenense de Letras.

Aluízio Viegas

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga

Impressionante compilação de dados sobre aqueles eventos e sua memória; uma ação que foi, a um só tempo, humanitária e pedagógica.
Aguardemos pela justa beatificação .
Saudações!
Cupertino

João Alvécio Sossai (escritor, autor de "Um homem chamado Ângelo e outras histórias, ex-salesiano da Faculdade Dom Bosco e ex-professor da UFES (1986-1996)) disse...

Muito interessante esse material. Não acompanhei o trabalho de D. Lustosa, mas fui testemunho do trabalho do Pe. Luiz Zver, principalmente na fundação e direção da APAE de SJDR.