Por Francisco José dos Santos Braga
Este artigo apareceu na íntegra no Portal Concertino e parcialmente no jornal ARRUIA, órgão da Associação Artística Coral Júlia Pardini, Ano LVI, nº 612, de junho de 2015.
Coluna de Seikilos com epitáfio e notação musical cinzelados (Copenhague, Museu Nacional, nº de inventário 14.897) |
I. EXPOSIÇÃO
O epitáfio de Seikilos é o mais antigo exemplo preservado de uma composição musical completa, incluindo notação musical. Essa inscrição data de um período que varia entre o século II a.C. até o ano 100 d.C. A canção, cuja melodia e ritmo foram cinzelados juntamente com a letra, foi encontrada num túmulo (estela ¹ funerária de mármore) perto de Aidin, Turquia (não distante de Éfeso).
Com relação à música escrita, sobrevivem 52 peças de música grega, embora numa forma fragmentária. Por exemplo, dispomos de um excerto musical da peça teatral Orestes, de Eurípedes, como de uma inscrição de música do Tesouro Ateniense em Delfos. Entretanto, a mais completa peça de música grega preservada é a canção de Seikilos, conforme visto acima.
Com relação à música escrita, sobrevivem 52 peças de música grega, embora numa forma fragmentária. Por exemplo, dispomos de um excerto musical da peça teatral Orestes, de Eurípedes, como de uma inscrição de música do Tesouro Ateniense em Delfos. Entretanto, a mais completa peça de música grega preservada é a canção de Seikilos, conforme visto acima.
Certamente que você está curioso de ouvir como era a música na Grécia antiga. Inicialmente, recomendo ouvi-la antes de continuar lendo. Uma melodia simples e diferente das atualmente encontradas na música europeia moderna, provavelmente pensada para ser acompanhada por uma lira, na estupenda versão do San Antonio Arts Ensemble, cuja gravação sugerida é denominada "Canção de Seikilos - Canção grega do 1º século A.C." no YouTube. A melodia é cantada numa aproximação da pronúncia do grego "koiné", que prevalecia na época da composição.
https://youtu.be/xERitvFYpAk
Também digno de referência é a reconstituição feita por Atrium Musicæ de Madrid - Gregorio Paniagua (1978) e constante de Harmonia Mundi HMU 1015 [LP], também no YouTube:
A seguir, reproduzo o texto grego encontrado na pedra funerária (na
mais antiga escrita politônica; o original está em maiúsculo), junto com
a transliteração das palavras que são cantadas melodicamente, e minha
tradução livre da estrofe:
Ὅσον ζῇς φαίνου
μηδὲν ὅλως σὺ λυποῦ
πρὸς ὀλίγον ἐστὶ τὸ ζῆν
τὸ τέλος ὁ χρόνος ἀπαιτεῖ.
Acredita-se que o epitáfio seja da autoria de Seikilos em memória de sua esposa, e consiste de quatro versos apenas, os quais falam da beleza da vida e destacam a única oportunidade de a
vivenciarmos da melhor maneira. A pronúncia dos vocábulos observa a
forma como os antigos Gregos falavam então.
não te entristeças demasiado;
a vida existe só por um instante
e o tempo cobra seu tributo."
Na partitura de Seikilos, observam-se, sobre a linha da letra, uma linha superior de letras maiúsculas e sinais para as notas e o ritmo.
Na inscrição, letras minúsculas (a letra propriamente dita da música), letras maiúsculas (notas) e sinais (ritmo) |
Melodia traduzida em moderna notação musical |
Dedicatória
Σείκιλος Εὐτέρ[πῃ] ²
"(De) Seikilos a Euterpe." Acredita-se que Euterpe tenha sido esposa de Seikilos.
Indicação
No túmulo há também uma indicação que declara em grego:
Εἰκὼν ἡ λίθος εἰμί. Τίθησί με Σείκιλος ἔνθα μνήμης ἀθανάτου σῆμα πολυχρόνιον.
Trad.: "Eu sou a lápide, uma imagem. Seikilos colocou-me aqui como um sinal duradouro de memória perene."
Notação
A melodia original estava num compasso cuja fórmula aproximadamente corresponde a 6/8 (compasso binário composto). A melodia tem a extensão de 8 compassos e tem certas características, a saber:
— não há intervalos maiores do que uma terça (excetuando o intervalo de quinta no primeiro compasso), denotando sua origem vocal
— o registro só alcança uma oitava, ou seja, a melodia foi estruturada dentro de uma simples oitava
— um motivo descendente (de C# a G natural)
— os Gregos usavam as letras maiúsculas de seu alfabeto para denotar as notas da escala
— a duração da nota era indicada por uma linha ou outro símbolo sobre a letra
— não havia acentos, pontuação e espaços entre as palavras
— a tônica (nota central, mese ³ em grego) aparentemente recai em lá, sendo a cadência: lá-fá#-mi (Cf. moderna notação musical acima)
— Reinach sugere duas fermatas na última nota do 4º e 8º compassos para melhor fraseado e respiração do(a) cantor(a). A canção jônica helenística está no modo frígio (phrygisti), o modo D, com sua tônica na mesma posição relativa da do modo dórico. ⁴
II. NOTAS EXPLICATIVAS
¹ στήλη em grego
² Euterpe, de acordo com a mitologia grega, era uma das nove musas, as filhas de Zeus e Mnemósine, filha de Oceano e Tétis. Era a musa da Música. Etimologicamente, Euterpe significa a Doadora de Prazeres [do grego eu (bom, bem), e τέρπ-εω (dar prazer)].
³ "Em toda a boa música o mese repete-se com frequência, e todos os bons compositores recorrem frequentemente ao mese, e, se o deixam, é para em breve voltarem a ele, como não o fazem com mais nenhuma nota." [Cf. ARISTÓTELES: Problemas, 19.20 (919a)]
⁴ Apud [CANDÉ, 1994, 78]
III. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CANDÉ, Roland: História Universal da Música, Livraria Martins Fontes Editora, São Paulo, 1994, vol. I, 629 p.
WIKIPEDIA. Cf. verbete "Seikilos Epitaph"
— a tônica (nota central, mese ³ em grego) aparentemente recai em lá, sendo a cadência: lá-fá#-mi (Cf. moderna notação musical acima)
— Reinach sugere duas fermatas na última nota do 4º e 8º compassos para melhor fraseado e respiração do(a) cantor(a). A canção jônica helenística está no modo frígio (phrygisti), o modo D, com sua tônica na mesma posição relativa da do modo dórico. ⁴
II. NOTAS EXPLICATIVAS
¹ στήλη em grego
² Euterpe, de acordo com a mitologia grega, era uma das nove musas, as filhas de Zeus e Mnemósine, filha de Oceano e Tétis. Era a musa da Música. Etimologicamente, Euterpe significa a Doadora de Prazeres [do grego eu (bom, bem), e τέρπ-εω (dar prazer)].
³ "Em toda a boa música o mese repete-se com frequência, e todos os bons compositores recorrem frequentemente ao mese, e, se o deixam, é para em breve voltarem a ele, como não o fazem com mais nenhuma nota." [Cf. ARISTÓTELES: Problemas, 19.20 (919a)]
⁴ Apud [CANDÉ, 1994, 78]
III. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CANDÉ, Roland: História Universal da Música, Livraria Martins Fontes Editora, São Paulo, 1994, vol. I, 629 p.
WIKIPEDIA. Cf. verbete "Seikilos Epitaph"
15 comentários:
Meu amigo Francisco Braga, Consultor Legislativo do Senado Federal, aposentado como eu, ensaísta, formado em Letras e em Composição Musical, pós-graduado em Administração, helenista, músico, poliglota, intelectual produtivo, escreveu o artigo abaixo tratando do Epitáfio de Seikilos, que é o mais antigo exemplo preservado de uma composição musical completa, incluindo notação musical. Essa inscrição data de fins do século II A.C. A canção, cuja melodia, cinzelada juntamente com a letra, foi encontrada num túmulo (estela de mármore) perto de Aidin, Turquia (não distante de Éfeso). Além de informações referente a esse achado, é oferecida uma gravação no YouTube para essa composição musical.
Link: http://bragamusician.blogspot.com.br/2015/06/epitafio-de-seikilos-primeira.html
Abraço do Marcelo Câmara.
Muito interessante.
Obrigado, meu caro.
Anderson
Impressionante.
Francisco bela tradução para uma música rara. Éric Ponty
Caro mestre e dileto confrade, boa noite. Seus textos sempre chegam a me arrancar da cadeira e eu me ponho a levitar. Isto é o habitual.
Contudo, hoje, seu texto, prenhe de sublimidade não só me pôs a levitar somente. Eu me pus a imaginar que era o próprio Pã. Um homem como você, meu querido amigo, nem tem o direito de morrer. Seja eterno que a humanidade agradecerá.
Um abraço.
Prezado FJSBRAGA,
confesso que não conhecia o belo epitáfio. Num livro que estou preparando publico o de Simônides [VI-V a.C.] sobre o desfiladeiro das Termópilas: "Estrangeiro, vai contar aos Lacedemônios / que jazemos aqui, / por obedecermos às suas ordens". Abraço do Gilberto Mendonça Teles
Caríssimo Braga,
a herança cultural de nossas antepassados , especialmente do Oriente, é suficientemente rica para provocar surpresa e admiração. Obrigado pelo envio. Saudações fraternas para você e Rute. Fernando Teixeira
Eis a lápide, rocha eterna, aqui sim Seikilos sela seu amor perene a sua Euterpe que se foi.
E não há forma melhor para demonstrar para a posteridade seu amor que não seja através do canto.
Aqui nesta lápide fria, ele mergulha no seu eu poético fazendo brotar do mais profundo sentimento a saudade.
Numa mistura de lamento e admiração, Seikilos eleva sua alma ao encontro de sua amada.
Nesses quatro versos que falam da beleza da vida destacou a única oportunidade de a vivenciarmos da melhor maneira - aqui e agora.
Recomendou que vivamos com intensidade o nosso amor, pois a vida é breve! Depois só nos restam o lamento e a lembrança.
Parabéns, meu amado Francisco, pelo belo trabalho elaborado no Dia dos Namorados.
Recebo seu trabalho como uma dávida de amor, estando eu viva. Pena que Euterpe não tenha podido fazer o mesmo. Provavelmente ela o tenha dito no aconchego dos braços de seu amado Seikilos...
Francisco, amo-o hoje e amarei eternamente. De sua esposa Rute.
Que interessante! Notável.
Abç. Ulisses.
Meu prezado amigo FJSBraga, voce sempre me surpreende agradavelmente com envio de peças únicas.
Parabéns!
Abs Lúcio Flavio.
Brilhante, como sempre! Com meu abraço cordial, primo Antônio.
Prezado Braga,
Excelente artigo!
Você não gostaria de publicá-lo no Concertino?
Parabéns por mais este belo trabalho.
Um abraço,
Elza
Prezado Braga,
É com imensa satisfação que temos mais um artigo de sua autoria publicado no Concertino:
http://www.concertino.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8128
Ele está na categoria Textos.
Agradeço, mais uma vez, a sua preciosa colaboração.
Um abraço,
Elza
Cara Tia Elza,
Boa noite!
Venho agradecer-lhe de forma muito especial a colaboração na divulgação do meu trabalho sobre o Epitáfio de Seikilos (primeira partitura completa do mundo), o que se deu no nº 612 do seu prestigioso jornal ARRUIA, órgão da ASSOCIAÇÃO ARTÍSTICA CORAL JÚLIA PARDINI, de Belo Horizonte.
Com atitudes altruístas como a sua é que tenho conseguido manter funcionando o BLOG DO BRAGA, cujo objetivo é não deixar morrer o que nos legaram nossos maiores, como Carlos Gomes e Villa-Lobos, para só citar dois.
Aceite meus protestos de estima e consideração,
Cordialmente,
Francisco Braga
Primeiramente, devo agradecer as excelentes pesquisas que me tem enviado, e que sempre leio com interesse, especialmente quando abordam temas ligados a S. João del-Rei e à Grécia Antiga, sua língua, literatura e cultura. Estudei um pouco de romaico quando de meu curso de Teologia (1950-1953): entre os pedreiros que trabalhavam na construção de um novo prédio, havia dois gregos analfabetos – em grego e em português (de grego só sabiam o alfabeto e escrever o próprio nome). Como eles moravam na área da construção, todas as noites eu ia lá para alfabetizá-los, em romaico e em português; e eles me ensinavam um pouco de romaico: meia hora cada. Claro que saí perdendo, pois eu dedicava mais tempo a eles; mas valeu para eu ter ao menos uma ideia das mudanças. Depois, consegui um livrinho de conversação (romaico-italiano).
Um forte abraço do amigo
Gruen
Postar um comentário