terça-feira, 3 de dezembro de 2019

BIOBIBLIOGRAFIA DE KOSTÍS PALAMÁS

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Por Francisco José dos Santos Braga

KOSTÍS PALAMÁS (Patras, 1859-Atenas, 1943)

KOSTÍS PALAMÁS nasceu em Patras em 1859. Depois de perder sua mãe Penélope com apenas cinco anos de idade e, logo depois, seu pai Michail com a idade de seis anos, passou o resto de sua infância junto a seu tio Dimítrios em Messolonghi. Começou a escrever poemas aos nove anos. Em 1875 partiu para Atenas para estudar Direito na Universidade de Atenas, porém logo abandonou seus estudos para dedicar-se à literatura, não se graduando em nenhuma área do conhecimento a partir de então. Casou-se com Maria Válvi, em 1897. Logo foi nomeado secretário da Universidade de Atenas, cargo que manteve até sua aposentadoria em 1926.
De sua extensa obra poética sobressai um breve porém intensíssimo poema A Tumba (1898), escrito e publicado em maio de 1898, tendo por motivo a morte precoce de seu filho Alkis, acontecida apenas uns meses antes dos quatro anos de idade. Este comovedor treno elegíaco, composto em versos heptassilábicos próprios da canção popular, continua a emocionar multidões de leitores por todo o mundo.
Sua obra poética é grande em extensão e importância e teve uma enorme repercussão em sua época. Suas duas primeiras coletâneas, Canções de Minha Pátria (1886) e Olhos de Minha Alma (1892), ainda apresentam ecos de Romantismo da Primeira Escola Ateniense e alguns remanescentes da língua “purista” conhecida por katharévoussa.
Sua opção pela língua do povo (língua grega demótica) para sua poesia, num momento em que aquela estava proibida para o uso oficial e desprestigiada pelos próprios escritores, abriu um novo caminho de expressão lírica que, a partir de então, tem sido seguido pela maioria dos poetas posteriores até hoje.

É notável na obra de Palamás, reconhecido como "o poeta nacional da Grécia", a delicadeza com que saúda a língua de seu povo, por exemplo na estrofe final de seu poema "As Cem Vozes da Lira" in A Vida Imutável:
“Tu, nereida do lógos, língua de minha mãe
E de minha alma, (...)
Ó língua grega, vencedora da morte!” ¹

De sua extensa obra poética destacam-se ainda Hino a Athená ², deusa da sabedoria e das artes domésticas e patrona da cidade de Atenas e dos gregos (1889), Iambos e Anapestos (1897), A Tumba (1898), A Vida Imutável (1904) e O Dodecálogo do Cigano (1907), para citar apenas cinco. Com este último, Palamás parece ter alcançado sua maturidade plena literária. Seu livro é uma viagem poética e filosófica. Seu "cigano" é um rebelde intelectual livre pensador, um cigano grego num mundo grego pós-clássico, pós-bizantino, um explorador de trabalho, amor, arte, país, história, religião e ciência, profundamente ciente de suas raízes e das contradições entre suas heranças clássica e cristã.

Quatro anos após sua admissão no cargo de secretário da universidade, foi tachado de antinacional por ser uma das vozes a favor do demoticismo, na questão da língua grega que eclodiu com os 'Distúrbios do Evangelho' em novembro de 1901. A tradução do Novo Testamento na língua demótica por Queen Olga e Aléxandros Pállis forneceu os ingredientes para uma intensa confrontação entre ‘puristas’ (defensores da katharévousa) e ‘demoticistas’ (defensores da língua grega demótica). Certamente, o apoio de Palamás ao vernáculo, junto com Yannis Psicháris, autor da primeira gramática completa do idioma do povo, e Aléxandros Pállis, tradutor da Ilíada e do Novo Testamento, resultou em uma luta que ‘alcançou seu auge e explodiu em violência em novembro de 1901, quando oito estudantes universitários foram mortos e sessenta feridos³; foi essa tradição nativa de tradução que abriu o caminho para se tornar “poeta de um Novo Mundo”, como o chamou Aristides E. Phoutrides, tradutor de seus poemas em 1919, 1921 e 1923, para o inglês. Consta que se lê numa inscrição dentro da coletânea: “Kostes Palamas: Greatest Poet of Modern Greece”. Em 1925, Theodore Ph. Stephanides e George C. Katsimbalis colaboraram para a antologia de poemas de Palamás em inglês intitulada “Poems”; no ano seguinte, a mesma dupla responsabilizou-se pela antologia “Modern Greek Poems” selecionados e traduzidos para o inglês, pela editora londrina Hazell, Watson & Viney, onde, entre outros poetas, também colabora Palamás com alguns de seus poemas.

Sociedade Literária Parnassos (da esq. p/ dir.: Georgios Stratigis, Georgios Drossinis, Yoannis Polemis, Palamás no centro, Georgios Souris e Aristomenis Provelengios, poetas da Nova Escola Ateniense. ) Pintura por Georgios Roilos.
É digno de nota que, com exceção de dois poemas por Cavafy aparecendo esporadicamente, a obra de Palamás domina o mundo da tradução inglesa até 1941, uma vez que o primeiro volume póstumo de poesia reunida de Cavafy apareceu em 1935, tendo sido traduzida toda a sua obra para o inglês apenas em 1951 por John Mavrogordato.
Palamás morreu em Atenas em 27 de fevereiro de 1943, reconhecido mundialmente por ser autor de extensa obra literária, como contista, poeta, crítico literário e tradutor. O poeta grego Ángelos Sikelianós prestou sua última homenagem ao amigo que havia partido, declamando, em sua honra, tocante elegia, intitulada “Palamás”.

Romain Rolland o considerava o maior poeta da Europa e, segundo The Nomination Database for the Nobel Prize in Literature, 1901-1950, Palamás foi candidato ao Prêmio Nobel de Literatura quatorze vezes (1926, 1927, 1928, 1929, 1930, 1931, 1932, 1933, 1934, 1935, 1936, 1937, 1938 e 1940), mas nunca foi agraciado com tal distinção.
Palamás foi um dos críticos literários mais respeitados de sua época e essencial na reavaliação das obras de Andréas Kálvos, Dionysios Solomós e da "Escola Jônica" de poesia, Kóstas Krystallis e outros. Para o teatro, deixou o drama em quatro partes Três vezes Nobre (1902).
Sua obra poética é grande em extensão e importância e teve uma enorme repercussão em sua época.

Do currículo de Palamás constam ainda reconhecimentos e honras recebidas de diversas entidades culturais e literárias, dos quais destacamos os seguintes:
Palamás escreveu a letra do Hino Olímpico, com arranjo musical por Spyrídon Samáras. Foi apresentado pela primeira vez nos Jogos Olímpicos de Verão de 1896, quando foram reinaugurados os Jogos Olímpicos modernos; a versão de Samáras e Palamás foi declarada o Hino Olímpico oficial em 1958 e tem feito parte de cada celebração dos Jogos desde 1960. Conhecido mundialmente por ser o autor da letra do Hino Olímpico, escreveu extensa obra poética. Embora tenha escrito em todos os tipos de discurso, o mais significativo de sua obra são seus poemas.
Palamás foi proclamado um dos principais prosadores e um dos três principais poetas de todos os tempos.
Seu nome figura no frontispício do “Museu do Teatro Grego”.
O antigo prédio da administração da Universidade de Atenas, no centro de Atenas, onde ficava seu escritório, agora é dedicado a ele como o "Edifício Kostís Palamás".
Em 1924, foi agraciado com a Legião de Honra do governo francês e, em 1934, recebeu do governo espanhol a medalha “Del la plaque del l᾿ Ordre de la Republique” e um ano depois lhe foi concedida a medalha da Biblioteca Ambrosiana de Milão.
Foi agraciado com a Excelência em Artes e Letras em 1925 pela Academia de Atenas, da qual foi nomeado membro em 1926, e mais tarde, eleito seu presidente em 1930.
No início de 1933 é condecorado com a medalha “Goethe” pelo embaixador alemão em Atenas.
É declarado presidente de honra da recém-fundada seção da Associação Internacional de Escritores e, pouco depois, recebe o "Prêmio Econômio" (sic).
No ano de 1936 é festejado o cinquentenário da contribuição do poeta para a poesia e literatura gregas, em comemoração ao 50º aniversário do seu primeiro livro "Canções da Minha Pátria" (1886). Recebeu o título de Decano da Ordem Real por sua contribuição nas “Letras e Arte” do Ministério da Educação grego.
Em 1937 um busto de Palamás é descerrado em Messolonghi.

O debate em torno da reforma linguística, que começou ainda em meados do século XIX, teve a cidade de Atenas por epicentro e o poeta Kostís Palamás como figura principal. Considerado um dos principais renovadores das letras gregas contemporâneas, Palamás, ao optar por escrever sua obra em língua do povo (grego demótico), abriu um novo caminho de expressão lírica que tem sido seguido pela maioria dos poetas posteriores até hoje. Seu nome está associado com a luta para libertar a Grécia moderna da língua “purista” katharévoussa e para garantir a predominância da literatura neo-helênica demótica, não só na poesia, mas também em todas as suas manifestações.

[DIDIER, 1971, 51-55] comenta que ”pouco a pouco, a língua viva se impõe em todos os domínios da literatura. Depois de grandes esforços, os demoticistas conseguem que se introduza seu estudo nas escolas primárias, em 1915. O uso da katharévoussa se mantém nos últimos cursos primários e em todos os demais graus de estudo. Perdura até hoje em grande parte das obras científicas, textos escolares, documentos estatais e eclesiásticos e na generalidade dos diários e revistas não literárias.”
O mesmo autor conclui, nas p. 69-70, entre outras coisas, que “a presença de uma diglossia ou bilinguismo artificial, reatualizado e institucionalizado depois da Independência, exerceu um nefasto efeito de freio sobre o desenvolvimento cultural do país e gravitou negativamente sobre a criação literária e sua difusão.” (grifo meu)

O grego (ελληνικά, transliterado eliniká ou ελληνική γλώσσα, transl. elinikí glóssa) moderno - isto é, o falar inicialmente restrito a um certo estrato das populações da Grécia meridional, acrescido de componentes eruditos e elementos estrangeiros (principalmente franceses e ingleses) - só se tornou a língua oficial do país em 1976. Até esta data, a língua oficial era a chamada "katharévoussa", o grego clássico, uma variante livresca decalcada do grego bizantino.


MODELO DE OBRA EM PROSA DE PALAMÁS: MORTE DE UM JOVEM (Θάνατος Παλληκαριού transliterado Thánatos Palikariú) EM PUBLICAÇÃO INÉDITA DO BLOG DO BRAGA

Morte de um Jovem”, uma narrativa em prosa escrita em 1891 por Kostís Palamás (1859-1943), continua obra inédita em língua portuguesa, apesar de sua importância na história da literatura grega, como se verá nos parágrafos que se seguem.
Kostís Palamás é um dos grandes poetas da literatura neo-helênica, todo um símbolo para várias gerações de escritores. É o máximo representante da chamada geração de 1880, que reagiu contra a corrente romântica que havia dominado o panorama literário grego durante boa parte do século XIX. A partir de então foram abandonados o retoricismo e o estilo empolado e foram buscadas novas formas de expressão, virando o olhar para a língua popular com o fim de explorar todas suas possibilidades como língua literária. Também se renovaram os temas. Os escritores desta geração encontraram motivos de inspiração no passado bizantino e medieval, ou nas tradições populares; mergulharam em todas essas fontes para tentar desentranhar o caráter propriamente grego e encontrar seus sinais de identidade coletiva.
Neste contexto se enquadram as narrativas de costumes e realista. Palamás, apesar de ser considerado sem contestação a figura central da poesia grega de fins do século XIX e início do XX, escreveu ao longo de sua vida uma série de narrativas breves, algumas de tema autobiográfico. A mais extensa de todas as de Palamás é “Morte de um Jovem”, ambientado em Thalassochóri, um povoado qualquer da Grécia, junto ao mar, com sua igreja na qual se celebrava com fervor a noite da Sexta-feira Santa. Assim se inicia a novela.

Esta novela de costumes, muito em voga no seu tempo, está escrita numa formosa língua popular e baseia-se num feito real, a saber, que Palamás diz que a novela lhe foi narrada por uma mulher do povo, uma lavadeira de Messolonghi. A sua determinação em reproduzir com exatidão quanto escutou dá à narrativa um aspecto personalíssimo, autêntica delícia para leitores e verdadeiro tormento para quaisquer tradutores.

O personagem central (Mitros, o Rumeliota) representa o tipo "heróico" do período imediatamente seguinte à Guerra da Independência grega, sobre o qual o espírito da "λεβεντιά ou leventiá" (bravura) marcou toda uma geração de jovens, para os quais foi construído o modelo de homem grego. Não há propriamente uma tradução para a palavra "palikári" (que traduzi simplesmente por jovem), mas o próprio Palamás deixa claro o sentido na frase onde define o nosso personagem: 
Mitros, o Rumeliota era um verdadeiro palikári e tinha todas as virtudes de um palikári: as palavras, o ímpeto, a bondade, a beleza e o orgulho, o amor pela vida e o desprezo pela morte.
Por fim, lembro que Palamás se serviu de um episódio na vida do jovem Mitros, o Rumeliota para mostrar-nos, em uma prosa simples porém cheia de lirismo, diversos aspectos da mentalidade popular grega: a religiosidade, as superstições, o conceito de honra e de amizade. Sua intenção é beber diretamente das fontes da tradição oral e transmitir ao leitor a essência da alma grega. 



NOTAS EXPLICATIVAS

 
¹  Revista Παναθήναια, 2º ano, edição nº 36 de 31/03/1902, Atenas, p. 374-5.
Link: https://www.lit.auth.gr/panathinaia/panathin_issue36_31MAR1902.pdf

² Em 1889, foi publicado o Hino a Athená, dedicado à sua esposa, pelo qual foi premiado no Concurso de Poesia da Filadélfia no mesmo ano.
 
³ Cf. CARABOTT, Philip: Politics, orthodoxy and the language question in Greece: the Gospel Riots of November 1901,  Malta: Journal of Mediterranean Studies, 1993, vol. 3, nº 1: 117-138.
Link: http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.694.5568&rep=rep1&type=pdf


  DIDIER, Miguel Castillo: Antologia de la Literatura Neohelenica - I - Poesia, Santiago de Chile: Editorial Andres Bello, 1971, 361 p.
Link: https://books.google.com.br/books?id=HE-Q1fEhGK0C&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false

8 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Eric Tirado Viegas (tradutor, escritor, proprietário dos blogs Eric Ponty Poesia Reunida e http://oranicefranco.blogspot.com.br/ (acervo de Oranice Franco), membro da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

brilhante

Gustavo Dourado (escritor, poeta de cordel e presidente da Academia Taguatinguense de Letras) disse...

Parabéns pelo texto, confrade, tudo de bom, abraços.

João Carlos Ramos (poeta, escritor, membro e ex-presidente da Academia Divinopolitana de Letras e sócio correspondente da Academia de Letras de São João del-Rei e da Academia Lavrense de Letras) disse...

Parabéns pela perfeita tradução ! O seu gênio é visível.

João Batista Ferreira (membro da AEXAM-Associação dos Ex-alunos dos Seminários de Mariana) disse...

OBRIGADO,
Braga!
Li com apreço a "prosaverso" na louca esperança de saborear novos textos e ouvir seus cantos.
Abraços.
João

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Um verdadeiro poema em prosa é como posso classificar “Morte de um Jovem”, uma novela de costumes publicada em 1891 por KOSTÍS PALAMÁS (1859-1943), inédita em língua portuguesa.
Lamentavelmente continua inédita em língua portuguesa praticamente toda a sua extensa obra literária, apesar de sua importância na história da literatura grega, como se verá a seguir.

Kostís Palamás, autor da novela "Morte de um Jovem", é um dos grandes poetas da literatura neo-helênica, todo um símbolo para várias gerações de escritores. É o máximo representante da chamada geração de 1880, que reagiu contra a corrente romântica que havia dominado o panorama literário grego durante boa parte do século XIX. A partir dessa iniciativa foram abandonados o retoricismo e o estilo empolado e foram buscadas novas formas de expressão, virando o olhar para a língua popular (demótica) com o fim de explorar todas suas possibilidades como língua literária.

Submeto à sua apreciação este meu trabalho de tradução, bem como uma biobibliografia de Kostís Palamás, que redigi para homenagear quem Romain Rolland considerava o maior poeta da Europa.

Biobibliografia de Kostís Palamás
https://bragamusician.blogspot.com/2019/12/biobibliografia-de-kostis-palamas_3.html

TEXTO: Morte de um Jovem, por Kostís Palamás
https://bragamusician.blogspot.com/2019/12/morte-de-um-jovem-por-kostis-palamas.html

Cordial abraço,
Francisco Braga

Pe. Dr. Zdzislaw Malczewski SChr (escritor e redator da Revista Polonicus, revista de reflexão Brasil-Polônia) disse...

Caro Sr. Francisco,

Mui agradecido pelos links. Li os textos. Mui interessantes!
Mas para nossa revista temática nao ajuda... Lamento... Se no meio de tantos gregos aparecesse um polônico pelo menos, já daria incluir na Revista Polonicus. Ha.. - gargalhada foi dada em polonês!

Um grande abraço e uma saudação da Terra dos Gaúchos - pe. Zdzislaw

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga;
Impressionante e comovente novela, em todos os sentidos, genial! Sua elaboração nesse texto do festejado Palamás e a divulgação de sua biobibliografia em língua portuguesa são verdadeiramente um marco, merecedoras de todo respeito. Parabéns.
Muitíssimo grato pela oportunidade.