sábado, 21 de maio de 2022

RECUPERE SEU LATIM > > PARTE 7: STABAT MATER


Por Francisco José dos Santos Braga


Em pé 'stava Maria das dores junto à cruz...


STABAT MATER 

Por Jacopone da Todi

 
Stabat mater dolorosa 
Juxta crucem lacrimosa, 
Dum penbat filiūs
 
Cujus animam gementem, 
Contristatam et dolentem 
Pertranvit gladiūs
 
O quam tristis et afflicta 
Fuit illa benedicta, 
Mater ūnigeni
 
Quae moerebat et dolebat, 
Et tremebat cum videbat 
Nati nas incli
 
Quis est homo qui non fleret, 
Matrem Christi si videret 
In tan suppliciō
 
Quis non posset contristari, 
Piam matrem contemplari 
Dolentēm cum Filiō
 
Pro peccatis suae gentis 
Iesum vidit in tormentis, 
Et flallis subditūm
 
Vidit suum dulcem Natum 
Moriendo desolatum, 
Dum esit spiritūm
 
Eja, mater, fons amoris 
Me sentire vim doloris, 
Fac, ut cum lugeām
 
Fac, ut ardeat cor meum 
In amando Christum Deum, 
Ut sicomplaceām
 
Sancta Mater, illud agas: 
Crucifixi fige plagas 
Cordi o vali
 
Tui Nati vulnerati, 
Tam dignati pro me pati, 
Pœnas cum divi
 
Fac me vere tecum flere, 
Crucifixo condolere, 
Donec ēgo vixe
 
Juxta crucem tecum stare, 
Et me tibi sociare 
In planc deside
 
Virgo virginum praeclara, 
Mihi jam non sis amara: 
Fac me cum plange
 
Fac, ut portem Christi mortem, 
Passionis ejus sortem, 
Et plagās recole
 
Fac me plagis vulnerari, 
Cruce hac inebriari, 
Oh arem filiī
 
Inflamatus et accensus, 
Per te, virgo, sim defensus 
In diē iudiciī
 
Fac me cruce custodiri, 
Morte Christi praemuniri, 
Confori gratiā
 
Quando corpus morietur, 
Fac ut animae donetur 
Parasi gloriā
 
Fonte: BRITTAIN, Frederick: The Medieval Latin and Romance Lyric to A.D. 1300, Cambridge: University Press, 1951 (2ª ed.), p. 206-7 
 

II. Um pouco de teoria sobre a forma poética utilizada no Stabat mater 
 
É oportuno analisar rapidamente a estrutura do poema Stabat mater. Ele foi escrito em versos conhecidos por tetrâmetros trocaicos. 
Para entender o significado disso, vou tentar resumir os principais pontos sobre o tema. 
Tetrâmetro é chamado o verso grego ou latino que possui 4 unidades rítmicas, denominadas pés
De acordo com a tradição greco-latina, um dos tipos de pés utilizados na poesia é o troqueu, onde uma sílaba tônica vem seguida por uma sílaba átona. Como exemplos, citamos as seguintes duas palavras existentes no poema: mater / homo. 
O tetrâmetro trocaico é o verso que se apresenta em quatro pares de sílabas poéticas com andamento trocaico, a saber: forte-fraca. Ex.: Juxta crucem lacrimosa 
Lembremo-nos então de que cada verso é composto por quatro troqueus. Um troqueu nada mais é do que um pé formado por duas sílabas, em que a primeira é tônica, e a segunda átona. A representação mais usual é a seguinte: (‒ ⏑)
Lembremo-nos também de que neste poema todos os versos são acentuais, diferentes portanto dos utilizados pelos poetas clássicos das duas literaturas, como Homero e Virgílio, em cujos versos vigorou a quantidade caracterizada por sílabas longas e breves. 
Lembremo-nos de que os acentos ocorrem na 1ª, 3ª, 5ª e 7ª sílabas de cada verso. Se cada verso contém quatro troqueus, então justamente se dirá que ele é tetramétrico
O último troqueu de algum verso, no entanto, pode ser monossilábico, encontrando-se incompleto. A este corte se dá o nome bonito de catalexis, e por isso se diz que o último troqueu é cataléctico. Observemos que, no caso do poema Stabat mater, há 20 estrofes cujo troqueu do último verso, na sua totalidade, é cataléctico. 
Tomemos o exemplo da primeira estrofe, em que o último verso: Dum pendebat filius. Na primeira estrofe, o que se deve enfatizar é que o ritmo dos dois primeiros versos deve ser mantido no verso final, mesmo se os dois primeiros têm 8 sílabas (4 troqueus) e o último verso, também 4 troqueus mas de 7 sílabas, porque o último troqueu aparece incompleto. O mesmo fenômeno se repete nas outras 19 estrofes, em que o último troqueu do 3º verso de cada estrofe é cataléctico. 
Conforme dito, a acentuação continua na 1ª, 3ª, 5ª e 7ª sílabas, independente de se a 8ª sílaba existe ou se foi cortada.


III. MINHA TRADUÇÃO DO LATIM
 
Em pé 'stava a Mãe das dores,
Junto à cruz, lacrimosa,
Da qual pendia o filho.
 
Cuja alma gemente, 
contristada e dolente 
a espada atravessou.
 
Oh quão triste e quão aflita
Estava aquela Mãe bendita,
Que só tinha aquele filho!
 
Ela suspirava e gemia 
e tremia, ao ver as penas 
do ilustre filho seu.
 
Quem de nós não choraria 
pela Mãe de Cristo, se a visse 
em tão grande suplício?
 
Quem não se entristeceria 
ao contemplar a Mãe de Cristo 
padecendo com seu filho?
 
Pelos pecados de seu povo, 
viu Jesus em tormentos 
e submetido aos flagelos.
 
Viu seu doce filho
morrendo abandonado 
quando entregou seu espírito.
 
Oh mãe, fonte de amor, 
faz-me sentir a força da dor, 
para que eu chore contigo.
 
Faz arder meu coração 
no amor de Cristo Deus, 
para me comprazer com ele.
 
Santa Mãe, faz isto: 
grava fortemente em meu coração 
as chagas do crucificado.
 
Do teu filho que se dignou 
por mim padecer as penas, 
divide comigo.
 
Dá-me contigo deveras chorar, 
sofrer com o crucificado 
enquanto viver.
 
Quero estar contigo junto à cruz 
e, de boa vontade, associar-me
ao teu pranto.
 
Virgem das virgens preclara, 
não sejas amarga comigo, 
dá-me contigo chorar.
 
Dá-me portar a morte de Cristo, 
participar de sua paixão 
e venerar suas chagas.
 
Dá-me ser ferido pelas chagas, 
por esta cruz ser embriagado 
de amor pelo teu filho.
 
Em chamas e brasas, 
por ti, ó Virgem, seja defendido 
no dia do juízo.
 
Dá-me ser guardado pela cruz, 
ser fortalecido pela morte de Cristo, 
ser restaurado pela graça.
 
No dia em que meu corpo morrer, 
dá-me seja à minha alma concedida 
a glória do paraíso. 
 
 
IV. BREVE BIOGRAFIA DE JACOPONE DA TODI (1220-1306) 
 
Jacopone da Todi, que exerceu a advocacia em sua cidade natal da Úmbria, converteu-se à religião pela trágica morte de sua esposa e ingressou na Ordem Franciscana. Por uma crítica direta ao Papa Bonifácio VIII, ele foi excomungado e preso por este último por cinco anos, e não saiu da prisão até a morte do pontífice. 
Jacopone é geralmente considerado o autor do Stabat mater. Um dos mais belos e atraentes poemas latinos medievais, está escrito em linguagem muito simples e na mais simples e preferida de todas as formas da Sequência tardia ou estrófica. Ele contém inúmeras rimas internas surpreendentes. 
 
O autor do Stabat mater, como convinha a quem compartilhou o primeiro desprezo franciscano pelo saber, preferiu o italiano ao latim, e foi prolífico escritor de laude spirituali. Seu Donna del paradiso, um dos melhores poemas desta classe, está escrito em quadras heptassílábicas simples, cada quadra sendo monorrimada, exceto que os últimos versos rimam juntos. Nota-se que o poema é todo em diálogo, sendo os nomes dos falantes dados fora das estrofes, e, portanto, adequado à performance como peça teatral. Se foi realmente realizado como tal é incerto, mas provável. Sabemos pelo menos que as primeiras peças italianas eram desse tipo e provavelmente foram produzidas durante a vida de Jacopone.
 
 
 

V. ALGUMAS ANOTAÇÕES FINAIS 

 
Na celebração da Missa, a Epístola é seguida por um texto em prosa geralmente tomado das Sagradas Escrituras chamado Gradual. Nos tempos não-penitenciais (todo o ano, exceto o Tempo Quaresmal e o Tempo Pascal), este Gradual termina com a palavra Aleluia. Quando a música sacra era elaborada, o canto da sílaba final do Aleluia era prolongado sobre uma melodia chamada de Sequentia. Provavelmente quase no final do século VIII, era costume acrescentar palavras a essa melodia para apoio mnemônico dos cantores uma sílaba para cada nota e as próprias palavras vieram a ser conhecidas por Sequências. Esta nova forma de composição em breve ultrapassou sua origem mnemônica, e as Sequências se tornariam cada vez mais populares à medida que o século IX avançava. Os textos eram aperfeiçoados, e no novo tempo eram escritos tanto novos textos quanto novas melodias para os acompanharem. A despeito de lendas de longa data em contrário, a Sequência como gênero literário originou-se muito provavelmente na França, porém foi um monge suíço, Notker de Saint Gall, falecido em 912, o primeiro a se revelar como eminente autor de Sequências. As primitivas Sequências foram escritas numa prosa arrítmica, dividida em frases de extensão desigual. Uma característica surpreendente em muitas delas, particularmente nas de origem francesa, é que toda frase termina em a, desta forma ecoando a sílaba final do Aleluia, do qual a Sequência proveio. (...) 
 
Algo também digno de ser observado é a influência da poesia popular, embora restrita, sobre três de quatro Sequências do século XIII o Veni, sancte spiritus, o Dies irae e o Stabat mater; ora, enquanto elas estão entre os maiores poemas do Latim Medieval, são efetivamente muito mais simples em pensamento e menos elaboradas em construção, do que a típica produção de Sequência dos séculos anteriores. Essas 3 grandiosas Sequências estão em diferentes metros, porém os metros de todas as três são extraídos do antigo versus popularis; e elas possuem a característica comum de que suas estrofes, contrárias às de muitas Sequências vitorinas, são homomórficas. (...) 
 
Como o Dies irae, embora sem sua grandiosidade inspiradora de terror, o Stabat mater é um produto caracteristicamente franciscano simples, patético, vívido e marcadamente subjetivo. Sua beleza forçou uma entrada no Missal Romano 150 anos após todas as Sequências, mas quatro tinham sido impiedosamente varridas dele pelos revisores neo-clássicos do século XVI, e nenhuma outra Sequência partilhou desta vitória. Esta agrada mais do que qualquer outra Sequência às Missas, e é significativo que o Stabat mater é geralmente cantado na Adoração da Cruz um ofício por outro lado inteiramente em vernáculo, e o único que, de todos os ofícios da Igreja Latina, agrada ao máximo às pessoas de coração simples. 
 
A quarta Sequência grandiosa do século XIII o Lauda Sion de São Tomás de Aquino é, com sua severa instrução e sua objetividade, caracteristicamente dominicano como o Dies irae. Tomás de Aquino e Jacopone da Todi foram os dois últimos grande escritores de verso do Latim Medieval, pois os poetas do século XIV foram apenas o pálido resplendor do glorioso ocaso do século XIII. Durante o intervalo que decorreu antes do retorno à quantidade, o verso acentual em Latim, tanto sacro quanto secular, foi ainda escrito, e escrito realmente em grande número, mas, no todo, a inspiração já o tinha abandonado, para entrar nas novas línguas que tinham crescido do Latim popular de uma era anterior. O verso  acentual em Latim, porém, tinha sobrevivido por longo tempo tão longo, de fato, que seu descendente primogênito já estava sofrendo dos efeitos de uma idade avançada. 
 
Fonte: BRITTAIN, Frederick: ibidem, p. 10-20 
 
Pintura de Katia-Laure Mininno-Lefebvre (França)

  
VI. AGRADECIMENTO
 
Agradeço à minha amada Rute Pardini Braga a formatação e edição das fotos utilizadas neste artigo produzido por mim.

 
VII. REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS

 

BRAGA, F.J S.: Rossini e seu Stabat Mater, in Blog do Braga, post de 19/06/2009. 
 

6 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Prezad@,
Tenho o prazer de revisitar a sequentia STABAT MATER, considerada uma realização poética do franciscano JACOPONE DA TODI ( 1220-1306), escrita em Latim tardio ou estrófica e contendo inúmeras rimas internas surpreendentes.
O Stabat Mater está entre as 4 mais célebres sequências do século XIII, sendo as outras três: o Veni, sancte spiritus (de Stephen Langdon, arcebispo da Cantuária); o Dies irae (do franciscano Tomás de Celano) e o Lauda Sion (de Tomás de Aquino). Essas são as 4 sequências medievais que foram preservadas no Missal Romano publicado em 1570, fruto do Concílio de Trento (1545-1563).

Link: https://bragamusician.blogspot.com/2022/05/recupere-seu-latim-parte-7-stabat-mater.html 👈

Cordial abraço,
Francisco Braga

Diamantino Bártolo (professor universitário Venade-Caminha-Portugal, gerente de blog que leva o seu nome http://diamantinobartolo.blogspot.com.br/) disse...

Bom dia
Prezado Francisco
Muito obrigado
Bom final de semana
Abraço
Diamantino

Mario Pellegrini Cupello, Aequiteto, Escritor, Pres. do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto - Valença RJ - Membro Efetivo da Academia Valenciana de Letras, Membro Correspondente do IHG e Academia de Letras de São João del-Rei, entre outras instituições culturais, disse...

Caro amigo Braga
Agradecemos pela gentileza do envio de seu artigo, com a tradução do delicado poema em Latim, STABAT MATER, por Jacopone da Todi. Compulsamos rapidamente o seu texto e o consideramos muito interessante. Iremos lê-lo em seguida.
Grande abraço, meu e de Beth.
Mario.

Frei Joel Postma o.f.m. (compositor sacro, autor de 5 hinários, cantatas, missas e peças avulsas) disse...

Olá, Francisco e Rute.
Tempos atrás havia ainda muito mais 'sequentias' gregorianas na Liturgia! Ainda bem que o 'Stabat Mater', com mais algumas poucas 'sequentias' gregorianas ficou, numa reforma de poucos anos atrás.
Grande abraço! f. Joel.

Benjamin Batista (fundador de diversas Academias de Letras na Bahia, presidente da Academia de Cultura da Bahia, showman e barítono de sucesso) disse...

Bravo!

Antônio Oliveira (cronista, autor do livro "Sou cronista e não sabia..." e de vários e-books) disse...

Meu caro e culto primo Francisco,

Tenho lido regularmente seus escritos , e de terceiros, no Blog do Braga, de São João del-Rei. Saliento, dentro do meu universo de maior familiaridade, o último, FDB, e, anteriormente, RECUPERE SEU LATIM (Stabat Mater), Maria Imaculada (prefaciei um livro dela). Parabéns! Abraços. Recomendações à esposa.