Por PRONEWS.GR
Tradução literal do grego, com comentários e bibliografia por Francisco José dos Santos Braga
Quem foi Friné ¹ ?
A hetera ² que Praxíteles adorou e que se ofereceu para construir as muralhas de Tebas às suas próprias custas. Foi uma das cortesãs mais famosas da Grécia Antiga. Ela havia acumulado tanta riqueza que se ofereceu para reconstruir as muralhas de Tebas, destruídas por Alexandre, o Grande, em 336 a.C.
Tudo o que ela pediu em troca foi que uma inscrição fosse afixada às muralhas, com os dizeres: "Foram destruídas por Alexandre, foram reparadas por Friné, a hetera".
Os tebanos rejeitaram sua proposta, temendo ofender Alexandre ³.
O nome real da cortesã era Mnesarete e ela nasceu em Téspias ⁴, por volta de 371 a.C.
Ela era filha do pobre Epiclé e ganhava a vida coletando e vendendo alcaparras.
No entanto, as ambições da jovem Mnesarete a levaram a Atenas, onde construiu sua brilhante carreira.
Ela começou a trabalhar como flautista e sua beleza e charme fizeram com que se destacasse rapidamente.
Quando se tornou hetera, mudou seu nome para Friné, e é assim que permanece conhecida até hoje. O nome "Friné", em grego, Φρύνη veio dos pequenos sapos, que são quase transparentes ao nascer. A pele da cortesã era igualmente branca e impecável.
Como muitas outras cortesãs, ela era famosa por seus preços "mesquinhos". Uma noite com ela custava uma mna, ou seja, cem dracmas. A quantia era enorme, mas ninguém reclamava.
Diz-se que Friné alterava os preços dependendo da simpatia que sentia por cada um de seus clientes. Por isso, oferecia seus serviços gratuitamente ao filósofo Diógenes, a quem estimava muito. Ao contrário, quando ela não gostava de alguém, recusava-se a aceitá-lo como cliente, não importando quanto dinheiro lhe desse.
Diógenes, que aparentemente tinha um grande "passe livre" junto às mulheres, também desfrutou de graça a beleza de outra famosa cortesã, Laída. Parece que ele tinha um grande "passe livre" junto às mulheres.
O JULGAMENTO DE FRINÉ
Em certo momento, o orador Euthías se aproximou dela. Friné rejeitou todas as suas propostas, por considerá-lo muito feio e rude.
Euthías ficou ofendido e decidiu punir a cortesã atrevida.
Ele a acusou de tentar introduzir em Atenas uma religião da Trácia, o que prejudicaria os costumes das jovens ⁵.
Talvez essa fosse a acusação mais comum na Atenas antiga. O filósofo Sócrates havia sido executado pelo mesmo motivo.
Euthías arrastou Friné ao tribunal, onde seu ex-amante, Hipérides, a representou.
Apesar da infundada acusação de Euthías, o julgamento não correu bem para a cortesã. Os juízes pareceram convencidos pela acusação e acreditaram que Hipérides fora influenciado por seu relacionamento com Friné.
Pouco antes da decisão final ser tomada, Hipérides puxou a cortesã para o centro do tribunal, para que todos pudessem vê-la.
Sem dizer uma palavra, ele rasgou as roupas dela e expôs às pessoas seu corpo deslumbrantemente belo.
Os juízes ficaram indecisos. Pensaram estar vendo a própria deusa Afrodite. Os rumores sobre a beleza incomparável da cortesã se mostraram verdadeiros.
Naquela época, acreditava-se que a beleza física estava relacionada à moralidade e ao favor dos deuses. Quando os juízes viram a perfeição de Friné, convenceram-se de que, se condenassem aquela mulher, estariam condenando a querida dos deuses.
Resultado: A cortesã foi absolvida e o boato de que ela era a deusa terrena Afrodite se espalhou.
FRINÉ E O ESCULTOR PRAXÍTELES
Um dos clientes mais famosos da cortesã era o escultor Praxíteles.
Ele a viu pela primeira vez durante uma festa. Friné tinha o cuidado de nunca mostrar seu corpo nu em público, a fim de manter seu glamor.
Mas naquela festa, sem qualquer pudor, ela desamarrou os cabelos, tirou a túnica e mergulhou despreocupadamente no mar.
Os espectadores novamente acreditaram estar vendo a deusa Afrodite diante deles.
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Louis Chalon-Friné nas festas eleusínias (1901) |
Rapidamente, Praxíteles tornou-se um dos amantes mais devotados de Friné. Diz-se que ele era o único a quem a cortesã realmente amou. Friné tornou-se a musa do escultor e, usando-a como modelo, ele fez três estátuas: a primeira foi comprada pelos cnídios e tornou-se famosa como a Afrodite de Cnido.
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Cópia romana da estátua de Praxíteles, Afrodite de Cnido, esculpida a partir da pose de Friné (Museu do Louvre) |
A terceira era feita de ouro maciço e foi erguida em Delfos.
Friné, apesar de seu amor, nunca perdia uma oportunidade de obter presentes de Praxíteles. Em certo momento, ele lhe disse que lhe daria qualquer coisa que ela pedisse. Ela queria sua maior obra-prima.
Então Praxíteles respondeu que não conseguia distinguir entre suas obras, talvez para evitar dar-lhe sua favorita. A astuta Fryne não acreditou nele. Mandou um dos servos de Praxíteles gritar no meio da noite que a oficina do escultor havia pegado fogo.
Praxíteles, aterrorizado, pediu que a estátua de Eros fosse retirada.
Friné, que estava deitada ao lado dele, sorriu maliciosamente e informou-o de que a oficina não corria perigo. Ela havia arquitetado todo o plano para descobrir qual era a obra favorita dele.
"Você me dará Eros", disse ela, e Praxíteles não pôde recusar.
"Apostei em derrotar alguém, não uma estátua."
Friné tinha feito uma aposta de que nenhum homem resistiria à sua beleza. Ela escolheu como vítima o filósofo Xenócrates, aluno de Platão e mestre de Demóstenes.
Ela foi à casa dele e pediu para passar a noite lá, com a desculpa de que estava sendo perseguida por ladrões.
Xenócrates a hospedou.
À noite, Friné entrou secretamente no quarto de Xenócrates e deitou-se ao lado dele.
A sedução de Xenócrates
O filósofo não cedeu à tentação, antes pediu-lhe que voltasse para o seu quarto, e Friné obedeceu, decepcionada.
No dia seguinte, quando seu fracasso foi anunciado, Friné tentou se justificar dizendo: "Apostei em derrotar alguém, não uma estátua."
A cortesã continuou a exercer sua profissão mesmo na velhice. Sua sensualidade e charme não diminuíram com o passar do tempo. Estima-se que ela tenha morrido por volta de 310 a.C.
II. NOTAS EXPLICATIVAS
¹ Em grego, Φρύνη. Em português, além de Friné, há outras variantes encontradas: Phryne, Frine ou ainda Frinéia.
² [CAVALCANTI, R.C., 1990, 58-64] ensina (aqui de forma resumida): "No mundo helênico havia três categorias de mulheres de aluguel. No estágio mais baixo estavam as "pornai" ou "dictérides" que eram as rameiras comuns, as mais baratas, que viviam nas casas de prostituição do Estado, no assim chamado Dicterion, que normalmente estava situado fora do perímetro das cidades. (...) Num degrau acima das "pornai" estavam as "aulétrides" ou "auletrizes" que eram as tocadoras de flauta (da expressão aulo=flauta). Estas mulheres eram artistas, com frequência exímias, e eram alugadas por seus mestres ou senhores (algumas eram escravas) para que se apresentassem nas festas, a fim de tocar, dançar, divertir, cantar, servir bebidas e "dormir" com os convidados. Para esses dois tipos de mulheres de aluguel, os gregos cultos mantinham uma atitude de indiferente condescendência, sem nenhuma piedade moral para com elas ou com a prostituição de encomenda. (...) Em grau mais elevado estavam as "heteras ou hetairas", que eram as preferidas pelos gregos por prazer de sua companhia, algumas vezes em busca do prazer físico; outras, da satisfação intelectual. As "heteras" cumpriam as duas funções. Ao contrário das "dictérides" e até da maioria das "aulétrides", as "heteras" podiam se dar ao luxo de escolher os amantes ou os admiradores que desejassem. Geralmente eram mulheres de boa família, algumas possuidoras da cidadania ateniense, mas que ao contrário das outras moças de sua classe social, foram treinadas para serem sexualmente excitantes. Não eram porém apenas mulheres bonitas e educadas na fineza das artes sociais, eram sobretudo instruídas, algumas, de cultura filosófica e literária marcantes. (...) Suas casas eram tidas como verdadeiros santuários de discussões filosóficas e literárias. (...) Ricas
e belas, cultas e poderosas, respeitadas e ouvidas, era inevitável que
na sociedade helênica as “heteras” tivessem uma posição destacada.
Influenciavam não só a vida sexual dos gregos, mas a própria vida
cultural de Atenas, onde algumas chegaram a exercer enorme influência
política. Sem dúvida, gozavam de uma posição superior à das esposas.
Em Menêxeno, diálogo socrático de Platão, Sócrates relata que aprendeu a arte da Retórica com Aspásia, famosa “hetera”, que foi mais tarde amante exclusiva de Péricles e que, segundo se dizia, escrevera a célebre oração fúnebre por ele proferida. (...)
Elas tinham perfeitamente a consciência de que seus encantos físicos eram passageiros e que a melhor maneira de conservar seu status era usá-los para conseguir posição e dinheiro. Inúmeros escritores relatam histórias de amantes que gastaram com “heteras” toda sua fortuna e reputação e, depois de reduzidos à miséria, foram impiedosamente postos de lado. (...)
Não faltavam, porém, às “heteras”, o ódio e a vingança dos amantes desprezados e por acusações, às vezes, as mais absurdas, elas eram levadas ao julgamento do Areópago, tribunal de Atenas. Friné sofreu a acusação injusta, por parte de Euthías, de ter cometido grave profanação ao parodiar os "mistérios" de Elêusis e por haver corrompido os mais ilustres cidadãos da República. Esta era uma acusação muito grave e todos os juízes parecia estarem inclinados a condená-la à pena de morte, da qual escapou graças a uma manobra criativa de Hipérides, seu advogado de defesa.
Não faltavam, porém, às “heteras”, o ódio e a vingança dos amantes desprezados e por acusações, às vezes, as mais absurdas, elas eram levadas ao julgamento do Areópago, tribunal de Atenas. Friné sofreu a acusação injusta, por parte de Euthías, de ter cometido grave profanação ao parodiar os "mistérios" de Elêusis e por haver corrompido os mais ilustres cidadãos da República. Esta era uma acusação muito grave e todos os juízes parecia estarem inclinados a condená-la à pena de morte, da qual escapou graças a uma manobra criativa de Hipérides, seu advogado de defesa.
³ Os tebanos rechaçaram a oferta, considerando que não seria um bom modelo a seguir por suas esposas.
⁴ Téspias
foi antiga cidade grega da Beócia, perto do rio Téspio (atual Kanavári)
e no sopé oriental do Monte Hélicon; ali se localizava "Eros" de
Praxíteles, uma das estátuas mais famosas do mundo antigo e lar dos
santuários e festivais das Musas. Téspias também é importante na história grega
principalmente como inimiga da vizinha Tebas.
⁵ Segundo [LEITE, 2014, 62], o sentimento religioso na Grécia Antiga era expresso através da palavra eusébeia, que traduzimos para o português como piedade. Além de indicar o sentimento que une o fiel aos deuses, ela marcava uma série de obrigações que deveriam ser cumpridas em relação aos deuses, aos outros homens e à cidade. A ausência ou a deturpação desse sentimento era expressa pela palavra asébeia, a impiedade.
Isso indica que a impiedade foi um argumento eficaz para afastar aqueles que, de alguma forma, eram considerados prejudiciais à pólis.
Isso indica que a impiedade foi um argumento eficaz para afastar aqueles que, de alguma forma, eram considerados prejudiciais à pólis.
Consta que Friné teria sido acusada de impiedade, uma ofensa séria que em Atenas se castigava com a pena de morte, como aliás sucedeu com Sócrates.
⁶ Segundo Ateneu de Náucratis, na sua obra Deipnosophistae, a ideia de Afrodite (Vênus) saindo das águas do mar que foi representada originalmente num afresco de Apeles de Cós, pintor de afresco famoso chamado Venus Anadiomène, se inspirou em Friné, a qual nadava nua no mar durante os festivais eleusínios e os dedicados a Posêidon. Segundo Plínio, o Velho, in Naturalis Historia XXXV, 91, ele escreveu sobre Apeles: "Sua Vênus saindo do mar, chamada Anadiomene, foi consagrada pelo divino Augusto no templo de seu pai César, obra que, ao ser elogiada, foi superada por versos gregos, mas também foi por eles perpetuada. Não se pôde encontrar quem restaurasse sua parte inferior danificada, mas o próprio dano serviu para glorificar o artista. Com o passar do tempo, esse quadro se deteriorou, e Nero, durante seu principado, o substituiu por um outro, da mão de Doroteu." (traduzido por MENDONÇA, Antonio da Silveira: Seleção e tradução da Naturalis Historia, de Plínio, o Velho, na Revista de História da Arte e da Cultura nº 2 (1996), p. 327)
III. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAVALCANTI, Ricardo C.: Prostitutas da Grécia: Frinéia. São Paulo: Revista Brasileira de Sexualidade Humana, vol. 1, nº 2, 1990, pp. 58-64.
LEITE, Priscilla G.: Os processos de impiedade contra os filósofos na Atenas clássica. Natal-RN: Alétheia Revista de Estudos sobre Antiguidade e Medievo, vol. 9, nº 1, 2014, pp. 61-81.
MENDONÇA, Antonio S.: Seleção e tradução da Naturalis Historia, de Plínio, o Velho, na Revista de História da Arte e da Cultura nº 2 (1996), pp. 317-330
TORRES, Milton: O BANQUETE E O SIMPÓSIO ANTIGOS COMO OPORTUNIDADES EDUCACIONAIS: A PERSPECTIVA DE ATENEU DE NÁUCRATIS, Fênix – Revista de História e Estudos Culturais - ISSN: 1807-6971 - Janeiro / Junho de 2022 Vol.19 Ano XIX no 1, pp. 109-124
Links consultados (em 26/08/2025):
4 comentários:
Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
Prezad@,
Tenho o prazer de convidá-lo à leitura de um texto traduzido por mim do grego sobre a hetera FRINÉ, personagem que se notabilizou devido à sua referência ao longo da história da arte e das letras, não só nas fontes clássicas (escultor Praxíteles, pintor Apeles, escritores Ateneu de Náucratis, Diógenes Laércio, Pausânias, Plínio o Velho, etc.), mas também nas artes e na cultura moderna (além de pintores célebres, poetas Charles Baudelaire e Rainer Maria Rilke, compositor Camille Saint-Saëns na ópera cômica Phryné, escritores Dimitris Varos e Witold Jabłoński e uma película de 1953, intitulada Frine, cortesã do Oriente).
Link: https://bragamusician.blogspot.com/2025/08/frine-hetera-favorita-de-praxiteles.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
António Valdemar (Jornalista, carteira profissional numero UM; sócio efetivo da Academia das Ciências; sócio correspondente da ABL-Academia Brasileira de Letras) disse...
Francisco
Boa noite
Notável trabalho.
Parabéns, muitos parabéns.
Abraço do Antonio Valdemar
Pedro Rogério Moreira (jornalista e sócio da Gracián Telecom, cronista e memorialista brasileiro) disse...
Obrigado!
Geraldo Reis (poeta, membro da Academia Marianense de Letras e gerente do Blog O Ser Sensível) disse...
Bom dia!
Muito obrigado, Braga.
E a frase que deve ser repetida: O BRAGA É CULTURA!
Forte abraço poético.
GR
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