sexta-feira, 19 de junho de 2009

Rossini e seu Stabat Mater

Por Francisco José dos Santos Braga

1. Notas biográficas do autor da letra do poema

O poema Stabat Mater, um dos mais bonitos e encantadores poemas latinos medievais, é normalmente atribuído a Jacopone da Todi (c. 1220 — † 1306), embora haja muita controvérsia a respeito de sua autoria.

Jacopone estudou Direito em Bolonha e tornou-se um bem sucedido notário - combinando as habilidades de um contador com as de um advogado. Aos quarenta anos, foi surpreendido pela morte trágica de sua esposa Vanna que desposara um ano antes, tendo descoberto que ela usava, sob as vestes, uma espécie de cilício - sinal de grande devoção religiosa e penitência. Chocado, converteu-se, abandonou todos os seus haveres, passando a viver durante dez anos como asceta ambulante franciscano.

Em 1278, fez votos de irmão leigo junto aos Freis Menores. Entre os franciscanos, descobriu seu pendor pela poesia. Nessa ocasião, tinham surgido duas facções dentro da ordem franciscana: uma, com sua atitude mais leniente; outra, mística e mais severa, pregando absoluta pobreza e penitência e conhecida como Os Espirituais. O irmão Jacopone tornou-se líder desta facção.

Enquanto viveu o Papa Celestino V, Jacopone e seu grupo conseguiram permissão para viver em separado dos outros freis e observar a regra franciscana em sua integridade. Em 1297, quando morreu Celestino V, o novo papa, Bonifácio VIII, apoiou a outra facção (dos regulares franciscanos). Jacopone aliou-se aos poderosos Colonnas, uma das mais influentes famílias em Roma, para exigir a deposição de Bonifácio. Seguiu-se uma batalha entre as duas facções, resultando no sítio de Palestrina, aonde os colonnenses se tinham retirado e no qual Jacopone foi preso e excomungado em 1298. Ficou na prisão durante cinco anos. Ao longo desses anos, escreveu seus poemas plenos de êxtase que tocam o encontro pessoal mais profundo com o Amor divino. Só deixou a prisão após a morte de Bonifácio, com o beneplácito de seu sucessor Benedito XI, em 1303. Retirou-se para Collazzone, uma cidadezinha situada numa colina entre Perugia e Todi, vindo ali a morrer em plena noite de Natal do ano de 1306. Seus restos mortais se encontram numa cripta na igreja de San Fortunato, em Todi. Jacopone é venerado como santo da Igreja Católica.

2. Outras obras poéticas de Jacopone da Todi

Suas obras mais conhecidas são os laudi, satíricos e denunciatórios, em que se testemunham os tempos turbulentos das cidades-estados guerreiras do norte da Itália e da crise material e espiritual que os acompanharam. Os laudi são escritos no dialeto nativo úmbrio e representa a poesia popular da região, já que o poeta é alguém condizente com o desprezo franciscano pela erudição, substituindo o latim pelo italiano. Neles se refletiu sua forte personalidade com intemperança sentimental, com expressões tão exacerbadas que chegava a desejar a dor, a fim de ver sanados os seus males. [cfr. Gambeiro, (2004)] A sua lírica com um toque pessimista e místico é, de fato, contaminada pelo vício mencionado, isto é, de que suas manifestações de excepcional temperamento de poeta - representada por excessiva humildade, fúria e "divina pazzla" - enfraquecem às vezes o poder das palavras, frequentemente repetidas e, portanto, esvaziadas de sua carga semântica. A sua linguagem inflamada culminou na agressividade expressiva de algumas dessas composições. Observam-se ainda sugestões trágicas em parte da lírica religiosa do rebelde franciscano, na qual o Eu lírico de Jacopone se expressa no ódio pela vida, pela vaidade, pela miséria dos homens aviltados na corrupção da carne. Com esse tipo de linguagem, Gambeiro acha que "o Eu poético corta, destrói qualquer tentativa de delicadeza referente às coisas humanas, à vida terrena, que, a seus olhos, revelam o pecado irreparável, mas possível de ser alcançado pelo arrependimento e simplicidade de alma."

Méritos inquestionáveis de Jacopone, entretanto, são: ter composto seus poemas especialmente em língua vulgar, eternizando-se como a mais importante personalidade poética das origens da língua italiana e ter influenciado, com sua humana experiência do trágico presente na sua lírica, o próprio Dante Alighieri na redação da Divina Comédia.

3. Stabat Mater Dolorosa

Em latim, Jacopone escreveu esse poema em linguagem muito simples e na forma mais comum e predileta de todas: a sequência estrófica (ou sequência de stanzas).
A estrofe (ou stanza) constitui uma unidade dentro do poema. No caso do Stabat Mater, a estrofe consiste de três versos (terceto), observando o seguinte esquema: AAB/CCB ... . O poema todo é formado por vinte tercetos.
Embora o texto esteja em latim, a estrutura rítmica é aquela do latim medieval e que, depois, também será do italiano: não há as sílabas longas e breves, comuns na métrica da poética clássica latina, mas tônicas e átonas, em uma série de tercetos heptassilábicos (também conhecidos como setenários) rimados, com algumas rimas internas.

Vejamos o poema na íntegra (versão utilizada de Gioacchino Rossini):

VERSÃO ANALECTA
(Minha tradução)

Nº 1 - INTRODUÇÃO (coro e quarteto)

Stabat mater dolorosa
(Estava de pé a mãe dolorosa)
Juxta crucem lacrimosa,
(Chorando junto à cruz)
Dum pendebat Filius;
(Enquanto pendia o Filho;)

Nº 2 - ÁRIA (tenor)

Cujus animam gementem
(Cuja alma soluçante)
Contristatam et dolentem,
(Inconsolável e angustiada,)
Pertransivit gladius.
(Transpassou uma espada.)

O quam tristis et aflicta
(Ó quão triste e aflita)
Fuit illa benedicta
(Foi ela bendita)
Mater Unigeniti!
(A mãe do Unigênito!)

Quae maerebat et dolebat,
(Que se afligia e sofria,)
Quae tremebat, cum videbat,
(Que estremecia, quando via)
Nati poenas incliti.
(As dores do Nato ínclito.)

Nº 3 - DUETO (soprano e mezzo-soprano)

Quis est homo, qui non fleret,
(Qual homem não choraria,)
Christi matrem si videret,
(Se visse a mãe de Cristo,)
In tanto supplicio?
(Em tão grande suplício?)

Quis non posset contristari
(Quem não poderia contristar-se)
Piam matrem contemplari
(Em contemplar a mãe pia)
Dolentem cum Filio?
(Sofrendo com o Filho?)

Nº 4 - ÁRIA (baixo)

Pro pecatis suae gentis
(Por causa dos pecados do seu povo)
Vidit Jesum in tormentis
(Ela viu Jesus aos tormentos)
Et flagellis subditum.
(E aos flagelos submetido.)

Vidit suum dulcem Natum
(Viu seu doce Nato)
Moriendo desolatum,
(Morrendo desolado,)
Dum emisit spiritum.
(Ao entregar seu espírito.)

Nº 5 - RECITATIVO (baixo) e CORO

Eia, mater, fons amoris
(Ó mãe, fonte de amor,)
Me sentire vim doloris
(Faze-me sentir a força da dor,)
Fac, ut tecum lugeam.
(Para que contigo eu chore.)

Fac, ut ardeat cor meum
(Faze com que meu coração arda)
In amando Christum Deum,
(No amor a Cristo Deus,)
Ut sibi complaceam.
(Para que eu lhe agrade.)

Nº 6 - QUARTETO

Sancta Mater, istud agas,
(Mãe santa, que advogues isto:)
Crucifixi fige plagas,
(Crava as chagas do Crucificado)
Cordi meo valide.
(Fortemente no meu coração.)

Tui Nati vulnerati,
(Do teu Nato ferido,)
Tam dignati pro me pati,
(Que tanto se dignou sofrer por mim,)
Poenas mecum divide.
(Os tormentos divide comigo.)

Fac me vere tecum flere,
(Faze-me verdadeiramente chorar contigo,)
Crucifixo condolere,
(Condoer-me do Crucificado,)
Donec ego vixero;
(Enquanto eu viver;)

Juxta crucem tecum stare,
(Junto à cruz estar de pé contigo)
Te libenter sociare
(De bom grado compartilhar contigo)
In planctu desidero.
(Em pranto eu desejo.)

Virgo virginum praeclara,
(Admirável virgem das virgens,)
Mihi jam non sis amara
(Não sejas rigorosa comigo)
Fac me tecum plangere.
(Faze-me chorar contigo.)

Nº 7 - CAVATINA (mezzo-soprano)

Fac ut portem Christi mortem
(Faze com que eu carregue a morte de Cristo)
Passionis fac consortem
(Que eu participe de Sua paixão)
Et plagas recolere.
(E que rememore Suas chagas.)

Fac me plagis vulnerari,
(Faze com que eu seja ferido com Suas chagas,)
Cruce hac inebriari
(Com esta cruz me inebrie)
Ob amorem Filii.
(Por causa do amor do teu Filho.)

Nº 8 - ÁRIA (soprano) e CORO

Inflammatus et accensus,
(Inflamado e abrasado,)
Per te, Virgo, sim defensus
(Que eu seja defendido por ti, virgem,)
In die judicii.
(No dia do juízo.)

Fac me cruce custodiri,
(Faze com que eu seja guardado pela cruz,)
Morte Christi praemuniri,
(Seja fortificado com a morte de Cristo,)
Confoveri gratia.
(Seja favorecido pela graça.)

Nº 9 - QUARTETO

Quando corpus morietur,
(Quando meu corpo morrer,)
Fac, ut animae donetur
(Faze com que à minha alma seja dada)
Paradisi gloria.
(A glória do paraíso.)

Nº 10 - FINALE

Amen. In sempiterna saecula.
(Pelos séculos dos séculos. Amém.)

Destacamos em negrito aquelas sílabas nos terceiros versos das estrofes na língua latina, que devem ser acentuadas (3a. e 7a. sílaba) para a perfeita métrica e ritmo na leitura.

Ao lado de uma melodia primitiva estabelecida do Stabat Mater cantada nas ilhas de Córsega e Sardenha na Itália, havia também a melodia gregoriana cantada pelos monges na liturgia católica, em que para cada duas estrofes havia uma diferente melodia (melodia em sequência). Se no século XII a sequência se estabeleceu como uma peça independente na qual música e texto estavam intimamente relacionados (e como tal se tornou uma das mais influentes formas literárias e musicais da Idade Média), durante o século XVI o número de sequências (mais de 4.500!) tinha crescido tanto que a prática litúrgica normal ficou sob pressão.

Outro desenvolvimento foi que os compositores na Renascença começaram a fazer uso crescente de polifonia extremamente complicada, com prejuízo da audição do texto.

O que foi visto anteriormente, além de que os textos não eram extraídos da Bíblia, levou o Concílio de Trento (1545-1563) a banir todas as sequências, inclusive o Stabat Mater, com exceção de quatro (Victimae paschali laudes, Veni sancte spiritus, Lauda Sion e Dies Irae) que permaneceram. Não mais seria admitido o uso litúrgico do Stabat Mater, mas apenas em outras manifestações religiosas. Contudo, em 1727, o Papa Benedito XIII autorizou o retorno do hino para a festa das Sete Dores de Nossa Senhora no dia 15 de setembro, assim concebido para ser cantado nas seguintes horas litúrgicas, de acordo com Liturgia Horarum (1987):

1. no Ofício de Leitura (pp. 1212-1213): são cantadas as oito primeiras estrofes (De Stabat mater... até ... dum emisit spiritum). Deve-se mencionar que essa versão do hino acrescenta uma estrofe adicional, verbis: Christe, cum sit hinc exire,/Da per matrem me venire/Ad palmam victoriae. (Cristo, quando for a hora de sair daqui,/Concede-me chegar por intermédio de tua mãe/À palma da vitória.)
2. nos Laudes (p. 1215), são cantadas mais 6 estrofes (De Eia, mater ... até ... planctu desidero, sendo acrescida a última estrofe Quando corpus morietur ...)
3. nas Vésperas (pp.1216-1217) são cantadas as restantes 6 estrofes (De Virgo virginum ... até ... paradisi gloria.)

Ressalve-se ainda que a versão Analecta, usada por Rossini com pequenas alterações * (diferentemente da versão vaticana) e apresentada integralmente acima, é considerada a provável versão do poema original pelas correspondências entre esse texto e o do poema Stabat Mater Speciosa (a contraparte do Stabat Mater Dolorosa). Esse poema foi encontrado em um manuscrito medieval e está claramente baseado na versão Analecta. Independente das variações apresentadas nessas duas importantes versões — a Analecta e a vaticana —, deve-se mencionar ainda que é possível encontrar textos latinos nos quais algumas palavras ou versos tenham sido substituídos por outros. Todas essas leves diferenças provavelmente datem da época medieval e apareçam mesmo nos diferentes livros litúrgicos. Através do Gradual Vaticano em 1908 um texto uniforme e uma melodia gregoriana (por Dom Fonteinne, Solesmes) foram prescritos para fins litúrgicos.

Rev. P. Okke Postma (apud Hans van der Velden) percebe uma perspectiva feminina presente no Novo Testamento, especialmente em dois textos religiosos: o Magnificat e o Stabat Mater. O Magnificat (Lc. 2, 46-55), um texto bíblico portanto, descreve a alegria de Maria com a anunciação do nascimento de Cristo. Já a descrição da presença da mãe de Cristo, de pé junto à cruz e da qual pende seu filho, encontra no evangelho de João sua narrativa mais expressiva (Jo 19, 25-27)

Quanto ao Stabat Mater, objeto de nossa análise, a segunda estrofe faz menção à profecia de Simeão que disse à Maria: " ... E uma espada transpassará a tua alma ... ". (Lc. 2, 35)

A partir da nona estrofe, o poeta pede fervorosamente à Maria deixá-lo compartilhar de sua dor, deixá-lo sofrer com Jesus e suplica por sua intercessão para que possa sobreviver ao dia do juízo. Na última estrofe, dirige-se ao próprio Cristo, pedindo um lugar para si no paraíso.

4. Autor da música: Gioacchino Rossini

Gioacchino Rossini (1792-1868) nasceu em Pesaro, Itália. Em vista de seu background composicional (34 óperas, principalmente cômicas, inúmeras peças vocais isoladas, hinos e cantatas de circunstância, algumas peças sinfônicas, cinco quartetos de cordas, numerosas peças humorísticas para piano), causa estranheza ter composto apenas duas obras religiosas, a saber: Stabat Mater (1832-1842) e Petite Messe Solenelle (1863-1869), ambas criticadas como menos sérias. Outra coisa impressionante é que, na idade de 37 anos, universalmente famoso, de repente anunciou que se aposentaria (isto é, deixaria de compor óperas), por assim dizer, após Guilherme Tell (1829). Diz o historiador Combarieu [1950 (1919)] que Rossini, "no período que se estende de 1829 a 13 de novembro de 1868 (data de sua morte), só produziu uma obra digna de seu passado: o Stabat Mater. Rossini pertence a uma categoria de compositores menos raros do que se pensa: ele amava pouco a música. A hostilidade foi aliás muito viva ao seu redor; ele quis sem dúvida não comprometer a glória adquirida." Em sua opinião, essa é uma curiosidade das mais originais na história da arte.

Embora suas peças religiosas mostrem fortes tendências operáticas, especialmente o Stabat Mater, não se pode afirmar que esta tenha sido a intenção de Rossini. Ao contrário, tomamos conhecimento de uma anotação sua no manuscrito da Petite Messe, que ele compôs essas obras movido por um real sentimento religioso, verbis: "Bon Dieu: la voilà terminée, cette pauvre petite messe. Est-ce bien de la musique sacrée que je viens de faire, ou bien de la sacrée musique? J' étais né pour l' opera buffa, tu le sais bien! Peu de silence, un peu de coeur, tout est là. Sois donc béni e accorde-moi le Paradis." (Bom Deus: ei-la terminada, esta pobre pequena missa. Será música sacra o que eu acabo de fazer, ou será sacra música? Eu tinha nascido para a opera buffa, tu o sabes! Pouco de silêncio, um pouco de coração, tudo está aí. Seja bendito e conceda-me o Paraíso". Obs.: minha tradução)

Aclamada por Filippo Filippi, crítico musical de "La Perseveranza", sobre essa Petite Messe escreveu em 29 de março de 1864: "Cette fois, Rossini s' est surpassé lui-même, car personne ne saurait dire ce qui l' emporte, de la science et de l' inspiration. La fugue est digne de Bach pour l' érudition." (Desta vez, Rossini se superou, pois ninguém saberia dizer o que o conduz, ciência e inspiração. A fuga é digna de Bach pela erudição. Obs.: Minha tradução)

Por outro lado, Verdi faz parte dum entusiasmo menos pronunciado numa carta ao conde Arrivabene de 3 de abril de 1864: "Rossini, ces derniers temps, a fait des progrès et a étudié! Étudié quoi? Pour ma part, je lui conseillerais de désapprendre la musique e d' écrire un autre Barbier." (Rossini, nestes últimos tempos, fez progresso e estudou! Estudou o quê? Da minha parte, eu iria aconselhá-lo a desaprender a música e a escrever um outro Barbeiro." ( Obs.: Minha tradução) (Cfr. Petite Messe Solenelle, consultar divertimento.w.free.fr/album/oeuvres/messerossini.html)

Conta-se que em 1824, Rossini visitou Beethoven em Viena e este recomendou-lhe que esquecesse o repertório mais sóbrio e escrevesse outras óperas parecidas com o então já célebre Barbeiro de Sevilha. Teria, na ocasião, opinado que "para a ópera séria, seu talento não presta".

Abraham [1985 (1979)] também está entre os que aclamam a Petite Messe: "A Missa contemporânea mais surpreendente foi a Petite Messe solenelle (1863) do septuagenário Rossini, originalmente acompanhada apenas por dois pianos e harmônio e executada privadamente na presença de Meyerbeer, Auber e Ambroise Thomas, mais tarde orquestrada, e executada publicamente em 1869. O Gloria é muito bonito e a missa como um todo é menos operática do que o Stabat Mater, muito mais conhecido."

A respeito do Stabat Mater, Abraham informa em nota de rodapé, menos entusiasmado: "Datam de 1832 os primeiros seis números, redimidos apenas por algumas passagens tais como a esquisita escrita para trompa no começo do dueto "Quis est homo"; em 1841 foram acrescentados os últimos quatro, inclusive as angustiadas harmonias do "Quando corpus" e a vigorosa fuga dupla "In sempiterna saecula"."

Velden, concordando com Abraham, também informa que Rossini já tinha completado 6 seções em 1832, ocasião em que o Stabat Mater foi estreado em Madri, tendo sido compostas as outras 4 seções faltantes pelo bolonhês Giovanni Tadolini. Devido a um ataque de lumbago, real ou estratégico (a verdade é que Rossini não estava muito motivado no começo), Giovanni Tadolini então compôs as seções faltantes. Nesta forma foi tocado o Stabat Mater em Madri em 1832. Contudo, antes que a obra pudesse ser publicada, Rossini conseguiu retomar o manuscrito e re-compôs as seções de Tadolini.

5. Stabat Mater de Rossini

O Stabat Mater de Rossini não foi usado na liturgia por conta de sua beleza quase sensual, de acordo com os críticos da época.

A peça, como a conhecemos, foi estreada na sua forma definitiva em Paris em 7 de janeiro de 1842. O poeta Heinrich Heine, que estava presente à première do Stabat Mater, escreveu que o Théatre Italien foi transformado em "um vestíbulo do céu". Acrescentou ainda que outros lamentaram que aquela obra era leve demais e operática, e apenas "divertida demais" para seu tema solene. Mas nem todos tiveram impressão tão favorável. Richard Wagner escreveu um relato zombeteiro de todo o caso, satirizando Rossini e Dionísio Aguado e todo o público musical parisiense por sua repentina "piedade". A estréia italiana foi três meses depois em Bolonha, sob a regência de Gaetano Donizetti, o qual relatou que "é impossível descrever o entusiasmo. Mesmo no ensaio final, a que Rossini assistiu, no meio do dia, ele foi acompanhado a sua casa ovacionado por mais de 500 pessoas" . Apesar da forma um tanto irregular como nasceu o Stabat Mater, Rossini tinha produzido uma de suas maiores obras-primas.

Hoffmann (2008) faz a seguinte análise da obra, que reproduzo aqui por sua excelente capacidade de apreensão das características da obra:

"O movimento de abertura, a seção mais extensa do Stabat Mater, começa com uma solene introdução orquestral — a abertura para um drama trágico. O coro entra com severo contraponto, e alterna com o quarteto solista, avançando através de um par de clímaces mudos para as palavras "Dum pendebat Filius" (Enquanto pendia o Filho).
Cujus animam, depois de sua melancólica introdução, é ópera pura, uma ária de bravura para tenor com uma seção média contrastante mais escura e uma breve cadência próxima do fim.
Quis est homo tem um fundo mais fluido, à medida que as duas mulheres solam, quando então todo o texto se envolve num dueto estreitamente tecido.
A ária para o baixo, Pro peccatis, tem música estridente apropriada ao momento mais violento no poema. Este é seguido por uma das seções não acompanhadas da orquestração de Rossini, Eia mater, fons amoris — um diálogo entre o baixo solista e o coro que é o grande e dramático momento crítico de todo o Stabat Mater. Deste ponto em diante, o poema se desvia das imagens da angústia de Maria para a direção de uma oração mais pessoal.
No quarteto longo, dramaticamente complexo (Sancta mater, istud agas), o poeta pede para compartilhar do sofrimento de Maria, culminando no profundamente sentido Fac me tecum plangere (Faze-me chorar contigo). A mezzo-soprano ataca uma melodia semelhante em sua "cavatina" Fac ut portem.
Rossini então explora tudo do imaginário dramático de fim-do-mundo do Inflammatus et accensus, uma ária para soprano e coro que é constantemente interrompida pelas iradas fanfarras do Juízo Final. O movimento assume um matiz triunfante ao final.
Rossini de novo se volta para vozes desacompanhadas na prece para o devoto Quando corpus morietur.
O Amen final é grandioso como convém, uma furiosa fuga coral, que faz uma parada repentina para então fazer uma breve reminiscência da introdução.
Só então Rossini conduz o Stabat Mater a um termo com uma coda feroz."

6. Curiosidades sobre outros Stabat' s

Sabiam os leitores que ainda hoje muitos compositores transformam esse poema de Jacopone em lindas cantatas, oratórios, peças corais para muitas vozes ou solo, peças corais estróficas do tipo hino ou concerto litúrgico?

Alguns exemplos, com certeza, darão uma melhor idéia da importância desse poema para o imaginário ocidental. Citemos apenas alguns, mesmo correndo o risco de omitir certos países ou nomes de importantes compositores nos respectivos países constantes da amostra abaixo:

1) na Polônia: Henryk Mikolaj Górecki (1971), Krzysztof Penderecki (1962), Marcin Mateusz Wiersbicki (1996), Piotr Zychowicz (2000), Marek Jasinski (1999), Marek Sewen (1998), Anna Ignatowicz (1995), Pawel Lukaszewski (1994)
2) na Hungria: György Orbán (1995)
3) na Itália: Ennio Morricone (1975), Marco Frisina (2000), Giorgio Lanzani (1999)
4) na Dinamarca: Poul Ruders (1974), Jan Erik Hansen (1994)
5) no Brasil: Amaral Vieira (1989)
6) no Canadá: Ramona Luengen (1995), Philippe Leduc (1996)
7) na República Tcheca: Antonín Tucapsky (1989)
8) na Bélgica: Jean-Marie Plum (1943), Piet Swerts (1988)
9) na Belorússia: Alexander Litvinovsky (1998)
10) na Estônia: Arvo Pärt (1985), Urmas Sisask (1988)
11) na França: Francis Poulenc (1950), Pierre Thilloy (2001), Bruno Coulais (2005)
12) na Alemanha: Wolfgang Rihm (2000)
13) em Israel: Michael Wolpe (1994)
14) na Holanda: Daan Manneke (2007), Huub de Lange (2004), Arjan van Dijk (2000)
15) na Noruega: Olav Anton Thommessen (1977), Knut Nystedt (1986), Trond H. F. Kverno (1991)
16) na Rússia: Georgi Dmitriev (1988), Yuri Kasparov (1991)
17) nos Estados Unidos: Brian Schober (1994), Frank Ferko (1998), Aaron Garber (2000), William Copper (2001), Thomas Oboe Lee (2002)
18) na Espanha: Javier Busto (1998), Salvador Brotons (1997)
Há também o caso curioso da união de cinco compositores nórdicos para a composição de um Stabat Mater nórdico (2000). São eles: o dinamarquês Svend Nielsen (parte I, 5 min 48 seg), o sueco Arne Mellnäs (parte II, 5 min 16 seg), o dinamarquês Bent Lorentzen (parte III, 8 min 45 seg), o sueco Sven-David Sandström (parte IV, 7 min 18 seg) e o dinamarquês Ib Norholm (parte V, 7 min 8 seg).

Não poderíamos também desconhecer os nomes célebres de compositores de Stabat Mater do passado, com as ressalvas já feitas acima quanto aos países e aos nomes dos compositores constantes da amostra abaixo:

1) na Polônia: Józef Zeidler (1790), Karol Szymanowski (1926)
2) no Brasil: João de Deus Castro Lobo (1820), Antônio Francisco Braga (sem data)
3) na Áustria: Joahnn Joseph Fux (1735?), Joseph Haydn (1767, e ampliado por Sigismund Neukomm em 1803), Franz Schubert (2 Stabat' s em 1815 e 1816)
4) na Bélgica: Josquin Desprez (1500), Orlando di Lasso (1585)
5) na Inglaterra: John Browne (1490), Richard Davy (1490), William Cornysh (1500), Samuel Webbe (1782)
6) na França: Marc Antoine Charpentier (2 Stabat' s de 1670 e 1680), Dom Fonteinne (1850)
7) na Alemanha: Johann Sebastian Bach (1748), Johann Zach (1750)
8) na Hungria: Franz Liszt (1866), Zoltán Kodály (1898)
9) na Itália: Franchino Gaffori (1500), Giovanni Pierluigi Palestrina (1590), Emanuele d' Astorga (1707), Alessandro Scarlatti (1710), Domenico Scarlatti (1715), Giovanni Batista Pergolesi (1736), Giusepe Tartini (1769), Luigi Boccherini (2 Stabat' s de 1781 e 1800), Giovanni Paisiello (1810), Gioacchino Rossini (1842), Saverio Mercadante (1865), Giuseppe Verdi (1898)
10) na Holanda: Jacobus Regnart (1588), Alphons Johannes Maria Diepenbrock (1896), Bertha Frensel Wegener-Koopman (1909)
11) em Portugal: Pedro de Escobar (1500), António Carreira (1570), João Rodrigues Esteves (1740), José Joaquim dos Santos (1792), Joaquim Casimiro Júnior (1851)
12) na Espanha: Alonso de Alba (1500), Sebastian de Vivanco (1600), Juan Gutiérrez de Padilla (1640), Antonio Soler (1775)
13) na República Tcheca: Antonín Dvorak (1877)
Os nomes de Haydn, Palestrina, d' Astorga, Pergolesi, Boccherini, Rossini e Dvorak foram destacados em negrito no texto, porque há uma disputa entre os críticos sobre qual deles é o mais belo.

7) Sugestão para audição no You Tube

Estão disponíveis na Internet tanto grandes momentos de consagrados cantores acompanhados
de excelentes orquestras quanto apresentações não tão felizes. Abaixo vou citar alguns dos bons momentos que ficaram na história do Stabat Mater de Rossini, quer por terem agradado aos conhecedores, quer pelo elevado número de consulta dos aficcionados do bel canto.
Através das indicações abaixo, os leitores poderão observar como a voz humana é explorada por Rossini em seus diversos registros, desde o mais grave ao mais agudo, do baixo profundo ao soprano ligeiro.

Stabat mater dolorosa (1a. estrofe) executada pela London Symphony Orchestra e Coro sob a direção de Istvan Kertesz
Cujus animam com o tenor Stephen Costello, ou Pavarotti, ou Salvatore Fisichella, ou ainda Juan Diego Florez (observem o ré bemol a plenos pulmões)
Quis est homo com a mezzo-soprano Valentini Terrani e soprano Katia Ricciarelli ou com a
soprano Luba Orgonasova e mezzo-soprano Cecilia Bartoli
Pro peccatis com o baixo Carlo Colombara, ou Riccardo Zanellato, ou ainda Ben Wager
Eia mater com o regente Carlo Maria Giulini e o baixo Ruggero Raimondi
Quando corpus morietur com New Mexico State University Cathedral Singers
Inflammatus com a soprano Eleanor Steber, ou Angela Gheorghiu, ou Daniela Dessi, ou Montserrat Caballe, ou Renata Tebaldi, ou Luba Orgonasova, ou ainda Eva Mei
Amen. In Sempiterna com o Vox Humana Choir of Vác (HUN) conducted by Gergely Ménesi


* Na estrofe 16, linha 2, Rossini usa "Passionis fac consortem"em vez de "Passionis ejus sortem" e, depois do Amen, Rossini acrescenta a linha "In sempiterna saecula".

B I B L I O G R A F I A

Inicialmente gostaria de mencionar que me nutri, para a elaboração do presente ensaio, de muitos elementos contidos na monumental pesquisa feita por Hans van der Velden, apresentada no site "In memoriam Hans van der Velden" ou ainda em http://www.stabatmater.info/index.html


ABRAHAM, Gerald. The concise Oxford History of Music, Oxford University Press, 1985, p.754, Londres.
COMBARIEU, Jules. Histoire de la Musique, tomo 2, capítulo LV, pp. 483-507, Librairie Armand Colin, 1950, 7a. edição, Paris.
GAMBEIRO, Délia. Uma visão trágica na poesia religiosa medieval do século XIII. In: I Congresso Internacional de Estudos Filológicos e Lingüísticos/VIII Congresso Nacional de Lingüística eFilologia, 2004, Rio de Janeiro. Anais do I Congresso Internacional de Estudos Filológicos e Lingüísticos. Rio de Janeiro : UERJ/Cifefil, 2004. v. VII. p. 117-127. (ou consultar www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno04-19.html)
HOFFMANN, Joel. Consultar facstaff.uww.edu/allsenj/MSO/NOTES/0708/7.Mar08.html
LITURGIA HORARUM, Proprium de Sanctis, Die 15 septembris: Beatae Mariae Virginis perdolentis, vol. IV, p. 1212-1217, Libreria Editrice Vaticana, 1987, Vaticano.

19 comentários:

EU ODEIO O GORDO MANCO disse...

Prezado Braga, muito obrigado pelo excelente post. Sou um grande apaixonado pelo poema e suas versões musicadas, e sua compilação dos autores que o musicaram será muito útil para eu continuar minha coleção de versões. Parabéns pelo excelente blog.
Um abraço,
Flávio Campos

Anônimo disse...

Quando jovem, estudei o poema na Faculdade de Letras da UFRJ. Mas já não me lembrava do texto. Muito obrigado. Ouvi o Inflamatus na semana santa de Ouro Preto.

José Antônio de Ávila disse...

Foi bom ler hoje este formidável texto do ilustre Francisco Braga sobre a obra de Rossini, fato que acabou completando bem o dia, posto que coincidentemente, pela manhã acompanhei o lançamento do livro "Stabat Mater - Setenário das Dores de Maria Santíssima, Poema, Sermões e Reflexões", do Pe. Sáulo José Alves. Parabéns, caro Francisco!

Vicente de Paula Rigolon disse...

CARO FRANCISCO BRAGA,
BOA TARDE!OBRIGADO PELA OPORTUNIDADE EM PODER SABOREAR SEU TRABALHO DE PESQUISA SOBRE O ”STABAT MATER DOLOROSA” MUITO RICO SEU TRABALHO. FIQUEI ENCANTADO! VOLTAMOS EM NOSSO TEMPO DE SÃO JOÃO DEL REY!!!!ORIGEM , HISTÓRIA, MOTIVOS DA COMPOSIÇÃO!!!!!OBRIGADO
< O. Vicente Rigolon _S.D.B.
RESENDE-RJ

Gilberto Madeira Peixoto disse...

Francisco:
Formidável.
Meus agradecimentos.
Abraço,
Gilberto

Lucas Silveira disse...

Muito obrigado, Sr. Francisco!
Att,

Lucas Silveira


Departamento Diocesano de Comunicação (Dedicom)
Diocese de São João del-Rei / MG / Brasil

Fernando Teixeira disse...

Li, e realmente degustei, o seu texto. Ele me trouxe a recordação da Liturgia das Horas, então apelidada de Breviário. E descobri que a saudade ainda sustenta nossa fé. Abraço para você e família
do Fernando.

José Maurício de Carvalho disse...

Ok, belo trabalho.
Maurício

Aristides Junqueira disse...

Prezado Francisco,
gratíssimo por essa preciosidade.
Abraço,
Aristides

Fernanda Rodrigues Scarpa disse...

Que maravilha, Braga! Eu e Cristina Krauss acabamos de ler! Excelente!
Ela está escrevendo sobre as gravuras de Dürer, conforme relato constante do diário de viagens dele, escrito em 1520-21, onde ele afirma que as mesmas chegaram a Portugal e Lima Júnior assinala que por conseguinte ao Brasil, a Minas. (...) passando a Devotio Moderna, chegando às festas dedicadas á Maria com as antífonas marianas ...
Foi curioso, pois, uns minutos antes de visualizarmos seu e-mail, ainda comentamos sobre o quanto a sua curadoria musical poderia abrilhantar ainda mais a grande Festa Anual de Nhá Chica em Rio das Mortes e em SJDR/2013.

Cristina está produzindo uma minuta de projeto para embasar uma exposição de releituras de gravuras de Nossa Senhora da Conceição que remontam a Dürer, em terracota, algo da bem antiga Comarca do Rio das Mortes (em 1800) e ela comentou que Braga aqui daria o tom!
Parabéns pela postagem! Belíssima!
Abraço,
Fernanda.

Sáulo José Alves disse...

Prezado Francisco Braga!

Que belo trabalho!
Seu texto flui serenamente, fazendo-nos embeber de sua sapiência.
Vemo-nos transpostos aos patamares do "belo", penetrados pela profundidade da arte de Rossini, que nos faz levitar pela singelez de sua harmonia poética.
Parabéns, abraços do amigo e confrade Pe. Sáulo José Alves

Cristina Krauss disse...

Endossado, Braga!
Parabéns pela belíssima postagem!
Abraço,
Cristina

A. Molina disse...

Bom dia !!
Amigo Francisco ,
Tive o prazer de ler todo o texto; gostei muito, parabéns por este seu trabalho .

Abraços,
Molina

Paulo Roberto Sousa Lima disse...

Grande Braga, grande blog. Fico feliz em poder acompanhar sua produção, companheiro.
Abraços e votos de Saúde e Paz
Paulo Lima

Maria José Cassiano de Oliveira disse...


Parabéns Francisco Braga!
Obrigada!
Zezé Cassiano

Hélio Petrus disse...

Prezado amigo Francisco:

Agradeço sua pronta gentileza em enviar-me magnífico trabalho sobre Rossini, fruto de sua privilegiada inteligência e amor dedicado às
coisas do espírito, dotes divinos que acabo de conhecer.
Foi um prazer muito grande recebê-los em minha casa,mesmo sem o acolhimento merecido ao simpático casal, uma vez que minha esposa Zélia
estava ausente, em visita à netinha recém-nascida. Poder partilhar da amizade de vcs será muito gratificante, e terei muito que aprender com
sua intelectualidade de lídimo homem de cultura.

Grande abraço ao simpático casal Francico e Rute.
Helio Petrus.

André Guilherme Dornelles Dangelo disse...

Prezado Francisco Braga, li com muito interresse seu artigo sobre Rossini e o Stabat Mater e venho atravez deste, parabenizá-lo pelo excelente artigo.

Corialmente,

Andre G D Dangelo

José Carlos Hernández Prieto disse...

Boa tarde Braga;

Pude hoje com calma ler sua abordagem exaustiva a respeito do Stabat Mater de Rossini, por intermédio da Gina. Dou-lhe meus parabéns por tão completo e duro trabalho de pesquisa e divulgação. Não tive a sorte de usufruir das últimas pinceladas de latim que ainda eram ensinadas nos colégios secundários - faltou-me um ou dois anos de idade. Mas gosto muito de ler coisas em latim, tento entender e traduzir. Meu muito obrigado por suas traduções. Gostei muito de conhecer os poemas em latim tardio, aquele medieval, berço do italiano moderno e das demais línguas irmãs no Lácio.

Abraço

José Carlos Hernández

Aluízio José Viegas disse...

Francisco, caro amigo,

Sobre o seu texto do "Stabat Mater", de fato, acho que ele merece uma ampliação ou uma continuidade, já que o "amado" Rossini conquistou o mundo com suas obras, especialmente suas óperas com suas deliciosas aberturas.

Talvez você não tenha tido conhecimento do quanto Rossini foi reverenciado pela música em São João del-Rei.

O seu "Stabat Mater" integrou o repertório da Semana Santa desde meados do século XIX. Ribeiro Bastos o copiou e executava trechos durante a soleníssima Adoração da Cruz, na Sexta-feira Santa (Missa dos Pré-santificados), pela manhã.

Eu, ainda menino, ouvi o famoso João Pequeno cantando a ária "Cujus animam" que exige do tenor uma extensão vocal além da tessitura normal.

Depois a ouvi com outro tenor são-joanense, João Rocha, irmão do Cônego Antônio Rocha e do do professor Joaquim da Rocha (do Conservatório); depois a ouvi com um tenor que era cego mas possuidor de uma belíssima voz, e que vários anos veio participar da Semana Santa em São João del-Rei.

Por último, não só ouvi, como participei como instrumentista (violoncelo), quando o meu irmão Vicente, tenor de impressionante potência vocal como também de uma beleza ímpar, a cantou com a Orquestra Ribeiro Bastos.

As outras partes cantadas - já no século XX - foram: Pro peccatis (basso solo), cantada pelo nosso Benigno Parreira e pelo saudoso Domingos Assunção - barítono baixo - cuja beleza vocal deixou saudades.

Também era executada, com a empolgante música do Rossini, a ária "Inflammatus et accensus" para soprano solo e coro, que exige verdadeiro tour de force para o soprano. Lembro-me de tê-la ouvido e também participado como instrumentista com os sopranos: Leila Tayer, Maria do Carmo Hilário (a saudosa Quiquinha) e depois a Professora Janice Mendonça de Almeida (professora no Conservatório) cuja potente voz encantou muitas noites musicais de São João del-Rei. Durante a Adoração da Cruz, também se cantava o que em São João del-Rei passou a se denominar: Coro da Caridade (que compõe um conjunto de três peças de Rossini para solista e coro feminino (La Fede, La Speranza, La Carità". Somente se executava o La Carità, em arranjo para orquestra e coro misto pelo maestro Martiniano Ribeiro Bastos (1834-1912).

Ainda, na Semana Santa, se executava o "famoso" Tantum Ergo", obra de Rossini para terceto masculino (dois tenores e baixo); obra que integrava o repertório pascal, pois era executado na entrada da procissão da Ressurreição e na entrada da procissão de Corpus Christi.

Desta obra eu ouvi com a Orquestra Ribeiro Bastos sob a regência do saudoso maestro Francesco della Croce (Alíipio), flautista e depois regente, sendo os cantores: João Rocha e João da Cruz Magalhães (Ginêgo) e o baixo Domingos Assunção.

Na Sociedade de Concertos Sinfônicos, sob a regência do Maestro Dr. Pedro de Souza, executou-se muitas vezes a ária "Inflammatus"; e em um concerto específico se cantou o coro de introdução, ária Cujus animam; duo Quis est homo; ária Pro peccatis; ária para mezzo soprano (Fac ut portem), bem como ária Inflammatus.

Posteriormente, Geraldo Barbosa também regeu trechos do Stabat Mater - coro de introdução, ária Cujus animam, ária Pro peccatis, ária Inflamatus e o coro final (fuga dupla) "In sempiterna sæcula. Amen".

Na Corporação Artística Sanjoanense, com acompanhamento de piano pela professora Mercês Bini Couto, apresentou-se sob a regência de Luiz Antônio Boari Bini, vários trechos do Stabat Mater.

Na Lira Sanjoanense, alguns trechos do Stabat Mater foram apresentados e arranjo para pequena orquestra e também o Coro da Caridade.

Por aí, caro Francisco, você vê que Rossini foi muito reverenciado em São João del-Rei. Isto sem dizer do Padre José Maria Xavier que, "fã" ardoroso de Rossini, não só orquestrou obras suas como também utilizou temas rossinianos para diversas obras suas. Ma isso já é outro assunto.

Por isso acho que o seu comentário sobre o Stabat Mater merece uma ampliação.

Abraço,

Aluízio