quinta-feira, 10 de maio de 2012

HOMENAGEM AO POETA POLONÊS JANUSZ SZUBER

Por Francisco José dos Santos Braga



Artigo publicado na Revista Polonicus - Revista de reflexão Brasil-Polônia, Ano III, nº 1, jan/jun 2012, Curitiba, p. 149-162, disponível na Internet como volume nº 5 no endereço eletrônico 
--> http://www.polonicus.com.br/site/edicoes.php


I - INTRODUÇÃO

Janusz Szuber
 

Hoje meu homenageado é um dos mais distintos poetas polacos contemporâneos. Janusz Szuber nasceu em 10 de dezembro de 1947 em Sanok, na região da Galícia, situada no canto sudeste da Polônia, encruzilhada de influências culturais polonesas, ucranianas, judias e austro-húngaras. Estudou filologia polaca na Universidade de Varsóvia. Szuber já escreveu 18 livros de poesia na Polônia, tendo sido traduzido para 14 línguas. Foi agraciado com vários prêmios literários importantes, incluindo o Prêmio Literário da Cidade de Sanok, o Prêmio Barbara Sadowska, o Prêmio Kazimiera Iłłakowiczówna, o Prêmio de Topo da Fundação Polaca de Cultura e o Prêmio da Fundação Władysław and Nelly Turzański de Toronto por realizações marcantes no campo da cultura polaca. Além de poeta, Szuber é também ensaísta e colunista.

II. POETA JANUSZ SZUBER NA VISÃO DOS CRÍTICOS NORTE-AMERICANOS

Quando fez seu primeiro aparecimento nos Estados Unidos o livro de poemas selecionados de Janusz Szuber, traduzido por Ewa Hryniewicz-Yarbrough e  publicado por Alfred A. Knopf, de New York, em maio de 2009, denominado “They Carry a Promise: Selected Poems” (Eles cumprem uma promessa: poemas selecionados), desde então os poemas ali constantes têm sido muito bem acolhidos e seu autor, considerado revelação pela crítica especializada. 

A seguir, em minha tradução apresento uma crítica das mais autorizadas: o crítico Patrick Kurp (2009), estabelecido em Houston, Texas, possui um blog chamado "Anecdotal Evidence" e é um desses que se debruçaram detidamente sobre a obra poética de Janusz Szuber. Ele vê inúmeras similitudes entre este e os mestres da poesia polonesa que o antecederam no século XX, Czesław Miłosz (Prêmio Nobel de Literatura em 1980) e Zbigniew Herbert, afirmando que "Szuber repetidamente se volta para os exemplos fixados por esses grandes poetas poloneses", embora reconheça que "ouve mais Miłosz do que Herbert nas linhas de Szuber, mais de uma religiosa sensibilidade." Em 'Forja' (pol. Kuźnia), escrito aos 80 anos de idade, Miłosz escreve: 'Parece que fui convocado para isso: glorificar coisas apenas porque elas existem.' (pol. Do tego byłem wezwany: Do pochwalania rzeczy, dlatego że są.) Tanto esse poema de Miłosz, quanto o de Szuber 'Sobre um rapaz mexendo compota', tratam de uma banalidade relembrada da infância. Szuber, por sua vez, escreve: 'Há salvação no detalhe lembrado.' Observe a afeição pela linguagem religiosamente sugestiva, que faz de Szuber uma anomalia entre os poetas, mas aparentado com Miłosz. Na maioria dos poemas daquele, existe um escritor maduro escrevendo para leitores maduros.
(...)
Eu ouço ecos múltiplos de Herbert, o menor dos quais é a colagem de referências culturais. 
(...) 
Para Herbert e Szuber, pedras e outros objetos são inteiramente eles próprios, auto-suficientes, de uma forma que os humanos nunca poderão ser. Seu silêncio é eloquente e admirável."

Depois de discorrer sobre algo que Eugenio Montale se referiu em seu discurso, ao ser-lhe concedido o Prêmio Nobel de Literatura em 1975, a saber, que a poesia podia ser descrita como um produto completamente inútil, mas dificilmente ser acusada de nociva, o que considerava uma de suas características de nobreza, Kurp cita Shakespeare e Milton em tempos passados e Zbigniew Herbert mais recentemente como modelos de nobreza poética, tendo o cuidado de se justificar pela escolha de Herbert: "Através de dom inato, vasta erudição, dedicação e uma variada sorte de opressão política, Herbert, com alguma relutância, tornou-se um poeta nacional, a voz da consciência da Polônia, sem sacrificar o valor puramente poético de seu trabalho."

Szuber é apreciado por Kurp sob outro prisma, não o da nobreza, mas de "uma qualidade que o redime: seu respeito saudável e interesse pelo mundo cotidiano dos pássaros, bosques, livros e casos de amor. É estranho notar isso como uma virtude. Devia ser óbvio, um dado para todos nós, poetas ou não, mas muito verso contemporâneo se situa numa visão infantil da terra de Cockaigne. Quando Szuber renuncia a gracejos e a um iluminismo barato, ele nos pousa numa terra estrangeira que todos nós reconhecemos." E continua: "Szuber é mais bem sucedido quando sua voz se parece mais com o tom de distanciamento do Olimpo de Herbert — provavelmente ele não gostaria de ouvir nenhuma apreciação. Seus poemas fazem poucas referências claras ao passado recente da Polônia — Nazismo, Comunismo, confusão pós-comunista. Nada sobre Katyn, Gomułka ou Gdańsk. O inimigo já era, e a Polônia é uma nação entre nações. Szuber foi deixado, como muitos outros poetas, com uma realidade mundana, uma que menos aponta para a nobreza." ¹

Outro crítico, Piotr Florczyk (2009), tradutor do polonês e poeta, natural de Cracóvia, professor na Universidade de Delaware, analisa a obra do poeta polonês sob um prisma um tanto diferente, em minha tradução. "Estabelecido na cidade de Sanok no sudeste da Polônia, uma região que é tão rica em história e beleza natural quanto pobre em condições econômicas, Szuber é um poeta da reflexão e da busca pela transcendência. O mundo de Szuber pode ser fisicamente diminuto, mas suas buscas espirituais e intelectuais estão além disso. No poema 'Sobre um rapaz mexendo compota', o narrador expressa o desejo humano de apreender a essência integral do seu ser, antes de perceber afinal que mais importante do que a soma são os átomos individuais: 'Para alguém que não pode abraçar a totalidade, / Há salvação no detalhe lembrado.' Esse poema termina com o narrador lembrando-se do papel que desempenha no fazer e desfazer dos seus arredores:  'Agora sei / Que a distração é um pecado imperdoável / E cada partícula do tempo tem uma dimensão definitiva.'

Como um grande cronista, Szuber gastou uma considerável quantidade de tinta invocando seus antepassados, e o fez, — é importante destacar — sem transpor os domínios da mistificação superficial.  
(...) 
Evidentemente, alguns podem ponderar que há algo barroco sobre essas linhas e Szuber em geral, mas o que é digno de elogio é como ele renega fogos de artifício linguísticos e estilísticos em prol do retorno às mesmas verdades universais que nos impelem a continuarmos procurando e explorando quem somos. De fato, preso a uma cadeira de rodas desde seus dias de universidade, a história pessoal de Szuber poderia municiá-lo com razões infindáveis para escrever sobre si mesmo, entretanto, quando ele o faz, sempre une sua própria experiência a um todo mais amplo, do jeito que apenas o melhor dos poetas sabem fazê-lo. 
 (...) 
Cheios de sabedoria, inteligência, beleza e graça, os poemas de Janusz Suzber aprofundam e reforçam nossos liames conosco mesmos e o mundo em geral." ²
 
-->
A descrição do livro "They Carry a Promise: Selected Poems" traz as seguintes observações sobre seu autor, em minha tradução: "Esta coletânea estimulante marca a primeira aparição em língua inglesa do poeta polonês Janusz Szuber, aplaudido como a grande descoberta na poesia polonesa em fins do século XX, quando, com a idade de quase 50 anos, começou a publicar a obra que estivera produzindo por quase 30 anos. A poetisa laureada com o Prêmio Nobel, Wisława Szymborska, o tem chamado de 'poeta excelente', enquanto Zbigniew Herbert disse que 'sua poesia fala à parte dura do espírito'.
Janusz Szuber é um escritor intensamente elegante cujos poemas são curtos e acessíveis; sua obra está equilibrada entre os rigores de fazer poesia e a vida mesma em toda a sua glória desordenada, entre as devastações da história e o ato calmo de observar nosso lugar nisso tudo. De um extremo ao outro, há uma intensa calma e modéstia no verso de Szuber, quer esteja observando a garça em luta, a espuma de macieiras florescentes ou as imagens humanas num velho álbum de fotos." ³

Publishers Weekly o saudou com as seguintes palavras (em minha tradução): “Cuidadoso, profundo e muito celebrado na Polônia, Szuber parece o herdeiro lógico, a certos respeitos, de Czesław Miłosz... (representando) não a nova voz da Polônia pós-comunista, mas o último florescimento dos dons líricos de nível internacional – alegóricos, pios, cuidadosos, auto-alienados, – que cresceram à sombra da Cortina de Ferro.
 



III. MINHA TRADUÇÃO PARA POEMAS SELECIONADOS DE JANUSZ SZUBER

Tenho em mãos o livro, em polonês, de poemas selecionados de Janusz Szuber, intitulado “Pianie kogutów: wiersze wybrane” (O cantar dos galos: poemas selecionados), em sete partes, publicado pela Editora Znak, de Cracóvia, em 2008.
A denominação do livro rouba o título de um poema célebre dedicado a Czesław Miłosz, estampado na p. 60 da referida edição, a saber:

               Pianie kogutów

                                    Czesławowi Miłoszowi

Pianie kogutów na zmianę pogody:
Pod siną chmurą sine jądra śliwek
Z popielatym nalotem i lepką szczeliną –
Tam słodkie strupy brudnego bursztynu.

Język próbuje wygładzić chropowatość pestki
I lata mijają. A ona dalej rani podniebienie
Obiecując, że dotknę sedna – dna tamtego dnia
Kiedy koguty piały na zmianę pogody.
 
Cantar dos galos
A Czesław Miłosz

Cantar dos galos por mudança do tempo:
Sob uma nuvem roxa os roxos testículos de ameixas
Com uma capa cinzenta e viscosa fenda –
Lá há doces crostas de âmbar sujo.

A língua tenta aplanar a aspereza do caroço
E os anos passam. Mas ela continua a ferir o palato,
Com a promessa de que vou tocar a essência – o âmago daquele dia
Quando os galos cantavam por mudança do tempo.

Na p. 41 da mesma edição polaca se encontra o poema abaixo, cujo título também é nome de um dos livros de Szuber:

                O chłopcu mieszającym powidła

                                             Staszkowi Dłuskiemu

Łyżka drewniana do mieszania powideł,
Ociekająca słodką smołą kiedy w rondlu
Bełkoce bąblami śliwkowa magma,
I dla kogoś, kto nie może objąć całości,
Jaki taki ratunek w zapamiętanym szczególe.
Bo, ostatecznie, cóż o nich wiedziałem?
Prawdziwe, o twardości diamentu, miało się
Przecież dopiero wydarzyć w nieokreślonej bliżej
Przyszłości i, jak mi się wydawało, wszystko dotychczasowe
Było jedynie zapowiedzią tamtego. Naiwny. Teraz wiem,
Że nieuwaga jest grzechem nie do wybaczenia
A każda drobina czasu ma wymiar ostateczny.

Sobre um rapaz mexendo compota

A Staszek Dłuski

Uma colher de pau p'ra mexer compota,
Pingando melaço mole, enquanto no tacho
Balbuciam bolhas dum magma de ameixas.
Para alguém que não pode abraçar a totalidade,
Há salvação no detalhe lembrado.
Pois, afinal de contas, eu sabia algo sobre essas coisas?
O real, como a dureza do diamante, estava
Para acontecer apenas num futuro próximo,
Vago e, como me parecia, tudo até agora
Foi apenas tal prenúncio. Ingênuo! Agora sei
Que a distração é um pecado imperdoável
E cada partícula do tempo tem uma dimensão definitiva. 

                       Pokorny 

Pokorny? Nie pokorny.
Szukam dla siebie formy.
Diabłu zapalam świecę
I w potępienie lecę. 

Gdzie tortur czarcia wanna, 
Bez "gloria" i "hosanna" —
Tam wygładzany heblem
Tekst wiersza szczelnym kneblem.

Humilde

Humilde? Nem um pouco.
Busco uma forma p'ra mim.
Acendo uma vela ao diabo
E caio na condenação.

Onde está a banheira satânica das torturas
Lá não há "glória" nem "hosanna" —
O texto de um poema será aplainado
Com uma mordaça hermética.  

                           Lektury

Kiedy mój zegar dobiegał południa
Pośród znajomych znalazłem się lasów
Po lewej stąpał wielki Aligherus
Pantera oswojona biegła jego śladem
Po prawej krztusił się ze śmiechu
Przechodzień lasu ardeńskiego
Widząc na korze głupawe wierszyki.

Byłem wpół drogi. Oni odchodzili.
Trzaskały suche gałązki borówek.

Może zbyt cielesny jestem zbyt wrośnięty w ciało
Żeby się miała spełnić obietnica
Tu gdzie nad dębem rośnie zimny obłok —
Myślałem idąc brzegami parowu
W którym mamrotał strumień Heraklita.

Podniosłem kamyk. Był dokładnie w sobie.

Leituras

Quando meu relógio se aproximava do meio-dia,
Eu me encontrei no meio de florestas conhecidas
À esquerda pisava o grande Aligherus
Uma pantera domesticada corria na sua pegada
À direita engasgou-se com um riso
Um transeunte da floresta de Arden
Ao ver estúpidos poemetos em casca de árvore.

Estava eu a caminho. Eles partiram.
Estalavam galhinhos secos de morangos.

Talvez eu seja carnal demais, corpóreo demais,
Para que a promessa possa ser cumprida
Aqui onde sobre um carvalho cresce uma nuvem fria —  
Pensei, enquanto ia pelas margens dum córrego
No qual murmurava o riacho de Heráclito.
 
Peguei uma pedra. Ela era exatamente em si mesma.  

                              Filologia

Gąszcze trochejów, jambów, anapestów
Jakby to był agrest, leszczyna i rdest. Nad nimi
Jej ptasie rh, rh, rh. Mamy już za sobą
Niejeden podział Galii, i kości dawno zostały rzucone.

Ktoś dziś idzie ulicą Bolivara czy Chile
I może być szczęśliwym, lub nim nie by.
Któż może sprawić, abym był tym kimś.

A nasza łacinniczka, Wanda K.,
Emigrantka ze Lwowa, w letnim kapeluszu i sukni
Z nakładanym białym kołnierzykiem,
Wraca właśnie od franciszkanów, z dziewiątówki
Przed świętym Antonim.

Kwitnie mięta, pachną papierówki, są teraz,
Kiedy to piszę, mieszkaniec nowego eonu,
Zamieniając w zdania tamto coś, co na pozór
Z filologią niewiele miało wspólnego.

Filologia

Selvas de troqueus, jâmbicos, anapestos
Como se fossem groselha, avelã e sempre-noiva. Sobre elas
Seus rrr, rrr, rrr de ave. Temos já atrás de nós
Várias divisões da Gália, e a sorte há tempos foi lançada.

Alguém anda hoje pela rua Bolívar ou Chile
E pode ser feliz, ou não.
Alguém pode fazer com que eu fosse aquele.

E nossa professora de Latim, Wanda K.,
Emigrante de Lvov , em chapéu de verão e vestido
Com colarinho branco, destacável,
Está justo voltando dos franciscanos, da missa das nove,
Na igreja de Santo Antônio.

Florirá hortelã, maçãzinhas cheirarão, elas existem agora
Quando escrevo isso, habitante de um novo éon,
Transformando em orações aquele algo que
Aparentemente tinha pouco a ver com filologia. 


NOTAS DO AUTOR
 

¹  KURP, P.: They carry a promise by Janusz Szuber in The Quarterly Conversation, 9 dez. 2009, ou no link
--> http://quarterlyconversation.com/they-carry-a-promise-by-janusz-szuber   

²  FLORCZYK, P.: Janusz Szuber. They Carry a Promise: Selected Poems in The Free Library, 1º set. 2009, ou no link http://www.thefreelibrary.com/Janusz+Szuber.+They+Carry+a+Promise%3A+Selected+Poems.-a0215865236   

³  SZUBER, J.: They Carry a Promise: Selected Poems (trans. Ewa Hryniewicz-Yarbrough), Knopf, New York, 2009, 112 p. 

SZUBER, J.: Pianie kogutów: wiersze wybrane, Wydawnictwo Znak, Cracóvia, 2008, 145 p. 
  
Aligherus ou Alighieri. Trata-se do poeta Dante, autor da Divina Comédia.

Em seu poema Leituras, Szuber faz questão de demonstrar seu conhecimento da obra shakespeareana, especialmente da comédia do grande poeta inglês intitulada As You Like It.

A citada Floresta de Arden está localizada no condado de Warwickshire, Inglaterra, e não fica muito distante da cidade onde nasceu William Shakespeare, Stratford-Upon-Avon, ao sul de Birmingham. Toda essa região, cruzada por rios e canais, é hoje chamada de “terra de Shakespeare”. Embora ele tenha passado grande parte da sua vida de trabalho em Londres, as referências presentes na obra do poeta inglês indicam uma contínua afinidade com a natureza e o campo.

Em Ulisses, Joyce coloca na boca de seu personagem Stephen que o nome “floresta de Arden” em As You Like It vem do nome da mãe de Shakespeare, que se chamava Mary Arden Shakespeare, filha de Robert Arden, dono de uma propriedade herdada que ele próprio explorava ou alugava a outros fazendeiros. Cabe aqui a citação de Joyce: "As for his family, said Stephen, his mother' s name lives in the forest of Arden."(U9.879)   Mas o que importa aqui é que, de fato, nessa comédia Shakespeare criou uma floresta que porta o nome de sua mãe, que ele certamente quis homenagear.

Retornando à comédia de Shakespeare intitulada As You Like It (que em português é conhecida pelos mais variados títulos, desde Como Vos Aprouver até Do Jeito Que Você Gosta), a ação de desenrola na França, numa época em que estava dividida em províncias (ou ducados, como Ihes chamavam), reinando em uma delas Frederick, um usurpador que depusera e banira seu irmão mais velho, o duque legítimo.

Shakespeare, na referida comédia, faz pulsar forte paixão entre Rosalind e Orlando no interior dessa floresta, ambiente de instabilidade política, punição e exílio, já que o pai dela, Duke Senior, o duque proscrito, para ali se retirou com alguns poucos que lhe permaneceram fiéis, enquanto sua terra e rendimentos enriqueciam o seu irmão usurpador. O costume logo lhes tornou a vida simples e modesta, mais doce do que a pompa e o esplendor da Corte. Viviam como o velho Robin Hood, da Inglaterra. E diariamente recebiam, na floresta, jovens fidalgos que se retiravam da Corte para ali passarem o tempo despreocupadamente, como se vivessem na Idade de Ouro.

A filha de Duke Senior, Rosalind, permanece na Corte em companhia do tio usurpador e de sua prima Celia. Ambas são unidas por tão estreita amizade que nem as desavenças paternas conseguem interromper. Certo dia, as duas estão a falar de Orlando, por quem Rosalind se apaixonara, quando Frederick penetra no quarto e, irritado por ouvir o nome do filho de seu desafeto Rowland de Boys, ordena que Rosalind deixe imediatamente o palácio e vá fazer companhia a seu pai no exílio. Não conseguindo demover seu pai da sentença contra Rosalind, Celia decide acompanhar a sua prima em direção à Floresta de Arden, onde já se encontrava o duque deposto. Para disfarçarem sua elevada posição, resolvem trocar seus vestidos da corte por trajes de camponesas e, para o disfarce ficar ainda mais completo, decidem que Rosalind usaria trajes masculinos, assumindo o pseudônimo de Ganymede, enquanto Celia, com o pseudônimo de Aliena, ficaria sendo irmã do rústico e corajoso pastor Ganymede.

Furioso com a fuga de sua filha Celia e sabendo que diariamente homens de grande mérito vão à floresta juntar-se ao duque legítimo, Frederick sente inveja de ver o irmão tão respeitado na adversidade.

Certo dia, chega àquela paragem um fidalgo que se diz chamar Orlando, acompanhado de seu velho criado. O duque indaga quem é Orlando e, quando fica sabendo que se trata do filho de seu fiel vassalo e velho amigo Rowland de Boys, toma-o sob sua proteção. Assim, Orlando e o velho criado ficam morando com o duque na floresta.
  
Já no interior da floresta, o pastor Ganymede e sua irmã Aliena (na realidade, Rosalind e Celia) compram a cabana de certo pastor e, logo nos primeiros dias, ficam surpresos por encontrarem o nome de Rosalind gravado nas árvores e sonetos de amor pregados nelas, com dedicatória. Esforçam-se por descobrir como podia ser aquilo, quando encontram Orlando, o homem que Rosalind ama, e percebem-lhe, no pescoço, o colar que ela lhe deu, quando se encontraram pela primeira vez na Corte.

Com malícia e humor, o pastor Ganymede decide permanecer no disfarce para testar os sentimentos de Orlando por Rosalind, contando a Orlando sobre certo namorado "que – diz Ganymede – frequenta nossa floresta e estraga as árvores, gravando nelas o nome Rosalind e pendurando odes nos espinheiros e elegias nas macegas, tudo em louvor dessa mesma Rosalind. Ah, se eu pudesse achar o tal namorado, lhe daria uns bons conselhos para curá-lo desse amor". Orlando confessa ser ele o referido namorado e pede a Ganymede o bom conselho de que falara. O remédio que Ganymede prescreve é que Orlando apareça todos os dias na cabana onde moram ele e a sua irmã Aliena, de modo a ensinar-lhe como seduzir uma mulher, acrescentando ainda: 
Então, fingirei que sou Rosalind e tu fingirás cortejar-me da mesma maneira como farias se eu fosse Rosalind. Depois, imitarei as divertidas momices das damas para com seus namorados, até que te envergonhes do teu amor. Este é o modo pelo qual pretendo curar-te da tua febre do amor”.

É quando Ganymede descobre que essa mentira pode colocar sua relação amorosa em risco.
  
Embora haja outras peripécias que não cabe referir aqui, o desfecho da comédia é - comme il faut - o de um final feliz, tendo Rosalind se casado com Orlando, enquanto sua prima Celia se unia ao irmão mais velho de Orlando, Oliver, que tinha ido à floresta em busca de seu irmão.


⁷ Panta rhei os potamós ("πάντα ῥεῖ ὡς ποταμός") foi a expressão utilizada pelo filósofo grego pré-socrático Heráclito (544-484 A.C.) de Éfeso, cidade da Jônia (atual Turquia). Ele a empregou na acepção de que tudo muda, tudo flui como um rio, nada persiste. A metáfora surgiu de sua constatação de que não é possível banhar-se no mesmo rio duas vezes, ou, dito de outra forma, aquele rio, um milésimo de segundo depois do primeiro banho, já não era mais feito da mesma água. Segundo o pensador grego, tudo é móvel, transitório, passageiro.Tudo flui como um rio” é o célebre "motto" no qual a tradição filosófica subsequente relacionou sinteticamente o pensamento de Heráclito com o tema do devir,  pelo qual todas as coisas são sujeitas ao tempo e estão em contínua transformação, chegando mesmo a identificar a forma do Ser com o Devir


Em polonês, Lwów, hoje cidade ucraniana (desde 1939). Até a II Guerra Mundial, chamava-se Wilno e foi território polonês de 1340 até 1772, quando passou a ser possessão austríaca, e de 1919 até 1939, quando então foi ocupada por tropas soviéticas e depois pelos alemães (1941-1944). Em 1945 foi cedida pelos Aliados à URSS, passando a fazer parte da República Socialista Soviética da Ucrânia. Nessa ocasião, sua população, quase na sua totalidade polaca, foi expulsa, sendo a maioria deportada para Wrocław (que até 1945 tinha sido alemã, com o nome de Breslau). 



15 comentários:

Cristina Krauss disse...

Que maravilha!
Obrigada, Braga!
Abraço! Cristina.

Geraldo Barroso disse...

Caro amigo Braga
Meus cumprimentos pelo primoroso elogio que você faz, em seu Blog, ao poeta Janusz Szuber, de fina sensibilidade. Mais uma vez percebi a timidez de minha cultura, por ignorar as obras de tão notável poeta. Apenas o conhecia de nome e de premiação. Obrigado por despertar minha atenção.
Abraço amigo do Geraldo Barroso.

Pe. Zdzislaw disse...

Carissimo Sr. Francisco,

Mil lembrancas da longinqua Polonia, onde estou passando minhas ferias.
Procurarei "montar" a revista aqui. Grato pelo link para seu texto dedicado ao poeta Szubert! Com sua permissao/autorizacao poderemos publica-lo em nossa revista "Polonicus".

Um abraco - pe. Zdzislaw

Luci Teixeira Carvalho disse...

Bom dia Francisco,
Muito interessante esta Revista Polonicus. Li alguns artigos e, principalmente, foi muito bom saber sobre o seu trabalho. Não conhecia o poeta Janusz e gostei de ler alguma coisa sobre ele. Parabéns pelo artigo publicado.
Abraços, Luci

Zélia Terrell disse...

Parabens meu amigo Acadêmico Francisco, um dos maiores orgulhos de nossa ALSJDR.
Obrigada pelo envio desta matéria, quero ler com calma e aprecia-la.
ABS para Rute e vc.
Da amiga, Zélia.

José Maurício de Carvalho disse...

Parabéns, Francisco.
Mauricio

Francisco José dos Santos Braga disse...

Receba minhas mais sinceras congratulações pela excelência de seus trabalhos, maravilhosamente brilhantes. Sucesso!

Cordialmente,

Jam Pawlak

José Antônio de Ávila Sacramento disse...

Acessei a publicação. Parabéns, caro Braga!
Abraços,
José Antônio

Celso José Benedito disse...

Oi Francisco! Pôxa vc não pára mesmo, hein?!
Parabéns! Precisamos de poesia. Por falar nisso, Flora foi a grande vencedora do palavra Vida deste ano no Colégio com a Poesia " Meu Pé de Acerola". Será que o Janusz ouve Chopin?
Rapaz, minha vida este ano foi uma loucura... e por último fui convocado pela UFRJ pra trabalhar com a orquestra de lá. legal, né?!
Fui aprovado em concurso público em junho. não sei o que iremos fazer.
Abraço,
Celsinho

Mário Pellegrini Cupello disse...

Caro amigo Braga,
Parabéns pelo trabalho de pesquisa sobre o Poeta polonês Janusz Szuber, em seu artigo de 13 páginas, publicado pela importante Revista Polonicus.
Abraços, Mario.

Tarcizio Dinoá Medeiros disse...

Caro Braga,
Gostei muito do seu artigo e surpreendi-me, agradavelmente, por vc conhecer a lingua polonesa. É o primeiro brasileiro que conheço, não descendente de poloneses, que conhece essa língua, que me parece dificílima. Parabéns.
Também eu não conhecia a revista, pesquisei na internete e li interessantíssimos artigos. Valeu,
Tarcizio

Henryk Siewierski disse...

Prezado Franciszku,

Li o seu trabalho sobre Janusz Szuber e gostei muito. Parabéns!

Abraços,
Henryk

Cristina Krauss disse...

Que maravilha, Braga!
Já encaminhei para os amigos poloneses! Estes dias estive conversando com eles sobre gastronomia polonesa, pois há poloneses no Sul de Minas e estão organizando um evento de gastronomia (sulmineira/eslava), acabei de sugerir a inserção da temática musical nas discussões. (...)
Grande abraço! E parabéns pelos magníficos trabalhos que empreende!
Cristina.

A. Molina disse...

Boa Tarde !!

Amigo, Braga !!

Estou parabenizando o seu fantástico trabalho , li tudo com muita atenção .

Abraços,

Molina

Oda Woskowicz disse...

Hi,

I wanted to thank you long time ago for the text about Janusz Szuber and the translations. I really appreciate the fact that you found time for that and I hope you enjoyed the poems. The poet himself was very happy that he reached Brazilian audience and he wishes you all the best.

Sorry for the delay in my response. It is only my fault and results from lack of time.

As I know that you are interested in music and literature and Poland, I would like to send you a little gift: a short novel written by Polish writer (also interpreter and director of theater plays) Antoni Libera in which music plays a very important role.
I am sure you will enjoy the reading!

Please, send me your current address so that I could share with you that short masterpiece.

Kind regards,
Best wishes,
Oda