quarta-feira, 24 de julho de 2013

Sobre a letra Νι (e adicionalmente sobre a letra Sigma) e sua supressão


Por Francisco José dos Santos Braga






I.  INTRODUÇÃO


Neste ensaio apresento basicamente a tradução de um texto do Sr. Spyros Márkou ¹, onde o autor grego se entristece com a tendência de eliminar-se a letra --> --> Νι (Ν, --> ν) no final das palavras (substantivo e artigo), apoiada pelo Ministério da Educação grego, bem como com uma variante linguística difundida pelos jornalistas nos diversos meios de comunicação, os quais vêm promovendo também a supressão da letra Sigma final (Σ, ς) no final de adjetivos e substantivos. Além da tradução, enriqueço o texto do autor grego com notas explicativas.
Desta forma, estou dando continuidade a um trabalho de pesquisa, que compartilho com meus leitores, iniciado com o meu ensaio intitulado "Implicações da Reforma Ortográfica da Língua Grega em 1976", postado neste Blog do Braga em 20/03/2013.


A letra Νι e sua supressão

Por Spyros Márkou

Cada letra do alfabeto grego emite som e (possui um) símbolo.
Cada palavra foi posta com precisão, e não por acaso, pelos "Nomeadores" — legisladores diríamos hoje, — e tem relação direta entre causa e efeito, entre significante e significado.
Por outro lado, se tomamos as Ciências, os exemplos são não só intermináveis e extremamente esclarecedores, mas também didáticos para as próximas gerações.

A letra Ν antena o cérebro

Relativamente há pouco tempo (1996), na Revista Médica Medizinjournal na Alemanha, foi publicado um trabalho científico, de acordo com o qual "a articulação da letra Ν transporta oxigênio ao cérebro e que não foi fortuito o fato da localização do Ν exatamente no meio do alfabeto — no primeiro alfabeto grego com as 27 letras." Além disso, em Harvard, foi constatado por pesquisas médicas que a declamação do Poemas Épicos de Homero no original, fora outras considerações, faz bem ao coração, como exercício respiratório.

E tenho o direito de perguntar: Por que nos tornamos perseguidores do Ν? Por que queremos empobrecer o cérebro das gerações vindouras no nosso país?

Como docente batalhador e escritor de obra científica intitulada DISLEXIA (Atenas: Edições Letras Gregas, 1994, na sexta edição hoje), dou-me o direito não só de perguntar, mas também de propor por fim: A Língua Grega já adquiriu uma forma tal que não precisa de outros excessos.

Porém, pergunto-me: Será que é casual que tenhamos abolido a letra Ν no final das palavras e que nossos livros escolares grafem το--> "εμβαδό"(!) em vez de --> το εμβαδόν ² ?

(Os livros escolares de exercícios grafam "-->το εμβαδόν", isto é, neles se mantém o Ν, enquanto o Estado oficial (Ministério da Educação, Instituto Pedagógico) já o aboliu nos livros.

Por que razão esse exagero? Qual é a razão de oficialmente ensinarmos nas nossas escolas regras que foram feitas arbitrariamente? Por exemplo, χθες συνάντησα το Δήμαρχο (το φίλο, το Σύμβουλο etc. etc.). ³


A letra Ν é orgânica e quando a cortamos, dói. É como se cortássemos o nosso dedinho.

Se alguém objetar que isso é um detalhe insignificante, será preciso dizer-lhe que "o detalhe sustenta o Pártenon"!


Também vou lembrar aqui o belo, irônico texto de Odysseus Elytis, "Por uma Ótica do Som", onde conclui: "Nenhum Herodes ousaria ordenar tal genocídio, como este do Ν final, a menos que lhe faltasse a ótica do som."

Yannis Ritsos também escreveu: "Também as palavras são veias. Dentro delas corre sangue."

Infelizmente, porém, constatamos hoje que, depois do Ν, é chegada também a vez do sigma final (-->Σ, ς). Alguns jornalistas nos meios de comunicação já dizem:  -->η "μέθοδο", η "οδό", --> ηλήρη(!) ένταξη", etc.  

Cultivam assim arbitrariamente para os nossos jovens uma variedade linguística negativa, com o poder dos meios de comunicação, enquanto não só a escola é débil para reagir, mas também a sociedade se comporta passivamente ao acolher como fatalidade essa evolução.


Depois disso tudo, formulo o seguinte ponto de vista e deponho no vosso Congresso a minha própria "teoria" sobre o assunto em questão: 
Internacionalmente se estuda a singular musicalidade da Língua Grega e a sua repercussão sobre a lucidez mental do Homem.
A letra Ν estimula o cérebro positivamente e energiza o Homem a pensar corretamente.
O sigma final acalma o Homem.
A psiquiatria contemporânea admite isso.
Os Antigos Gregos sabiam de tudo isso e não é casual o fato de que apenas nós, os Gregos, dizemos: "Eu disse as coisas com o ni e o sigma" e não dizemos com outras letras (apesar do fato de que as temos também nas desinências das palavras), eis que o Ν energiza o nosso cérebro para pensarmos corretamente e o sigma tranquiliza nossa psique, ao falarmos pública ou privadamente.
A contemporânea psicolinguística admite que a Língua e o Pensamento nascem simultaneamente,  desenvolvem-se paralelamente e formam, de um momento para o outro, uma unidade inseparável.
A língua encarna o Pensamento e o Pensamento se consubstancia em Língua. É uma moeda com as suas duas faces.
Não pode existir um lado, sem o outro. Não pode existir o Pensamento Grego sem a Língua Grega.
É fato que a qualidade e a quantidade de "registros" no Pensamento determina também o nível da inteligência de cada povo.
Consequentemente também o nível da inteligência determina a capacidade da criação da civilização.
O alfabeto grego, no curso dos seus milênios, foi inicialmente ideográfico, a seguir foi inventado o iconográfico (pictórico), depois chegamos ao gramográfico (com folhas pautadas), posteriormente ao silabográfico (Linear A e B) e finalmente entrou em vigor hoje o fonográfico, que é intransponível e ao qual se deve a criação da Língua Grega e da Civilização Helênica Universal.
Temos o dever de preservar, como menina do olho, a Língua Grega e de nos opor ao seu mau tratamento.

Spyros Márkou
Diretor da 3ª Escola Primária de Lárissa - Grécia



NOTAS DO AUTOR 

¹  O artigo em questão pode ser lido na língua grega, no seguinte endereço eletrônico: http://aienaristeyein.com/2013/01/25/το-γράμμα-ν-και-η-κατάργησή-του/

²  Trad.: a área (medida de uma superfície). Aqui o autor do artigo critica o desaparecimento do Ν final nos substantivos neutros. 

³  Trad.: Ontem me encontrei com o prefeito, com o amigo, com o vereador
O que o autor do artigo denuncia aqui é o processo de crescente simplificação que está sendo promovida na língua grega, de forma arbitrária, aproximando o acusativo masculino do acusativo neutro, entre outras coisas. Ele reconhece que está em vias de desaparecimento o Ν final do artigo masculino no caso acusativo, defendendo a sua manutenção. Consequentemente:
--> χθες συνάντησα το(ν) Δήμαρχο, το(ν) φίλο, το(ν) Σύμβουλο, etc. etc.

  Essa discussão e, principalmente, todo esse texto de Odysseus Elytis em minha tradução podem ser encontrados no meu ensaio intitulado "Implicações da Reforma Ortográfica da Língua Grega em 1976", postado neste Blog do Braga em 20/03/2013, no seguinte endereço eletrônico: http://bragamusician.blogspot.com.br/2013/03/implicacoes-da-reforma-ortografica-da.html 

⁵  O correto seria dizer -->η "μέθοδος", η --> "οδός", η-->λήρης ένταξη" (trad.: o método, o caminho ou a rua, a integração plena).

  Em português, nós diríamos: "Eu disse as coisas com todas as letras", isto é, com todos os detalhes.  

7 comentários:

Tarcízio Dinoá Medeiros disse...

Caro Braga,
fiquei horrorizado. Só acredito, porque li o artigo por vc traduzido;
Isto, em pleno sec. XXI equivale, mais ou menos, ao barbarismo que aconteceu nas terras invadidas por Roma, quando o acusativo passou a viger como nominativo... e depois da supressão do "m" do acusativo, surgiram as palavras que formaram nossas línguas neolatinas.
Eu já acho um absurdo o nosso acordo ortográfico haver banido o trema, imagino como os gregos mais cultos estão se sentindo pela eliminação de ν e ς finais... Barbaridade...
Acho que o Ministério da Educação da Grécia é dirigido pelos analfabetos do PT.
Independentemente dessa loucura, meus parabéns.
Tarcízio

Valter de Araújo disse...

Prezado Braga:

O artigo me lembra algumas barbaridades também perpetradas contra a nossa língua portuguesa, a pretexto de torná-la mais acessível aos estrangeiros, para que estes passem a comprar mais os nossos produtos.

Abraços,

Valter

Konstantinos Fiskilis disse...

Prezado Sr. Francisco José dos Santos Braga,

Obrigado pela informação e pelo excelente artigo no blog do senhor.

Atenciosamente,

Konstantinos Fiskilis
Vice-Cônsul Honorário

Prof. Ulisses Passarelli disse...

Grato pela terna lembrança. Já dei uma olhada rápida mas vou ler com calma. Notável sua atividade intelectual.
Um abraço, Ulisses.

RUTE PARDINI disse...

CARO AMADO; ESPERO PODER VIVER O TEMPO NECESSÁRIO PARA VER QUE ESSE ENGANO SE CORRIGIRÁ POR SI SÓ. POIS O INTERESSE DE ALGUNS ESTÁ SE SOBREPONDO À HISTÓRIA DE UM POVO. ACHO QUE O PRÓPRIO POVO VAI ENXERGAR O GRAVE ATAQUE A SUA CULTURA E AO EQUILÍBRIO INTELECTUAL. O BELO É PODERMOS TENTAR DECIFRAR A LÍNGUA DE VÁRIOS POVOS E NÃO FACILITAR PARA QUE "AQUELES" MENOS CULTOS POSSAM TER ESSE ACESSO.
JÁ PENSOU SE TODOS FALASSEM O MESMO IDIOMA. LINDO É VER A DIVERSIDADE.
PARABÉNS MAIS UMA VEZ PELO SEU RICO TRABALHO. ESPERO QUE O BRASIL NÃO MEXA MAIS EM NOSSA LÍNGUA À LUZ DE DEUS. SÓ MESMO UM SER LIMITADO É QUE SE SOBREPÕE PELA FORÇA DO PODER QUE EXERCE.

Anônimo disse...

Sempre Ilustre amigo e acadêmico Francisco Braga

Mais uma vez, interessantíssima temática, enriquecendo a nossa cultura.

Na nossa língua portuguesa, pelo menos, a letra "n" só perdeu nos finais das palavras para a letra "m"

Abraços.

Musse Hallak

Pe. Wolfgang Gruen, SDB (professor de Cultura Religiosa e Língua e Literatura Inglesa na FDB-Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras) disse...

Primeiramente, devo agradecer as excelentes pesquisas que me tem enviado, e que sempre leio com interesse, especialmente quando abordam temas ligados a S. João del-Rei e à Grécia Antiga, sua língua, literatura e cultura. Estudei um pouco de romaico quando de meu curso de Teologia (1950-1953): entre os pedreiros que trabalhavam na construção de um novo prédio, havia dois gregos analfabetos – em grego e em português (de grego só sabiam o alfabeto e escrever o próprio nome). Como eles moravam na área da construção, todas as noites eu ia lá para alfabetizá-los, em romaico e em português; e eles me ensinavam um pouco de romaico: meia hora cada. Claro que saí perdendo, pois eu dedicava mais tempo a eles; mas valeu para eu ter ao menos uma ideia das mudanças. Depois, consegui um livrinho de conversação (romaico-italiano).
Um forte abraço do amigo
Gruen