sábado, 16 de dezembro de 2017

RECUPERE O SEU LATIM > > PARTE 3


Por Francisco José dos Santos Braga



I.  Cícero: Disputas tusculanas, livro I, 101

A coragem espartana

E Lacedaemoniis unus, cum Perses hostis in colloquio dixisse glorians: "Solem prae jacularum multitudine et sagittarum non videbitis."
"In umbra igitur, inquit, pugnabimus."

Um dos Lacedemônios (Espartanos), como o inimigo persa em conversa tivesse dito glorioso: "Não vereis o sol por causa do monte de dardos e flechas", retrucou: "Na sombra, portanto, lutaremos."


II.  Cícero: Disputas tusculanas, livro I, 102

Severa disciplina espartana

Lacaena quaedam cum filium in proelium misisset, et interfectum audisset: "Idcirco, inquit, genueram, ut esset, qui pro patria mortem non dubitaret occumbere." 

Como certa mulher lacedemônia (espartana) tivesse enviado o (seu) filho à batalha, e o soubesse morto, disse: "Por isso o tinha gerado, para que houvesse quem não hesitasse em oferecer a (própria) morte em favor da pátria."

Há um provérbio em latim muito conhecido que diz: Dulce et decorum est pro patria mori extraído de Horácio, Odes III.2.13, cuja tradução pode ser: É doce e conveniente morrer pela pátria.

III.  Cícero: Do Orador, livro II, 70, 282

Patrono malo, cum vocem in dicendo obtudisset, suadebat Granius, ut mulsum frigidum biberet, simulac domum redisset: "Perdam, inquit, vocem si id fecero."
"Melius est, inquit, quam reum."

Granio aconselhava a um mau advogado, cuja voz enfraquecia com a dicção, que bebesse vinho frio com mel, enquanto estivesse voltando para casa.
"Perderei a voz, se fizer isso", retrucou o advogado.
"É melhor que perder o réu", concluiu Granio.

IV.   Cícero: Do Orador, livro II, 69, 280

Siculus quidam, cui praetor Scipio patronum causae dabat hospitem suum, hominem nobilem, sed admodum stultum: "Quaeso, inquit, praetor, adversario meo da istum patronum, deinde mihi neminem dederis."

Certo siciliano, para quem o pretor Cipião nomeava como defensor um hóspede seu, homem ilustre, mas sobremodo imbecil, disse: "Rogo, pretor, que nomeies este advogado para meu adversário; em seguida, não me darás ninguém (eu mesmo vou defender-me)." 

Obs.  1) Siculus: siciliano. Consta que os sicilianos eram muito espirituosos.
2) Dare patronum = nomear um defensor, onde patronus se refere à advocacia legal.

V.  Cícero: Da Adivinhação, livro I, 47 

Qua nocte templum Ephesiae Dianae deflagravit, eadem, constat ex Olympiade natum esse Alexandrum, atque, ubi lucere coepisset, clamitasse magos pestem ac perniciem Asiae proxima nocte natam.

Na mesma noite em que foi consumido pelo fogo o templo de Diana em Éfeso, consta que Olímpia deu à luz Alexandre, e, ao amanhecer, os magos começaram a gritar: "A peste e a ruína da Ásia nasceram (nasceu) na noite passada."

VI.  Cícero: Disputas tusculanas, livro IV, 80.11b-81.1a

Cum multa in conventu vitia collegisset in eum Zopyrus, qui se naturam cujusque ex forma perspicere profitebatur, derisus est a ceteris, qui illa in Socrate vitia non agnoscerent, ab ipso autem Socrate sublevatus, cum illa sibi insita sed ratione a se dejecta diceret.

Zopyrus, que professava discernir o caráter de cada um a partir de (seu) semblante, quando numa reunião ele tinha ajuntado muitos vícios em Sócrates, e foi escarnecido pelos demais que não reconheciam aqueles vícios nele, foi aliviado porém pelo próprio Sócrates, quando (este) disse que eles (os vícios) eram inatos a si mesmo, mas que pela razão tinham sido lançados fora de si. 

Obs. Neste texto há uma profusão de verbos que convém examinar:
1. collĭgo, ĭs, ēgi, ēctum, igĕre
2. profitĕor, ēris, fēssŭs sum, ēri
3. perspicĭo, ĭs, ēxi, ēctŭm, icĕre
4. deridĕo, ēs, sĭ, sŭm, ēre (verbo da 2ª declinação; no texto na voz passiva)
5. agnōsco, ĭs, ōvi, agnitŭm, ōscĕre (a partir da raiz arcaica gnōsco, foram formados outros verbos, tais como agnōsco, cognōsco, etc.)
6. sublĕvo, ās, āvi, ātum, āre: ajudar, auxiliar; aliviar (um acusado), mitigar, socorrer
7. īnsĭtŭs, a, um (part. pas. de īnsĕrō, ĭs, sērŭi, sērŭitŭm, sērĕrĕ) significa natural, inato
8.  dejēctus, a, um (part. pas. de dejicĭo, ĭs, ēci, jēctŭm, jicĕre com a acepção de lançar fora, expulsar. Pode também significar evacuar, vomitar. Lembre-se do uso do dejeto em português.

VII.  Cícero: Do orador, livro II, 61, 249

Nam quod Sp. Carvilio graviter claudicanti ex vulnere ob rem publicam accepto et ob eam causam verecundanti in publicum prodire mater dixit "quin prodis, mi Spuri? Quotienscumque gradum facies, totiens tibi tuarum virtutum veniat in mentem."

Ora, a Espúrio Carvílio, que mancava muito devido a uma ferida recebida por amor à República e que, por este motivo, se envergonhava de aparecer em público, (sua) mãe (lhe) disse: "Por que não sais, ó meu Espúrio? Todas as vezes que deres um passo, virá à tua mente a lembrança do teu valor."


VIII.  Cícero: Da velhice, cap. IV, 11

Quintus Fabius Maximus Tarentum vero qua vigilantia, quo consilio recepit! cum quidem me audiente Salinatori, qui amisso oppido fugerat in arcem, glorianti atque ita dicenti: "Mea opera, Q. Fabi, Tarentum recepisti," "Certe," inquit ridens, "nam nisi tu amisisses, nunquam recepissem."

Na verdade, com que vigilância, com que inteligência Quinto Fábio Máximo retomou Tarento! Eu ouvi Salinator, o qual, uma vez perdida a cidade, se refugiara na cidadela,  dizer-lhe assim, vangloriando-se: "Por minha obra, Q. Fábio, retomaste Tarento." Ao que Q. Fábio retorquiu rindo: "Se tu não (a) tivesses perdido, eu nunca a teria recuperado."

Obs.: Quinto Fábio Máximo, por sobrenome "Cunctator" (o Temporizador), foi quem opôs um paradeiro às vitórias de Aníbal, na Itália.

IX. Imperador Augusto: Res Gestae Divi Augusti, §23, Sobre sua batalha naval

Navalis proelii spectaculum populo dedi trans Tiberim, in quo loco nunc nemus est Caesarum, cavato solo in longitudinem mille et octingentos pedes, in latitudinem mille et ducentos. 
In quo triginta rostratae naves triremes aut biremes, plures autem minores inter se conflixerunt. Quibus in classibus pugnaverunt praeter remiges milia hominum tria circiter. 

Eu ofereci ao povo o espetáculo de uma batalha naval ao longo do Tibre, naquele lugar onde agora está o bosque dos Césares, depois que se cavou o solo em 1.800 pés de comprimento e 1.200 de largura. Neste local lutaram entre si 30 navios armados de esporões, trirremes ou birremes, porém os mais numerosos eram menores. Nessas frotas combateram, exceto os remadores, aproximadamente 3.000 homens. 

Este texto pertence ao Index rerum a se gestarum, uma espécie de testamento político que o imperador Augusto escreveu nos últimos anos de sua vida. Costuma-se designar esta obra com o título de Monumentum Ancyranum ou Monumento de Ancira, localidade onde foi encontrada (hoje a cidade moderna de Ancara), na Turquia. Tal denominação se refere ao Templo de Augusto e Roma em Ancira ou à própria inscrição lá encontrada, a Res Gestae Divi Augusti, um texto relatando os feitos do primeiro imperador romano, Augusto. O referido templo foi construído entre 25 a.C. e 20 d.C., após a conquista da Anatólia central pelo Império Romano e da formação da província da Galácia, cuja capital administrativa era Ancara. A inscrição de Ancara que se localiza nas paredes do templo é a mais bem preservada.
O Monumentum Ancyranum tornou-se conhecido em todo o mundo pela primeira vez através de Ogier Ghiselin de Busbecq, embaixador de Fernando I de Habsburgo junto ao sultão Suleimão, o Magnífico (1555-1562) em Amásia, na Ásia Menor. Conta-se que Busbecq leu a inscrição e identificou sua origem a partir de uma citação de Suetônio, tendo inclusive publicado uma cópia de alguns trechos nas suas Cartas turcas
Após a morte de Augusto, em 14 d.C., uma cópia do texto da Res Gestae Divi Augusti foi esculpida na parede interior do templo dedicado ao mesmo imperador, dentro do pronaos, em latim, com uma tradução em grego na parede externa da cela.
Na época da morte do imperador, o documento original foi copiado nas paredes de vários templos dedicados a Augusto em todo o Império Romano, mas apenas duas inscrições, além do Monumentum Ancyranum, sobreviveram em fragmentos.
A inscrição original em pilares de bronze que se achava em frente ao Mausoléu de Augusto em Roma já se perdeu há muito tempo.  

Sobre a naumachia (batalha naval) Augusti, temos a dizer que foi mais uma obra de engenharia romana, famosa pelas realizações e aperfeiçoamentos feitos em conceitos, ideias e invenções mais antigas. Foi um entretenimento de massa que seguiu o modelo oferecido por Júlio César em Roma em 46 a.C. por ocasião do seu triunfo quádruplo. Uma bacia ou baía foi cavada próximo ao Tibre capaz de comportar birremes, trirremes e quinquerremes, que César fez combaterem entre si, totalizando 2.000 lutadores e 4.000 remadores, todos prisioneiros de guerra.
Em 2 a.C., por ocasião da inauguração do Templo de Mars Ultor (Marte o Vingador), Augusto ofereceu uma naumachia baseada no modelo de César, construída sobre o Tibre e considerada apenas um dos muitos projetos sociais doados a Roma por conta de Augusto, que, como imperador original, estava meramente começando a por seu selo pessoal não só em Roma, mas em todo o Império.
Na sua Historia Naturalis, Plínio o Velho compartilha outros detalhes sobre a Naumachia Augusti. Por exemplo, conta que havia uma ilha retangular no centro da bacia que estava conectada à costa por uma ponte. Provavelmente foi aí que os espectadores privilegiados se postaram. Além disso, afirmou que a bacia tinha que possuir um profundidade de 5 pés (o mínimo que permitisse aos navios flutuarem) e, portanto, uma capacidade de aproximadamente 7.062.933 pés cúbicos. O aqueduto Aqua Alsietina, especialmente construído por Augusto em 2 a.C., pôde enchê-la em 15 dias. 
Sextus Julius Frontinus, in De aquaeductu, menciona que o excesso de Aqua Alsietina foi usado para irrigar jardins vizinhos no Trans Tiberim.
A Naumachia Augusti foi posteriormente usada pelos imperadores Nero, Tito e Domiciano, sendo logo depois abandonada. Na época de Alexandre Severo, apenas parte do complexo ainda sobrevivia.

6 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Dr. Alaor Barbosa dos Santos (advogado, escritor, cronista, jornalista, ex-consultor legislativo do Senado, membro do IHG do DF e da Academia Goiana de Letras) disse...

Mais uma vez, muito obrigado.
Abraços.
Alaor Barbosa.

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

O latim é uma língua descendente do grupo itálico do indo-europeu, possuindo particularidades muito comuns às línguas itálicas (osco, umbro, etc.).

Saber latim facilita na compreensão de muitos termos presentes em textos científicos, teológicos, filosóficos e jurídicos, além de ser o ponto de partida para muitas línguas, como, por exemplo, português, italiano, francês, romeno, espanhol, inglês, etc. Embora não seja uma língua românica, o inglês sofreu forte influência do latim. 60% do seu vocabulário são de origem latina, em geral por intermédio do francês.

Os falantes do latim eram chamados latinos e isso se deve ao fato de eles morarem na antiga região italiana de Lácio (Latium em latim). Além desta língua, outras ainda eram faladas naquela época e naquele local, como, por exemplo, o grego e muitos dialetos (prenestino, falisco, etc.).

“Latim clássico” ou “literário” é a norma literária, altamente estilizada, que compreende o período que vai de 81 a. C. a 14 d.C., momento de seu maior esplendor e fruto de prolongado amadurecimento e elaboração. É uma estilização do sermo urbanus, língua coloquial das classes cultas, com o qual convivia. Os seus principais representantes foram Cícero, César e Salústio, na prosa e, no verso, Virgílio, Horácio, Ovídio, Lucrécio e Catulo.

Além deste sermo urbanus, havia pelo menos duas outras variedades da língua latina: o sermo vulgaris ou plebeius (latim essencialmente falado pela grande massa popular menos favorecida), utilizado pela classe baixa, e, mais tarde, o sermo ecclesiae (utilizado pela religião católica). Depois do desaparecimento do Império romano do Ocidente, a Igreja de Roma não só continuou a servir-se da língua latina, mas dela se fez, de certa forma, patrocinadora e promotora, quer em âmbito teológico e litúrgico, quer no da formação e da transmissão do saber.

Durante a Idade Média e Renascença, sábios, filósofos e cientistas escreviam suas teses em latim. Portanto, escreveram suas teses em latim, entre muitos outros: Santo Agostinho, Santo Alberto Magno, São Tomás de Aquino, Nicolau Copérnico, Isaac Newton, Baruch Espinoza, etc. Descartes destoou/inovou quando publicou o seu “Discurso sobre o método” (obra inaugural da filosofia moderna) em francês em 1637; até então, as obras filosóficas eram escritas em latim e estavam voltadas para um público “douto”, constituído do círculo exclusivo de iniciados nas questões propriamente filosóficas. Como ele propugnava um uso público do bom senso ou razão, com isso ele pretendia alcançar um amplo público. Entretanto, em 1641, o próprio Descartes escreve em latim para aquele outro público: “Meditações Metafísicas” e, em 1644, “Princípios da Filosofia”.

Por fim, são ainda válidas as bem conhecidas palavras de Cícero e que endosso: "Non tam præclarum est scire Latine, quam turpe nescire" (Não é nada especial saber Latim: é uma vergonha não sabê-lo).

Com essa concepção, tenho o prazer de apresentar a terceira seção de "RECUPERE O SEU LATIM", que inaugurei em 18/04/2017 no Blog do Braga. Boa diversão!

Márcio Salles Pozzato disse...

Grato.
Boa informação para mim que estudo francês.

ABS.

MARCIO POZZATO.

Paulo José de Oliveira (escritor e poeta, diretor da AFL-Academia Formiguense de Letras e diretor-secretário da FALEMG-Federação das Academias de Letras de Minas Gerais) disse...

Maravilhoso e pertinente, meu nobre amigo! Obrigado por compartir! Tá me devendo agendar a apresentação de vocês aqui, heim! Tô aguardando agendarem. Grande abç extensivo à dd. esposa.

Att.,


Paulo José de Oliveira

Prof. Cupertino Santos (professor de história aposentado de uma escola municipal em Campinas) disse...

Caro professor;
Esses textos clássicos são incomparáveis. Refletem toda uma sabedoria de séculos que junta a filosofia oriental com o pragmatismo do gênio itálico. Deve ser um grande prazer estudá-los em seu idioma original.
Obrigado pela oportunidade da leitura.
Aproveito a oportunidade para lhe desejar e à sua família um santo Natal, um ano de 2018 com muita saúde e realizações.
Abraços.