sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

GOETHE: CANÇÃO DE MIGNON


Por Francisco José dos Santos Braga






I.  GOETHE: CANÇÃO DE MIGNON
Traducção de Carlos Magalhães de Azeredo ¹
Roma: F. Centenari & C. Tipografos, 1906



A deliciosa "Canção de Mignon", uma das poesias mais populares de Goethe, está, como muitas outras, emmoldurada na prosa do seu romance "Wilhelm Meister". A figura entre infantil e juvenil da rapariguinha ² roubada ao palacio da sua nobre família, e constrangida a seguir a existencia errante, aventurosa, da companhia de saltimbancos commandada pelo "Grão-Diabo", até que o bom coração do protagonista a libertou do seu duro captiveiro, tem para nós um interêsse raro, uma fascinação singular e enigmática, entre todos os tipos que o Poeta creou no seu livro, cheio de observações argutas e de episodios magistralmente narrados, mas por vezes prolixo, extravagante, e confuso.

Ha em "Mignon", com a beleza exótica da fisionomia e dos gestos, algo vago, nebuloso, que nos leva suavemente o espírito para uma das suas volupias predilectas: a de sonhar, e completar pelo sonho o proprio retrato, o proprio fadario d'ella... Doce victima predestinada, alma ardente e absoluta num corpinho debil e numa condição miseravel, habituada ao soffrimento trágico de cada dia pelo exilio e pela escravidão abjecta; um amor, chimérico e absurdo para o commum da gente, e tanto mais sublime por isso, exaltou nella até o paroxismo todas as faculdades da dor; o incendio interno devorou-lhe a seiva da vida, e o choque brutal do ciume, ante a ingratidão inconsciente e feliz do amado (uma das fieis personificações, parece, do Poeta olimpico), acabou de despedaçar essa pobre jaulasinha de carne, em que a cotovia selvagem do seu coração agonizava cantando...

A patria de "Mignon", a terra ideal a que se referem os versos, todos sabem que é a Italia. Goethe ainda a não visitara quando os escreveu; mas já a conhecia pela imaginação, e sentia um agudo desejo de abraçal-a na realidade com todos os laços do seu ser. Tão agudo que, como elle conta nas suas "Memorias", se tornou pouco a pouco em obsessão, em idéa fixa, até que emfim elle comprehendeu que adoeceria ou enlouqueceria se o não satisfizesse logo, e partiu a toda a pressa para a Italia. Tão agudo que a "Canção", escrita justamente nessa época, liga na mesma intensidade a aspiração presente com a saudade futura...

As estrofes são gentilissimas, nos tres pequenos quadros perfeitos que nos apresentam; e têm ao mesmo tempo contornos vaporosos, caprichosos, como o proprio vulto esquivo de "Mignon"; dizem mais do que nellas está escrito, suggerem visões profundas nos longes da sua perspectiva, abrem aos olhos horizontes indefinidos de scisma; e a sua vibração se prolonga no espírito muito alem das suas palavras, quer leiamos simplesmente o texto da "Canção", quer ouçamos a interpretação veemente que d'ella (já tão musical em si mesma) deu Beethoven em "Sechs Gesaenge von Goethe", ou a aria, tão famosa e tão bella, de Ambroise Thomas, na ópera a que poz o nome da dolorosa, divina creatura.



CANÇÃO DE MIGNON



1.
Conheces tu a terra onde os limões florescem?
Na rama escura brilha o ouro do laranjal;
docemente do ceu azul as brisas descem;
modesto o mirto se une ao louro triunfal.
Tu a conheces bem? Lá, sim, lá, meu amado,
quizera eu ir, levando-te a meu lado!



2.
Conheces a casa? Ouve! As columnas seguram
seu tecto. Ha luz na alcova. O salão fulge. E ali,
as estatuas, fitando em mim o olhar, murmuram:
- Criancinha infeliz, que fizeram de ti?
Tu a conheces bem? Lá, sim, lá, meu amado,
quizera eu ir, levando-te a meu lado!



3.
Conheces a montanha? Ali, por dubios trilhos,
entre as nuvens a mula a custo andando vai;
nas grutas os dragões, de antiga raça filhos;
roía a torrente a pique entre as rochas, e cai.
Tu a conheces bem? Vai lá o rumo tomado
por nós... Partamos, pai, meu pai amado!


Acabado de imprimir
a 12 de julho de 1906
em Roma.
Com desenhos
De B. Cellini.

Fonte: https://drive.google.com/file/d/0B9CNZ3uU92IVcDkyT184ZUxfemc/view



II. NOTAS  EXPLICATIVAS por Francisco José dos Santos Braga


¹   Quem foi Carlos Magalhães de Azeredo? Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras por suas qualidades de escritor. Pertencia também ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, à Academia Internacional de Diplomacia e ao Instituto de Coimbra. Apesar de relativamente profícuo, sua obra literária é praticamente desconhecida no Brasil, com pouca influência no meio literário brasileiro, cabendo lembrar aqui sua obra Homens e Livros, publicada entre nós pela Garnier em 1902. Por ter residido no exterior a maior parte de sua vida em sua missão de diplomata, a sua correspondência constitui precioso registro histórico de nossa literatura, como cartas dirigidas a Machado de Assis e Mário de Alencar, integrantes do Arquivo da Academia. A troca de cartas entre Machado e Carlos Magalhães de Azeredo (Rio de Janeiro, 1872-Roma, 1963) foi reunida pelo pesquisador norte-americano Carmelo Virgílio (org.), publicada em 1969 pelo Instituto Nacional do Livro, em obra intitulada Correspondência de Machado de Assis com Magalhães de Azeredo. A ABL editou suas Memórias e Memórias de Guerra, com introdução do Acadêmico Afonso Arinos de Melo Franco. Em dezembro de 2003 o embaixador em Roma, Itamar Franco, entregou à ABL originais inéditos do autor, por ele encontrados.

²  Mignon é uma personagem que aparece pela primeira vez no "Espetáculo teatral de Wilhelm Meister" (Wilhelm Meisters theatralische Sendung), que Goethe escreveu entre 1777 e 1785 e que foi pela primeira vez publicado apenas em 1911, porque foi encontrada em 1910 uma cópia feita por Barbara Schulthess e sua filha. Foi o fragmento dessa novela teatral que Goethe utilizou no seu romance de formação Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister (Wilhelm Meisters Lehrjahre) de 1795/6, assim composto: Goethe escreveu o livro I a III, 1783 ele escreveu o IV, 1784 o V e 1785 o VI, enquanto o livro VII foi escrito durante sua viagem à Itália. Em 1794, Goethe retomou o trabalho, após a jornada italiana, reescreveu-o completamente e mudou o título. No entanto, a versão teatral manteve sua independência, inclusive como o grande documento narrativo de Goethe sobre a história do teatro de seu tempo.

O romance de formação Os Anos de Aprendizagem traça a vida de um jovem, Wilhelm Meister, que se desenvolve em uma personalidade madura em um contexto objetivo da história e de toda a cultura. Mignon é uma garota misteriosa que Wilhelm liberta de um grupo de ciganos que a a sequestraram e a maltratavam, obrigando-a a dançar e cantar, sempre acompanhada por um harpista, um enigmático e mentalmente perturbado músico ambulante  (que Wilhelm mais tarde descobriu ser pai de Mignon). Ambos - pai e filha - representam uma arte ingênua e original, são representações de um mundo poético. Esses personagens querem realizar-se na arte e ceder ao seu demônio interior, mas apenas ouvem a voz do coração e não conseguem encontrar seu lugar na sociedade. Ambos são perseguidos por um destino trágico, condenados a um fim trágico pela loucura e morte, porque simbolizam os ideais de tempestade e desejo.

Mignon é descrita em todo o fragmento como uma moça jovial, eroticamente sedutora. Apenas no terceiro capítulo do quarto livro, em cinco vezes seguidas, o discurso refere-se a Mignon como "ele". De acordo com Friedenthal, Mignon, na época de Goethe, é entendido como "homossexual favorito". Na verdade, Wilhelm é rodeado por mulheres. Depois do fiasco com Mariane, ele não se dedica a uma segunda mulher, embora, como foi dito, "ofertas" não lhe faltem de maneira alguma. Através de todos os incidentes, Wilhelm mantém "seu" Mignon, "bebê de colo mais querido", junto de si.

Mignon tem feições juvenis. Ela fala alemão truncado, entremeado com italiano e francês. Wilhelm, o Mestre, o herói do romance, estima idade dela entre doze e treze anos. Ela aparece inicialmente no romance como membro sequestrado e maltratado de uma troupe de ciganos saltimbancos, saltadores e malabaristas. 


Quando Wilhelm a vê pela primeira vez, fica incerto sobre seu sexo. Seu nome tem uma forma masculina em francês ("Mignon", em vez da forma feminina "Mignonne"), significando "queridinho", "delicado", "fofinho" ou "favorito", termo francês que carrega em si conotação de homossexualidade e denuncia seu caráter efeminado.

Abrindo um parêntese, é bom lembrar que os franceses cunharam até a expressão "mignon de couchette" (favorito de cama) dos reis franceses (como Anne de Montmorency, "mignon" do rei Henrique II de França). Ser "mignon do rei" significava obter grandes privilégios (como jóias, palácios e terras) ou até mesmo alçar a altos cargos na administração do Estado.

A pedido de Mignon compra-lhe Wilhelm sua roupa juvenil.

Sobre a linhagem dela, Wilhelm inicialmente só ficou sabendo que tinha falecido seu irmão, o qual também pertencera ao elenco do circo e por causa de sua habilidade ficou conhecido como "Grão-Diabo". No decorrer da trama, a história de Mignon é revelada. Ela vinha da Itália e era filha do harpista e da irmã dele, Sperata, que se casaram sem saber de seu parentesco. Quando o caráter incestuoso do casal veio à luz, eles foram separados. Sperata ficou louca e morreu. O pai de Mignon, por sua vez, vagou desesperadamente e solitário pelo mundo e atualmente a acompanhava com sua harpa.

Porque Wilhelm presenciou Mignon ser espancada pelo líder da "troupe", decidiu comprá-la graciosamente. A partir de então, ela se tornou sua serva, um cargo que ela desempenhava de forma voluntariosa, mas com dedicação e empatia. No decorrer da ação, Wilhelm e Mignon foram assumindo cada vez mais o papel de pai e filha; mas, aos poucos, esta se apaixonou por Wilhelm. Depois de uma performance bem sucedida de Hamlet sob a direção de Wilhelm, Mignon quis se esgueirar para a cama dele, mas precisou levar em conta que uma desconhecida a tinha prevenido.

Mignon é aquela que canta a música "Kennst du das Land...?". Ela é uma figura misteriosa, porque não sabe falar corretamente, mas só pode cantar; seu idioma é uma mistura de francês, italiano e alemão que ninguém entende, mas torna-o compreensível quando canta. Ela vem do Sul, sobre o qual ela canta e pelo qual anseia. O paraíso natural descreve como a imagem do incesto: esse amor ocorreu na natureza e Mignon foi recepcionada aí. A "menina" tem uma natureza ambígua: carrega a masculinidade e a feminilidade em si mesma, uma expressão dos opostos da sociedade. Ela aprecia a arte subjetiva que vem do coração. Com essa figura, Goethe quis explicar o ideal deste romance: o desenvolvimento de uma personalidade única na sociedade. Mignon é o tributo do humanismo de Weimar: sonha em conseguir uma perfeição clássica, mas não consegue. Esta é uma canção de saudade que talvez reflita o anseio de Goethe pela Itália, embora, quando escreveu esta balada, ele ainda não tivesse visitado a Itália, país que já amava. A música, que é inserida no romance e não dentro de uma narrativa, interrompe a continuidade do tempo.

Na personagem de Mignon toma forma a saudade da Itália e em sua boca Goethe coloca a canção "Conheces tu a terra onde os limões florescem?" (Livro III), acompanhada por uma cítara. Junto com o harpista ela canta a canção "Apenas aqueles que conhecem a saudade sabem o que estou sofrendo" (Livro VI).

No início, no entanto, Wilhelm se tornou noivo de Therese, e isso à vista de Mignon. Por essa razão, ocorre a separação entre Mignon e Wilhelm. Mignon adoeceu com uma insuficiência cardíaca, motivada pela saudade da Itália e por seu amor não correspondido por Wilhelm. Mignon é alimentado(a) por Natalie, uma pessoa que apareceu na vida de Wilhelm como uma misteriosa "Amazona" e que, como sugerido no final do romance, se casará com ele. Mignon morre no local com um coração partido; a celebração de seu funeral é apresentada em detalhes no romance.

³   Mignon diz a Wilhelm: "Como tu vais à Itália, então leva-me contigo; aqui me congela".  Então Mignon canta:

Kennst du das Land, wo die Zitronen blühn,
Im dunkeln Laub die Goldorangen glühn,
Ein sanfter Wind vom blauen Himmel weht,
Die Myrte still und hoch der Lorbeer steht,
Kennst du es wohl?
                                Dahin! Dahin
Möcht ich mit dir, o mein Geliebter, ziehn!
Kennst du das Haus, auf Säulen ruht sein Dach,
Es glänzt der Saal, es schimmert das Gemach,
Und Marmorbilder stehn und sehn mich an:
Was hat man dir, du armes Kind, getan?
Kennst du es wohl?
                                Dahin! Dahin
Möcht ich mit dir, o mein Beschützer, ziehn!
Kennst du den Berg und seinen Wolkensteg?
Das Maultier sucht im Nebel seinen Weg,
In Höhlen wohnt der Drachen alte Brut,
Es stürzt der Fels und über ihn die Flut:
Kennst du ihn wohl?
                                Dahin! Dahin
Geht unser Weg; o Vater, laß uns ziehn!

(Poema extraído do Livro III)


O poema consiste em 3 estrofes de comprimento igual com esquema de rima AABBCDD.
Na tradução de Carlos Magalhães de Azeredo, cada estrofe tem seis versos, como afinal parece serem também os versos de Goethe, considerando que Dahin! Dahin! (rima C) a ser enfatizado ao declamar, de fato não constitui verso, mas complemento do 5º, 11º e 17º versos. Assim considerado, o esquema de rima passaria a ser AABBCC também no poema de Goethe. Nesse caso, Dahin! Dahin não constituiria propriamente um verso, mas apenas um complemento de verso a ser enfatizado na declamação.
Na tradução portuguesa, Azeredo optou pelo esquema de rima ABABCC.

A primeira estrofe representa uma primavera sulina. Os limões e as laranjas representam uma paradisíaca paisagem do Sul.
Mirto e louro são um par da tradição literária: o louro é um símbolo de poetas e guerreiros, enquanto mirto representa a sensualidade e a paixão do amor. Encontramos também essas plantas em Virgílio. O céu e o vento estão ligados a mirto e louro que, juntos, formam um chiasmus (em retórica, trata-se de uma figura de linguagem que mostra uma relação invertida entre os elementos sintáticos de frases paralelas).

A segunda estrofe representa a arte no país dos sonhos de Mignon (Itália). Talvez Goethe se refira à Villa "La Rotonda" do arquiteto Andrea Palladio. Quando ele lá esteve na sua viagem à Itália,  escreveu o seguinte após a visita ao monumento: "Talvez nunca a arte arquitetônica tenha alcançado tal nível de magnificência." Azeredo, conforme visto na tradução de "Conheces tu a terra?", entende que Mignon vinha de nobre linhagem, tendo sido sequestrada ou "roubada ao palacio da sua nobre família". Se considerarmos assim, não há nenhum exagero nos versos da segunda estrofe, pois ela ainda se lembrava do palácio onde nasceu. Desta perspectiva, Mignon relembra e se sente em casa na Itália, onde existe uma tradição clássica e antiga; contudo, ela aprecia a arte subjetiva que vem do coração. Seja como for, há um contraste entre as obras de arte clássicas perfeitas e as pessoas infelizes.

A terceira estrofe está fora do contexto das duas primeiras. Não há continuidade, pois o sentimento restou interrompido. Há uma descrição de algo atípico para uma paisagem do Sul. Pode ser o caminho da Alemanha para a Itália através dos Alpes, através do Passo del Brennero. A palavra "dragão" mostra que esse caminho através dos Alpes foi visto pelo próprio Goethe como algo terrível. A ponte e o caminho da nuvem de inundações e redemoinhos simbolizam o caos. Para finalizar, Wilhelm, que até então era para Mignon seu amante (verso 7) e protetor (verso 14), é tratado como seu pai (verso 21), que na vida real é o acompanhador harpista. O tratamento de Wilhelm como pai talvez reflita o possível relacionamento entre os dois.

Outra possível interpretação é que não houve a tal descontinuidade no sentimento de Mignon. Nesta perspectiva, antes de chegar à situação presente, Mignon está em casa na Itália na segunda estrofe, onde existe uma tradição clássica e antiga. Por ter sido sequestrada por ciganos, a estrofe final representaria suas impressões quando era levada à força para o Norte.

A forma imperativa no final de cada estrofe é considerada um aumento de caráter. 

Johann Wolfgang von Goethe

Johann Wolfgang von Goethe estabeleceu uma maneira de perceber a Itália que teve uma influência decisiva sobre o interesse dos alemães nesse país há muito tempo e até hoje. Desde o tempo de Goethe, a Itália apareceu como uma espécie de "Terra Prometida", como expressa na famosa música de Mignon: "Conheces tu a terra onde os limões florescem ...?". Esta música, escrita alguns anos antes da experiência italiana de Goethe, tem nos anos subsequentes não só exercido uma marcante influência sobre os artistas românticos, mas também, desde então, tem sido considerada como um hino para a saudade alemã da Itália. 

 

[ARBOGAST, 2008, 2] transcreve, à guisa de epígrafe, trecho de Carol Kimball que diz: 
"A música é frequentemente elogiada por sua expressão poética, e a poesia, por seu som musical... Quando combinadas, a poesia e a música criam uma nova espécie de sensibilidade, com qualidades únicas para se perceber e estudar." 
Goethe é frequentemente reconhecido por ter encontrado um perfeito equilíbrio na sua poesia. Assim, seus poemas são agraciados com arranjos musicais de compositores, porque sua poesia tende a se encaixar na música com facilidade.
Entre o volume total de arranjo musical de poemas goethianos destacam-se as canções cantadas pela personagem Mignon retiradas do romance de formação Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister. Especialmente uma das 4 canções tem sido um texto favorito dos compositores, a saber: "Kennst du das Land?" Os inúmeros arranjos musicais se popularizaram e se tornaram favoritos de muitos cantores.
Com o poder lírico da poesia goethiana, parece óbvio dizer que Goethe ficaria envolvido com os Lieder. Sua associação com o Lied pode ser retroagida até seus anos na Universidade de Leipzig. Goethe estava sempre interessado nos principais elementos de qualquer produto intelectual, e consequentemente começou a se interessar pela teoria musical ali pelos vinte anos de idade. Goethe tomou lições de piano quando criança e de violoncelo em Estrasburgo, mas não se destacou como intérprete a ponto de prosseguir nos seus estudos musicais, embora lhe tenham servido para descobrir que, para ele, a música implicava na inclusão da voz, e talvez por isso ele era atraído pela canção e pela ária como seu "principal deleite". Numa altura, Goethe afirmou acreditar que poesia era para ser cantada.
Goethe tinha um poder lírico inovador. Também tinha opiniões firmes sobre como um poema devia ser musicado e registrou em seu diário algo que foi originalmente escrito por Johann Adam Hiller: "Um compositor deve prestar atenção à estrutura da linguagem quanto à questão dos acentos gramaticais e retóricos e da lógica. Além disso, um compositor deveria ter em conta a idiossincrasia da música." Ele também acreditava que a música devia atuar apenas como modesto embelezamento do poema, valorizando a musicalidade inerente do próprio poema e não competir com as palavras do poema. Também ensinava que o arranjo musical deveria ser flexível de modo a alterar o estado de espírito e a atmosfera nas diferentes estrofes do poema.
A maioria dos arranjos musicais de textos de Goethe foram extraídos da série de novelas intitulada Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister. O primeiro registro de Wilhelm Meister no diário de Goethe foi feito em 16 de fevereiro de 1777. Os livros foram publicados por Unger em múltiplos volumes, o último dos quais foi publicado em 1796. O poema é uma canção entoada na novela pela personagem Mignon, que pela primeira vez aparece no Livro II, capítulo IV. Desde a primeira vez que é introduzida, um ar de mistério já a envolve. Primeiro ela aparece com um circo ambulante e é um enigma para todos. Possuía feições marcantes.
Independente do mistério que Mignon apresentava (devido à sua condição de hermafrodita, apresentando dualidade de gêneros e ambiguidade sexual), Wilhelm era sempre gentil para com ela e assim podiam virar amigos.
A canções de Mignon tratam de sua vida emocional íntima. Todas as suas canções são variadas, refletindo suas emoções confusas e mutantes. No romance ela sempre trata a si mesma na terceira pessoa, mas nas canções refere-se a si mesma na primeira pessoa. Ela estava sempre buscando consolo através de suas canções.

III.  Vídeos da "Canção de Mignon"

Ária "Connais-tu le pays?" da ópera cômica Mignon (Ato I, nº 4) por Ambroise Thomas

Estreia no Opéra-Comique, Paris, em 17/11/1866

Soprano: Lotte Lehmann
https://youtu.be/MqN9kCfthY0 
Mezzo-soprano: Marilyn Horne
https://youtu.be/IzyJ5W_aKa0
Mezzo-soprano: Huguette Tourangeau
https://youtu.be/5U6FYnFBczw
Mezzo-soprano: Magdalena Kožená
https://youtu.be/aSR1kZNtglQ


IV. Arranjos de compositores para "Kennst du das Land?"


Karl Friedrich Zelter: "Kennst du das Land?", 1795 (voz e piano), de 12 Lieder, nº 12
https://youtu.be/g_M_JRr0mm0 (Bettina Pahn)

Friedrich Heinrich Himmel: "Mignon", 1804 (voz e piano)
http://ingeb.org/Lieder/kennstdd.html (midi mp3)
Beethoven: "Mignon", op. 75 nº 1 (1809), stanza 1
https://youtu.be/WvLfCwkSJMg (Adele Stolte)
Hélène Riese: "Kennst du das Land?", op. 4, publ. 1811
Louis Spohr: "Mignons Lied", op. 37 (Sechs deutsche Lieder) nº 1 (1816)
https://youtu.be/niBmeeqkTqI (Danuta Debski)
Fanny Mendelssohn-Hensel: "Sehnsucht nach Italien", 1822
Schubert: "Mignons Gesang" ou "Mignon", D. 321 (1815), publ. 1832
https://youtu.be/cgVg7iS8Z-0 (Janet Baker)
Liszt: "Mignons Lied", S. 275 (1842), rev. 1848
https://youtu.be/bPl2t71cpIM (mezzo-soprano: Brigitte Fassbaender)
Schumann: "Kennst du das Land?", op. 98a nº 1 (1849), publ. 1851 (soprano e piano), from Lieder und Gesänge aus dem Wilhelm Meister von Goethe
https://youtu.be/gwSUtka1BjA (Maria Riccarda Wesseling-Schmid)
https://youtu.be/JvMEckjuAYQ (Dawn Upshaw)
Johann Strauss II: Valsa op. 364
https://youtu.be/4VHShoFPNao (Eva Lind)
Hugo Wolf: "Mignon: Kennst du das Land?", 1888, publ. 1891 (voz e piano), de Goethe-Lieder, nº 9
https://youtu.be/ZMe22tHvG4c (Schwarzkopf)
Alban Berg: "Mignon", 1907, stanza 1 (voz e piano), de Jugendlieder, vol. II (1904-08), nº 70





V.  AGRADECIMENTO

 
Registro aqui minha gratidão à minha amada esposa Rute Pardini por tirar fotos e formatar imagens de B. Cellini para apresentação no presente trabalho.



VI.  BIBLIOGRAFIA



ARBOGAST
, Jennifer: A comparative analysis of Mignon's Song "Kennst du das Land", paper submetido ao Ball State University para preenchimento parcial dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre em Música com concentração em Performance Vocal
https://cardinalscholar.bsu.edu/bitstream/handle/123456789/193562/Jarbogast_2009-2_BODY.pdf?sequence=1

AZEREDO, Carlos Magalhães de: GOETHE: CANÇÃO DE MIGNON, Roma: F. Centenari & C. Tipografos, 1906 

FRIEDENTHAL, Richard: Goethe. Sein Leben und seine Zeit, München: R. Piper & Co. Verlag, 1963, 712 p.

SKUOLA.NET: verbete Mignon 
Cf. in https://www.skuola.net/letteratura-tedesca/mignon.html

WIKIPEDIA:  verbete Mignon (Figur)   Cf. in https://de.wikipedia.org/wiki/Mignon_(Figur)
  

13 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Recentemente, quando trabalhava no texto "Considerações sobre o ofício e a arte de traduzir", finalmente publicado em 20/01/2018 no Blog do Braga, mencionei que nosso poeta Gonçalves Dias, ao compor sua Canção do Exílio em 1843, se inspirou no poema de Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), à época no auge de sua fama internacional. Dias ficou tão impressionado com a Canção de Mignon que usou trecho da primeira estrofe desse poema como epígrafe de sua Canção do Exílio.
Na mesma ocasião, deparei-me com imagens de importante tradução da Canção de Mignon, publicada em um opúsculo de 1906 por Carlos Magalhães de Azeredo, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e diplomata.
Terminado aquele trabalho para o blog, decidi fazer um estudo mais aprofundado de "Kennst du das Land, wo die Zitronen blühn...?", mais conhecido como Canção de Mignon, aproveitando a importante tradução do Acadêmico Imortal brasileiro.
Apresento-lhe, portanto, o resultado de minhas pesquisas sobre a CANÇÃO DE MIGNON.

Gilberto Mendonça Teles (poeta, crítico literário, agraciado com o prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra e com o Prêmio Juca Pato) disse...

Prezado Francisco Braga,

Acabo de ler o seu trabalho sobre a famosa balada de Goethe. É claro que me fascina a sua pesquisa erudita. Sempre o leio no seu blog. Abraço do Gilberto Mendonça Teles.

Eudóxia de Barros (insigne pianista e membro da Academia Brasileira de Música) disse...

Obrigada, saudações,
Eudóxia.

Ricardo Tacuchian (Compositor, maestro, professor universitário brasileiro e representante máximo da música contemporânea brasileira) disse...

Uma muito interessante síntese sobre o “Kennst du das Land...”

Obrigado pelo envio

Ricardo Tacuchian

Flávio René Kothe (escritor, articulista em revistas especializadas, professor da UnB especialista em questões de estética, filosofia da arte, arte comparada e semiótica da cultura) disse...

Francisco
No meu livro O cânone imperial, publicado pela Editora da UnB há vários anos, eu fiz uma análise dessa canção e sua tradução e adaptação. Lamento a sua omissão.
att.
Flávio Kothe

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (escritor, desembargador, escritor e membro da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

BRAVO!
ARTE DE TRADUZIR, MUITO MAIS COMPLICADO DO QUE SE PENSA.
TENHO EXCELENTE LIVRO DE PAULO RÓNAI SOBRE O TEMA.
ABS.

Prof. Fernando de Oliveira Teixeira (advogado, professor universitário, escritor, poeta e presidente da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Gratíssimo, Braga, pelo envio. Como sempre, um texto digno de um pesquisador, dotado de acuidade e talento. Abraço para você e esposa. Fernando Teixeira

Dr. Mário Pellegrini Cupello (escritor, pesquisador, presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, e sócio correspondente do IHG e Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Caro amigo Braga

Agradecemos pelo envio das mensagens sobre 'Canção de Mignon' e 'Vozes de Cultura Clássica', que muito apreciamos.

Abraço, Mario.

João Bosco de Castro Teixeira (escritor, articulista e membro da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Francisco, haja fôlego para trabalhos semelhantes, hein? Parabéns e agradecido por páginas tão maravilhosas, sejam as do autor de Canção de Mignon, sejam seus comentários. Um abraço, João Bosco

Anderson Braga Horta (poeta, escritor, ex-presidente da ANE-Associação Nacional de Escritores e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal) disse...

Lido com interesse. Obrigado.

Abs. Anderson

Prof. Cupertino Santos (professor de história aposentado de uma escola municipal em Campinas) disse...

Muito boa a referência escolhida desse autor, Carlos Magalhães, de 1906, sobre a célebre poesia de Goethe!

Quanto aos comentários feitos por você, magistral sua apresentação dos personagens e drama do mesmo romance e os dados levantados da parte musical. Muito prazer na sua leitura e no conhecimento a mais que me proporcionou. Muito obrigado, caro professor Braga.
Saudações.

Carlos Fernando dos Santos Braga (administrador, funcionário da Casa da Moeda no Rio de Janeiro, cedido à UFSJ) disse...

Meu irmão Francisco,

Mais uma vez tiro meu chapéu a você. Parabéns! Não tive ainda o prazer de ler o "Wilhelm Meister" do Goethe; imagine que de tudo isso só conhecia o Lied der Mignon do Schumann, nem sabia da inspiração de Gonçalves Dias. Mas, vivendo e aprendendo, principalmente ao seu lado, com muita satisfação. Fernando.

Marcos Cotrim de Barcellos (professor universitário, presidente da Academia Rezendense de História e doutor pela UFRJ com a tese "A CENTRALIDADE DA GRAÇA NA OBRA DE GUSTAVO CORÇÃO") disse...


Excelente postagem, Francisco.


Agradeço, cordialmente,

Marcos Cotrim de Barcellos