terça-feira, 6 de abril de 2021

ENCONTRO

(Do jornal "Komsomolskaya ¹ Pravda"


Por Francisco José dos Santos Braga
 

Em março de 1963, os cosmonautas soviéticos Andriyán Nikoláiev e Pável Popóvitch chegaram ao Brasil. Eles foram lá para participar de uma exposição sobre o Espaço. 
Eles estavam hospedados em um hotel. Certa manhã, uma jovem família brasileira veio ao hotel ao encontro de Andriyán Nikoláiev.  
Quem quer vê-lo? perguntou o funcionário do hotel.  
“Andriyán Nikoláiev,” o homem respondeu calmamente. 
O funcionário ficou muito surpreso. Mas tudo bem. Em agosto de 1962, nasceu um filho na família do mineiro Antônio dos Santos. Antônio e sua esposa estavam encantados com a façanha dos cosmonautas soviéticos e deram ao filho o nome de um deles. 
Então, o pequeno brasileiro Andriyán Nikoláiev dos Santos se encontrou com o cosmonauta soviético Andriyán Nikoláiev. 
 
♧                    ♧                    ♧ 
 
УЛЫБКА/SONRISA, Editorial Progreso, Moscú, 1971(?), 111 p.
                                                                         
 
 
O  texto aqui traduzido do russo por mim foi extraído de uma coletânea de piadas, anedotas e historietas, intitulada УЛЫБКА (SONRISA em espanhol), livro I, 2ª parte, p. 75-6. Abaixo transcrevo a versão russa que utilizei neste post:
 
ВСТРЕЧА
(Из газеты «Комсомольская правда»)
 
В марте 1963 года советские космонавты Андриян Николаев и Павел Попович приехали в Бразилию. Они поехали туда, чтобы частвовать в выставке о космосе. 
Жили они в гостинице. Однажды утром в гостиницу к Андрияну Николаеву пришла молодая бразильская семья. 
А кто хочет видеть его? спросил служащий гостиницы. 
«Андриян Николаев», спокойно ответил мужчина. 
Служащий очень удивился. Но всё было правильно. В августе 1962 года в семье шахтёра Антонио дос Сантоса родился сын. Антонио и его жена восхищались подвигом советских космонавтов и назвали своего сына именем одного из них. 
Так маленький бразилец Андриян Николаев дос Сантос встретился с советским космонавтом Андрияном Николаевым. 
 
♧                    ♧                    ♧ 
 
II. COMENTÁRIOS SOBRE A I EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL AERONÁUTICA E ESPAÇO DE 1963 
 
 
Foi inaugurada na noite do dia 15 de março de 1963, sexta-feira, no Parque Ibirapuera em São Paulo, a I Exposição Internacional de Aeronáutica e Espaço, sob o patrocínio da Fundação Santos Dumont, com a presença de inúmeras autoridades civis, militares e eclesiásticas brasileiras. Durante a exposição se realizaram diversos congressos, simpósios, reuniões internacionais que se prolongaram até 7 de abril. 

Selo Exposição Internacional Aeronáutica e Espaço-1963


O jornal CORREIO DA MANHÃ, Rio de Janeiro, 1º Caderno, p. 19, domingo, 17 de março de 1963 deu muito destaque às personalidades da aviação norte-americana (especialmente o Major Robert White, já cognominado o homem mais rápido do mundo, piloto do avião-foguete norte-americano "X-15", no qual no ano anterior atingiu uma altitude de 96 km e voou a 6.587 km/h, batendo os recordes de velocidade e altitude) e que foi na véspera uma das atrações na abertura da I Exposição Internacional de Aeronáutica e Espaço em São Paulo. Além do X-15, foi exposta ao público a cápsula "Sigma 7", na qual o astronauta Walter Schirra efetuou seis voltas em órbita da Terra. Sobre o piloto White, o jornal informou que era detentor de dois troféus: o Collier e o cobiçado Asas de Astronauta e que viajaria ao Rio no dia seguinte e no dia 19 para Brasília, "onde possivelmente avistar-se-á com o presidente João Goulart, rumando a seguir para o Chile". Por ocasião da abertura da Exposição, o jornal publicou na íntegra a mensagem do presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, e ainda fez uma narrativa fantasiosa do que aconteceu no estande da NASA: muitas explicações com filmes para os visitantes, considerando muito bem organizado o trabalho da NASA, que lhes apresentou modelos de foguetes e estudos sôbre o planejamento da viagem à Lua. O periódico só publicou duas fotografias: uma do Major White, com a observação de que "está atualmente servindo à NASA para uma série de experiências relativas aos vôos espaciais tripulados", e outra do "X-15"). (...) 

Sobre os Soviéticos há apenas uma pequena vinheta com a seguinte informação: "Sòmente chegarão a São Paulo para a Exposição de Aeronáutica e Espaço os cosmonautas Andriyán Nikoláiev e Paul Popóvitch no próximo dia 20; serão acompanhados de mais 13 técnicos soviéticos e permanecerão em nosso país durante 15 dias; viajarão num avião "TU-104" (jato)." 

Sobre a Exposição em si, observou o Correspondente de São Paulo (16/3) que foi infeliz "a idéia da máscara mortuária de Santos Dumont no stand da Fundação e concluiu: (...) afinal 'quem deu asas ao homem' devia ser apresentado em sua pujança. De resto é muito instrutiva a Exposição. Há muita maquinaria (tornos planificadores, retificadores, etc. (que nada tinha a ver com a Exposição a nosso ver), entretanto nada diminui. Tem-se muito que ver e aprender. Não pode ser comparada à Exposição de Aeronáutica de Farnborough nem ao Salon de Paris, porém convenhamos é a primeira. Foi objetiva e seus congressos e reuniões são altamente proveitosos. Temos certeza de que todos vão gostar. Os helicópteros, que estão ao lado, 'Alouette' fazem passeios e exibições diàriamente. Finalmente: estão de parabéns os organizadores..."  

Link: http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_07&pagfis=37911&url=http://memoria.bn.br/docreader# 

Para termos uma ideia de quão amados na sua terra natal eram os cosmonautas soviéticos enviados ao Brasil em março de 1963, vejamos o que tem a nos dizer o jornal NOVOS RUMOS, Ano IV, Rio de Janeiro, edição nº 183, semana de 17-23 de agôsto de 1962, 7 meses antes da Exposição. 
Inicialmente vejamos o prestígio dos dois cosmonautas russos entre nós. 
Na p. 1 da referida edição nº 183 do jornal NOVOS RUMOS:
 
"MUNDO APLAUDE FAÇANHA DOS COSMONAUTAS DA URSS: Águia Dourada e Falcão Colocaram a Lua ao Alcance de Homem
 
"Foi demonstrada a viabilidade de uma viagem à Lua" declarou o cientista inglês Sir Bernard Lowell, a propósito do gigantesco sucesso do vôo espacial dos cosmonautas soviéticos Nikoláiev e Popóvitch, o "Falcão" e a "Águia dourada", que regressaram à Terra depois de terem percorrido milhões de quilômetros, várias vêzes a distância da Terra à Lua (350 a 400 mil quilômetros). Os dois cosmonautas desceram no lugar previsto, à hora prevista, em território da União Soviética. Encontram-se em perfeita saúde, a ponto de um cientista soviético dizer que o vôo atual veio refutar a suposição dos cientistas americanos de que os vôos prolongados em órbita, nas condições de imponderabilidade, poderiam afetar a saúde dos tripulantes das astronaves. 
Sua descida ocorreu na manhã de 4ª feira, 15, depois de terem completado Nikoláiev, 61 rotações em tôrno da Terra, e Popóvitch, 45. Assim, ambos superaram de muito o recorde anterior, que pertencia ao soviético Gherman Titov, com 17 voltas. Nikoláiev ultrapassou mais de 20 vêzes o número de voltas em órbita dadas pelos americanos Glenn e Carpenter. Nikoláiev estêve em vôo orbital durante 4 dias: o americano Carpenter durante 4 horas. A vantagem dos soviéticos não está apenas nestes dados, mas em numerosos outros, como o pleno domínio das condições de imponderabilidade, do manejo da nave, da comunicação entre duas naves, do trabalho a bordo, da descida em terra, etc." 
 
Maiores detalhes podem ser apreciados na p. 8 da referida edição do jornal, os quais vale a pena recuperar: 
 
"ÁGUIA DOURADA E FALCÃO DOMINAM O ESPAÇO DESBRAVANDO CAMINHO PARA A LUA"
 
"Seria ingênuo pretender que a competição que se desenrola entre a União Soviética e os Estados Unidos pelo domínio do espaço cósmico oferece interêsse apenas científico e técnico e não teria implicações políticas. Na presente situação das relações internacionais, quando a competição entre capitalismo e socialismo atinge o seu apogeu em todos os terrenos, a corrida ao Cosmos tem um significado essencialmente político. Põe à prova a superioridade de um sistema sôbre outro, de um modo de vida sôbre outro, de uma estrutura econômica, social e política sôbre outra. 
Observa-se então, e o comprova melhor o vôo conjugado das duas naves cósmicas Vostok III e Vostok IV, que a União Soviética mantém a vantagem enorme alcançada sôbre os Estados Unidos desde 4 de outubro de 1957, quando lançou o primeiro satélite articula da Terra. Isto quando os americanos já alardeavam seus próximos lançamentos, divulgavam esquemas pelo mundo, fantasiavam façanhas de super-homens, tipo "Fantasma voador", "Tocha humana", "Flecha dourada"... E hoje, enquanto os cosmonautas soviéticos passam quatro dias no espaço exterior, perfazendo um dêles 61 voltas em tôrno da Terra, com absoluto domínio das condições de imponderabilidade, comunicando-se regularmente com as estações terrestres de contrôle de vôo, fazendo normalmente suas refeições a bordo, dormindo, exercitando-se e estudando, um cosmonauta americano ainda planeja efetuar, no próximo vôo, três a sete voltas ao redor do globo, em meio a constantes adiamentos, num ambiente de inquietação e nervosismo que não se dissimulam. (...)"
 
Sobre o lendário cosmonauta soviético Andriyán Nikoláiev, o blog Lorena Filatelia assim se expressou em homenagem que prestou ao 16º ano da morte do cosmonauta soviético:
"(...)  ANDRIYÁN NIKOLÁIEV (1929-2004), importante cosmonauta da União Soviética que subiu ao espaço em 11 de agosto de 1962 a bordo na nave Vostok III, o terceiro soviético no espaço, e em 1º de junho de 1970 na missão Soyuz 9, tornando-se recordista de permanência em órbita com duas missões, até então. Ficou conhecido como Homem de Ferro nos meios aeronáuticos russos, por ter conseguido ficar quatro dias isolado e em silêncio, sem conhecimento do tempo em que ali ficava, dentro de uma câmara de isolamento, usada naqueles dias para testar a capacidade dos astronautas para aguentarem a solidão do espaço durante suas missões. Ele casou-se em novembro de 1963 com Valentina Tereshkova (1937) a primeira mulher a ir ao espaço e tiveram uma filha, Elena Andrionova. 
Recebeu as principais condecorações da extinta União Soviética, entre elas a Ordem de Lênin e o título oficial de Herói da União Soviética, por duas vezes. Também é um dos poucos agraciados com a Medalha de Ouro Yuri Gagarin, concedida pela Federação Aeronáutica Internacional. (...) Uma cratera lunar foi batizada como Nikoláiev em homenagem a ele."

Principais selos comemorativos em sua homenagem: 
 


























 
 
 
♧                    ♧                    ♧ 
 
Registro histórico importante constitui uma reportagem de TV sobre o "encontro" dos astronautas soviéticos Andriyán Grigorievitch Nikoláiev e Pável Romanovitch Popóvitch no aeroporto de Vnukovo em 1962 após o fim do vôo. Discurso do Primeiro Secretário do Comitê Central do PCUS, Presidente do Conselho de Ministros da URSS Nikita Khrushchev em um comício na Praça Vermelha dedicado à bem-sucedida implementação do primeiro vôo mundial em grupo nas naves espaciais Vostok-3 e Vostok-4, respectivamente tripuladas por A. Nikoláiev e P. Popóvitch.  
 
 
 
 
III. NOTA EXPLICATIVA
 
 
¹  Esta palavra é um adjetivo constituído por três sílabas iniciais de 3 outros termos: Коммунистический союз молодёжи, formando um neologismo Kom-so-mol, que significa Liga Comunista dos Jovens. A tradução do nome do jornal, por extenso, ficaria assim: "Verdade da Liga Comunista dos Jovens".
Komsomolskaya Pravda era um diário matutino publicado em Moscou, voz oficial do Conselho Central do Komsomol, ou Liga Comunista dos Jovens, subentendendo pessoas com idade entre 14 e 28 anos. O jornal Komsomolskaya Pravda foi fundado em 1925 e historicamente teve seus principais escritórios em Moscou, com os do jornal Pravda (Verdade), órgão do Partido Comunista, mas com seu próprio staff editorial.

6 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Ao ler o texto "ENCONTRO", coloque-se como se fosse um leitor soviético, ou seja, com a perspectiva dos leitores soviéticos, porque o jornal Komsomolskaya Pravda está escrevendo para seu público jovem.
A minha tradução, embora simples, oferece uma oportunidade para suscitar inúmeras questões presentes na "Guerra Fria", que dividiu o mundo em dois polos, com seus nítidos aspectos políticos, econômicos e sociais característicos.
Os comentários são extraídos de jornais tipicamente antagonistas do Brasil, apoiando ora um, ora outro ator da Guerra Fria.
O "encontro" se dá durante a Primeira Exposição Internacional de Aeronáutica e Espaço, realizada em São Paulo em 1963.

https://bragamusician.blogspot.com/2021/04/encontro.html

Cordial abraço,
Francisco Braga

Anderson Braga Horta (poeta, escritor, ex-presidente da ANE-Associação Nacional de Escritores e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal) disse...

Lido, Francisco. Obrigado.

Abraço

Anderson

Prof. Fernando de Oliveira Teixeira (professor universitário, escritor, poeta e membro da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Grato pelo envio. Abraço amigo.

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga
Saborosa reportagem sobre essa exposição, ocorrida exatamente um ano antes das elites brasileiras optarem por um posicionamento radical em relação à "Guerra Fria". Um posicionamento que veio a se mostrar trágico e de triste memória. Não deixa de ser irônica uma reedição de radicalismos "ideológicos" em plena época de Pandemia, porém marcados por uma dependência vital, senão humilhante à Ciência de uma nação de modelo dito comunista, pelo chamado "Negacionismo" e pelas teorias bizarras da "Terra Plana".
Grato.
Cupertino

Anizabel Nunes Rodrigues de Lucas (flautista, professora de música e regente são-joanense) disse...

Isto é HISTÓRIA que tem que ser realmente divulgada. Obrigada.

Paulo Roberto Sousa Lima (escritor, gestor cultural e presidente reeleito do IHG de São João del-Rei para o triênio 2021-2023) disse...

Prezado confrade Francisco Braga, bom dia.
Só hoje tenho o prazer de ler seu texto sobre o "Encontro" que me reportou um momento e evento da minha vida estudantil quando, Presidente do Diretório Estudantil do IMACO - Instituto Municipal de Administração e Contabilidade, realizamos em 1963 um evento em homenagem às viagens espaciais e em particular ao feito dos cosmonautas russos, em parceria com a disciplina de Língua Pátria, com leitura pelos participantes de redações alusivas ao tema. Menos de um ano depois era procurado pela polícia política mineira e os grupos para-militares do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) por ter realizado aquele que denominaram "ato político em prol do regime comunista". Tempos difíceis aqueles.
Abraços fraternos.
Paulo Sousa Lima