segunda-feira, 26 de setembro de 2022

QUEM DESDENHA QUER COMPRAR!


Por Geórgios Adalís * 
Traduzido do grego por Francisco José dos Santos Braga

 

O símbolo oficial da Rússia por 5-6 séculos é a águia de duas cabeças que também aparece em seu emblema nacional. Apesar disso, a Rússia é internacionalmente chamada de "Urso"! Durante séculos, os russos lutaram para se livrar dessa caracterização até que se cansaram e provavelmente finalmente a aceitaram. No entanto, agora estou convencido de que, após a invasão da Ucrânia, o termo "Urso" está desbotando e, se devemos definitivamente compará-lo a um animal, este é a "Raposa". 

 

A designação "Urso" foi usada pela primeira vez no século XVI, por causa de um remédio que deveria combater a calvície! Comerciantes ingleses visitavam a Rússia de onde importavam peles, mel, cera e uma gordura que supostamente era gordura de urso, que geralmente era gordura de porco! Ingleses que buscavam desesperadamente uma cura para a calvície viram gravuras publicitárias de gordura de urso russa como um salva-vidas! O marketing dos comerciantes da época dizia que os ursos são muito peludos, portanto a gordura os ajuda! Então o produto foi um sucesso.

 

No século XVII, foi fundada uma academia de ursos em uma região da Polônia para serem treinados e revendidos para circos na Europa! O europeu naquela época não conhecia bem geografia e considerava os ursos como russos. Por mais que os russos gritassem que os ursos treinados não eram deles, os europeus, sempre que apresentavam a Rússia em seus textos, usavam imagens com um urso! 

Os séculos passavam e apesar da reação dos russos que não queriam ser identificados com o urso, mas sim com a águia bicéfala, o apelido ficou para sempre. Até que decidiram, durante a URSS, fazer da desvantagem uma vantagem. Começaram a lembrar-se que o urso é um animal muito corajoso e forte. Até que em 1980, nos Jogos Olímpicos de Moscou, eles apresentaram seu mascote, o conhecido ursinho de pelúcia, Misha, que na cerimônia de encerramento conquistou a simpatia do público e causou arrepios de emoção quando lançado com milhares de balões ao céu! 


 

De alguma forma, chegamos a 2000, quando Medvedev funda o partido "Rússia Unida", que, no seu logotipo, tem um urso. É o partido de Putin, embora este não fosse membro na época. A popularidade do "Rússia Unida" disparou em 2008, quando Putin se tornou o presidente do partido e vários de seus funcionários assumiram cargos no governo. Hoje, detém 325 dos 450 assentos na Duma Estatal, 142 dos 170 assentos no Conselho da Federação e elege 58 dos 85 governadores da Rússia. De fato, no edifício Kutuzovsky em Moscou, onde estão seus escritórios, há a ala da Juventude (conhecida como Guarda da Juventude da Rússia Unida), que conta mais de 2.000.000 de membros. 

Poucos dias após o início da "operação militar especial", eu tinha feito a avaliação de que a Rússia não faria uma blitzkrieg, mas uma lenta guerra de desgaste, com o objetivo de manipular os preços da energia internacionalmente. Estamos nos aproximando de 210 dias de guerra, sem vencedores e perdedores claros, com ambos os lados contando muitas baixas. Neste ponto, faço uma pergunta: Onde está a poderosa Força Aérea Russa? Onde está o serviço russo de foguetes espaciais? 

Este que vemos é o exército da Rússia? Porque, se for esse o caso, então não estamos falando de um urso! Nós, ocidentais, provavelmente entendemos mal os benefícios que Putin espera desta guerra! É apenas para não deixar a OTAN ir para o seu "quintal"? Avalio que não seja só isso. Putin não está travando uma guerra de extermínio do exército ucraniano, mas uma guerra de esgotamento energético da Europa, que leva ao agravamento da crise alimentar e à deterioração do padrão de vida dos europeus. 

Em outras palavras, ele está usando a guerra para travar uma guerra energético-econômica multifacetada. E enquanto ele próprio estava suficientemente preparado para enfrentar qualquer cenário, os ocidentais se viram despreparados; em consequência, também perdem com as sanções que impuseram. Apesar de estarem no sexto pacote de sanções, nenhum deu resultado para eles. O que os ocidentais estavam dizendo para nós e o que finalmente aconteceu? 

1. Nós ocidentais dizíamos que o mercado de ações russo entraria em colapso!  
O índice MOEX em Moscou, de 4.000 unidades, caiu inicialmente abaixo de 2.000, como resultado de as negociações terem sido suspensas por semanas. No entanto, reabriu em abril e está se movendo de forma constante nos níveis de 2.450 unidades, com ações mostrando grandes ganhos. 
2. Nós ocidentais dizíamos que o rublo entraria em colapso! 
Após a queda inicial em sua taxa de câmbio, o rublo se recuperou com movimentos planejados e, finalmente, hoje se fortaleceu tanto que é a primeira moeda com desempenho internacional! 
3. Nós ocidentais dizíamos: "destruiremos o potencial de exportação da Rússia, para que ela não possa ter renda para financiar a guerra"! 
Nada disso aconteceu, mas com os descontos que ele oferece no petróleo (Urals), a Rússia está conseguindo ganhar o dobro de dinheiro em relação aos anos anteriores. Não é apenas a Ásia que está comprando petróleo e gás russos. E os europeus estão correndo para comprar o máximo que podem de terceiros! 
4. Nós ocidentais dizíamos que isolaríamos Putin diplomaticamente. 
Nós ocidentais nos esquecemos de que as "políticas verdes" e a abolição do petróleo tornou automaticamente aliadas de Moscou as nações da OPEP e as economias emergentes. Putin, portanto, não apenas não ficou isolado, mas teve a oportunidade de emergir como líder de uma aliança internacional informal, trazendo até mesmo potências rivais como Índia e China para o mesmo terreno! Além disso, já se evidencia também uma cisão política dentro dos EUA. 
5. Nós ocidentais dizíamos que iríamos fixar os preços para que os investimentos multinacionais na Rússia fossem rescindidos! 
Em última análise, os seus preços são fixados por Putin com diversas estratégias, adicionando ou deletando grandes quantidades (por exemplo, petróleo), enquanto países como a Líbia param e repõem quantidades superiores a um milhão de bpd, enquanto as monarquias do Golfo não aumentam sua produção. Os preços do petróleo e do gás são amplamente determinados por Moscou. Ao mesmo tempo, há uma cisão no G7, pois o Japão continua seus investimentos em GNL no campo de energia russo de Sakhalin. 
6. Nós ocidentais dizíamos que iríamos nivelar as reservas cambiais da Rússia, tirando-as do sistema swift
Este acabou sendo nosso maior erro! Os detentores de títulos russos são principalmente europeus e americanos. Assim, uma falência da Rússia os afeta principalmente. Além disso, tal falência é chamada de "acadêmica", porque não decorre da incapacidade de pagar à vista, mas de uma proibição deliberada dos fluxos de câmbio. E finalmente o que conseguiram? Abrir o debate sobre a substituição do dólar, como moeda de reserva das transações internacionais, pelo Petroyuan e o rublo. Quão fora de lugar e fora de tempo estava esta medida comprovou-se na semana passada, quando nos EUA foram obrigados a suspender as sanções sobre os títulos russos, os quais serão pagos normalmente! E você sabe por quê? Simplesmente porque as somas eram enormes e atingiriam grandes bancos ocidentais, como o Goldman Sachs. 
7. Nós ocidentais dizíamos que a Rússia iria passar fome! 
Finalmente, o espectro da pobreza bate à porta da Europa. Os preços da energia atingiram níveis recordes, enquanto esses aumentos alimentaram a inflação. E não é a Rússia que está procurando produtos agrícolas baratos, mas principalmente a Europa, que enfrenta a possibilidade de até impor o racionamento de combustível, até mesmo de alimentos! A posição global da Rússia-Bielorrússia em produtos agrícolas estratégicos, como trigo e fertilizantes, a mantém à tona com suas indústrias no índice MOEX registrando superganhos, enquanto suas contrapartes na Europa e nos EUA estão ameaçadas de fechar as portas. Quanto ao gado e ração, nem se fala! Aqui a União Europeia perdeu tanto, que decidiu propor como solução: comer insetos, como grilos e gafanhotos! 
 
 
 
Continuaremos esta análise porque esta é uma pequena parte da dura guerra econômica que começou antes da invasão da Ucrânia. Veremos a sequência imediatamente após as eleições de meio de mandato de novembro nos EUA! Enquanto isso, a guerra econômica está passando por um período de trégua temporária! Por todas as razões acima, a Rússia pode não justificar o título de "Urso" no campo militar, mas merece o título de "Raposa" no campo econômico! 

Está confirmado que caímos em uma armadilha armada por Putin, que não apenas usou petróleo e gás como arma para dobrar o Ocidente, mas também alimentos, e especialmente trigo, algo que nós ocidentais demoramos muito a perceber! E quando percebemos, era tarde demais porque já com suas escolhas erradas, conseguimos tornar o “baixo” mais alto, daí a paródia do provérbio do título do artigo!

* Economista e analista
 
 
 
II. NOTA DO TRADUTOR/GERENTE DO BLOG DO BRAGA
 
 
É difícil que o título do artigo em grego possivelmente encontre uma tradução fiel em português. O autor Geórgios Adalís utilizou com ligeira modificação um provérbio muito utilizado na Grécia para alguém que, não conseguindo um objeto de seu desejo, o deprecia com alguma desculpa esfarrapada. No século VI a.C., a este respeito Esopo compôs a fábula "A raposa e as uvas", onde mostra que a raposa, obrigada a desistir das uvas maduras, saiu-se com a declaração dissimulada de que as uvas estavam verdes ou azedas. É o que se costuma chamar de "erro lógico". No caso da fábula de Esopo, a raposa, em vez de se sentir culpada pelo insucesso, busca uma narrativa que oculte a sua frustração, evidenciando o erro lógico da depreciação do objetivo não alcançado. 
 

 
Em grego o provérbio é citado da seguinte forma: 
"Όσα δεν φτάνει η αλεπού τα κάνει κρεμαστάρια! 
e corresponde ao que foi descrito acima. 
Em português, proponho a seguinte tradução para esse provérbio: Todas as coisas (uvas) que a raposa não abocanha é que estão fora de seu alcance.
"A raposa" em português corresponde ao termo "η αλεπού" em grego. Ocorre que o autor não usa o termo oficial no título do seu artigo, mas o converte para "η αλεΠούτιν", com a intenção evidente de identificar o presidente russo com a raposa. Da mesma forma, altera o termo final "κρεμαστάρια" (palavra no plural que significa "cabides" em português; em sentido figurado, refere-se a frutas colocadas em um lugar elevado para amadurecer, bem acima do alcance... da raposa) para "κρεμαΣιτάρια", acrescentando um iota no interior da palavra, e deixando bem evidente o seu objetivo de mostrar Putin como grande estrategista ao racionar as exportações de trigo ("σιτάρι" em grego, usado no plural σιτάρια, para cereais em geral) e outros produtos, com o objetivo de negociar as sanções que a Rússia e suas autoridades têm sofrido por parte dos EUA, Inglaterra e países da União Europeia. 
Finalmente, em grego, o título do artigo, portanto, restou assim modificado por inteligente refazimento do provérbio: 
"Όσα δεν φτάνει η αλεΠούτιν τα κάνει κρεμαΣιτάρια!",
no qual se destacam os vocábulos Πούτιν e Σιτάρια.

6 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Prezad@,
Tenho o prazer de enviar-lhe minha tradução de um artigo escrito pelo economista e analista grego GEÓRGIOS ADALÍS, o qual comenta sobre a triste situação dos países ocidentais em sua reação à invasão da Ucrânia pela Rússia. De forma realista, ele analisa como o tiro saiu pela culatra.
E conclui que o pior ainda não chegou, pois o inverno europeu infelizmente deve trazer notícias ainda mais dramáticas para os países ocidentais hostis à Rússia.

Link: https://bragamusician.blogspot.com/2022/09/quem-desdenha-quer-comprar.html

Cordial abraço,
Francisco Braga

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador, ex-presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...


Isso em pleno século 21...

Mario Pellegrini Cupello, Arquiteto, Escritor, Pres. do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto - Valença RJ - Membro Efetivo da Academia Valenciana de Letras, Membro Correspondente do IHG e Academia de Letras de São João del-Rei, entre outras instituições culturais, disse...

Caro amigo Braga
Muito interessante o artigo escrito pelo economista e analista grego GEÓRGIOS ADALÍS, pelo que lhe felicito pela publicação e tradução para o português.
Todavia, não poderia deixar de fazer uma referência à sua "Nota do Autor",primorosa, didática e muito adequada ao tema.
Receba o meu abraço fraterno e o de Beth.
Mario Cupello

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga,

Perspicaz e irônica abordagem de G. Adalís para aquele conflito de extrema gravidade internacional.
Parabéns pela escolha do texto e sua tradução, bem como pelos interessantes esclarecimentos de teor linguístico.
Cumprimentos
Cupertino

Geraldo Reis (poeta e gerente do Blog O Ser Sensível) disse...

Obrigado amigo. Estamos juntos. Você, como sempre, dando exemplo. Parabéns! Esteja certo de que foi proveitosa a leitura.

Dr. Afrânio Vilela (desemabargador do TJMG, membro correspondente do IHG de São João del-Rei e palestrante sobre temática da escravidão na região das Vertentes, antiga Comarca do Rio das Mortes: Quilombo do Ambrósio) disse...

Caro confrade, excelente conteúdo, explicação clara e lógica. Apesar de não ser versado, a tradução é de qualidade e fidedigna!!!!