sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

A glória tardia de ANNA AKHMÁTOVA

Por FRANCISCO JOSÉ DOS SANTOS BRAGA 
Dedico esta crônica ao ilustre tradutor dos principais poemas de Anna Akhmátova, além de jornalista e crítico musical, falecido aos 74 anos de idade, em 31 de janeiro de 2018, portanto há exatos 7 anos: Lauro Machado Coelho.
 

 

As glórias, que vêm tarde, já vêm frias...
Tomás Antônio Gonzaga: Marília de Dirceu, Cap. I, Lira 14
A glória é tanto mais tardia quanto mais duradoura há de ser, porque todo fruto delicioso amadurece lentamente…
Arthur Schopenhauer: Parerga e Paralipomena  
 
O Jardim do Asilo em Saint Remy (1889) de Vincent van Gogh

 
Anna Andrêievna Gorénko, mais conhecida pelo pseudônimo Anna Akhmátova, nasceu no dia 23 de junho de 1889, em Odessa, na Ucrânia. Uma das mais importantes poetisas do século XX, fez parte do Acmeísmo literário, movimento do modernismo russo, que buscava usar uma linguagem simples, clara e usual, divergindo tanto dos arroubos simbolistas quanto das tendências vanguardistas demolidoras. Conhecida como “Anna de todas as Rússias”  na expressão feliz de outra poetisa, Marina Tsvietáieva , Akhmátova representou uma voz política e social na luta pela liberdade do país fazendo com que seus versos fossem ecoados como verdadeiros hinos da resistência a Stálin.
 
Anna Andrêievna Akhmátova (✰ Odessa, 23/06/1889 ✞ Moscou, 05/03/1966)

 
Durante os anos de Stálin, a Rússia teve quatro grandes poetas para expressar os sentimentos de seu povo oprimido: Pasternák, Anna Akhmátova, Óssip Mandelstám e Marina Tsvietáieva. Os dois primeiros sobreviveram ao terror, mas Mandelstám morreu em um campo de trabalhos forçados e Tsvietáieva foi levada a se enforcar em 1941. 
 
"Idade de Prata": assim a historiografia literária soviética designa o período de grande florescimento da poesia que houve no início do século XX, por oposição à Idade de Ouro, que foi a de Pushkin e seus contemporâneos.
Após a morte de Stálin, em 1953, Anna Akhmátova começou a retomar sua liberdade e a receber reconhecimento oficial de seu status, quando passou a ter o seu trabalho reconhecido internacionalmente, recebendo honrarias, como o prêmio literário “Etna-Taormina”, na Itália, em 1964 e um título honorário, em Oxford, no ano de 1965. 

O presente trabalho vai se concentrar na poetisa cujos poemas ecoaram como verdadeiros hinos de resistência a Stálin, não em toda a sua vida e obra, mas apenas no ano de 1964, quando começou finalmente a receber premiações pelo conjunto da obra poética. Nesse ano, dois anos antes de sua morte, ela tornou-se laureada do Prêmio Etna-Taormina. Depois de todos os tormentos em casa, o reconhecimento mundial veio até ela.
 
[COELHO, 2008, 430-432] nos dá detalhes sobre a premiação:
Uma noite, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir telefonaram para cumprimentá-la. A Comunità Europea degli Scrittori-CES tinha-lhe concedido o Prêmio Etna-Taormina. Na carta a Gian-Carlo Vigorelli, o presidente da CES, em que agradeceu essa honraria, ela falava de "um país que amei durante toda a minha vida, e que lançou um raio de sol sobre a minha obra"”, referindo-se à Itália.
Aqui ela relembrava a viagem de avião que fizeram seu marido Nikolái Gumilióv e ela, em 1912, ao norte da Itália e à Suíça. De fato, ela sempre se sentiu dentro da cultura europeia, tendo comparado a sua viagem de 1912 ao norte da Itália, como "um sonho que você lembra por toda a sua vida". Ela aspirava à Itália, a terra natal das pátrias, constantemente. 
 
"Mas nosso país, o governo não a deixou ir e ela até escreveu poemas amargos sobre isso", disse Tatiana Pozdniákova, chefe do departamento de ciência e educação do Museu Anna Akhmátova em Fountain House, em São Petersburgo. 
 
Em outra obra, na Apresentação de [AKHMÁTOVA, 2009, 30], o agora tradutor Lauro Machado Coelho aborda a questão:
Por que Akhmátova nunca saiu da União Soviética?, até então. Responde com as palavras do escritor e crítico emigrado Vladímir Veidlé num artigo publicado na Russian Review de janeiro de 1969: Sempre senti que, para ela, era necessário ficar, embora eu não soubesse explicar porquê. Mas intuía vagamente que era por causa de sua poesia: de todos os seus poemas não-nascidos, e que só poderiam nascer do contato com o povo que morava naquela terra que, até o fim, ela insistia em chamar de Rússia (e não de União Soviética).
Anna Akhmátova, então poetisa famosa em sua plena maturidade

Assim retoma o autor  sobre a segunda volta de Akhmátova à Itália:

Naturalmente, a documentação necessária para que ela viajasse demorou muito para ser liberada, o que a fez observar: O que é que eles estão achando? Que eu não vou mais voltar? Eu, que fiquei aqui quando todo mundo estava indo embora, eu que vivi neste país a minha vida inteira  e que vida!  ia mudar de ideia logo agora?
Apesar da demora, a papelada saiu a tempo de poder receber a homenagem em Taormina, na Sicília.
Assim continua o autor:
Akhmátova queria que Nina Olshiévskaia a acompanhasse, mas a atriz teve um derrame durante um espetáculo em Minsk, e Irina Púnina teve de tomar o seu lugar. A viagem até a Itália, feita de trem, pois o médico a desaconselhara a viajar de avião, foi longa e cansativa. Anna dependia de ajuda para carregar as suas malas, cuidar de seus remédios, apoiá-la quando andava; mas os cartões postais que manda a Náiman  que fora para Minsk, fazer companhia a Nina   dividem-se entre a preocupação com o estado da amiga e a alegria em rever Roma, a Piazza di Spagna, a Fontana di Trevi, o túmulo de Rafael no Pantheon.
Somente no final do Degelo, fase de distensão do governo Nikíta Krushtchóv, a União dos Escritores da URSS presenteou Akhmátova, enviando-a para a Sicília.
Continua o autor:
Chegou exausta à Sicília, em 10 de dezembro (de 1964), mas se encantou com Taormina cheia de flores, e com o antigo mosteiro dominicano convertido em pousada, onde a instalaram. De lá, no dia 12, mandou a Náiman uma daquelas cartas telegráficas de quem não tem muita paciência para escrever: Recital de poesia no hotel esta noite. Cada um lê em sua própria língua. Amanhã, entrega solene do prêmio  em Catânia  depois, Roma de novo, e a volta para casa. Parece um sonho. Nem estou tendo dificuldades em escrever cartas. O médico deu-me remédios ótimos e estou me sentindo muito melhor. Como está a minha Nina? O que a reconfortaria?
Por mais difícil que fosse andar, fez questão de visitar o anfiteatro greco-romano no alto da colina de Taormina. E, de volta à Rússia, adorava contar como Irina ficara apavorada com o motorista italiano inteiramente maluco, que as levou de carro até Catânia, falando sem parar e dirigindo como um endemoniado por uma estradinha sinuosa, que serpenteava acima do mar.

A seguir, o autor relata as impressões de um dos que estiveram presentes à premiação de Akhmátova, tendo escrito sobre o comportamento da poetisa na ocasião:

O escritor alemão Hans Werner Richter, que estava presente à cerimônia no Hotel Excelsior, na entrega do prêmio, fez dela uma interessante descrição:
Ali estavam poetas de todos os países da Europa, jovens e velhos, conservadores e liberais, comunistas e socialistas, fazendo fila para beijar a mão de Anna Akhmátova; e eu juntei-me a eles. Anna estendia a mão a cada um que passava diante dela, inclinava-se, e recebia um cumprimento. Cada um o fazia à maneira de seu país: os italianos com charme, os espanhóis com grandeza, os ingleses com sobriedade. Só os russos conheciam o estilo que Akhmátova esperava. Paravam diante de sua tsarina, ajoelhavam-se e beijavam o chão. Não, não é isso que eles faziam, é claro; mas era como o tivessem feito. Era como se, ao beijar a mão de Akhmátova, eles estivessem beijando a terra russa, a tradição de sua poesia, a magnificência de sua literatura.

O autor ainda acrescenta a descrição do recital de poesia que se seguiu à premiação:

Werner descreve o recital de poesia que ela deu para duzentas pessoas, "declamando com uma voz que parecia uma tempestade distante" e, depois, o momento em que Aleksandr Tvardóvski, Arsênyi Tarkóvski, o pai do cineasta, e outros leram poemas dedicados a ela:
Era como a recepção de Ano Novo na corte de uma imperatriz. A tsarina da poesia aceitou com toda a naturalidade as homenagens do corpo diplomático da literatura mundial. Finalmente, ficou cansada e se retirou: uma grande mulher, erguendo-se acima de todos os poetas, uma figura de estatuária. Vendo-a afastar-se, entendi por que a Rússia pôde ser governada por uma tsarina. Vi quando ela recebeu o Prêmio Etna-Taormina das mãos do ministro da Cultura da Itália, e ouvi o discurso com que ela agradeceu, e no qual não havia uma só palavra supérflua. Era o agradecimento de uma tsarina a seus súditos.

Quais foram as palavras de agradecimento de Akhmátova à comissão organizadora do Prêmio Etna-Taormina para poesia? Apesar de minha exaustiva pesquisa, não descobri o registro  dessa fala da poetisa russa na cerimônia de premiação. Possuímos, entretanto, depoimentos de uma italiana presente à cerimônia, mas, de fato, faltam-nos as exatas palavras de Akhmátova na cerimônia. Teria ela declamado um de seus poemas? Teria ela narrado fatos relacionados com a perseguição política movida por Josef Stálin  durante seu regime totalitário (1928-1953) a seus opositores (incluídas aqui suspeição  de ela própria conspirar contra o regime soviético; a execução de seu marido, o poeta acmeísta Nikolái Gumilióv, em 1921 por seu envolvimento numa conspiração monarquista; e a perseguição, sentenciamento e prisão em gulags do seu filho historiador e antropólogo Liev Gumilióv durante vários períodos de sua vida, acusado por suposto envolvimento em uma conspiração contra os bolcheviques)? Teria ela composto para a ocasião festiva um poema destinado a falar de sua vida itinerante em busca do ideal poético?

Na falta desses elementos históricos, precisamos recorrer ao que nos resta para revelar a dignidade e luta solitária pelo direito de livre expressão no stalinismo, período de maior opressão do regime soviético, vivenciada por ela no paroxismo da dor.

E, por último, o autor relatou sobre o último compromisso da ida de Akhmátova à Sicília:

A cerimônia se encerrou com a exibição especial do recém-concluído A Paixão segundo São Mateus, de Pier Paolo Pasolini, que viera a Catânia para apresentá-lo. No dia seguinte, Akhmátova recebeu os jornalistas e escritores, que a visitaram no hotel para cumprimentá-la. E lhes serviu caviar, geleia, pão preto e vodca Stolítchnaia, que trouxera de Leningrado dentro da mala.
 
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Sob o título "Monumento a Anna Akhmátova inaugurado na Sicília", a agência de notícias russa TASS anunciou, numa transmissão televisiva diretamente de Taormina, em 16/07/2015, a inauguração de um monumento à poetisa russa em uma cerimônia oficial ocorrida em 11/07/2015 que contou com a presença de representantes do governo local, diplomatas, jornalistas e estudantes.
Monumentos à poetisa já tinham sido erguidos anteriormente em Moscou, São Petersburgo, Bezhetsk e Odessa. Chegou a vez de Taormina prestar a sua homenagem à "Anna de todas as Rússias". 

Monumento dedicado a Anna Akhmátova erigido no pátio do Departamento de Línguas da Universidade de São Petersburgo


O busto de Anna Akhmátova está instalado na aconchegante praça da Fundação Cultural Giuseppe Mazzullo, ele próprio, importante escultor italiano. A "Grã-duquesa da poesia russa" está cercada pelas obras do escultor italiano, que parecem assemelhar-se à própria poetisa em diferentes etapas de sua vida, e por desenhos de Akhmátova por Amedeo Modigliani (1884-1920).

Em seu discurso de boas-vindas, o prefeito de Taormina, Eligio Giardina, parabenizou "a grande poetisa russa por seu feliz retorno à Sicília", informando que antes homenageou a poetisa russa denominando uma das vias de Taormina com o seu nome. Segundo ele, Anna Akhmátova  pela terceira vez comparecia a essa municipalidade. Em seu discurso, relembrou as duas ocasiões em que ela presencialmente visitou a Itália: primeiro, quando ela, jovem e exultante como estava, na ocasião em que viajou pela primeira vez pela Itália com seu marido poetaa Nikolái Gumilióv em 1912; segundo, quando, já uma poetisa famosa, foi recebida na Sicília em 1964 e até chamada de "Grã-duquesa da poesia russa". E completa: é sua terceira viagem à Itália agora em bronze, em uma imagem criada pelo escultor ANDREI KLYKOV (✰1962 ✞ 10/02/2022).
 
 
Busto de Anna Akhmátova, sempre de xale preto sobre os ombros




Busto de Anna Akhmátova na praça da Fundação Cultural Giuseppe Mazzullo, Taormina


 
Link para vídeo, no qual Akhmátova declama os próprios versos (poema: A Musa): https://www.youtube.com/watch?v=htW5XzUD24k
 

II. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


AKHMÁTOVA, Anna Andrêievna: Antologia Poética, Porto Alegre: L&PM, seleção, tradução, apresentação e notas de Lauro Machado Coelho, 2009, 208 p.
 
COELHO, Lauro Machado: ANNA, a voz da Rússia: vida e obra de Anna Akhmátova, São Paulo: Algol Editora, 2008, 483 p. + 1 CD de Anna Akhmátova recitando seus próprios versos.


terça-feira, 28 de janeiro de 2025

ÁRVORES ORACULARES - LIGANDO PASSADO E FUTURO

Por LUCY GOODISON *
Tradução do inglês e comentários por Francisco José dos Santos Braga
 
Excerto do Capítulo IV do livro de Lucy Goodison, intitulado Holy Trees and Other Ecological Surprises, Just Press 2010.
 
RESUMO
 
No contexto de uma tradição que se estende da dança ritual das árvores mostrada em anéis da Idade do Bronze de Creta aos contos medievais e imagens da aparição da Virgem em galhos de carvalho por toda a Europa, este trecho analisa o papel de árvores especiais na religião na Grécia clássica e na antiguidade tardia. A importância das árvores na religião, e especificamente nas práticas de adivinhação, nesta era é talvez insuficientemente reconhecida e raramente é considerada em relação a rituais de longa data em culturas que vieram antes e depois.

Palavras-chave
: História Antiga, Arqueologia Clássica, Idade do Bronze Egeia (Arqueologia da Idade do Bronze), Oráculos Gregos e Adivinhação, Religião Minóica, Heródoto, Arqueologia Minóica, Hinos Homéricos, Pausânias, Magia e Adivinhação no Mundo Antigo, Árvores, Árvores de Decisão, Magia e adivinhação antigas, Creta Minóica, Oráculo e Adivinhação de Delfos, Hino homérico a Apolo e Religião Grega Antiga (especialmente Arcaica e Clássica).
 
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Até agora, as trilhas da Tree Lady ¹ tinham levado de volta do presente para a Idade Média, compreendendo ao longo do caminho alguma vegetação extraordinária: galhos que produziam aparições; árvores atribuídas a poderes curativos; e gravetos que brotavam magicamente para marcar uma pessoa especial.
 
Eu também queria saber como tais fenômenos incongruentes encontraram seu caminho para a tradição judaico-cristã, perguntando-me de onde eles vieram e até onde sua história poderia ser rastreada. A busca por origens pode levar infinitamente de volta no tempo, e em múltiplas direções, em vez de uma única fonte. No entanto, como o estudioso clássico Martin West disse, "muitas vezes podemos voltar ao estágio em que o que parecia arbitrário ou ilógico faz sentido, e esse é sempre um bom lugar para fazer uma pausa". 
 
A religião da Creta minóica é um desses estágios, onde a veneração e as aparições de árvores fazem sentido como parte de práticas rituais focadas no mundo natural em muitas de suas formas, incluindo plantas, animais e o sol, bem como o corpo humano. Mas as árvores e galhos sagrados da Idade Média têm qualquer conexão com as árvores sagradas minóicas? No solo da própria Grécia, havia alguma conexão histórica sobre o lapso de três milênios entre os cultos de árvores da Idade do Bronze e dos tempos modernos?
 
Decidi voltar e olhar as evidências do período da antiguidade clássica, para ver se havia alguma pista de que isso poderia remontar à Idade do Bronze ou à Idade Média. Partindo para explorar esses lapsos, comecei a olhar mais atentamente para os dois mais famosos sítios gregos antigos ligados às árvores: os oráculos de Delfos e de Dodona. 
 
A busca pela sabedoria délfica 
 
Tem chamado a minha atenção que os locais que eram secretos, inacessíveis ou objeto de peregrinação na antiguidade também têm sido difíceis para nós alcançarmos. Assim foi com Delfos. Mais de 2500 anos atrás, buscadores de ajuda e verdade traçaram um caminho que queríamos seguir. Enquanto eu tentava organizar a viagem, chegar a Delfos começou a parecer uma peregrinação. Não que fosse tão árduo para nós quanto teria sido para um grego no século V a.C. viajando de Atenas ou alguma outra parte da Grécia para consultar o oráculo. Muitos deles teriam caminhado por dias por terrenos montanhosos, às vezes sob o sol escaldante, para chegar ao lugar onde o ônfalo ou "pedra do umbigo" marcava o que os antigos chamavam de umbigo da terra. Para nós, os obstáculos para chegar a Delfos eram mais mundanos: primeiro, o local estaria fechado porque era segunda-feira; então o carro alugado quebrou; então não havia mais tempo antes de termos que viajar para casa. No final, teve que ser uma viagem de ônibus até o centro do mundo e de volta no mesmo dia. 
 
Cópia do ônfalo presente no templo de Apolo em Delfos - Crédito: https://pt.wikipedia.org/wiki/Onfalo

 
Às 5 da manhã, o ar de Atenas estava ameno. O taxista serpenteou pelo centro deserto da cidade e desceu pelas ruas escuras para chegar de repente à estação de ônibus nos limites da cidade, um oásis de luz que estava surrado e lotado de pessoas. Ônibus acelerando, uma lanchonete vendendo pães de rosca de café da manhã e tortas de espinafre quentes, um vendedor de passagens mal-humorado, passageiros lutando com a bagagem, a corrida de última hora ao banheiro. 
 
No solstício de inverno o sol nasceu lentamente à nossa direita enquanto dirigíamos para o norte, saindo de Atenas. Sua luz baixa e angular cortava caminhos dourados pela floresta de prédios altos e sujos e tapumes extravagantes na beira da estrada, o vapor da poluição quase como umidade do chão de uma floresta. Então, gradualmente, o ar clareou. A expansão desordenada dos arredores de Atenas deu lugar a estradas abertas, colinas, vistas e florestas de verdade. Foi só então que me lembrei da frase ameaçadora no guia sobre levar roupas quentes porque Delfos está sujeita a "mudanças violentas de temperatura". 
 
Memórias da minha breve visita anterior a Delfos 30 anos antes vieram de repente à tona. Lembrei-me de estar em pé no calor do meio do verão que queimava até os ossos, olhando pasma do cume de Delfos através de uma abertura nas montanhas para a pequena curva prateada de água que era a Baía de Itea abaixo. Lembrei-me de quão longínquo estava abaixo, quão elevada Delfos devia estar, e quão frio pode parecer em janeiro a nós que — como recém-chegados de Creta — estávamos viajando sem casacos. O cume coberto de neve do Monte Parnaso apareceu à nossa direita; o ônibus diminuiu a velocidade e começou a subir sinuosamente em curvas rochosas em direção a ele. 
 
Não estou certa da altura que estávamos quando o ônibus parou em um café de parada de descanso, todo carregado de mercadorias de tecidos artesanais e vendendo café. O alto-falante estava tocando uma música conhecida: "O todo da lua", dos Waterboys. Curiosamente, é sobre profecia, ou pelo menos sobre alguém que viu o plano mais amplo da vida. O cantor conta que vagou pelo mundo por anos, mas viu apenas lampejos da verdade. A outra pessoa ficou em seu quarto e viu tudo, não apenas o crescente lunar, mas o todo da lua. O refrão, como um encantamento, coincidia com uma contemplação de que a jornada havia começado em mim, perguntando-me qual era o propósito de buscar conhecimento se  como tantas vezes acontece  ele não pode ser usado com proveito? No antigo mito grego, a profecia délfica sobre a vida de Édipo provocou reações drásticas que o lançaram no abraço do próprio destino que ele tanto temia. Pessoas que eu conhecia que viam ‘o todo da lua’ frequentemente pareciam pagar o preço por sua sabedoria em termos de depressão, desespero e isolamento da futilidade dos projetos e paixões humanas  mais ou menos como olhar para a vida de uma grande altura. Cassandra recebeu o dom da profecia com a ressalva de que ninguém jamais acreditaria nela. Se o conhecimento não pode mudar as coisas, e não dá nenhuma segurança real ou proteção contra a dor, por que os humanos  agora como então, embora de maneiras diferentes, buscam tão avidamente saber e controlar o futuro? A música ainda estava soando em meus ouvidos, e o café esquentando minhas entranhas, enquanto subíamos de volta no ônibus, acompanhados por um grupo de estudantes gregos usando botas de esqui e jaquetas pesadas de montanha. O ônibus, agora muito cheio, acelerou e então continuou a subir lentamente. 
 
Os antigos peregrinos iam a Delfos com problemas militares, sociais, morais ou emocionais. Ex-votos de tripés e estatuetas, datadas de cerca de 800 a.C., são consideradas as primeiras evidências do oráculo, e o primeiro templo foi construído no final do século VII. Na última parte do período geométrico, as comunidades frequentemente pediam conselhos a Delfos sobre o estabelecimento de colônias. Figuras políticas e militares de toda a Grécia e, mais tarde, do Oriente, perguntavam se era uma boa ideia se envolver em uma determinada batalha ou invadir um determinado território. Tradicionalmente, questões de culpa de sangue eram encaminhadas a Delfos, e assassinos vinham para aprender como alcançar a purificação. O oráculo também dava orientação sobre o culto, e os indivíduos iam até lá para se curar. Na peça Íon, de Eurípides, escrita no século V a.C., uma dama real ateniense vem com seu marido e servos para pedir a solução para sua infertilidade. A peça menciona o sacrifício de uma ovelha ou cabra, e bolos de oferenda que podiam ser comprados na entrada (o preço mínimo para os menos ricos) antes que os buscadores pudessem entrar no templo e consultar o oráculo. O apetite por respostas pode ter sido aguçado pela jornada; é possível que a esperança por revelação tenha sido alimentada pela paisagem áspera e bela de outro mundo através da qual eles viajavam. Talvez parecesse uma habitação adequada para os deuses. 
 
Ao chegar ao santuário de Apolo, fomos recebidos por uma garoa fria e partimos em busca de roupas extras em lojas turísticas fora de temporada que ofereciam roupas de esqui de grife e camisetas de manga curta com os dizeres "Bem-vindo a Delfos". Então nos demoramos num café a saborear chá, usar o banheiro e adicionar camadas extras. O preço do chá  três vezes o normal  condizia com uma tradição consagrada de enganar os peregrinos: os antigos também eram cobrados a mais pelos bolos de oferenda. Em alguns lugares, chegar como um estranho pode parecer inautêntico, como um intruso cuja presença estraga o que eles vêem. Mas Delfos sempre foi sobre visitantes. E o santuário sempre parece ter lucrado bem; tem havido aqui uma indústria turística durante quase 3.000 anos. 
 
Em relatos tradicionais, as respostas do oráculo, sempre em verso, são enigmáticas. O exemplo mais famoso é Creso, rei da Lídia, a quem foi dito que se ele começasse uma guerra que estava planejando na Pérsia, ele destruiria um grande reino. Encorajado, ele foi em frente, mas o reino destruído era o seu. Em outros casos, o sucesso foi aparentemente alcançado a um custo. Como o historiador H.W. Parke em seu livro Greek Oracles resume o processo: "O líder de uma expedição pede sucesso e este é prometido em frases ambíguas que, embora cumpridas em última instância, levam primeiro a mal-entendidos e decepções." 
 
Apesar dos benefícios ambíguos, os visitantes pagavam muito pelo serviço. Delfos eram uma influência poderosa na política grega; talvez fosse importante manter boas relações com Delfos. Espólios de guerra eram frequentemente apresentados ao oráculo, e as antigas cidades-estado da Grécia parecem ter competido na oferta de estátuas ou na construção de arcos, colunatas ou edifícios inteiros como gestos de agradecimento e orgulho cívico. Enquanto subíamos a colina íngreme da entrada do santuário em direção ao templo, seguidos por dois grandes grupos de turistas que tinham acabado de chegar de ônibus, passamos por um monumento após o outro. Em seu estado de ruína, as pedras cinzentas pareciam de bom gosto e atmosféricas; quando novas e pintadas em cores vivas, como deveriam ser, elas podem ter parecido extravagantes e autopromocionais como barracas rivais em uma feira comercial. Ao nosso redor, os visitantes examinavam os restos atentamente, como se — como os antigos — buscassem a resposta para perguntas candentes. Eu me perguntei se eles estavam encontrando sabedoria antiga ou viam apenas a loucura do interesse pessoal. 
 
Maquete do Santuario de Delfos durante a antiguidade

 
Estamos lembrados da importância do louro ² em Delfos por inúmeras referências desde todo o período da antiguidade. Na peça de Eurípides, Íon varre o santuário com folhagens dos "sagrados e imortais bosques de louros", e a visitante Creusa decora os altares com ramos de louro. O fogo eterno dentro do templo era alimentado com pinho e louro. Pinturas em vasos mostram Orestes sendo limpo da culpa de sangue com uma varinha de louro. Parke menciona referências do século V a.C. a profetas ou poetas mastigando folhas de louro para obter inspiração, e no século II d.C. textos contam que a Pítia, a profetisa de Delfos, fez isso. Textos posteriores também registraram uma tradição de que o primeiro templo de Apolo em Delfos foi feito de louro. Lemos que o consulente era purificado com água da fonte sagrada próxima, a Fonte de Castália ³, que também tinha sua própria árvore especial e a base de uma estátua de Gea , deusa da Terra, sugerindo que era o local de atividade religiosa anterior. A Pítia, que não é mencionada no Hino homérico a Apolo, mas é bem atestada, proferiu suas profecias em um estado de transe, sentada em um tripé no templo de Apolo, usando uma coroa de louros e sacudindo um louro. (De acordo com escritores helenísticos posteriores, o tripé ficava sobre um abismo cujos vapores subiam para inspirá-la.) Os sacerdotes posteriormente traduziam seus gritos em versos hexâmetros que apresentavam ao visitante, que também devia ser varão. Os textos mencionam não apenas a Pítia, sempre uma mulher de hábitos puros com mais de 50 anos, que era a médium e porta-voz de Apolo (no auge da atividade do oráculo, esse papel era cumprido por três mulheres se revezando). Há também uma figura mais marginal, uma Sibila, ligada na lenda a uma rocha na qual ela ficava para cantar profecias. H.W. Parke sugere que os oráculos sibilinos foram produzidos pela primeira vez no final do século VII a.C.; ele traça sua origem até a Ásia Menor Helênica. 
 
Fonte de Castália do período arcaico, na garganta entre os Shining Rocks de Delfos (veja foto abaixo)
 
Embora os arqueólogos não tenham encontrado nenhum grande abismo sob o templo de Delfos, ele é recorrente em contos sobre a história inicial do oráculo. Em uma dessas histórias contada por Diodorus Siculus (XVI, 26) perto do início da era cristã, o local foi descoberto por um pastor de cabras que percebeu que seus animais faziam sons e movimentos estranhos quando se aproximavam do abismo. Essa história me lembra dos relatos do comportamento estranho dos animais que identificavam as milagrosas árvores de Maria nos tempos medievais no outro extremo da Europa. Nesse caso, o pastor de cabras e outras pessoas que se aproximaram do abismo foram tomados por um frenesi profético e previram o futuro. No entanto, depois que alguns deles caíram e morreram, a história narra que uma pitonisa foi escolhida para sentar-se sobre o abismo na segurança de um tripé. 
 
Sacerdotisa de Apolo por John Collier (1891)
 
Essas tradições levantam certos temas. O mundo natural — incluindo fontes, rochas, abismos, cabras e, especialmente, o louro ou a árvore de louro — desempenhou um papel fundamental no processo de profecia; durante o período para o qual há registros textuais, uma mulher era central para o processo; e há uma ligação com estados alterados ou em êxtase, já que a Pítia profetizava em transe. Tudo isso parece ter mais em comum com as tradições religiosas da Creta pré-histórica do que com a instituição que Delfos se tornaram. Neste ponto, outro tema talvez seja crucial para explicar a disparidade: a tradição recorrente de que Apolo assumiu o local do oráculo de um ocupante anterior. Isso seria consistente com o quadro arqueológico: Nicolas Coldstream, em seu livro Geometric Greece, cita nada menos que cinco locais principais, incluindo Delfos, onde um santuário parece ter mudado de mãos de uma deusa para um deus durante a "idade das trevas". Uma tradição afirma que em Delfos o oráculo pertencia originalmente à Gea (deusa da Terra) e a Poseidon, que o passaram a Apolo como presente ou permuta. Na história citada acima, os pastores foram os primeiros descobridores e fundadores do local. A história mais antiga, de Apolo derrotando um dragão Python residente para ganhar o lugar (citada no Capítulo Um), é tomada por alguns estudiosos como simplesmente um mito simbolizando o triunfo de Apolo sobre o aspecto desordenado do cosmos. Outros acham que pode refletir um momento histórico quando um santuário como os de Creta foi substituído à força por algo novo. Certamente havia um extenso assentamento da Idade do Bronze no local, e nas proximidades parece ter havido um santuário da Idade do Bronze Tardio onde quase 200 pequenas estatuetas de terracota foram encontradas; Coldstream conclui que "É concebível que a deusa da Terra tivesse seu santuário original aqui". 
 
Tal mudança de propriedade poderia explicar algumas das contradições em Delfos. Também poderia explicar a vista que nos saudou na segunda curva da Via Sacra subindo a colina até o Templo. Ali, ao lado de um loureiro, ficava a Rocha da Sibila, parte de um círculo de pedras ásperas cercando uma fenda da qual brota um pequeno riacho. Este foi provisoriamente identificado como o sítio (ou um deles) do santuário e oráculo primitivo da Terra ou Gea-Themis , e foi tratado de forma muito arrogante pelos construtores posteriores. No início do século VI a.C., os habitantes da ilha de Naxos ergueram desrespeitosamente em cima de uma das pedras uma coluna extremamente alta encimada por uma esfinge (agora no museu) como um monumento de seu orgulho cívico e gratidão. Comprimindo o círculo do outro lado fica o Tesouro dos Atenienses, construído no início do século V a.C. com despojos de guerra para abrigar suas ofertas e restaurado no início do século XX. Mas o edifício que mais impacta drasticamente esse círculo de pedras é o próprio Templo de Apolo. Quando o Blue Guide afirma que parte do antigo santuário "foi destruída para dar lugar ao grande muro de contenção", ele pouco faz ao sugerir como o muro do terraço que sustentava o templo foi simplesmente derrubado, aparentemente com completo descaso, em cima da metade do antigo círculo de pedras. Como a casa de Dorothy em O Mágico de Oz, o Templo de Apolo parece ter caído com um baque, com um estrondo na área sagrada da bruxa malvada, e destruído a pedra dela. 
 
Talvez não tenha completamente destruído. Depois das críticas sobre o clima, a luta para se aquecer, os chás caros, o céu fortemente nublado bloqueando as tentativas de fotografia, as notas manchadas de chuva, a subida íngreme e os argumentos sobre que monumento era qual, a garoa agora engrossava. Cobertos com roupas impermeáveis, continuamos nossa peregrinação até a frente do próprio Templo de Apolo, e lá  aninhado sob o canto dele  estava outro loureiro. No centro da enorme ruína estava o 'Adyton' (o santuário interno ou 'proibido'), um pequeno espaço que abrigava o ônfalo ou 'pedra do umbigo' (agora no museu) e a própria Pítia. Ela era resguardada de alguma forma tanto do sacerdote quanto do peregrino enquanto se sentava no tripé, talvez mastigando as amargas folhas de louro. Amargura e ambivalência foram para mim a essência daquele dia em Delfos: a revelação que Delfos ofereceu foi de viver a vida com dificuldade e ainda continuar com a jornada. Mas, antes de partirmos, o sol saiu por alguns momentos enquanto se punha no oeste, e as enormes faces do penhasco das famosas Shining Rocks (Fedriádes, em grego), fazendo vista grossa ao santuário, de repente brilharam com um rosa magnífico. Apesar da preocupação do oráculo com riqueza, prestígio e poder político, Delfos permaneceram um lugar de inspiração na antiguidade clássica? A Pítia com seu transe relacionado ao louro tinha algo em comum com aquelas figuras femininas nos anéis da Idade do Bronze? As figuras anteriores dançavam em santuários de árvores, e seus gestos exuberantes foram consideradas como parte de rituais da natureza induzidos pelo transe; não temos como saber se elas também podem ter feito profecias. Eles pareciam dançar livremente, mas a Pítia estava sentada confinada em seu tripé, assim como o famoso lema de Delfos "Nada em excesso" (μηδέν άγαν, em grego) entra em conflito com os elementos extáticos da religião minóica, que sempre me pareceram mais em sintonia com o ditado de William Blake de que "O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria".
 
Dois penhascos gigantescos no sopé do Monte Parnaso - Phaidriádes (Shining Rocks)


Contudo, apesar das diferenças, e apesar do fato de que o elo com a árvore e a tradição profética não pode ser rastreado no material pré-histórico do sítio, o oráculo de Delfos parece representar algum tipo de paralelo com as árvores sagradas da Idade do Bronze. Ele esteve ativo por um período de tempo incrível. Delfos estava evidentemente funcionando de cerca de 800 a.C. até a antiguidade tardia. No século III d.C., apenas pessoas locais ainda estavam interessadas no culto, e o interesse internacional estava confinado ao turismo; após um período de declínio de prestígio, o oráculo foi finalmente abolido pelo imperador romano Teodósio no final do século IV d.C. Então durou bem mais de 1000 anos. 
 
Encontrei uma tradição ainda mais tenaz quando comecei a pesquisar o oráculo que era o principal rival de Delfos no mundo antigo: o carvalho profético sagrado em Dodona. 
 
A Longevidade do Carvalho Oracular 
 
Dodona fica na região de Epiro, no norte da Grécia. Quando o famoso oráculo da árvore realmente começou a funcionar? Nenhum material neolítico foi encontrado no sítio, e ele foi separado do sul da Grécia durante os estágios iniciais da Idade do Bronze, até cerca do século XVI-XV a.C. Os primeiros achados datáveis ​​do sítio são cerâmica e armas de bronze que podem ser do século XV. Alguns pensam que o culto a Zeus chegou à Grécia com invasores do norte no curso da Idade do Bronze. O escavador mais recente, Sotírios Dákaris, acredita que um estrato anterior sugere o culto de uma deusa da Terra que se tornou uma parceira do novo deus masculino, mas ele não oferece — e eu não encontrei — nenhuma evidência para apoiar isso. A evidência para o papel da árvore não é encontrada até mais tarde, nos textos de Homero da Idade do Ferro Inicial, Hesíodo e os Hinos Homéricos, conforme descrito no Capítulo Um. 
 
Contudo, a insistência da tradição dos antigos que liga Dodona aos Pelasgos, considerados por eles como os primeiros habitantes da Grécia, é algo que enfatiza sua grande idade, e o fato de que, de Homero em diante, haja a referência explícita à árvore sagrada, pode ser tomado como dando ao carvalho profético aqui uma história inicial mais forte do que o loureiro de Delfos. Assim, o historiador grego Heródoto no século V afirma, no seu livro Histórias, 2.52, sua crença de que o oráculo pelasgo em Dodona era "o oráculo mais antigo da Grécia". Ele relata uma lenda sobre sua fundação por uma mulher sagrada do Egito: "Duas pombas negras voaram para longe de Tebas, no Egito. Uma voou para a Líbia, enquanto a outra veio para Dodona. Ela pousou em um carvalho e  empoleirada ali  começou a falar com voz humana, e disse a eles que naquele lugar um oráculo de Zeus deveria ser fundado. Heródoto racionaliza a história sugerindo que os dodonianos chamavam as profetisas de pombas porque sua fala estrangeira soava como o canto dos pássaros, e que depois que elas aprenderam grego, soou como a fala humana. 
 
Evidência de escavação no sítio não confirmaram a ligação entre Dodona e Tebas egípcia, mas a presença de três sacerdotisas ligadas de alguma forma a pombas e na verdade chamadas de Peleiades (pombas) é confirmada pela evidência em primeira mão de Heródoto: no tempo dele, três mulheres com esse título estavam dando profecias no local e ele menciona tê-las encontrado e conversado com elas. Sotírios Dákaris em seu livreto "Dodona" especula que "elas tinham sido originalmente conectadas com o culto da deusa da fertilidade, cujo símbolo era uma pomba, ou três pombas, e que se manifestava, como em tempos históricos, na forma de uma pomba, que também era o símbolo de Afrodite". O que podemos dizer com certeza é que os elementos de pássaro, árvore e sacerdotisas eram todos muito significativos também na religião da Creta minóica no segundo milênio a.C. Que conexão pode ter havido  se for o caso  para unir a considerável distância cronológica e geográfica entre Creta e o norte da Grécia, entre a Idade do Bronze e a Idade do Ferro Inicial, permanece uma questão em aberto. Em todo caso, Dodona parece ser a árvore sagrada que, olhando para trás do período histórico da antiguidade grega, pode reivindicar a tradição mais antiga e mais forte. É também o sítio do oráculo da árvore que durou mais tempo. 
 
No início, o culto era centrado na própria árvore, e isso continuou por muitos séculos. Desenhos reconstruídos mostram o layout posterior com um pequeno templo próximo à árvore em um pequeno recinto (aproximadamente 20 m x 20 m) do século IV a.C. em diante (veja a Fig. 34, que se parece muito com o recinto da igreja atual perto da primeira árvore sagrada que vimos em Creta). Durante o período da antiguidade, outras estruturas foram construídas agrupadas ao redor do santuário da árvore, incluindo um grande Bouleutêrion (Salão do Conselho) no final do século IV ou início do século III a.C., um teatro que podia acomodar 17.000 pessoas no século III a.C. e vários templos. O edifício de culto ao redor da própria árvore oracular tornou-se progressivamente mais monumental e dominante. O local perdurou até o período romano. No século V d.C., uma basílica cristã foi construída sobre o topo de dois dos templos e em 431 d.C. Dodona enviou um bispo ao Concílio de Éfeso. Apesar de várias destruições, o local teve uma longa vida arquitetônica. Inscrições oraculares gravadas em pequenas folhas de chumbo foram importantes inicialmente para ajudar os arqueólogos a identificar o sítio. Uma inscrição de chumbo do início do século III a.C. menciona Zeus, Dione e Themis como divindades residentes, mostrando que o rei dos deuses tinha duas colegas. Apolo, Hércules e Afrodite também aparecem no local. Autores helenísticos sabiam do santuário: Apolônio de Rodes em seu poema do século III a.C. "Jasão e os Argonautas" incorpora a tradição de que seu navio, o Argo, tinha embutida no seu casco uma viga sagrada extraída do carvalho de Dodona, que falava com eles. E na antiguidade tardia, várias das histórias de Pausânias incluem relatos de profecias de Dodona; sua referência a pombas e a declaração explícita de que as profecias foram feitas a partir do carvalho, mostram que no século II d.C. os elementos naturais no processo não foram esquecidos. No final do século IV d.C., a árvore oracular foi cortada e arrancada, deixando um enorme buraco para ser encontrado pelos escavadores. 
 
A construção da Basílica Cristã no exato sítio dos templos anteriores em Dodona sugere uma intenção consciente de substituir um pelo outro. Sotírios Dákaris conclui que o culto ao carvalho sagrado foi praticado a céu aberto desde o período pré-histórico até o final do século V d.C., um período de 2.000 anos. Embora as datas precisas de início e fim do uso do oráculo da árvore sejam discutíveis, para mim este local de carvalho sagrado é o que ganha o prêmio de longevidade. E ainda há um problema. Parke comenta que "O carvalho de Dodona tem suas analogias mais próximas não tanto na Grécia quanto na Itália e ainda mais em partes tão distantes do norte da Europa como a Prússia pagã", onde um deus do céu é adorado em um carvalho e as analogias mais próximas para as práticas de culto dos Selli (mencionadas no Capítulo Um) podem ser encontradas. Eu também me pergunto se o costume de escrever em tábuas de chumbo pode estar relacionado ao costume do norte da Europa de adivinhação com runas em galhos. No geral, parece que, embora Dodona tenha se juntado ao mundo grego, ela pode não ter pertencido originalmente à mesma tradição que as outras árvores sagradas da Grécia. 
 
Árvores Sagradas Gregas e Galhos Visionários 
 
Para muitos outros exemplos de árvores sagradas ligadas a deusas  e deuses  que sobreviveram na Grécia até a época do Império Romano, podemos recorrer ao escritor de viagens grego Pausânias, em seu livro Descrição da Grécia. Em suas viagens no século II d.C., ele encontrou árvores associadas ao culto de várias divindades, especialmente Deméter e Perséfone, e deixou descrições detalhadas: "Atrás deste templo há um bosque de árvores  não grande  cercado por um muro. É proibido entrar dentro do muro, e na frente dele há estátuas de Deméter e sua Filha com cerca de um metro de altura. Dentro do recinto dessas Grandes Deusas há também um santuário de Afrodite. E na frente da entrada há antigas imagens de madeira de Hera, Apolo e as Musas..." Foi assim que Pausânias descreveu o santuário de Deméter e Perséfone que ele viu em Megalópolis durante suas viagens na Arcádia. Somente nesta área da Grécia ele registrou vários desses santuários. Um pouco mais longe de Megalópolis, ele encontrou outro templo e bosque de Deméter, aqui conhecido como ‘no-Pântano’; somente mulheres tinham permissão para entrar. Um pouco mais longe, ele encontrou um santuário de Deméter ‘Fúria’ em Onkeium. 
 
Outras divindades também tinham bosques dedicados a elas. Somente na área da Fócida , Pausânias visitou um bosque sagrado de Atena, um dedicado a Ártemis e um dos "Deuses Amáveis". Outras divindades também tinham bosques dedicados a elas. Nosso senso do que era importante na religião grega é afetado pelo que sobreviveu: muitos templos ainda estão de pé de alguma forma, mas as árvores já se foram há muito tempo, então não podemos ver a relação entre bosque e templo. No santuário de Zeus em Nemea, escavadores encontraram os "poços de plantio" para o bosque sagrado de ciprestes ao lado do templo (mencionado por Pausânias). Os ciprestes recentemente replantados nos mesmos poços dão uma ideia de como as árvores graciosas podem ter competido com o templo pela glória do lugar. 
 
Há um padrão que emerge com muitos dos santuários que Pausânias descreve. Ele afirma que eles abriam para seus festivais apenas uma ou duas vezes por ano, e geralmente estavam longe de áreas habitadas, em uma montanha ou em algum outro sítio com características naturais especiais. Assim como em Delfos, visitá-los frequentemente exigia uma procissão ou jornada. Isso se somava a uma grande diferença na organização da experiência religiosa na antiguidade do que conhecemos no mundo ocidental hoje. Neste caso, geralmente, uma igreja é um edifício situado no centro de uma povoação e visitado pelos devotos toda semana. Ela fornece um centro social, servindo para reforçar uma comunidade e seus valores. Os gregos antigos tinham santuários com uma função semelhante a esta, como aqueles na acrópole em Atenas, mas também conheciam uma tradição diferente: a de deixar que o devoto fosse encontrar o divino. A palavra "peregrinação" soa muito especializada para o que parece ter sido um elemento-chave na experiência religiosa: o devoto viaja, escala, vai para outra área, entra na natureza para encontrar sua magnificência em um lugar selvagem e inspirador. Em vez do compromisso regular de devoção em uma instituição perto de onde se mora, havia um calendário de diferentes festivais de várias divindades em santuários espalhados pela sua localidade e além. Alguém partia para outro mundo, tanto humano quanto divino. A experiência espiritual não consistia em consolidar certezas, mas estender limites e fazer contato, tanto com a natureza quanto  ao mesmo tempo  com outras comunidades. 
 
Lembrando como as pessoas viajavam de toda as ilhas para o dia do santo na árvore sagrada de Creta, e relembrando a experiência do festival da floresta em Pala, em Portugal, eu me perguntei se os santos ortodoxos e católicos locais do mundo mediterrâneo, com suas celebrações anuais em lugares especiais, estavam, em essência, continuando aquela tradição do mundo antigo, tão diferente do ethos da frequência regular à igreja aos domingos. 
 
O estudioso clássico Richard Buxton, discutindo o papel de lugares naturais como cavernas e montanhas, como aparecem no mito grego antigo, comentou sobre seu papel simbólico representando a "alteridade extracívica". Nas histórias, como talvez até certo ponto na vida na antiguidade grega — a relação entre ambas é complexa — uma montanha era um lugar para reversões do comportamento social normal: "Coisas normalmente separadas são reunidas, à medida que as distinções da cidade perdem força". Era também um lugar para a loucura e para a metamorfose: um local muito diferente para a experiência espiritual. 
 
Outra grande diferença entre a experiência grega antiga e a nossa está no horizonte temporal. Do nosso mundo de tecnologia em rápida mudança e modas culturais que se esgotam e são suplantadas ainda mais rápido do que o último modelo de computador, talvez seja difícil para nós entendermos ao longo de quantos anos as tradições poderiam sobreviver no mundo antigo. Quase 1.000 anos depois que os épicos homéricos foram escritos, Pausânias cita os poemas com familiaridade e deixa claro que um mito pode estar "em circulação por todo o mundo grego". Portanto, talvez não seja surpreendente aprender com ele que seus contemporâneos em Querônia adoravam o "cetro de Agamemnon", mantendo-o na casa de um padre por um ano de cada vez e fazendo sacrifícios para ele diariamente. Evidentemente, ainda havia crença no poder da vida vegetal. 
 
Às vezes, os rituais e histórias do século II d.C. que Pausânias descreve eram totalmente mágicos por natureza. No Monte Licaão, o sacerdote de Zeus usava orações e um galho de carvalho, baixado em uma fonte, para acabar com as secas. Em Citéron, um tronco de árvore — escolhido cuidadosamente de um bosque de carvalhos seguindo um presságio de pássaro — foi moldado em uma imagem para ser a "noiva" de Zeus. A história conta que, na origem, isso era um truque para tirar Hera de um mau humor. Colocando a imagem em uma carroça com uma mulher como "dama de honra", o povo local costumava levá-la ao pico do Monte Citéron e acender uma enorme fogueira. Pausânias também relata uma história de que, junto com o raio lançado na câmara nupcial de Sêmele, caiu do céu um tronco, que Polidoro decorou com bronze e chamou de Dionísio. Essas histórias podem refletir alguma memória de que as primeiras estátuas de divindades no período histórico eram feitas de madeira; historiadores da arte notaram como as primeiras estátuas de pedra do período Arcaico mostram uma certa rigidez e restrição, como se os artistas ainda não tivessem se ajustado ao fato de não estarem mais trabalhando com um tronco de árvore. 
 
Pausânias também conta a história sobre o tição dado pelas Parcas a Altéia. Esse tição estava vinculado à vida de seu filho Meléagro, que não morreria enquanto o tição não fosse consumido pelo fogo; mas ela o queimou em fúria e com o tição em brasas matou o filho quando ele poderia ter vivido para sempre. Temas da Primeira Idade do Ferro, como a conexão das árvores com os ciclos de nascimento e morte, são reafirmados. O Hino Homérico a Apolo conta como, em Delos, Leto deu à luz Apolo sob uma palmeira. Séculos depois, o tema do nascimento divino sob árvores ainda é atual, e Pausânias registra em seu Livro VII uma alegação dos sâmios de que Hera nasceu em Samos sob um salgueiro que, mesmo em seu tempo, crescia no Heraeum. Ele também descreve em seu Livro IX um santuário de Hermes na Beócia contendo os restos de um medronheiro (Arbutus Andrachne) sob o qual Hermes foi nutrido. Árvores também eram frequentemente localizadas em túmulos. Em Tebas, por exemplo, o túmulo de Menoekeus tinha uma árvore de romã crescendo nele. A oliveira sagrada de Atena na acrópole ficava ao lado do túmulo de Kekrops. O herói Alcmaeon tinha ao redor de seu túmulo ciprestes que, de acordo com Pausânias, o povo local não cortava porque acreditava que eram sagrados, chamando-os de "donzelas". Pausânias narra a história dos poetas de que nos tempos antigos as ninfas cresciam em árvores  especialmente carvalhos  e ele registrou que o povo de Tithorea alegou que sua cidade recebeu o nome de uma dessas ninfas. Novamente, o material é diverso e nem todo o simbolismo das árvores é feminino. 
 
É claro que na Grécia, no século II d.C., árvores sagradas, espíritos das árvores e divindades das árvores continuavam florescendo. Na Arcádia, Pausânias conhecia um carvalho sagrado para Pã, fora de Tegeia; e um plátano perto de uma fonte em Cafiae, que recebeu o nome do herói da Guerra de Tróia, Menelau, que se alegou ter sido plantado por ele. Comparando isso com outras árvores sagradas que já eram antigas em seu tempo, Pausânias menciona o salgueiro crescendo no santuário samiano de Hera como o mais antigo, seguido pelo carvalho em Dodona, a oliveira na acrópole em Atenas e a oliveira na ilha sagrada de Delos. Aqui, extraí apenas alguns dos livros de Pausânias, mas mesmo esta pequena amostra dá uma impressão de quão significativas eram as árvores nas práticas religiosas locais na Grécia na antiguidade tardia. E embora os livros de história muitas vezes sejam silenciosos sobre a importância desta vertente da religião popular, há imagens que contam a mesma história. 
 
A Fig. 35, por exemplo, é um relevo votivo que provavelmente ficava na vila de Herodes Ático, na área do Mosteiro de Loukou em Kynouria, no Peloponeso, no século II d.C. "A interpretação desta cena simbólica é obscura", dizia o rótulo ao lado da placa no Museu Arqueológico Nacional de Atenas. No entanto, com sua figura feminina sentada sob uma árvore, de frente para ela com uma tigela no colo, uma estátua feminina em menor escala de pé ao lado do tronco em uma base segurando uma cesta com oferendas e outra pequena figura realmente na árvore e tocando os galhos, que são decorados com uma fita ou filete, não parece precipitado interpretá-lo como alguma forma de culto à árvore. As palavras esculpidas ao redor da cena dão mais algumas pistas. EUTÊNIA esculpida na base da estátua significa "prosperidade"; EPÍKTESIS nas costas da cadeira da mulher sentada significa "aquisição adicional"; e ‘TELETÊ’ (‘rito’ ou ‘cerimônia’) gravado na frente do rosto da mulher, entre ela e os galhos, confirma a impressão de que a cena mostra um ritual focado em uma árvore, e projetado para trazer riqueza e prosperidade. 
 
Outros usos de árvores e vegetação continuaram. Pausânias registra em alguns lugares o uso de plantas e seus unguentos para cura, e seus escritos também deixam claro que o papel tradicional das árvores no acesso à cura e inspiração não foi esquecido. Em Arkadia (Livro VIII), Pausânias registra que entre os cineteus, não muito longe de sua cidade, havia uma fonte de água fria chamada Alisso, que tinha propriedades curativas e era conhecida como curadora da loucura, com um plátano acima dela: uma combinação familiar de árvore e fonte. As qualidades especiais do plátano aparecem em outra história, de Acaia (Livro VII), onde uma cidade é fundada como resultado da visão de um homem que experimentou um sonho enquanto dormia sob um plátano. Outros usos de árvores e vegetação continuaram. Pausânias registra em alguns lugares o uso de plantas e seus unguentos para cura, e seus escritos também deixam claro que o papel tradicional das árvores no acesso à cura e inspiração não foi esquecido. A conexão de Hesíodo com a vida vegetal é lembrada, enquanto Pausânias zomba de uma estátua em Argos mostrando Hesíodo com uma harpa: "não é uma coisa apropriada para Hesíodo carregar, pois seu próprio texto deixa claro que ele compôs com uma varinha de louro". (Confira o Capítulo Um, em que ele se mostra estar não só familiarizado com, mas também estar-se referindo à passagem da Teogonia sobre o processo criativo de Hesíodo). Ele também descreve uma pintura famosa em Delfos que inclui uma seção mostrando Orfeu, o cantor-poeta misticamente inspirado, segurando sua harpa na mão esquerda enquanto com a direita ele toca um salgueiro: 'São os galhos que ele toca, e ele está encostado na árvore.' Orfeu está segurando seus meios de criatividade, um em cada mão: harpa na esquerda, galho na direita. 
 
Os escritos de Pausânias mostram que no outro extremo do período da antiguidade grega, no século II d.C., algumas árvores especiais eram conhecidas individualmente e os cultos às árvores ainda floresciam.  
 
 
* Dra. Lucy Goodison é uma arqueóloga britânica que obteve seu PhD em Arqueologia Clássica na University College, Londres. Começou sua carreira escrevendo scripts para documentários televisivos, como diretora de documentários históricos e arqueológicos para "Chronicle" da BBC, quando se manteve interessada em filmes e artes, Sua carreira subsequente seguiu 3 principais trajetórias concorrentes e entrelaçadas: pesquisadora independente especializando-se no Mar Egeu pré-histórico e primitiva religião grega; como médica, apresentadora de workshop e instrutora de terapias corporais; e como ativista em campanhas comunitárias, especialmente saúde, saúde mental e deficiência. Essas diferentes vertentes de atividade influenciaram seus escritos, que vão de textos acadêmicos a jornalismo e livros para leitores leigos sobre terapia de autoajuda e questões simbólicas, somáticas e sociais.
 
 
II. NOTAS EXPLICATIVAS DO TRADUTOR
 
 
¹  A Tree Lady é um relato biográfico para crianças sobre a vida de Kate Sessions, "A Mãe do Balboa Park", em San Diego.

² De acordo com a mitologia grega, o louro era associado ao deus Apolo e simbolizava a vitória, o sucesso e a sabedoria. Apolo é sempre representado com uma coroa de folhas de louro, com uma luz irradiando dessa coroa, como o deus Sol. 

³ A Fonte de Castália, entre as Phaedríades em Delfos, é onde todos os visitantes de Delfos — os competidores nos Jogos Píticos e especialmente os peregrinos que vinham consultar o Oráculo de Delfos — paravam para se lavar e matar a sede; também é aqui que as Pítias e os sacerdotes se purificavam antes do processo de pronúncia do oráculo.


Gea (ou gê ou gaia), a Terra, segundo [BRANDÃO, 2023, 6ª reimpressão, 272], foi concebida como elemento primordial e deusa cósmica, diferenciando-se, assim, teoricamente de Deméter, a terra cultivada. Conforme Hesíodo, na Teogonia (116-122), Gea surgiu após o Caos. De sua união com Urano (o Céu), foi mãe dos Titãs e Titânidas, dos Cíclopes e dos Hecatonquiros.
Fonte: BRANDÃO, Junito de Souza: Dicionário Mítico-Etimológico, Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2023, 771 p (volume único).

Conforme [BRANDÃO, idem, 586], Thêmis é uma das Titânidas, filha de Gea e Urano. Apesar de ser uma Titânida, foi admitida entre os imortais do Olimpo, onde foi honrada e respeitada não só por sua ligação amorosa com Zeus, mas também pelos inúmeros serviços prestados aos deuses, no que se refere a leis, ritos e oráculos, sendo titular antiga do oráculo pítico. Senhora de capacidade profética, advertiu a Zeus e Posêidon que não se unissem à nereida Tétis, do contrário esta daria à luz um filho mais poderoso que o pai e, igualmente, advertiu a Atlas que um filho de Zeus  no caso, Hércules arrancaria os pomos de ouro do jardim das Hespérides. Como personificação da justiça ou Lei Eterna, aconselhou a Zeus, na luta contra os Gigantes, bem como teve a ideia de recomendar a Guerra de Tróia a fim de equilibrar a densidade demográfica da terra. 

Num trabalho anterior, tratei amplamente de uma viagem que fiz à Grécia em companhia de minha esposa, durante o outono de 2013. Ali relatei, em nossa 2ª excursão, entre outras coisas, minha passagem por Dodóni, município da região do Epiro (noroeste da Grécia), onde tive a oportunidade de visitar a antiga cidade de Dodona com o seu santuário de mesmo nome, sítio do mais antigo oráculo da Grécia. No trabalho apresentei minha tradução para trecho do capítulo 2 ("As vozes artificiais de Dodona") do livro The Mystery of the Oracles: the last Secrets of Antiquity, por Philipp Vandenberg, referente às Notas Explicativas # 5 e 6, abordando as razões para a decadência do santuário e muitas outras informações sobre o mais antigo oráculo dos Gregos.

Segundo Vandenberg, os Selli (Σελλοί) eram "sacerdotes excessivamente austeros de Dodona que viviam nas montanhas, aos quais era proibido lavar os pés e deviam dormir no chão". E continua: "Na época da guerra de Tróia, é provável que os sacerdotes Selli estivessem ainda em ação, pois na Ilíada se encontra a seguinte passagem:
    'Ó Zeus soberano, dodônio, pelásgico, que vives longe e governas a hibernal Dodona, cercado pelos teus profetas e Selli, que deixam seus pés sem lavar e se deitam no chão. Escutaste-me quando te supliquei antes, e mostraste-me tua consideração por mim golpeando terrivelmente o exército dos Aqueus. Atende-me ainda outro voto.' (Homero, Ilíada, XVI, 233-238)".

Na Grécia antiga, a Fócida era uma região na parte central, que incluía Delfos.
 
[BRANDÃO, ibidem, 42, verbete Altéia] registra que "uma tradição assevera que esse tição era um galho de oliveira a que Altéia deu à luz juntamente com o filho".
 

III. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
Apollonius of Rhodes, Jason and the Argonauts, trans. EV Rieu, Penguin Books, Harmondsworth, Middlesex, 1995 (first publ. 1959), 22–3 

Blake, William, ‘The Marriage of Heaven and Hell’ (etched c1793), in J Bronowski, ed, William Blake: A Selection of Poems and Letters, Penguin Books, Harmondsworth, Middlesex, 1973 (first publ. 1958), 93–109, here 96 

Blue Guide, see Robin Barber, Blue Guide: Greece, A & C Black, London and WW Norton, New York, 1990, 443–457 (Delphi), here 450 

Boetticher, Carl, Der Baumkultus der Hellenen, Weidmannsche Buchhandlung, Berlin, 1856 

Buxton, Richard, Imaginary Greece:The Contexts of Mythology, Cambridge University Press, 1994, 108, 91–2 

Coldstream, JN, Geometric Greece, Methuen, London, 1979, 329–331 (sanctuaries during ‘dark age’), 330 (prehistoric Delphi), 355 (‘crown of light’) 

Dákaris, Sotírios, Dodona, Archaeological Receipts Fund, Greece, 1993, 8, 9 

Eurípides, Ion, most accessible in Euripides, The Bacchae and Other Plays, trans. Philip Vellacott, Penguin Books, Harmondsworth, Middlesex, 1970 (first publ. 1954), 35–82 

Evans, Arthur J, The Mycenaean Tree and Pillar Cult and Its Mediterranean Relations, Macmillan, London, 1901, 203 

Frazer, James George, Pausanias’s Description of Greece, Vol. IV, Macmillan, London, 1998, 227 

Gordon, Richard, ‘Imagining Greek and Roman Magic’ in Valerie Flint, Richard Gordon, Georg Luck and Daniel Ogden, Witchcraft and Magic in Europe: Ancient Greece and Rome, The Athlone Press, London, 1999, 159–276, here 162 (decisions about religion being political), 228 (quoting Iamblichus) 

Hamilton, Mary, Greek Saints and Their Festivals, William Blackwood and Sons, Edinburgh and London, 1910, 35 (‘Phaneromeni’), 170 (Ithome), 202–5 (rags on trees) 

Herodotus on Dodona, see, most accessibly, Herodotus, The Histories, trans. George Rawlinson, Everyman, JM Dent, London and Charles E Tuttle,Vermont, 1992 (first publ. 1910), Book 2, Paragraphs 52–57 on 146–148 

Homeric Hymn to Apollo, lines 244–544; Homeric Hymn to Demeter, passim; both most accessible in Hesiod, the Homeric Hymns and Homerica, trans. HG Evelyn-White, Loeb Classical Library, Heinemann, London and Harvard University Press, MA, 1982 (first publ. 1914) 

Nilsson, Martin P, The Minoan-Mycenaean Religion and its Survival in Greek Religion, CWK Gleerup, Lund, 1950 (first publ. 1927), 305–6 and 466–7 (prehistoric Delphi), 523–532 (Ariadne and Helen), 527 (death of Ariadne), 623–9 (sea journey to Elysium) 

Parke, HW, Greek Oracles, Hutchinson University Library, London, 1967, 19, 21, 73–4, 75, 77, 80, 82, 84 

_________, The Oracles of Zeus, Basil Blackwell, Oxford, 1967 

_________, Sibyls and Sibylline Prophecy in Classical Antiquity, ed Brian C McGing, Routledge, London, 1988 

Parke, HW and DE Wormell, The Delphic Oracle, Blackwell, Oxford, 1956 

Pausânias, most accessible in the Loeb Classical Library Editions: Pausânias: Description of Greece, books I-X 

Persson, AW, The Religion of Greece in Prehistoric Times, University of California Press, Berkeley and Los Angeles, 1942, 85 (boat of setting sun) 

Psilakis, Nikos, Monasteries and Byzantine Memories of Crete, Editions Karmanor, Heraklion, 1994, 34–8 (Angarathos monastery) 

Warren, Peter, ‘Tree Cult in Contemporary Crete’, in Loibe: In Memory of Andrea G Kalokairinou, Society of Historical Cretan Studies, Heraklion, 1994, 261–278, here 273–5

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

MANÓLIS ANDRÓNIKOS: ARQUEÓLOGO NACIONAL DA GRÉCIA

Por Arna Elozović *
Tradução do inglês por Francisco José dos Santos Braga 
Este artigo explora cinco temas por meio de uma análise minuciosa de um único indivíduo, Manólis Andrónikos, conhecido como “Arqueólogo Nacional da Grécia. Os cinco temas explorados são: o processo de criação de um estado territorial; o papel essencial das potências externas; construção de uma infraestrutura; combinação de uma monarquia com governo participativo; e, finalmente, superação do regionalismo para estimular a centralização. O artigo é uma exploração da identidade examinando como a descoberta de tumbas não saqueadas por Manólis Andrónikos na vila de Vergina transformou a identidade grega ao incorporar o Norte da Grécia, especificamente a Macedônia, na consciência nacional. Andrónikos concluiu que os artefatos arqueológicos em pelo menos uma tumba [por exemplo, ossos humanos em um lárnaque (caixa ou cofre) de ouro maciço], pertenciam a Filipe II, pai de Alexandre, o Grande, do século IV a.C. O propósito do ensaio não é provar ou refutar a validade da alegação; em vez disso, é examinar o impacto do trabalho arqueológico de Andrónikos e como ele, como pessoa, cientista e historiador, transformou a identidade grega moderna ao interpretar as evidências e, ao fazê-lo, vinculou o moderno estado-nação da Grécia ao seu antigo e glorioso passado.  

Lárnaque feito de ouro, com um sol na tampa, encontrado por Andrónikos em Vergina, no norte da Grécia, do século IV a.C. - Crédito: https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%A1rnaque

 

A identidade nacional muda ao longo do tempo. A identidade nacional da Grécia é um desenvolvimento recente que ocorreu nos últimos dois séculos, em oposição aos últimos três a quatro milênios, que é a amplitude e o escopo completos da história grega. A arqueologia moderna influenciou a criação do estado-nação grego; muitas vezes essa identidade nacional, apoiada por descobertas arqueológicas, se estende ao reino do sonho e da imaginação, na medida em que conclusões são tiradas sobre um passado distante quando eventos ocorreram em um calendário diferente e as pessoas que participaram desses eventos estão há muito tempo mortas. Assim, um “passado histórico nacional” pode ser provado ou refutado pela descoberta de artefatos e tesouros, mas a prova está na interpretação. E a interpretação requer tanto ter-se a capacidade analítica para colocar as descobertas arqueológicas dentro de uma estrutura conhecida, quanto a imaginação para entender e identificar as grandes lacunas de conhecimento naquela estrutura. Independente de um sítio ou evento poder ou não ser ancorado a uma data específica, de acordo com as convenções do calendário moderno, o impacto desse passado “imaginado” — um passado que não pode ser revivido, mas apenas interpretado — não pode ser apagado depois de transmitido. 
 
Essa reimaginação do passado é exatamente o que aconteceu com dois pequenos ‘povoados’ na Macedônia, Koutles e Barbes, em duas grandes ocasiões. A primeira foi em 1922, quando os povoados foram “elevados ao status de vila com o advento dos refugiados dos Pontos... Foi então que esse novo assentamento adquiriu o nome que tem hoje” ¹, Vergina. E então Vergina foi reimaginada por um arqueólogo grego, Manólis Andrónikos, cuja descoberta impressionante dos túmulos reais e seus conteúdos intocados por ladrões capturou não apenas a imaginação nacional grega, mas também a atenção dos países vizinhos da Grécia e de todo o mundo. Desde a descoberta inicial de Andrónikos em 1977, a escavação arqueológica e o subsequente monumento/museu em Vergina se tornaram um patrimônio mundial da UNESCO com cerca de 300.000 visitantes por ano. ² Mais importante: Vergina se tornou a pedra angular para uma incorporação política e étnica da Macedônia helenística na identidade nacional grega. 
 
Com suas descobertas em Vergina, Andrónikos deu à Grécia o direito a uma reivindicação que excedia a jurisdição territorial da Grécia; por causa de suas descobertas em Vergina, a Grécia retratou a Macedônia como grega na língua e na cultura, pelo menos desde o século IV a.C. Contudo, a reivindicação não foi sem argumentos, dada a histórica disputa de poder na região pelas férteis planícies, rios e recursos. A Macedônia tem feito parte da Grécia desde o Tratado de Bucareste de 1913, mas neste caso a identidade vai além das fronteiras. O emblema mais notável e contestado da identidade nacional foi a estrela de dezesseis pontas ou sol descoberto na tampa de um lárnaque (caixa ou cofre) de ouro no Túmulo II de Vergina. O lárnaque, uma caixa feita de ouro pesando 7.790 gramas e medindo 0,409 x 0,341 x 0,017 metros, continha os ossos de uma pessoa falecida. Esses ossos foram queimados e coloridos de um azul escuro  especialmente o crânio  por terem sido lavados em vinho e/ou envoltos em pano roxo. ³ Esses são os ossos que Manólis Andrónikos afirmou pertencer a Filipe II, Rei da Macedônia, que governou de 359 a 336 a.C., o mesmo Filipe que uniu a Macedônia com a intenção de invadir a Ásia, mas nunca atingiu seu objetivo porque foi assassinado em 336 a.C. em um teatro público. Isso deixou seu filho e herdeiro, Alexandre III, ampliar o território macedônico de modo a criar um império helenístico que chegava até à Índia; e por essa conquista, Alexandre ficou conhecido simplesmente como O Grande
 
O conflito moderno entre a Grécia e a Ex-República Iugoslava da Macedônia (FYROM-Former Yugoslav Republic of Macedonia) acerca de um emblema (ou seja, a estrela de Vergina) pode parecer um pouco absurdo se ignorarmos o contexto histórico do argumento, tanto no passado distante quanto no mais recente. A estrela de dezesseis pontas é mais do que uma bandeira; é um símbolo. A Macedônia — a região e até mesmo o próprio nome — tem sido contestada como território e tem tido uma identidade étnica mista por um longo tempo. Mesmo no século IV a.C., Filipe II teve dificuldades em consolidar os territórios que compunham a Macedônia; ele teve que tomar medidas militares e fazer vários casamentos políticos; felizmente para ele, a poligamia não era um problema. Nos dias modernos, houve três períodos principais que tornaram a Grécia sensível a qualquer reivindicação de herança macedônica pela FYROM. Primeiro, após as Guerras dos Bálcãs de 1912-1913, a Macedônia se tornou parte da Grécia, mas após a desastrosa campanha da Grécia contra a Turquia em 1920-22 e como parte da subsequente troca populacional entre a Grécia e a Turquia, um total de 1.100.000 gregos da Ásia Menor (Turquia) foram reassentados na Macedônia, Trácia e outras partes da Grécia, enquanto aproximadamente 380.000 muçulmanos na Grécia foram enviados para viver na Turquia. Outros 100.000 refugiados gregos vieram para a Grécia a partir da Rússia revolucionária e da Bulgária. Todos eles tinham memórias de longa data da revolta, mas primeiramente o fluxo de refugiados mudou a composição étnica da população da Macedônia para que a maioria fosse grega Em segundo lugar, a Macedônia sofreu sob uma ocupação brutal durante a Segunda Guerra Mundial pelos búlgaros. E terceiro, os comunistas gregos, fugindo do governo de direita durante a guerra civil em 1949, mudaram-se para o norte e clamaram por autodeterminação para os macedônios eslavos enquanto caminhavam.
 
Se a Grécia tem algumas razões históricas para ser exigente, os macedônios de língua eslava, um povo há muito pisoteado, têm a necessidade de ter uma conexão com um passado glorioso, seja ou não parte da própria herança étnica. Esse elo — com a glória da consolidação da Macedônia por Filipe II e a subsequente conquista e estabelecimento de um império por seu filho — é parte do passado imaginado que as pessoas modernas buscam encontrar para alcançar um lugar dentro da estrutura histórica em que todos nós vivemos. O argumento entre a Grécia e a FYROM tem sido significativo porque envolve mais do que território; é de identidade que se trata. A Grécia reivindicou uma patente internacional para a estrela de Vergina em 1995; no mesmo ano, a Grécia se recusou a enviar representantes para comemorar o Holocausto em Auschwitz porque na cerimônia haveria uma delegação da FYROM com sua bandeira nacional, apresentando a mesma estrela.
 
Tais ações são uma boa maneira de ser insultado no cenário internacional e a Grécia perdeu alguma credibilidade sobre sua reação à FYROM. No entanto, foi aí que Manólis Andrónikos entrou em cena, fornecendo provas do Helenismo da Macedônia. Seu sonho de encontrar uma tumba não saqueada, sua intuição nascida de uma longa experiência de escavação no local e o apoio financeiro do governo grego, uma vez que a descoberta foi feita colocaram-no na categoria de arqueólogo superstar, um status que poucos acadêmicos alcançarão. Tornar seu sonho realidade foi uma conquista de pelo menos vinte e cinco anos em construção.  Hamilákis, em seu livro The Nation and its Ruins, escreveu: se a antiguidade da Grécia opera como uma religião nacional secular, então Andrónikos pode ser visto como um grande xamã dessa religião¹ Assim, um breve resumo dessa vida é necessário para definir o contexto do seu sonho e como ele ajudou a mudar a identidade do estado-nação grego.
 
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Nascido na atual Bursa, Turquia, em 1919, Andrónikos escapou da devastação da guerra (por exemplo, a destruição de Esmirna) com sua família e foi reassentado em Salônica (ou Thessaloníki) em 1922. Lá, ele viveu na cidade, à sombra de marcos, estudando humanidades na escola com um currículo completo de grego antigo e moderno, latim, arqueologia e estudos folclóricos. Ele foi para Vergina pela primeira vez em 1937, estudando e trabalhando sob a tutela de Konstantínos Romaios, professor de arqueologia, que já estava escavando no sítio de Vergina. ¹¹ Então veio a Segunda Guerra Mundial. Andrónikos usou uma nomeação para lecionar na Trácia para escapar da Grécia ocupada. Ele se juntou aos combatentes da resistência no Oriente Médio e, após o fim da guerra, retornou ao seu país. Ele fez exames para o Serviço Arqueológico Nacional e foi aprovado. Em 1947, ele se tornou curador da região que incluía Vergina. ¹² Ele escavou pela primeira vez a ‘Megáli Toúmba’ em 1952 ¹³, mas não teve sucesso em sua tentativa. Ele então obteve seu doutorado e estudou por dois anos em Oxford. Ele se tornou professor titular na Universidade Aristotélica de Thessaloníki em 1961, fazendo mais duas tentativas em 1961 e 1962 no local. As publicações de Andrónikos durante a ditadura militar entre 1967 e 1974 expressaram resistência sutil contra o governo. ¹ Após o fim da ditadura em 1974, ele retornou a Vergina em 1976, desta vez com financiamento da Universidade de Thessaloníki. 
 
Andrónikos disse sobre sua escavação de 1976, antes de sua descoberta das Tumbas Reais: “Comecei a sonhar em ter a sorte de encontrar a primeira tumba macedônica não saqueada, um golpe de sorte que todo arqueólogo desejaria ter.” ¹ Seu objetivo no trabalho em Vergina era “desde o início, a tumba para a qual o Grande Túmulo foi construído.” ¹ O Grande Túmulo era um vasto monte de terra cobrindo as tumbas, que Andrónikos escavou. Hamilákis explicou que sonhar era uma parte real do processo de descoberta para Andrónikos, fosse o sonho dele ou os sonhos de seus colaboradores. Andrónikos mencionou em seus escritos sonhar com a escavação em duas ocasiões particulares (e marcantes). A primeira quando um capataz desenhou uma tumba com uma câmara principal e antecâmara, antes de sua descoberta, com base no que ele havia sonhado na noite anterior. Andrónikos disse que ele próprio não viu um sonho tão bonito na época, mas que “parecia que eu estava esperando para vê-lo à luz do dia”. ¹ Ele subscreveu a crença de que as pessoas simples (por exemplo, os não-arqueólogos sem instrução) tinham uma melhor compreensão da verdade, quase como se estivessem se baseando em algum tipo de memória cultural genética herdada. Um segundo exemplo da importância que Andrónikos dava aos sonhos foi baseado em uma carta que ele recebeu de uma mulher americana descrevendo seu sonho da descoberta como o túmulo de Filipe II. ¹ Andrónikos escreveu sobre esse sonho de mulher em uma publicação posterior, notando sua surpresa de que a carta dela foi enviada antes que ele fizesse seus anúncios oficiais e antes que ele encontrasse o segundo esqueleto, fato que a mulher não poderia ter ficado sabendo através de jornais. Hamilákis diz: “Andrónikos acreditava na habilidade de pessoas ‘simples’... de se comunicar com os mortos mais diretamente, e parecia-lhe que talvez sonhar fosse uma maneira pela qual essa verdade era revelada a elas.¹
 
Manólis Andrónikos (1919-1992) notabilizou-se pela descoberta do túmulo de Filipe II da Macedônia.

 
As descrições de Andrónikos sobre a descoberta da tumba são extraordinárias de várias maneiras; ele publicou cedo e para um público amplo. A rapidez com que ele atrai o leitor e sua excitação demonstram quase uma sensação de inevitabilidade da descoberta. Ele tentou restringir a esperança de boa sorte que se esconde por trás de alguns dos aspectos mais técnicos de seu relatório, mas, como leitores, temos o benefício de saber o resultado com antecedência. Andrónikos decidiu que a “vasta área coberta pelo Cemitério dos Túmulos e a vasta riqueza que se acumulou ali por um longo período não eram mais um quebra-cabeça², com base em suas descobertas anteriores de estelas quebradas encontradas no Grande Túmulo e na conclusão do trabalho de N.G.L. Hammond sobre História da Macedônia de que Edessa e Aigai eram cidades separadas. Esses pontos-chave levaram Andrônico a continuar com a escavação: Vergina era Aigai, a antiga capital da Macedônia e, portanto, ele concluiu que o Túmulo cobria tumbas reais. 
 
Na temporada seguinte, em 1977, Andrónikos provou que essas teorias estavam corretas. Ele estava cavando várias trincheiras sem sucesso quando “reabriu uma nova trincheira do sudoeste... e encontrou uma parede estranha construída de tijolos”. ²¹ Escavações posteriores levaram a ossos queimados, cinzas, recipientes para ritos em homenagem aos mortos, incluindo pratos de peixe e “saleiros” e, finalmente, a superfície superior de uma parede. Uma segunda parede foi descoberta e, em seguida, “blocos de calcário alongados... cobrindo uma tumba subterrânea retangular”. Assim que ele e sua equipe desenterraram o teto da tumba, ficaram emocionados ao ver que estava coberto com uma camada sólida de estuque. ²² O trabalho continuou em ritmo acelerado: eles descobriram três edifícios, dois deles tumbas, o outro um heróon, um santuário dedicado à adoração dos mortos, seja uma ou mais pessoas. ²³
 
O primeiro túmulo em que entraram havia sido saqueado, mas em três paredes havia um friso estreito e, mais surpreendentemente, acima do friso, uma pintura retratando o Rapto de Perséfone por Hades (correspondendo na mitologia romana ao Rapto de Prosérpina por Plutão). Eles então começaram a trabalhar na escavação do segundo túmulo, e novamente acima do friso havia uma pintura, esta que Andrónikos descreveu como se estendendo por 5,56 m e representando uma cena de caça com homens a pé e três homens montados em cavalos, cães e um leão. No entanto, devido à potencial perda de financiamento e à aproximação do inverno, a temporada de escavação estava chegando ao fim. Andrónikos e sua equipe tiveram sorte: o clima se manteve e eles conservaram um ritmo acelerado. Acima deste segundo túmulo, eles encontraram tijolos queimados, duas espadas de ferro dobradas e cavalos de ferro, sobre os quais Andrónikos escreveu: lembra o funeral de Pátroclo, a quem Aquiles sacrificou quatro cavalos de pescoço alto' e nos obrigou a considerar o falecido para quem o túmulo havia sido erguido como um mortal não comum² Suas esperanças aumentaram porque o segundo túmulo tinha a aparência externa de ser de alguém muito importante. 
 
Quando Andrónikos percebeu que o segundo túmulo não havia sido saqueado, ele disse: “Eu sabia que daquele momento em diante eu tinha que ter controle absoluto sobre todas as minhas ações e que não havia margem para erro ou descuido: nem eu tinha tempo de sobra, pois já estávamos em novembro.” ² É preciso considerar que Andrónikos passou mais de quarenta anos a serviço da “arqueologia nacional” e que ele tinha acabado de realizar o sonho de sua vida. Sua “exumação do túmulo” em 8 de novembro de 1977 mostra sua sensibilidade teatral, mas também sua compreensão do simbolismo dramático ², que é um alimento direto para essa imaginação nacional. Essa jornada ao submundo de uma tumba macedônica não foi abstrata para ele, mas o momento real em que ele foi capaz de se conectar ao passado — tornar-se parte do passado — pela descoberta de bens materiais. ² O fato de ele ter considerado de suma importância compartilhar a descoberta nos mostra por que Andrónikos era extraordinário: ele era um acadêmico que lutava com dois propósitos distintos: a necessidade de fazer um exame completo das evidências antes de tirar conclusões e a necessidade de compartilhar o passado não apenas com seus compatriotas, mas com o mundo todo. 
 
Grande Túmulo da família real macedônica em Aigai -Crédito: foto de Sarah Murray (via Wikimedia Commons)

 
As descobertas do Túmulo II foram de tirar o fôlego, incluindo o lárnaque de ouro, os ossos no seu interior, vasos de prata, uma grande capa de bronze de um escudo, um escudo cerimonial, grevas (parte da armadura, feita de bronze, representando proteção das tíbias para o guerreiro), um candelabro, couraça de ferro com faixas de ouro, restos de espada, um capacete, uma coroa de folhas de carvalho feita de ouro e bolotas e estatuetas de marfim no formato de cinco cabeças esculpidas. E durante esse período de escavação em Vergina, a Grécia estava passando por outra transição política: era apenas a segunda eleição a ser realizada desde a queda da ditadura em 1974. ² Notícias de Vergina começaram a vazar. Andrónikos e seus colegas organizaram uma entrevista coletiva em 24 de novembro de 1977, algumas semanas após a descoberta inicial do Túmulo II intacto, embora tivessem acabado de entrar na antecâmara em 21 de novembro. Quando o fizeram, encontraram novamente um sarcófago, um lárnaque dourado, uma ânfora, três grevas e um feixe de pontas de flechas de bronze, para citar apenas alguns itens importantes. No lárnaque, encontraram os ossos de outra pessoa morta — real como o túmulo principal — mas desta vez uma mulher. Andrónikos retornou à Universidade em Salônica para fazer seus anúncios, mas sentiu que era seu dever informar os membros mais antigos do governo, o Presidente da República e o Primeiro-Ministro, dessas descobertas. ²
 
Konstantínos Karamanlís, então presidente da Grécia, disse: A Grécia pertence ao Ocidente, enquanto seu rival político de longa data, Andréas Papandréou disse: A Grécia pertence à Grécia³ Mas quando se tratou das descobertas de Vergina, a Grécia decidiu que a Grécia pertencia ao mundo. Andrónikos e sua equipe removeram os artefatos de Vergina quase imediatamente para protegê-los de saqueadores e os transferiram para o Museu de Salônica. Mais tarde, o governo grego apoiou tanto a escavação contínua em Vergina quanto as exposições internacionais dos artefatos e tesouros, que viajaram pelo mundo do início dos anos 1980 até os anos 1990. ³¹ A Grécia tinha um interesse pessoal em tal publicidade; ela precisava tornar a Macedônia “grega” e provar a natureza histórica dessa reivindicação, dados os reassentamentos em 1922, os conflitos de fronteira em curso e, em seguida, a turbulência nos Bálcãs na década de 1990. ³²
 
O Helenismo tem sido uma característica definidora da imagem e do papel da Grécia no mundo desde o início do país como um estado-nação e, portanto, valia a pena exportar as descobertas em Vergina globalmente. Ajudou o fato de os artefatos serem de ouro maciço, adicionando fascínio literal e figurativo às descobertas. Mas com a publicidade veio o desacordo, intenso e múltiplo. O debate sobre se Vergina era ou não a antiga capital da Macedônia e a quem os ossos realmente pertenciam normalmente teria sido restrito a artigos acadêmicos. No entanto, o debate se transformou ao longo do tempo em um argumento sobre identidade política e, ao fazê-lo, agora nos mostra o quão ativa é a arqueologia no imaginário nacional da Grécia e mais além. 
 
O que estava sendo debatido não era apenas a evidência no subsolo (por exemplo, o desenvolvimento de arcos, quando o arco foi usado pela primeira vez na Grécia, provaria quando o túmulo foi construído: antes ou depois de Filipe II), mas a Grécia imaginária que nunca existiu verdadeiramente para uma pessoa moderna. Hamilákis fala do esforço anterior do Helenismo Grego do século XIX d.C.: “os sítios sagrados da imaginação europeia, muito adorados pelos viajantes ocidentais (que agora também se tornaram os locais sagrados da imaginação nacional helênica), tiveram que ser reconstruídos em sua forma idealizada, para se tornarem um passado que nunca existiu. Essas práticas, que resultaram em um passado material clássico higienizado, eram bastante convenientes para a nova indústria de commodities visuais, a fotografia.” ³³ É por isso que um túmulo não saqueado é tão extraordinário; os túmulos em Vergina estavam intactos e não tinham camadas de história bizantina e otomana sobre os artefatos. Esta é a história grega “pura” no sentido de um ideal cultural. Andrónikos tornou isso mais real para seus colegas e para o público em geral ao divulgar a riqueza material do passado no início de sua escavação e, ao fazê-lo, compartilhar com o mundo um pouco da “glória que era a Grécia”. O fato de o túmulo ter sido encontrado em uma zona contenciosa ao norte do país tornou tudo ainda mais significativo para o país em sua busca pela “herança helênica”. 
 
Andrónikos acreditava que o túmulo em Vergina pertencia a Filipe por várias razões: ele datou o Túmulo II entre 350-310 a.C., e apenas três reis macedônicos eram conhecidos naquela época. Os ossos queimados e restos de sacrifício acima do túmulo e do heróon significavam que o túmulo era de alguém importante; a armadura e a riqueza do conteúdo indicavam que a pessoa era um homem real. O que Andrónikos chamou de anomalias na construção, ou seja, a pressa com que o túmulo foi rebocado e a presença da antecâmara construída mais tarde e contendo os ossos da mulher, poderia levar a uma suposição lógica de que a necessidade de Alexandre de retomar o controle da Macedônia após o assassinato de seu pai Filipe apressou a construção do Túmulo II, o que explica as diferentes taxas de construção na antecâmara para uma das esposas de Filipe. Além disso, um exame do crânio por cientistas forenses determinou que o falecido sofreu um ferimento no olho direito (Filipe ficou cego em batalha). ³ Todos esses pontos não pretendem servir como um conjunto abrangente de razões pelas quais o túmulo deve ter sido construído para Filipe II, mas sim, a lista pretende mostrar a maneira como Andrónikos lidou com suas descobertas e caminhou na linha tênue entre a dedução baseada na evidência e a imaginação do que poderia ter sido, usando sua imaginação para inventar não o que estava diante dele, mas o que ele não poderia encontrar: razões para o primeiro túmulo saqueado (Túmulo I), motivações para a construção apressada do Túmulo II e qual poderia ser a identidade da mulher na antecâmara do Túmulo II e as razões por que as taxas de construção poderiam ter sido diferentes. ³
 
A Grécia tinha uma necessidade histórica de estabelecer a herança grega em suas fronteiras do Norte e a reivindicação do país à região da Macedônia como território helênico de longa data expandiu a identidade nacional para incluir o argumento de que a Grécia estava em seu maior território sob Alexandre, o Grande. Assim, Andrónikos teve que ser preciso com as evidências em Vergina, mas ao mesmo tempo disseminar as notícias de suas descobertas o mais amplamente possível. Ainda assim, as suas conclusões não foram feitas fora de contexto. Ele abordou a necessidade de contexto quando, em uma publicação de 1987, descreveu como a descoberta de mais tumbas macedônicas mudou percepções de longa data sobre como datar a arquitetura na região. Ele disse: a presença da abóbada na tumba de Filipe parece não representar um estágio experimental, mas carrega todos os sinais de um construtor experiente e sugere que essa solução já havia sido tentada muitos anos antes. ³As conclusões sobre a cronologia do desenvolvimento da arquitetura macedônica mudaram agora que temos um quadro mais completo de evidências; foi somente após a descoberta de mais tumbas macedôniacs com arcos abobadados que os estudiosos começaram a aceitar a noção de que a Macedônia estava usando o arco antes da conquista do Oriente por Alexandre, o Grande. 
 
É por isso que Andrónikos — o arqueólogo nacional da Grécia — ainda tem estatura, autoridade e presença, embora já tenha morrido. Ele tentou fundir erudição genuína e um exame das evidências com o impacto emocional de tais descobertas e, ao fazê-lo, criou um novo espaço reservado na imaginação nacional: ele trouxe a Grécia do Norte para a consciência nacional. O livro de Hamilákis, The Nation and its Ruins, frisa esse aspecto adicional eloquentemente, o de que nosso exame do passado por meio da arqueologia, bem como o debate acadêmico subsequente, não chega ao imediaticidade do passado. A compreensão e o exame do passado requerem imaginação e, ainda ao mesmo tempo, devem ser uma experiência tangível, empírica e baseada em evidência. Nas próprias palavras de Andrónikos, o arqueólogo vê e toca o conteúdo da história; isso significa que ele percebe de uma maneira sensorial a verdade metafísica do tempo histórico. Se Andrónikos percebeu ou não uma verdade metafísica do tempo, não é possível assegurar porque verdades metafísicas estão além da evidência. Ele, no mínimo, forneceu uma nova narrativa nacional grega baseada no que encontrou enterrado na terra em Vergina e globalizou aquela história. Manólis Andrónikos alcançou o que escreveu em 1988, quatro anos antes de sua própria morte:
Se... em algum momento, pudéssemos nos livrar dessas obrigações acadêmicas e abordar de forma humana, eu diria poeticamente, alguns monumentos do passado, em vez de enquadrá-los dentro dos esquemas frios de nossa construção conceitual, os veríamos ou os leríamos como imagens e vozes de um ser humano que nos vê e fala conosco das profundezas do tempo, talvez pudéssemos ganhar muito mais e, assim, ajudar as pessoas de hoje, a nós mesmos, para que não nos sentíssemos solitários e perdidos no caos dos séculos e no fluxo ininterrupto de inúmeros seres humanos.³

 Link: https://www.academia.edu/6169454/Manolis_Andronikos_Greece_s_National_Archaeologist

 

* Dra. Arna Elezović é historiadora, escritora e professora assistente visitante na Western Washington University para o Departamento de História e o Programa de Honras. Seu Ph.D. é da University of Washington (UW), onde ela deu seminários introdutórios e intermediários de escrita para o Programa de Escrita Interdisciplinar da UW (2018-2021) e um curso de história comparativa sobre a redescoberta do antigo mundo mediterrâneo (verões de 2017, 2019, 2021). Sua pesquisa se concentrou em como o passado antigo foi construído para a Europa Ocidental por relatos de viagem etnográficos e jornalismo no século XIX. Ela está atualmente explorando a criação de narrativas, identidades e tempo usando textos históricos.

 
II. NOTAS EXPLICATIVAS 

¹ Manólis Andrónikos, Vergina: The Royal Tombs and the Ancient City (Ekdotike Athenon S.A.: Athens, 1984), 17. Veja também, Yánnis Hamilákis, The Nation and its Ruins: Antiquity, Archaeology, e National Imagination in Greece (Oxford University Press: New York, 2007), 163, nota #35. Hamilákis diz que — segundo uma lenda local — Vergina recebeu o nome de uma rainha que se recusou a se submeter ao Império Otomano e então se jogou no rio. Hamilákis também explica que, quando os imigrantes da Anatólia chegaram à região em 1922, a família de Andrónikos entre eles, os topônimos desses vilarejos foram apagados pelo bispo local, provando assim a opinião posterior de Hamilákis de que renomear é "reivindicar" ou tornar uma região sua. Hamilákis cita Andrónikos, que mais tarde rejeitaria os vilarejos, dizendo: "A vila não tinha história".
² Hamilákis, The Nation and its Ruins, 155. Hamilákis escreveu sobre sua própria visita ao museu, abrigo de todas as descobertas de Andrónikos, que agora existe em Vergina: “O vigia, muito orgulhoso de estar lá, diz que cerca de 300.000 pessoas visitam o local todos os anos (na verdade, de acordo com os dados do Ministério da Cultura, o número é muito menor do que isso.)”
³ Andrónikos, Vergina: Royal Tombs and the Ancient City, 168-170.
Ian Worthington, Philip II of Macedonia (Yale University Press: New Haven and London, 2008), 181. Worthington escreve que o assassinato de Filipe II ocorreu na celebração do casamento entre a filha de Filipe, Cleópatra (por sua esposa Olímpia), e o tio de Cleópatra, Alexandre de Épiro. No dia seguinte ao casamento, jogos atléticos estavam programados, mas foram precedidos por uma procissão ao nascer do sol, na qual estátuas de doze deuses olímpicos seguidas por uma estátua de Filipe foram carregadas de uma entrada lateral do teatro. Este situação é significativa porque Andrónikos escavou não apenas um teatro em Vergina, mas também um heróon, um santuário dedicado à adoração dos mortos, seja uma ou mais pessoas. Andrónikos concluiu que o heróon era provavelmente para o rei Filipe (com base na compilação de evidências adicionais resumidas neste artigo).
Richard Clogg, Concise History of Greece (Cambridge University Press: Cambridge UK, 1992), 99.
Clogg, Concise History of Greece, 103: “Os gregos que eram minoria na Macedônia Grega logo após as guerras dos Balcãs agora se tornaram uma clara maioria.”
Clogg, Concise History of Greece, 208. Clogg também observa sobre os comunistas gregos (chamados de Exército Democrático), 139: “Em 1949, cerca de 40% da base do Exército Democrático era composta por macedônios eslavos, um fato que levou o partido comunista a defender mais uma vez o direito de autodeterminação dos macedônios.”
Hamilákis, The Nation and its Ruins, 161, nota #30. Hamilákis cita Brown 1994 sobre a política de identidade em relação a este símbolo nacional.
Hamilákis, The Nation and its Ruins, 135. Hamilákis diz que a primeira tentativa de Andrónikos de descobrir o ‘Segredo da Megali Toumba’ foi crucial para implantar a ideia de que o local tinha tumbas reais. Hamilákis fornece as próprias palavras de Andrónikos: “Eu estava sonhando com isso desde o momento em que fiz o primeiro teste em 1952.”
¹ Hamilákis, The Nation and its Ruins, 162.
¹¹ Ibid., 134.
¹² Ibid. 
¹³ Ibid., 135.
¹ Ibid., 137, nota #4.
¹ Andrónikos, Vergina: Royal Tombs and the Ancient City, 56.
¹ Ibid., 63.
¹ Hamilákis, The Nation and its Ruins, 139.
¹ Ibid., 140. A mulher escreveu, em sua carta a Andrônico: “Quando acordei de manhã, peguei o jornal local e lá li um pequeno telegrama de Atenas, que dizia: ‘No norte da Grécia, foi encontrada uma tumba que provavelmente é a do rei da Macedônia, Filipe.’ Entre meu sonho e o telegrama, havia duas diferenças. No telegrama, dizia provavelmente, enquanto no meu sonho, o homem estava categoricamente certo... P.S. Embora não faça parte do meu sonho, tenho a sensação de que no complexo da mesma tumba, há um segundo esqueleto menor de um bebê ou de uma mulher. Esta é minha intuição, não parte do meu sonho.”
¹ Hamilákis, The Nation and its Ruins, 141.
² Andrónikos, Vergina: Royal Tombs and the Ancient City, 62.
²¹ Ibid., 64.
²² Ibid., 65.
²³ Ibid.
² Ibid., 69.
² Ibid.
² Andrónikos, Vergina: Royal Tombs and the Ancient City, 69. Andrónikos observou que planejava abrir o túmulo em 8 de novembro, que era o dia em que a Igreja Ortodoxa celebra a festa dos Arcanjos Miguel e Gabriel, senhores do Submundo. Hamilákis (The Nation and its Ruins, 142) disse sobre a escolha da data de Andrónikos: “A encenação da abertura para coincidir com essa data fala da tentativa deliberada de vincular a descoberta ao calendário e às crenças cristãs: a jornada de Andrónikos ao submundo fundiu as narrativas nacionais e religiosas; o passado clássico fornece histórias abundantes da descida ao mundo dos mortos... a mais famosa talvez... Odisseu.” E sobre a natureza pública da abertura do túmulo, Hamilákis (The Nation and its Ruins, 150): “A abertura foi planejada para 8 de novembro; uma série de dignitários foi convidada.”
² Andrónikos, Vergina: Royal Tombs and the Ancient City, 70. Andrónikos disse sobre sua própria descoberta: “Os longos anos gastos estudando costumes funerários, longe de entorpecer suas sensibilidades, tinham-nas aguçado a tal ponto que ele viveu o momento emocionante, nunca mais recapturado, quando lhe foi concedido viajar de volta através dos milênios e chegar perto da verdade viva do passado, como uma experiência direta.” Esta citação resume bem a fusão do cientista com o aspecto emocional do trabalho arqueológico.
² Andrónikos, Vergina: Royal Tombs and the Ancient City, 75. Também Hamilákis, The Nation and its Ruins, 152.
² Andrónikos, Vergina: Royal Tombs and the Ancient City, 79.
³ Clogg, Concise History of Greece, 176.
³¹ Hamilákis, The Nation and its Ruins, 145 e nota #12 na mesma página. O aluno supõe que as exposições itinerantes com os artefatos de Vergina foram organizadas por Andrónikos e seus colegas no Museu de Thessaloníki, onde os achados de Vergina foram abrigados, mas com o apoio do governo grego. As exposições cobriram um período de dez anos: “A busca por Alexandre” no início dos anos 1980, “Macedônia: dos tempos micênicos à morte de Alexandre, o Grande” no final dos anos 1980 e “Civilização grega, Macedônia e o reino de Alexandre, o Grande” no início dos anos 1990. Hamilákis diz, 146: “O sucesso da última exposição foi anunciado na imprensa grega com o título, ‘Alexandre, o Grande, Conquistador do Canadá também.’”
Além disso, na época da descoberta de Andrónikos em 1977, o governo não apenas financiou a escavação contínua em Vergina, mas, embora as leis da Grécia impedissem a remoção de antiguidades do país, o então primeiro-ministro Karamanlís fez lobby pessoalmente para que essas leis fossem alteradas a fim de permitir que os artefatos saíssem do país.
³² Comentário da autora: Pequenos países dos Bálcãs tinham (ou ainda têm) a tendência de se apegar à sua identidade nacional de uma forma que países maiores não têm, o que talvez se deva não apenas ao seu tamanho e à sua falta de independência, mas também ao legado do domínio do Império Otomano nos Bálcãs. Além disso, a maioria dos países dos Bálcãs serviu como encruzilhada literal de guerra, vendo todas as grandes invasões na Europa ao longo da história registrada.
³³ Hamilákis, The Nation and its Ruins, 96.
³ A.J.N.W. Prag, “Reconstructing King Philip II: The ‘Nice’ Version”, American Journal of Archaeology vol. 94, nº 2 (April 1990): 239.
³ N.G.L. Hammond, “The Royal Tombs at Vergina: Evolution and Identities”, The Annual of the British School at Athens vol. 86 (1991): 77-79. Hammond propôs a teoria de que a mulher pode ter sido uma das esposas de Filipe. Como os ossos encontrados na Tumba II eram de uma mulher de uma certa faixa etária, havia apenas três opções de esposas: Cleópatra, Meda, que era filha de um rei geta, ou, finalmente, a filha de um rei cita. Neste artigo de 1991, Hammond reverteu sua opinião anterior de 1978 porque a Tumba III ainda não havia sido encontrada e, na época, a Tumba II parecia ser única.
³ Manólis Andrónikos, “Some Reflections on the Macedonian Tombs”, The Annual of the British School at Athens vol. 82 (1987): 12. Este artigo mostra que as conclusões tiradas sobre o desenvolvimento da arquitetura na Macedônia tiveram que ser revisadas com base nas evidências em Vergina e outros locais de tumbas durante a década de 1980. Após a descoberta inicial de Andrónikos da Tumba II em 1978, muitos estudiosos, tais como E.N. Borza e Phyllis Williams Lehmann (citado abaixo), acreditaram que a tumba em Vergina não poderia ser de Filipe porque a abóbada não foi usada na construção de tumbas na Macedônia até depois de Alexandre, o Grande, ter sido exposto à arquitetura abobadada na Ásia.
E.N. Borza, “The Royal Macedonian Tombs and the Paraphernalia of Alexander the Great”, Phoenix vol. 41, nº 2 (verão de 1987): 108 e 119. Borza usou o argumento da “abóbada de berço” em seu artigo para tentar provar que a tumba pertencia de fato a Filipe III Arrhidaeus e sua esposa. A hipótese de Borza era de que aqueles artefatos bélicos (ou seja, a espada e o capacete encontrados na Tumba II) pertenciam a Alexandre, o Grande, porque Arrhidaeus não era um lutador. Esta explicação, embora plausível, parece um pouco conveniente demais.
Phyllis Williams Lehmann, “The So-Called Tomb of Philip II: A Different Interpretation”, American Journal of Archaeology vol. 84, nº 4 (outubro de 1980): 528-529. Lehmann também usou o argumento da construção da abóbada de berço para datar a tumba depois de Filipe II, mas descobertas arqueológicas no final da década de 1980 refutaram o argumento dela.
³ Hamilákis, The Nation and its Ruins, 147

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