terça-feira, 28 de janeiro de 2025

ÁRVORES ORACULARES - LIGANDO PASSADO E FUTURO

Por LUCY GOODISON *
Tradução do inglês e comentários por Francisco José dos Santos Braga
 
Excerto do Capítulo IV do livro de Lucy Goodison, intitulado Holy Trees and Other Ecological Surprises, Just Press 2010.
 
RESUMO
 
No contexto de uma tradição que se estende da dança ritual das árvores mostrada em anéis da Idade do Bronze de Creta aos contos medievais e imagens da aparição da Virgem em galhos de carvalho por toda a Europa, este trecho analisa o papel de árvores especiais na religião na Grécia clássica e na antiguidade tardia. A importância das árvores na religião, e especificamente nas práticas de adivinhação, nesta era é talvez insuficientemente reconhecida e raramente é considerada em relação a rituais de longa data em culturas que vieram antes e depois.

Palavras-chave
: História Antiga, Arqueologia Clássica, Idade do Bronze Egeia (Arqueologia da Idade do Bronze), Oráculos Gregos e Adivinhação, Religião Minóica, Heródoto, Arqueologia Minóica, Hinos Homéricos, Pausânias, Magia e Adivinhação no Mundo Antigo, Árvores, Árvores de Decisão, Magia e adivinhação antigas, Creta Minóica, Oráculo e Adivinhação de Delfos, Hino homérico a Apolo e Religião Grega Antiga (especialmente Arcaica e Clássica).
 
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Até agora, as trilhas da Tree Lady ¹ tinham levado de volta do presente para a Idade Média, compreendendo ao longo do caminho alguma vegetação extraordinária: galhos que produziam aparições; árvores atribuídas a poderes curativos; e gravetos que brotavam magicamente para marcar uma pessoa especial.
 
Eu também queria saber como tais fenômenos incongruentes encontraram seu caminho para a tradição judaico-cristã, perguntando-me de onde eles vieram e até onde sua história poderia ser rastreada. A busca por origens pode levar infinitamente de volta no tempo, e em múltiplas direções, em vez de uma única fonte. No entanto, como o estudioso clássico Martin West disse, "muitas vezes podemos voltar ao estágio em que o que parecia arbitrário ou ilógico faz sentido, e esse é sempre um bom lugar para fazer uma pausa". 
 
A religião da Creta minóica é um desses estágios, onde a veneração e as aparições de árvores fazem sentido como parte de práticas rituais focadas no mundo natural em muitas de suas formas, incluindo plantas, animais e o sol, bem como o corpo humano. Mas as árvores e galhos sagrados da Idade Média têm qualquer conexão com as árvores sagradas minóicas? No solo da própria Grécia, havia alguma conexão histórica sobre o lapso de três milênios entre os cultos de árvores da Idade do Bronze e dos tempos modernos?
 
Decidi voltar e olhar as evidências do período da antiguidade clássica, para ver se havia alguma pista de que isso poderia remontar à Idade do Bronze ou à Idade Média. Partindo para explorar esses lapsos, comecei a olhar mais atentamente para os dois mais famosos sítios gregos antigos ligados às árvores: os oráculos de Delfos e de Dodona. 
 
A busca pela sabedoria délfica 
 
Tem chamado a minha atenção que os locais que eram secretos, inacessíveis ou objeto de peregrinação na antiguidade também têm sido difíceis para nós alcançarmos. Assim foi com Delfos. Mais de 2500 anos atrás, buscadores de ajuda e verdade traçaram um caminho que queríamos seguir. Enquanto eu tentava organizar a viagem, chegar a Delfos começou a parecer uma peregrinação. Não que fosse tão árduo para nós quanto teria sido para um grego no século V a.C. viajando de Atenas ou alguma outra parte da Grécia para consultar o oráculo. Muitos deles teriam caminhado por dias por terrenos montanhosos, às vezes sob o sol escaldante, para chegar ao lugar onde o ônfalo ou "pedra do umbigo" marcava o que os antigos chamavam de umbigo da terra. Para nós, os obstáculos para chegar a Delfos eram mais mundanos: primeiro, o local estaria fechado porque era segunda-feira; então o carro alugado quebrou; então não havia mais tempo antes de termos que viajar para casa. No final, teve que ser uma viagem de ônibus até o centro do mundo e de volta no mesmo dia. 
 
Cópia do ônfalo presente no templo de Apolo em Delfos - Crédito: https://pt.wikipedia.org/wiki/Onfalo

 
Às 5 da manhã, o ar de Atenas estava ameno. O taxista serpenteou pelo centro deserto da cidade e desceu pelas ruas escuras para chegar de repente à estação de ônibus nos limites da cidade, um oásis de luz que estava surrado e lotado de pessoas. Ônibus acelerando, uma lanchonete vendendo pães de rosca de café da manhã e tortas de espinafre quentes, um vendedor de passagens mal-humorado, passageiros lutando com a bagagem, a corrida de última hora ao banheiro. 
 
No solstício de inverno o sol nasceu lentamente à nossa direita enquanto dirigíamos para o norte, saindo de Atenas. Sua luz baixa e angular cortava caminhos dourados pela floresta de prédios altos e sujos e tapumes extravagantes na beira da estrada, o vapor da poluição quase como umidade do chão de uma floresta. Então, gradualmente, o ar clareou. A expansão desordenada dos arredores de Atenas deu lugar a estradas abertas, colinas, vistas e florestas de verdade. Foi só então que me lembrei da frase ameaçadora no guia sobre levar roupas quentes porque Delfos está sujeita a "mudanças violentas de temperatura". 
 
Memórias da minha breve visita anterior a Delfos 30 anos antes vieram de repente à tona. Lembrei-me de estar em pé no calor do meio do verão que queimava até os ossos, olhando pasma do cume de Delfos através de uma abertura nas montanhas para a pequena curva prateada de água que era a Baía de Itea abaixo. Lembrei-me de quão longínquo estava abaixo, quão elevada Delfos devia estar, e quão frio pode parecer em janeiro a nós que — como recém-chegados de Creta — estávamos viajando sem casacos. O cume coberto de neve do Monte Parnaso apareceu à nossa direita; o ônibus diminuiu a velocidade e começou a subir sinuosamente em curvas rochosas em direção a ele. 
 
Não estou certa da altura que estávamos quando o ônibus parou em um café de parada de descanso, todo carregado de mercadorias de tecidos artesanais e vendendo café. O alto-falante estava tocando uma música conhecida: "O todo da lua", dos Waterboys. Curiosamente, é sobre profecia, ou pelo menos sobre alguém que viu o plano mais amplo da vida. O cantor conta que vagou pelo mundo por anos, mas viu apenas lampejos da verdade. A outra pessoa ficou em seu quarto e viu tudo, não apenas o crescente lunar, mas o todo da lua. O refrão, como um encantamento, coincidia com uma contemplação de que a jornada havia começado em mim, perguntando-me qual era o propósito de buscar conhecimento se  como tantas vezes acontece  ele não pode ser usado com proveito? No antigo mito grego, a profecia délfica sobre a vida de Édipo provocou reações drásticas que o lançaram no abraço do próprio destino que ele tanto temia. Pessoas que eu conhecia que viam ‘o todo da lua’ frequentemente pareciam pagar o preço por sua sabedoria em termos de depressão, desespero e isolamento da futilidade dos projetos e paixões humanas  mais ou menos como olhar para a vida de uma grande altura. Cassandra recebeu o dom da profecia com a ressalva de que ninguém jamais acreditaria nela. Se o conhecimento não pode mudar as coisas, e não dá nenhuma segurança real ou proteção contra a dor, por que os humanos  agora como então, embora de maneiras diferentes, buscam tão avidamente saber e controlar o futuro? A música ainda estava soando em meus ouvidos, e o café esquentando minhas entranhas, enquanto subíamos de volta no ônibus, acompanhados por um grupo de estudantes gregos usando botas de esqui e jaquetas pesadas de montanha. O ônibus, agora muito cheio, acelerou e então continuou a subir lentamente. 
 
Os antigos peregrinos iam a Delfos com problemas militares, sociais, morais ou emocionais. Ex-votos de tripés e estatuetas, datadas de cerca de 800 a.C., são consideradas as primeiras evidências do oráculo, e o primeiro templo foi construído no final do século VII. Na última parte do período geométrico, as comunidades frequentemente pediam conselhos a Delfos sobre o estabelecimento de colônias. Figuras políticas e militares de toda a Grécia e, mais tarde, do Oriente, perguntavam se era uma boa ideia se envolver em uma determinada batalha ou invadir um determinado território. Tradicionalmente, questões de culpa de sangue eram encaminhadas a Delfos, e assassinos vinham para aprender como alcançar a purificação. O oráculo também dava orientação sobre o culto, e os indivíduos iam até lá para se curar. Na peça Íon, de Eurípides, escrita no século V a.C., uma dama real ateniense vem com seu marido e servos para pedir a solução para sua infertilidade. A peça menciona o sacrifício de uma ovelha ou cabra, e bolos de oferenda que podiam ser comprados na entrada (o preço mínimo para os menos ricos) antes que os buscadores pudessem entrar no templo e consultar o oráculo. O apetite por respostas pode ter sido aguçado pela jornada; é possível que a esperança por revelação tenha sido alimentada pela paisagem áspera e bela de outro mundo através da qual eles viajavam. Talvez parecesse uma habitação adequada para os deuses. 
 
Ao chegar ao santuário de Apolo, fomos recebidos por uma garoa fria e partimos em busca de roupas extras em lojas turísticas fora de temporada que ofereciam roupas de esqui de grife e camisetas de manga curta com os dizeres "Bem-vindo a Delfos". Então nos demoramos num café a saborear chá, usar o banheiro e adicionar camadas extras. O preço do chá  três vezes o normal  condizia com uma tradição consagrada de enganar os peregrinos: os antigos também eram cobrados a mais pelos bolos de oferenda. Em alguns lugares, chegar como um estranho pode parecer inautêntico, como um intruso cuja presença estraga o que eles vêem. Mas Delfos sempre foi sobre visitantes. E o santuário sempre parece ter lucrado bem; tem havido aqui uma indústria turística durante quase 3.000 anos. 
 
Em relatos tradicionais, as respostas do oráculo, sempre em verso, são enigmáticas. O exemplo mais famoso é Creso, rei da Lídia, a quem foi dito que se ele começasse uma guerra que estava planejando na Pérsia, ele destruiria um grande reino. Encorajado, ele foi em frente, mas o reino destruído era o seu. Em outros casos, o sucesso foi aparentemente alcançado a um custo. Como o historiador H.W. Parke em seu livro Greek Oracles resume o processo: "O líder de uma expedição pede sucesso e este é prometido em frases ambíguas que, embora cumpridas em última instância, levam primeiro a mal-entendidos e decepções." 
 
Apesar dos benefícios ambíguos, os visitantes pagavam muito pelo serviço. Delfos eram uma influência poderosa na política grega; talvez fosse importante manter boas relações com Delfos. Espólios de guerra eram frequentemente apresentados ao oráculo, e as antigas cidades-estado da Grécia parecem ter competido na oferta de estátuas ou na construção de arcos, colunatas ou edifícios inteiros como gestos de agradecimento e orgulho cívico. Enquanto subíamos a colina íngreme da entrada do santuário em direção ao templo, seguidos por dois grandes grupos de turistas que tinham acabado de chegar de ônibus, passamos por um monumento após o outro. Em seu estado de ruína, as pedras cinzentas pareciam de bom gosto e atmosféricas; quando novas e pintadas em cores vivas, como deveriam ser, elas podem ter parecido extravagantes e autopromocionais como barracas rivais em uma feira comercial. Ao nosso redor, os visitantes examinavam os restos atentamente, como se — como os antigos — buscassem a resposta para perguntas candentes. Eu me perguntei se eles estavam encontrando sabedoria antiga ou viam apenas a loucura do interesse pessoal. 
 
Maquete do Santuario de Delfos durante a antiguidade

 
Estamos lembrados da importância do louro ² em Delfos por inúmeras referências desde todo o período da antiguidade. Na peça de Eurípides, Íon varre o santuário com folhagens dos "sagrados e imortais bosques de louros", e a visitante Creusa decora os altares com ramos de louro. O fogo eterno dentro do templo era alimentado com pinho e louro. Pinturas em vasos mostram Orestes sendo limpo da culpa de sangue com uma varinha de louro. Parke menciona referências do século V a.C. a profetas ou poetas mastigando folhas de louro para obter inspiração, e no século II d.C. textos contam que a Pítia, a profetisa de Delfos, fez isso. Textos posteriores também registraram uma tradição de que o primeiro templo de Apolo em Delfos foi feito de louro. Lemos que o consulente era purificado com água da fonte sagrada próxima, a Fonte de Castália ³, que também tinha sua própria árvore especial e a base de uma estátua de Gea , deusa da Terra, sugerindo que era o local de atividade religiosa anterior. A Pítia, que não é mencionada no Hino homérico a Apolo, mas é bem atestada, proferiu suas profecias em um estado de transe, sentada em um tripé no templo de Apolo, usando uma coroa de louros e sacudindo um louro. (De acordo com escritores helenísticos posteriores, o tripé ficava sobre um abismo cujos vapores subiam para inspirá-la.) Os sacerdotes posteriormente traduziam seus gritos em versos hexâmetros que apresentavam ao visitante, que também devia ser varão. Os textos mencionam não apenas a Pítia, sempre uma mulher de hábitos puros com mais de 50 anos, que era a médium e porta-voz de Apolo (no auge da atividade do oráculo, esse papel era cumprido por três mulheres se revezando). Há também uma figura mais marginal, uma Sibila, ligada na lenda a uma rocha na qual ela ficava para cantar profecias. H.W. Parke sugere que os oráculos sibilinos foram produzidos pela primeira vez no final do século VII a.C.; ele traça sua origem até a Ásia Menor Helênica. 
 
Fonte de Castália do período arcaico, na garganta entre os Shining Rocks de Delfos (veja foto abaixo)
 
Embora os arqueólogos não tenham encontrado nenhum grande abismo sob o templo de Delfos, ele é recorrente em contos sobre a história inicial do oráculo. Em uma dessas histórias contada por Diodorus Siculus (XVI, 26) perto do início da era cristã, o local foi descoberto por um pastor de cabras que percebeu que seus animais faziam sons e movimentos estranhos quando se aproximavam do abismo. Essa história me lembra dos relatos do comportamento estranho dos animais que identificavam as milagrosas árvores de Maria nos tempos medievais no outro extremo da Europa. Nesse caso, o pastor de cabras e outras pessoas que se aproximaram do abismo foram tomados por um frenesi profético e previram o futuro. No entanto, depois que alguns deles caíram e morreram, a história narra que uma pitonisa foi escolhida para sentar-se sobre o abismo na segurança de um tripé. 
 
Sacerdotisa de Apolo por John Collier (1891)
 
Essas tradições levantam certos temas. O mundo natural — incluindo fontes, rochas, abismos, cabras e, especialmente, o louro ou a árvore de louro — desempenhou um papel fundamental no processo de profecia; durante o período para o qual há registros textuais, uma mulher era central para o processo; e há uma ligação com estados alterados ou em êxtase, já que a Pítia profetizava em transe. Tudo isso parece ter mais em comum com as tradições religiosas da Creta pré-histórica do que com a instituição que Delfos se tornaram. Neste ponto, outro tema talvez seja crucial para explicar a disparidade: a tradição recorrente de que Apolo assumiu o local do oráculo de um ocupante anterior. Isso seria consistente com o quadro arqueológico: Nicolas Coldstream, em seu livro Geometric Greece, cita nada menos que cinco locais principais, incluindo Delfos, onde um santuário parece ter mudado de mãos de uma deusa para um deus durante a "idade das trevas". Uma tradição afirma que em Delfos o oráculo pertencia originalmente à Gea (deusa da Terra) e a Poseidon, que o passaram a Apolo como presente ou permuta. Na história citada acima, os pastores foram os primeiros descobridores e fundadores do local. A história mais antiga, de Apolo derrotando um dragão Python residente para ganhar o lugar (citada no Capítulo Um), é tomada por alguns estudiosos como simplesmente um mito simbolizando o triunfo de Apolo sobre o aspecto desordenado do cosmos. Outros acham que pode refletir um momento histórico quando um santuário como os de Creta foi substituído à força por algo novo. Certamente havia um extenso assentamento da Idade do Bronze no local, e nas proximidades parece ter havido um santuário da Idade do Bronze Tardio onde quase 200 pequenas estatuetas de terracota foram encontradas; Coldstream conclui que "É concebível que a deusa da Terra tivesse seu santuário original aqui". 
 
Tal mudança de propriedade poderia explicar algumas das contradições em Delfos. Também poderia explicar a vista que nos saudou na segunda curva da Via Sacra subindo a colina até o Templo. Ali, ao lado de um loureiro, ficava a Rocha da Sibila, parte de um círculo de pedras ásperas cercando uma fenda da qual brota um pequeno riacho. Este foi provisoriamente identificado como o sítio (ou um deles) do santuário e oráculo primitivo da Terra ou Gea-Themis , e foi tratado de forma muito arrogante pelos construtores posteriores. No início do século VI a.C., os habitantes da ilha de Naxos ergueram desrespeitosamente em cima de uma das pedras uma coluna extremamente alta encimada por uma esfinge (agora no museu) como um monumento de seu orgulho cívico e gratidão. Comprimindo o círculo do outro lado fica o Tesouro dos Atenienses, construído no início do século V a.C. com despojos de guerra para abrigar suas ofertas e restaurado no início do século XX. Mas o edifício que mais impacta drasticamente esse círculo de pedras é o próprio Templo de Apolo. Quando o Blue Guide afirma que parte do antigo santuário "foi destruída para dar lugar ao grande muro de contenção", ele pouco faz ao sugerir como o muro do terraço que sustentava o templo foi simplesmente derrubado, aparentemente com completo descaso, em cima da metade do antigo círculo de pedras. Como a casa de Dorothy em O Mágico de Oz, o Templo de Apolo parece ter caído com um baque, com um estrondo na área sagrada da bruxa malvada, e destruído a pedra dela. 
 
Talvez não tenha completamente destruído. Depois das críticas sobre o clima, a luta para se aquecer, os chás caros, o céu fortemente nublado bloqueando as tentativas de fotografia, as notas manchadas de chuva, a subida íngreme e os argumentos sobre que monumento era qual, a garoa agora engrossava. Cobertos com roupas impermeáveis, continuamos nossa peregrinação até a frente do próprio Templo de Apolo, e lá  aninhado sob o canto dele  estava outro loureiro. No centro da enorme ruína estava o 'Adyton' (o santuário interno ou 'proibido'), um pequeno espaço que abrigava o ônfalo ou 'pedra do umbigo' (agora no museu) e a própria Pítia. Ela era resguardada de alguma forma tanto do sacerdote quanto do peregrino enquanto se sentava no tripé, talvez mastigando as amargas folhas de louro. Amargura e ambivalência foram para mim a essência daquele dia em Delfos: a revelação que Delfos ofereceu foi de viver a vida com dificuldade e ainda continuar com a jornada. Mas, antes de partirmos, o sol saiu por alguns momentos enquanto se punha no oeste, e as enormes faces do penhasco das famosas Shining Rocks (Fedriádes, em grego), fazendo vista grossa ao santuário, de repente brilharam com um rosa magnífico. Apesar da preocupação do oráculo com riqueza, prestígio e poder político, Delfos permaneceram um lugar de inspiração na antiguidade clássica? A Pítia com seu transe relacionado ao louro tinha algo em comum com aquelas figuras femininas nos anéis da Idade do Bronze? As figuras anteriores dançavam em santuários de árvores, e seus gestos exuberantes foram consideradas como parte de rituais da natureza induzidos pelo transe; não temos como saber se elas também podem ter feito profecias. Eles pareciam dançar livremente, mas a Pítia estava sentada confinada em seu tripé, assim como o famoso lema de Delfos "Nada em excesso" (μηδέν άγαν, em grego) entra em conflito com os elementos extáticos da religião minóica, que sempre me pareceram mais em sintonia com o ditado de William Blake de que "O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria".
 
Dois penhascos gigantescos no sopé do Monte Parnaso - Phaidriádes (Shining Rocks)


Contudo, apesar das diferenças, e apesar do fato de que o elo com a árvore e a tradição profética não pode ser rastreado no material pré-histórico do sítio, o oráculo de Delfos parece representar algum tipo de paralelo com as árvores sagradas da Idade do Bronze. Ele esteve ativo por um período de tempo incrível. Delfos estava evidentemente funcionando de cerca de 800 a.C. até a antiguidade tardia. No século III d.C., apenas pessoas locais ainda estavam interessadas no culto, e o interesse internacional estava confinado ao turismo; após um período de declínio de prestígio, o oráculo foi finalmente abolido pelo imperador romano Teodósio no final do século IV d.C. Então durou bem mais de 1000 anos. 
 
Encontrei uma tradição ainda mais tenaz quando comecei a pesquisar o oráculo que era o principal rival de Delfos no mundo antigo: o carvalho profético sagrado em Dodona. 
 
A Longevidade do Carvalho Oracular 
 
Dodona fica na região de Epiro, no norte da Grécia. Quando o famoso oráculo da árvore realmente começou a funcionar? Nenhum material neolítico foi encontrado no sítio, e ele foi separado do sul da Grécia durante os estágios iniciais da Idade do Bronze, até cerca do século XVI-XV a.C. Os primeiros achados datáveis ​​do sítio são cerâmica e armas de bronze que podem ser do século XV. Alguns pensam que o culto a Zeus chegou à Grécia com invasores do norte no curso da Idade do Bronze. O escavador mais recente, Sotírios Dákaris, acredita que um estrato anterior sugere o culto de uma deusa da Terra que se tornou uma parceira do novo deus masculino, mas ele não oferece — e eu não encontrei — nenhuma evidência para apoiar isso. A evidência para o papel da árvore não é encontrada até mais tarde, nos textos de Homero da Idade do Ferro Inicial, Hesíodo e os Hinos Homéricos, conforme descrito no Capítulo Um. 
 
Contudo, a insistência da tradição dos antigos que liga Dodona aos Pelasgos, considerados por eles como os primeiros habitantes da Grécia, é algo que enfatiza sua grande idade, e o fato de que, de Homero em diante, haja a referência explícita à árvore sagrada, pode ser tomado como dando ao carvalho profético aqui uma história inicial mais forte do que o loureiro de Delfos. Assim, o historiador grego Heródoto no século V afirma, no seu livro Histórias, 2.52, sua crença de que o oráculo pelasgo em Dodona era "o oráculo mais antigo da Grécia". Ele relata uma lenda sobre sua fundação por uma mulher sagrada do Egito: "Duas pombas negras voaram para longe de Tebas, no Egito. Uma voou para a Líbia, enquanto a outra veio para Dodona. Ela pousou em um carvalho e  empoleirada ali  começou a falar com voz humana, e disse a eles que naquele lugar um oráculo de Zeus deveria ser fundado. Heródoto racionaliza a história sugerindo que os dodonianos chamavam as profetisas de pombas porque sua fala estrangeira soava como o canto dos pássaros, e que depois que elas aprenderam grego, soou como a fala humana. 
 
Evidência de escavação no sítio não confirmaram a ligação entre Dodona e Tebas egípcia, mas a presença de três sacerdotisas ligadas de alguma forma a pombas e na verdade chamadas de Peleiades (pombas) é confirmada pela evidência em primeira mão de Heródoto: no tempo dele, três mulheres com esse título estavam dando profecias no local e ele menciona tê-las encontrado e conversado com elas. Sotírios Dákaris em seu livreto "Dodona" especula que "elas tinham sido originalmente conectadas com o culto da deusa da fertilidade, cujo símbolo era uma pomba, ou três pombas, e que se manifestava, como em tempos históricos, na forma de uma pomba, que também era o símbolo de Afrodite". O que podemos dizer com certeza é que os elementos de pássaro, árvore e sacerdotisas eram todos muito significativos também na religião da Creta minóica no segundo milênio a.C. Que conexão pode ter havido  se for o caso  para unir a considerável distância cronológica e geográfica entre Creta e o norte da Grécia, entre a Idade do Bronze e a Idade do Ferro Inicial, permanece uma questão em aberto. Em todo caso, Dodona parece ser a árvore sagrada que, olhando para trás do período histórico da antiguidade grega, pode reivindicar a tradição mais antiga e mais forte. É também o sítio do oráculo da árvore que durou mais tempo. 
 
No início, o culto era centrado na própria árvore, e isso continuou por muitos séculos. Desenhos reconstruídos mostram o layout posterior com um pequeno templo próximo à árvore em um pequeno recinto (aproximadamente 20 m x 20 m) do século IV a.C. em diante (veja a Fig. 34, que se parece muito com o recinto da igreja atual perto da primeira árvore sagrada que vimos em Creta). Durante o período da antiguidade, outras estruturas foram construídas agrupadas ao redor do santuário da árvore, incluindo um grande Bouleutêrion (Salão do Conselho) no final do século IV ou início do século III a.C., um teatro que podia acomodar 17.000 pessoas no século III a.C. e vários templos. O edifício de culto ao redor da própria árvore oracular tornou-se progressivamente mais monumental e dominante. O local perdurou até o período romano. No século V d.C., uma basílica cristã foi construída sobre o topo de dois dos templos e em 431 d.C. Dodona enviou um bispo ao Concílio de Éfeso. Apesar de várias destruições, o local teve uma longa vida arquitetônica. Inscrições oraculares gravadas em pequenas folhas de chumbo foram importantes inicialmente para ajudar os arqueólogos a identificar o sítio. Uma inscrição de chumbo do início do século III a.C. menciona Zeus, Dione e Themis como divindades residentes, mostrando que o rei dos deuses tinha duas colegas. Apolo, Hércules e Afrodite também aparecem no local. Autores helenísticos sabiam do santuário: Apolônio de Rodes em seu poema do século III a.C. "Jasão e os Argonautas" incorpora a tradição de que seu navio, o Argo, tinha embutida no seu casco uma viga sagrada extraída do carvalho de Dodona, que falava com eles. E na antiguidade tardia, várias das histórias de Pausânias incluem relatos de profecias de Dodona; sua referência a pombas e a declaração explícita de que as profecias foram feitas a partir do carvalho, mostram que no século II d.C. os elementos naturais no processo não foram esquecidos. No final do século IV d.C., a árvore oracular foi cortada e arrancada, deixando um enorme buraco para ser encontrado pelos escavadores. 
 
A construção da Basílica Cristã no exato sítio dos templos anteriores em Dodona sugere uma intenção consciente de substituir um pelo outro. Sotírios Dákaris conclui que o culto ao carvalho sagrado foi praticado a céu aberto desde o período pré-histórico até o final do século V d.C., um período de 2.000 anos. Embora as datas precisas de início e fim do uso do oráculo da árvore sejam discutíveis, para mim este local de carvalho sagrado é o que ganha o prêmio de longevidade. E ainda há um problema. Parke comenta que "O carvalho de Dodona tem suas analogias mais próximas não tanto na Grécia quanto na Itália e ainda mais em partes tão distantes do norte da Europa como a Prússia pagã", onde um deus do céu é adorado em um carvalho e as analogias mais próximas para as práticas de culto dos Selli (mencionadas no Capítulo Um) podem ser encontradas. Eu também me pergunto se o costume de escrever em tábuas de chumbo pode estar relacionado ao costume do norte da Europa de adivinhação com runas em galhos. No geral, parece que, embora Dodona tenha se juntado ao mundo grego, ela pode não ter pertencido originalmente à mesma tradição que as outras árvores sagradas da Grécia. 
 
Árvores Sagradas Gregas e Galhos Visionários 
 
Para muitos outros exemplos de árvores sagradas ligadas a deusas  e deuses  que sobreviveram na Grécia até a época do Império Romano, podemos recorrer ao escritor de viagens grego Pausânias, em seu livro Descrição da Grécia. Em suas viagens no século II d.C., ele encontrou árvores associadas ao culto de várias divindades, especialmente Deméter e Perséfone, e deixou descrições detalhadas: "Atrás deste templo há um bosque de árvores  não grande  cercado por um muro. É proibido entrar dentro do muro, e na frente dele há estátuas de Deméter e sua Filha com cerca de um metro de altura. Dentro do recinto dessas Grandes Deusas há também um santuário de Afrodite. E na frente da entrada há antigas imagens de madeira de Hera, Apolo e as Musas..." Foi assim que Pausânias descreveu o santuário de Deméter e Perséfone que ele viu em Megalópolis durante suas viagens na Arcádia. Somente nesta área da Grécia ele registrou vários desses santuários. Um pouco mais longe de Megalópolis, ele encontrou outro templo e bosque de Deméter, aqui conhecido como ‘no-Pântano’; somente mulheres tinham permissão para entrar. Um pouco mais longe, ele encontrou um santuário de Deméter ‘Fúria’ em Onkeium. 
 
Outras divindades também tinham bosques dedicados a elas. Somente na área da Fócida , Pausânias visitou um bosque sagrado de Atena, um dedicado a Ártemis e um dos "Deuses Amáveis". Outras divindades também tinham bosques dedicados a elas. Nosso senso do que era importante na religião grega é afetado pelo que sobreviveu: muitos templos ainda estão de pé de alguma forma, mas as árvores já se foram há muito tempo, então não podemos ver a relação entre bosque e templo. No santuário de Zeus em Nemea, escavadores encontraram os "poços de plantio" para o bosque sagrado de ciprestes ao lado do templo (mencionado por Pausânias). Os ciprestes recentemente replantados nos mesmos poços dão uma ideia de como as árvores graciosas podem ter competido com o templo pela glória do lugar. 
 
Há um padrão que emerge com muitos dos santuários que Pausânias descreve. Ele afirma que eles abriam para seus festivais apenas uma ou duas vezes por ano, e geralmente estavam longe de áreas habitadas, em uma montanha ou em algum outro sítio com características naturais especiais. Assim como em Delfos, visitá-los frequentemente exigia uma procissão ou jornada. Isso se somava a uma grande diferença na organização da experiência religiosa na antiguidade do que conhecemos no mundo ocidental hoje. Neste caso, geralmente, uma igreja é um edifício situado no centro de uma povoação e visitado pelos devotos toda semana. Ela fornece um centro social, servindo para reforçar uma comunidade e seus valores. Os gregos antigos tinham santuários com uma função semelhante a esta, como aqueles na acrópole em Atenas, mas também conheciam uma tradição diferente: a de deixar que o devoto fosse encontrar o divino. A palavra "peregrinação" soa muito especializada para o que parece ter sido um elemento-chave na experiência religiosa: o devoto viaja, escala, vai para outra área, entra na natureza para encontrar sua magnificência em um lugar selvagem e inspirador. Em vez do compromisso regular de devoção em uma instituição perto de onde se mora, havia um calendário de diferentes festivais de várias divindades em santuários espalhados pela sua localidade e além. Alguém partia para outro mundo, tanto humano quanto divino. A experiência espiritual não consistia em consolidar certezas, mas estender limites e fazer contato, tanto com a natureza quanto  ao mesmo tempo  com outras comunidades. 
 
Lembrando como as pessoas viajavam de toda as ilhas para o dia do santo na árvore sagrada de Creta, e relembrando a experiência do festival da floresta em Pala, em Portugal, eu me perguntei se os santos ortodoxos e católicos locais do mundo mediterrâneo, com suas celebrações anuais em lugares especiais, estavam, em essência, continuando aquela tradição do mundo antigo, tão diferente do ethos da frequência regular à igreja aos domingos. 
 
O estudioso clássico Richard Buxton, discutindo o papel de lugares naturais como cavernas e montanhas, como aparecem no mito grego antigo, comentou sobre seu papel simbólico representando a "alteridade extracívica". Nas histórias, como talvez até certo ponto na vida na antiguidade grega — a relação entre ambas é complexa — uma montanha era um lugar para reversões do comportamento social normal: "Coisas normalmente separadas são reunidas, à medida que as distinções da cidade perdem força". Era também um lugar para a loucura e para a metamorfose: um local muito diferente para a experiência espiritual. 
 
Outra grande diferença entre a experiência grega antiga e a nossa está no horizonte temporal. Do nosso mundo de tecnologia em rápida mudança e modas culturais que se esgotam e são suplantadas ainda mais rápido do que o último modelo de computador, talvez seja difícil para nós entendermos ao longo de quantos anos as tradições poderiam sobreviver no mundo antigo. Quase 1.000 anos depois que os épicos homéricos foram escritos, Pausânias cita os poemas com familiaridade e deixa claro que um mito pode estar "em circulação por todo o mundo grego". Portanto, talvez não seja surpreendente aprender com ele que seus contemporâneos em Querônia adoravam o "cetro de Agamemnon", mantendo-o na casa de um padre por um ano de cada vez e fazendo sacrifícios para ele diariamente. Evidentemente, ainda havia crença no poder da vida vegetal. 
 
Às vezes, os rituais e histórias do século II d.C. que Pausânias descreve eram totalmente mágicos por natureza. No Monte Licaão, o sacerdote de Zeus usava orações e um galho de carvalho, baixado em uma fonte, para acabar com as secas. Em Citéron, um tronco de árvore — escolhido cuidadosamente de um bosque de carvalhos seguindo um presságio de pássaro — foi moldado em uma imagem para ser a "noiva" de Zeus. A história conta que, na origem, isso era um truque para tirar Hera de um mau humor. Colocando a imagem em uma carroça com uma mulher como "dama de honra", o povo local costumava levá-la ao pico do Monte Citéron e acender uma enorme fogueira. Pausânias também relata uma história de que, junto com o raio lançado na câmara nupcial de Sêmele, caiu do céu um tronco, que Polidoro decorou com bronze e chamou de Dionísio. Essas histórias podem refletir alguma memória de que as primeiras estátuas de divindades no período histórico eram feitas de madeira; historiadores da arte notaram como as primeiras estátuas de pedra do período Arcaico mostram uma certa rigidez e restrição, como se os artistas ainda não tivessem se ajustado ao fato de não estarem mais trabalhando com um tronco de árvore. 
 
Pausânias também conta a história sobre o tição dado pelas Parcas a Altéia. Esse tição estava vinculado à vida de seu filho Meléagro, que não morreria enquanto o tição não fosse consumido pelo fogo; mas ela o queimou em fúria e com o tição em brasas matou o filho quando ele poderia ter vivido para sempre. Temas da Primeira Idade do Ferro, como a conexão das árvores com os ciclos de nascimento e morte, são reafirmados. O Hino Homérico a Apolo conta como, em Delos, Leto deu à luz Apolo sob uma palmeira. Séculos depois, o tema do nascimento divino sob árvores ainda é atual, e Pausânias registra em seu Livro VII uma alegação dos sâmios de que Hera nasceu em Samos sob um salgueiro que, mesmo em seu tempo, crescia no Heraeum. Ele também descreve em seu Livro IX um santuário de Hermes na Beócia contendo os restos de um medronheiro (Arbutus Andrachne) sob o qual Hermes foi nutrido. Árvores também eram frequentemente localizadas em túmulos. Em Tebas, por exemplo, o túmulo de Menoekeus tinha uma árvore de romã crescendo nele. A oliveira sagrada de Atena na acrópole ficava ao lado do túmulo de Kekrops. O herói Alcmaeon tinha ao redor de seu túmulo ciprestes que, de acordo com Pausânias, o povo local não cortava porque acreditava que eram sagrados, chamando-os de "donzelas". Pausânias narra a história dos poetas de que nos tempos antigos as ninfas cresciam em árvores  especialmente carvalhos  e ele registrou que o povo de Tithorea alegou que sua cidade recebeu o nome de uma dessas ninfas. Novamente, o material é diverso e nem todo o simbolismo das árvores é feminino. 
 
É claro que na Grécia, no século II d.C., árvores sagradas, espíritos das árvores e divindades das árvores continuavam florescendo. Na Arcádia, Pausânias conhecia um carvalho sagrado para Pã, fora de Tegeia; e um plátano perto de uma fonte em Cafiae, que recebeu o nome do herói da Guerra de Tróia, Menelau, que se alegou ter sido plantado por ele. Comparando isso com outras árvores sagradas que já eram antigas em seu tempo, Pausânias menciona o salgueiro crescendo no santuário samiano de Hera como o mais antigo, seguido pelo carvalho em Dodona, a oliveira na acrópole em Atenas e a oliveira na ilha sagrada de Delos. Aqui, extraí apenas alguns dos livros de Pausânias, mas mesmo esta pequena amostra dá uma impressão de quão significativas eram as árvores nas práticas religiosas locais na Grécia na antiguidade tardia. E embora os livros de história muitas vezes sejam silenciosos sobre a importância desta vertente da religião popular, há imagens que contam a mesma história. 
 
A Fig. 35, por exemplo, é um relevo votivo que provavelmente ficava na vila de Herodes Ático, na área do Mosteiro de Loukou em Kynouria, no Peloponeso, no século II d.C. "A interpretação desta cena simbólica é obscura", dizia o rótulo ao lado da placa no Museu Arqueológico Nacional de Atenas. No entanto, com sua figura feminina sentada sob uma árvore, de frente para ela com uma tigela no colo, uma estátua feminina em menor escala de pé ao lado do tronco em uma base segurando uma cesta com oferendas e outra pequena figura realmente na árvore e tocando os galhos, que são decorados com uma fita ou filete, não parece precipitado interpretá-lo como alguma forma de culto à árvore. As palavras esculpidas ao redor da cena dão mais algumas pistas. EUTÊNIA esculpida na base da estátua significa "prosperidade"; EPÍKTESIS nas costas da cadeira da mulher sentada significa "aquisição adicional"; e ‘TELETÊ’ (‘rito’ ou ‘cerimônia’) gravado na frente do rosto da mulher, entre ela e os galhos, confirma a impressão de que a cena mostra um ritual focado em uma árvore, e projetado para trazer riqueza e prosperidade. 
 
Outros usos de árvores e vegetação continuaram. Pausânias registra em alguns lugares o uso de plantas e seus unguentos para cura, e seus escritos também deixam claro que o papel tradicional das árvores no acesso à cura e inspiração não foi esquecido. Em Arkadia (Livro VIII), Pausânias registra que entre os cineteus, não muito longe de sua cidade, havia uma fonte de água fria chamada Alisso, que tinha propriedades curativas e era conhecida como curadora da loucura, com um plátano acima dela: uma combinação familiar de árvore e fonte. As qualidades especiais do plátano aparecem em outra história, de Acaia (Livro VII), onde uma cidade é fundada como resultado da visão de um homem que experimentou um sonho enquanto dormia sob um plátano. Outros usos de árvores e vegetação continuaram. Pausânias registra em alguns lugares o uso de plantas e seus unguentos para cura, e seus escritos também deixam claro que o papel tradicional das árvores no acesso à cura e inspiração não foi esquecido. A conexão de Hesíodo com a vida vegetal é lembrada, enquanto Pausânias zomba de uma estátua em Argos mostrando Hesíodo com uma harpa: "não é uma coisa apropriada para Hesíodo carregar, pois seu próprio texto deixa claro que ele compôs com uma varinha de louro". (Confira o Capítulo Um, em que ele se mostra estar não só familiarizado com, mas também estar-se referindo à passagem da Teogonia sobre o processo criativo de Hesíodo). Ele também descreve uma pintura famosa em Delfos que inclui uma seção mostrando Orfeu, o cantor-poeta misticamente inspirado, segurando sua harpa na mão esquerda enquanto com a direita ele toca um salgueiro: 'São os galhos que ele toca, e ele está encostado na árvore.' Orfeu está segurando seus meios de criatividade, um em cada mão: harpa na esquerda, galho na direita. 
 
Os escritos de Pausânias mostram que no outro extremo do período da antiguidade grega, no século II d.C., algumas árvores especiais eram conhecidas individualmente e os cultos às árvores ainda floresciam.  
 
 
* Dra. Lucy Goodison é uma arqueóloga britânica que obteve seu PhD em Arqueologia Clássica na University College, Londres. Começou sua carreira escrevendo scripts para documentários televisivos, como diretora de documentários históricos e arqueológicos para "Chronicle" da BBC, quando se manteve interessada em filmes e artes, Sua carreira subsequente seguiu 3 principais trajetórias concorrentes e entrelaçadas: pesquisadora independente especializando-se no Mar Egeu pré-histórico e primitiva religião grega; como médica, apresentadora de workshop e instrutora de terapias corporais; e como ativista em campanhas comunitárias, especialmente saúde, saúde mental e deficiência. Essas diferentes vertentes de atividade influenciaram seus escritos, que vão de textos acadêmicos a jornalismo e livros para leitores leigos sobre terapia de autoajuda e questões simbólicas, somáticas e sociais.
 
 
II. NOTAS EXPLICATIVAS DO TRADUTOR
 
 
¹  A Tree Lady é um relato biográfico para crianças sobre a vida de Kate Sessions, "A Mãe do Balboa Park", em San Diego.

² De acordo com a mitologia grega, o louro era associado ao deus Apolo e simbolizava a vitória, o sucesso e a sabedoria. Apolo é sempre representado com uma coroa de folhas de louro, com uma luz irradiando dessa coroa, como o deus Sol. 

³ A Fonte de Castália, entre as Phaedríades em Delfos, é onde todos os visitantes de Delfos — os competidores nos Jogos Píticos e especialmente os peregrinos que vinham consultar o Oráculo de Delfos — paravam para se lavar e matar a sede; também é aqui que as Pítias e os sacerdotes se purificavam antes do processo de pronúncia do oráculo.


Gea (ou gê ou gaia), a Terra, segundo [BRANDÃO, 2023, 6ª reimpressão, 272], foi concebida como elemento primordial e deusa cósmica, diferenciando-se, assim, teoricamente de Deméter, a terra cultivada. Conforme Hesíodo, na Teogonia (116-122), Gea surgiu após o Caos. De sua união com Urano (o Céu), foi mãe dos Titãs e Titânidas, dos Cíclopes e dos Hecatonquiros.
Fonte: BRANDÃO, Junito de Souza: Dicionário Mítico-Etimológico, Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2023, 771 p (volume único).

Conforme [BRANDÃO, idem, 586], Thêmis é uma das Titânidas, filha de Gea e Urano. Apesar de ser uma Titânida, foi admitida entre os imortais do Olimpo, onde foi honrada e respeitada não só por sua ligação amorosa com Zeus, mas também pelos inúmeros serviços prestados aos deuses, no que se refere a leis, ritos e oráculos, sendo titular antiga do oráculo pítico. Senhora de capacidade profética, advertiu a Zeus e Posêidon que não se unissem à nereida Tétis, do contrário esta daria à luz um filho mais poderoso que o pai e, igualmente, advertiu a Atlas que um filho de Zeus  no caso, Hércules arrancaria os pomos de ouro do jardim das Hespérides. Como personificação da justiça ou Lei Eterna, aconselhou a Zeus, na luta contra os Gigantes, bem como teve a ideia de recomendar a Guerra de Tróia a fim de equilibrar a densidade demográfica da terra. 

Num trabalho anterior, tratei amplamente de uma viagem que fiz à Grécia em companhia de minha esposa, durante o outono de 2013. Ali relatei, em nossa 2ª excursão, entre outras coisas, minha passagem por Dodóni, município da região do Epiro (noroeste da Grécia), onde tive a oportunidade de visitar a antiga cidade de Dodona com o seu santuário de mesmo nome, sítio do mais antigo oráculo da Grécia. No trabalho apresentei minha tradução para trecho do capítulo 2 ("As vozes artificiais de Dodona") do livro The Mystery of the Oracles: the last Secrets of Antiquity, por Philipp Vandenberg, referente às Notas Explicativas # 5 e 6, abordando as razões para a decadência do santuário e muitas outras informações sobre o mais antigo oráculo dos Gregos.

Segundo Vandenberg, os Selli (Σελλοί) eram "sacerdotes excessivamente austeros de Dodona que viviam nas montanhas, aos quais era proibido lavar os pés e deviam dormir no chão". E continua: "Na época da guerra de Tróia, é provável que os sacerdotes Selli estivessem ainda em ação, pois na Ilíada se encontra a seguinte passagem:
    'Ó Zeus soberano, dodônio, pelásgico, que vives longe e governas a hibernal Dodona, cercado pelos teus profetas e Selli, que deixam seus pés sem lavar e se deitam no chão. Escutaste-me quando te supliquei antes, e mostraste-me tua consideração por mim golpeando terrivelmente o exército dos Aqueus. Atende-me ainda outro voto.' (Homero, Ilíada, XVI, 233-238)".

Na Grécia antiga, a Fócida era uma região na parte central, que incluía Delfos.
 
[BRANDÃO, ibidem, 42, verbete Altéia] registra que "uma tradição assevera que esse tição era um galho de oliveira a que Altéia deu à luz juntamente com o filho".
 

III. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
Apollonius of Rhodes, Jason and the Argonauts, trans. EV Rieu, Penguin Books, Harmondsworth, Middlesex, 1995 (first publ. 1959), 22–3 

Blake, William, ‘The Marriage of Heaven and Hell’ (etched c1793), in J Bronowski, ed, William Blake: A Selection of Poems and Letters, Penguin Books, Harmondsworth, Middlesex, 1973 (first publ. 1958), 93–109, here 96 

Blue Guide, see Robin Barber, Blue Guide: Greece, A & C Black, London and WW Norton, New York, 1990, 443–457 (Delphi), here 450 

Boetticher, Carl, Der Baumkultus der Hellenen, Weidmannsche Buchhandlung, Berlin, 1856 

Buxton, Richard, Imaginary Greece:The Contexts of Mythology, Cambridge University Press, 1994, 108, 91–2 

Coldstream, JN, Geometric Greece, Methuen, London, 1979, 329–331 (sanctuaries during ‘dark age’), 330 (prehistoric Delphi), 355 (‘crown of light’) 

Dákaris, Sotírios, Dodona, Archaeological Receipts Fund, Greece, 1993, 8, 9 

Eurípides, Ion, most accessible in Euripides, The Bacchae and Other Plays, trans. Philip Vellacott, Penguin Books, Harmondsworth, Middlesex, 1970 (first publ. 1954), 35–82 

Evans, Arthur J, The Mycenaean Tree and Pillar Cult and Its Mediterranean Relations, Macmillan, London, 1901, 203 

Frazer, James George, Pausanias’s Description of Greece, Vol. IV, Macmillan, London, 1998, 227 

Gordon, Richard, ‘Imagining Greek and Roman Magic’ in Valerie Flint, Richard Gordon, Georg Luck and Daniel Ogden, Witchcraft and Magic in Europe: Ancient Greece and Rome, The Athlone Press, London, 1999, 159–276, here 162 (decisions about religion being political), 228 (quoting Iamblichus) 

Hamilton, Mary, Greek Saints and Their Festivals, William Blackwood and Sons, Edinburgh and London, 1910, 35 (‘Phaneromeni’), 170 (Ithome), 202–5 (rags on trees) 

Herodotus on Dodona, see, most accessibly, Herodotus, The Histories, trans. George Rawlinson, Everyman, JM Dent, London and Charles E Tuttle,Vermont, 1992 (first publ. 1910), Book 2, Paragraphs 52–57 on 146–148 

Homeric Hymn to Apollo, lines 244–544; Homeric Hymn to Demeter, passim; both most accessible in Hesiod, the Homeric Hymns and Homerica, trans. HG Evelyn-White, Loeb Classical Library, Heinemann, London and Harvard University Press, MA, 1982 (first publ. 1914) 

Nilsson, Martin P, The Minoan-Mycenaean Religion and its Survival in Greek Religion, CWK Gleerup, Lund, 1950 (first publ. 1927), 305–6 and 466–7 (prehistoric Delphi), 523–532 (Ariadne and Helen), 527 (death of Ariadne), 623–9 (sea journey to Elysium) 

Parke, HW, Greek Oracles, Hutchinson University Library, London, 1967, 19, 21, 73–4, 75, 77, 80, 82, 84 

_________, The Oracles of Zeus, Basil Blackwell, Oxford, 1967 

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Pausânias, most accessible in the Loeb Classical Library Editions: Pausânias: Description of Greece, books I-X 

Persson, AW, The Religion of Greece in Prehistoric Times, University of California Press, Berkeley and Los Angeles, 1942, 85 (boat of setting sun) 

Psilakis, Nikos, Monasteries and Byzantine Memories of Crete, Editions Karmanor, Heraklion, 1994, 34–8 (Angarathos monastery) 

Warren, Peter, ‘Tree Cult in Contemporary Crete’, in Loibe: In Memory of Andrea G Kalokairinou, Society of Historical Cretan Studies, Heraklion, 1994, 261–278, here 273–5

3 comentários:

Francisco José dos Santos Braga disse...

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
Prezad@,
Tenho o prazer de publicar minha tradução do 4º capítulo do livro de LUCY GOODISON intitulado ÁRVORES SAGRADAS E OUTRAS SURPRESAS ECOLÓGICAS, onde a autora recupera importantes informações sobre dois grandes santuários antigos: o de Delfos e o de Dodona, este muito mais antigo do que aquele. Ela observa que o papel de árvores especiais (o loureiro no primeiro e o carvalho no segundo) sobre a religião da Grécia clássica e da antiguidade tardia tem sido pouco reconhecido. Ela baseia seu texto em descobertas arqueológicas recentes.

Link: https://bragamusician.blogspot.com/2025/01/arvores-oraculares-ligando-passado-e.html

Cordial abraço,
Francisco Braga

Francisco José dos Santos Braga disse...

Heitor Garcia de Carvalho (graduado em Pedagogia pela Faculdade Dom Bosco (1968), mestre em Educação UFMG (1982), Ph.D em Educational Technology - Concordia University (1987 Montreal, Canada); MBA Gestão Tecnologia da Informação, Fundação Getúlio Vargas (2004); pós-doutorado em Políticas de Ensino Superior na Faculdade de Psicologia e Ciências da Informação na Universidade do Porto, Portugal (2008); professor associado do CEFET-MG) disse...
Interessante e instrutivo!

Francisco José dos Santos Braga disse...

Geraldo Reis (poeta, membro da Academia Marianense de Letras e gerente do Blog O Ser Sensível) disse...
Parabéns! Você, como sempre, trazendo aquele algo mais. A tradução que você, como tradutor e humanista "tira de letra" é mais uma lição. A matéria é sobremaneira interessante.
Forte abraço poético de
Geraldo Reis