sábado, 1 de agosto de 2015

VIVAS A LÉA SAYÃO!


Por Francisco José dos Santos Braga

Léa Sayão, 2ª filha de Bernardo Sayão (☆ Belo Horizonte, 23/11/1927 ✞ Rio de Janeiro, 08/10/2011)

I.  INTRODUÇÃO


Tendo conhecido a minha homenageada em profundidade, como poucos tiveram essa oportunidade, acredito que ela se sentiria melhor homenageada, caso nossa atenção se voltasse para seu pai, Bernardo Sayão (de Carvalho Araújo). Vou relatar apenas um fato para comprovar o que digo. Léa foi candidata pela Arena, em 1974, a Deputada Federal, pelo Estado de Goiás, o que não se concretizou, ficando apenas na suplência, por causa do maior poder econômico dos seus adversários. Sobre a campanha assim ela se manifestou em carta de 11 de abril de 1975, à "Tia Du", após as eleições de 1974, conforme se pode ler na capa final de seu livro "Meu pai, Bernardo Sayão" (6ª edição, 2004):
"Não pense que fiquei sem forças; pelo contrário, com essa grande experiência aprendi muito! Agradeço a Deus a sorte que tive durante a campanha: viagens boas, tendo sido respeitada e homenageada, divulgando o nome e a obra de meu pai. O que foi, é e será sempre o mais importante para mim. Escreva logo. (...)" 
Aqui ela conseguiu resumir o objetivo central de sua própria vida: divulgar as realizações de seu pai, não obstante atuassem ambos em áreas diferentes. Ele era engenheiro-agrônomo e político, porém gostava mesmo é de ser construtor de estradas. Assim ela logrou resumir as principais características da personalidade paterna (idem, p. 25):
"Espírito irrequieto, amava as aventuras e tinha como distrações: sonhar e planejar horas a fio, em seu modesto escritório, planos e mais planos. Abre um grande mapa do Brasil sobre a mesa e com um lápis enche-o de rabiscos, cortando-o por quase todos os lados, traçando novas estradas e estudando as regiões..., os rios navegáveis. Fica encabulado com o Centro do Brasil: precisavam unir o Norte ao Sul deste País. E foi assim que traçou a ESPINHA DORSAL... depois 'viriam as costelas'." 
Por isso, atendendo o desejo dela de sempre priorizar as ações de seu pai, não poderia deixar de, em curtas palavras, situar a atuação de seu pai no cenário nacional.


II.  BREVES NOTAS SOBRE BERNARDO SAYÃO: VIDA E OBRA 


Bernardo Sayão (☆ 18/06/1901, Rio de Janeiro ✞ 15/01/1959, Açailândia)
Bernardo Sayão, engenheiro e político brasileiro, nasceu em 18 de junho de 1901, na cidade do Rio de Janeiro, filho de João Carvalho Araújo, engenheiro e Diretor da Central do Brasil, e Alice Sayão Carvalho Araújo. Formado em 1923 na Escola Superior de Agronomia e Medicina Veterinária de Belo Horizonte, teve como principal projeto o desenvolvimento da região central do Brasil.  Com o lançamento, no Governo Vargas, da "Marcha para o Oeste", Bernardo foi designado para fundar a Colônia Agrícola de Goiás (CANG), que deu origem à cidade de Ceres. Em seguida, comandou a construção de 142 km da BR-14, ligando Anápolis a Ceres. Em razão do trabalho bem-sucedido lá realizado, foi eleito vice-governador de Goiás pelo PSD em 1954, chegando a governar o Estado interinamente por três meses, de 31/01 a 12/03/1955. Em setembro de 1956, tornou-se um dos diretores da NOVACAP, ao lado de Ernesto Silva e Íris Meinberg, sendo Israel Pinheiro o presidente. Nesta condição contribuiu significativamente, com sua liderança e carisma, para a credibilidade e início das obras da construção da Nova Capital Brasília. Em 1958, o presidente Kubitschek o encarregou de construir o trecho sul da Transbrasiliana (a Rodovia Belém-Brasília), com 2.169 km de extensão. Acompanhando pessoalmente as obras, veio a falecer aos 57 anos, em 15 de janeiro de 1959, vitimado pela queda de uma árvore sobre a sua barraca, durante as obras da rodovia Belém-Brasília, em Açailândia (MA). Bernardo Sayão empresta seu nome a um município brasileiro, em Tocantins, e às principais ruas e avenidas de várias cidades às margens da referida Rodovia. Também empresta seu nome à própria Rodovia Belém-Brasília, que viu sua denominação alterada para BR-010 Rodovia Bernardo Sayão através do Decreto nº 47.763, de 02/02/1960, do Presidente JK, publicado no D.O. de 05/02/1960.

Avião da Força Aérea localiza Bernardo Sayão e sua equipe no meio da mata



 III.  MINHAS IMPRESSÕES


De acordo com o filósofo escocês David Hume, o conhecimento tem sua origem na experiência, nas percepções que temos acerca da experiência. Estas percepções ou são fortes, chamadas então de impressões, ou são uma derivação destas, intituladas meramente de ideias, isto é, uma espécie de percepção mais fraca. Também considera que existe uma considerável diferença entre as percepções da mente quando o homem, por exemplo, sente uma dor e quando relembra, mais tarde, a sensação daquela dor ou a antecipa pela imaginação. Essas faculdades humanas tentam copiar as percepções dos sentidos, mas jamais alcançarão a vivacidade e o vigor do sentimento original.

É exatamente o que vou exercitar aqui, mesmo sabendo que não vou chegar à metade do vivenciado. Foi muito forte e vivo o envolvimento que tivemos (minha esposa Rute Pardini e eu) com nossa amiga Léa Sayão nos seus treze últimos anos de vida, mas sei que não conseguirei reproduzir aqui, com tal diapasão de vivacidade, as emoções que vivemos em contato com essa mulher excepcional, a grande gama de intuições que ela punha em ação diante dos problemas, o seu enorme senso de realização, não só no campo prático, mas também no campo das Letras. Distinguiu-se especialmente como escritora e como o que hoje chamam de produtora cultural, de forma leiga, não convencional ou profissional.

Diferentemente de seu pai, a saudosa Léa era enfermeira, datilógrafa, taquígrafa e mãe exemplar.

Léa Sayão Carvalho Araújo era natural de Belo Horizonte, segunda filha de Bernardo Sayão Carvalho Araújo e Lygia Mendes Pimentel Carvalho Araújo (filha de Francisco Mendes Pimentel e Áurea), cujo casamento ocorreu em 16/10/1925. Sua irmã mais velha: Laís. Órfãs de mãe, Bernardo Sayão criou suas filhas para amar e conhecer as fronteiras de seu País e trabalhar a seu lado nas selvas, enquanto ele se dedicava à abertura de novas rotas através das ínvias matas da "Marcha para o Oeste". Enquanto suas amigas "debutavam no Rio, Léa se aventurava nas selvas, banhando-se nas águas frias do rio das Almas, indo a uma roça buscar mamão e algumas vezes uma abóbora, para a refeição da família. Eu me lembro muito bem de Léa sentada num tronco seco debaixo de uma barraca coberta de capim, ensinando os cansados trabalhadores a ler e a escrever, sob a luz de uma lamparina de querosene", escreveu Joan Lowell no prefácio do livro de Léa, "Bernardo Sayão em Quadrinhos". Após a morte de Lygia, sua primeira esposa, Bernardo Sayão casou a segunda vez com a amazonense Hilda Fontenele Cabral em 25/10/1941. Desse casamento, nasceram Fernando Carvalho Araújo, Bernardo, Lia e Lílian. Em 1952 Laís casou com um diplomata e se mudou para Nova Iorque, enquanto Léa escolheu acompanhar o pai que sempre viajava na frente para novas missões: delinear o mapa da colônia agrícola de Ceres-GO (onde Léa ensinava a crianças e colonos) e desbravar a estrada Belém-Brasília (enquanto Léa seguiu para a Nova Capital com o objetivo de sedimentar as sementes do saber e fundar diversas entidades filantrópicas). Ela, ao acompanhar seu pai em suas missões, viveu em acampamentos construídos às pressas, ensinou peões a ler e a escrever, viajou em canoa, passou fome e frio e foi uma das poucas brasileiras que podiam proclamar com orgulho: "Vi nascer a estrada Belém-Brasília, a principal rodovia do País", "Vi nascer e crescer Brasília", cidade que ela amava com todo seu coração. Inteligente, trabalhadora, corajosa, simples, educada, culta e patriótica, pode-se dizer que Léa era uma autêntica pioneira da Nova Capital. Foi muito verdadeira quando escreveu um livro bilíngue ilustrado, intitulado "Brasília, eu te amo, Brasília, I love you" .

Ainda em 1952, Léa teve a sua primeira atuação "política", ao fundar em Anápolis a Liga Social Feminina, entidade filantrópica de amparo à infância desvalida. É extensa a lista das entidades filantrópicas que ou fundou ou ajudou a fundar. Por exemplo, ajudou a fundar vários partidos políticos do DF, contribuiu para a fundação da Associação dos Seresteiros do DF, Associação de Imprensa de Brasília, ANE-Associação Nacional de Escritores, Sindicato de Jornalistas do Estado do Rio de Janeiro, International Women' s Club Rio de Janeiro, APE (Brasília-DF), Pestallozzi (Brasília-DF), Casa da Mãe Preta, Liga Social de Brasília, Associação Cristã Feminina de Brasília, quando fundou e trabalhou durante cinco anos com creche e cursos. Dizia-se magoada com determinada diretora que a sucedeu, por ter abandonado um terreno no setor de grandes áreas que ela (Léa) havia conseguido. Junto, de cambulhada, perderam-se barracos, bibliotecas, máquinas de costura e de datilografia. Também foi Assistente Social do Projeto Terceira Idade.

Foi admitida no Senado Federal em 1961. Secretariou os seguintes Senadores: Juscelino Kubitschek (MG), Gilberto Marinho (RJ), Benedito Valadares (MG), Domício Gondim (PB), Osires Teixeira (GO), Eurico Rezende (ES), Moacyr Dalla (ES), Marcondes Gadelha (PB) e Olavo Pires (RO). Em 1989, aposentou-se e passou a trabalhar com serviços sociais, fundando com o apoio do Governo a Escola Agrícola Bernardo Sayão em São Sebastião do Distrito Federal. 

Foi casada com Milton Propício de Pina, que faleceu cedo deixando-a responsável pela educação de seus dois filhos, Milton de Pina Júnior (economista residente no Rio de Janeiro) e Bernardo de Pina (excepcional), que fazia questão de ser chamado por "Dr. Brama". Júnior, como costumava chamar o primeiro, deu-lhe duas netas (Júlia e Alice Matos de Pina) que lhe deram muita alegria. Também criou Léa um filho adotivo que aparecia, principalmente, no seu aniversário, no apartamento 206 do Bloco F da SQS 107, em Brasília, onde ela residia. 

Léa fez questão de fazer a seguinte dedicatória a mim, em seu livro "Nosso Melhor Amigo" (o cão, "o único que não faz cachorradas na vida!", costumava dizer), para crianças, com o qual conquistou o 1º prêmio como livro documentário sobre o cão na Academia Internacional de Ciências e Letras de MG. Assim escreveu na dedicatória a mim: "Ao grande pianista Francisco Braga, esperando que algum dia você tenha um amigo inigualável, um 'au-au' na sua vida. Com um abraço afetuoso, Léa Sayão. Brasília, 28/08/1999."

Mas Léa Sayão considerava mesmo sua grande obra o seu livro "Meu pai, Bernardo Sayão", onde ela se revela boa historiadora. Convém lembrar que ela era membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal.  O exemplar de "Meu pai, Bernardo Sayão" que possuo é o da 6ª edição, de 2004, publicado pelo Centro Gráfico do Senado, reconhecendo a importância dos trabalhos realizados por Bernardo Sayão e colaborando, com essa iniciativa, para a sua divulgação para as futuras gerações. Dirigindo-se aos caros leitores, na introdução, Léa Sayão deixou claro que tinha a pretensão de que esse livro "levasse aos jovens de alta têmpera, do amanhã, a palavra de fé, de um grande exemplo em vida real." E finalizou sua mensagem de forma lapidar: "Papai não nos deixou fortuna, mas sim a maior de todas as heranças: UM NOME HONRADO."

Como amante da cultura popular e destacada carnavalesca que era, tinha um compromisso marcado e improrrogável, que consistia no seu desfile na ala das Baianas da Estação Primeira da Mangueira, no Rio de Janeiro. Até o Natal, Léa precisava ter colocado seus compromissos de Brasília em dia, porque no Ano Novo sua atenção se voltava inteiramente para o Carnaval e sua adorada Mangueira. E ninguém a segurava mais em Brasília. Era divertido vê-la despedindo-se das amigas, entrando em seu "carrão" com seus cãezinhos e Dr. Brama. Seguia ela para a sua residência no Rio: rua Gustavo Sampaio, nº 358, aptº 304, Leme. A cerca de 1.200 km de distância.

Léa foi também uma grande organizadora de festas. A primeira delas, a que compareci, ela realizou na Churrascaria do Lago, em Brasília, em 29 de outubro de 1999 (véspera de minha viagem a Berlim  fruto de uma bolsa que obtive do Instituto Goethe de Brasília — e que se estendeu a Atenas, onde passei o Ano Novo de 2000). Até minha mãe, Celina dos Santos Braga, compareceu, atendendo um convite especial da organizadora. A seguir, apresento o convite que Léa Sayão preparou para esse grande evento:
























A pedido de Léa, fiz a apresentação de uma série de peças de Chiquinha Gonzaga para piano, num piano digital recentemente adquirido sob a minha orientação pela Casa do Poeta Brasileiro, seção Brasília, com a autorização da sua presidente Maria de Lourdes Reis. Sobre esse piano digital lembro que foi adquirido com muita dificuldade, através de uma "ação entre amigos", ou seja, com a contribuição dos membros efetivos da Casa do Poeta Brasileiro, inclusive a minha. Por isso, é que no verso de uma fotografia ela exibe, com o dedo indicador e médio da mão direito, o "V" de Vitória com os dizeres:
Dedicatória de Léa Sayão no verso da fotografia

Festa organizada por Léa Sayão na Churrascaria do Lago, em Brasília, quando me apresentei ao piano tocando Chiquinha Gonzaga (outubro de 1999)





Eternos amigos





O destaque principal ficou para a música "Ó abre alas!", da imortal Chiquinha Gonzaga. Léa alugou um grande salão da Churrascaria do Lago e ali todos os presentes bailaram ao som da música dessa grande pioneira brasileira do choro, do cateretê, da valsa, da mazurca, etc.

Quanto a essas festas, praticamente fui a todas desde 1999, a maioria no salão de festas do Bloco C da SQS 109 (onde residia a presidente da Casa do Poeta Brasileiro, seção DF, a saudosa e inesquecível poetisa Maria de Lourdes Reis, autora de "Neco — primeiro e único..."). Léa era extremamente cuidadosa na organização da festa, não poupando seu dinheiro para abrilhantar o encontro: tudo já estava detalhadamente planejado para uma grande noite, todo o salão decorado, os músicos postados em seu lugar para suas apresentações aguardando a entrada dos convidados e a ocupação das mesas impecavelmente enfeitadas com toalhas limpas e buquês de flores. Dentre esses músicos, havia sempre a presença marcante do compositor, acordeonista e violonista Nestor Kirjner, um gaúcho radicado em Brasília desde 1973, que animava essas festas e embalava esses encontros com sua arte. Muito solicitado nesses encontros era seu "Canto-Brasília", resultado de uma feliz parceria de sua letra com a melodia de Tiãozinho Rodrigues, fundador do conjunto brasiliense "Squema Seis". Na ocasião, esse velho menestrel de Brasília era diretor cultural da Casa do Poeta Brasileiro e atualmente é o diretor musical do Coral Alegria que dirige com inegável competência há 13 anos, assina a coluna "Toques Musicais" do jornal "Lago Notícias" desde 1998, sendo também meu confrade na Academia Taguatinguense de Letras.

Entre os frequentadores mais assíduos dessas festas estava o poeta Senador Áureo Mello, com experiência reconhecida na arte de Calíope desde pelo menos 1945, quando editou "Luzes Tristes". 

Este autor em animada conversação com o Senador Áureo Mello
Tínhamos grande afinidade em virtude de ser ele natural de Santo Antônio do Madeira (MT), mas ter vivido boa parte de sua vida no Amazonas e eu ter servido o governo de Rondônia em 1987 na condição de secretário-adjunto da Fazenda, no governo do amigo comum, governador Jerônimo Santana, o "Bengala", que ele então apoiava. Além disso, tínhamos outro amigo comum, o Deputado José Barbosa, figura pitoresca e original, residente em Nova Friburgo-RJ, poeta como ele.

Anos mais tarde, em nossas alegres reuniões da Casa do Poeta Brasileiro (Poébras) - Seção de Brasília-DF em que ele atuara como sócio-fundador e então seu vice-presidente, costumávamos pedir-lhe que declamasse "aquele" seu longo poema. Estou a vê-lo ainda enchendo de lágrimas os nossos olhos, declamando sua "Poesia da Enchente". Faleceu em 21/01/2015, deixando em todos enorme saudade, desapontado com o monopólio estatal da Petrobrás, que ele, como "intimorato defensor da grande causa nacional", tanto ajudara a firmar, hoje "desfigurada pela corrupção mais espantosa" e vergonha nacional.
          " Tu tá veno, cuirão? Tu tá veno, José?
          Eu num disse qui a inchente esse ano era braba?
Cadê tua juta agora? Eu quero vê cumo é
Qui vai-se arisurvê! Suco! Água qui nunca acaba!"

E o rio vai galgando as carnes do barranco
Cobrindo os capinzais, os troncos assediando,
Seguindo, mata a dentro, em desmedido arranco,
Aos lagos e igapós as águas germinando...  (...)

 E concluía com as duas últimas estrofes mais esperadas:

          Plantar roças sobre água? Impossível! Pescar
          Ele o pode fazer, mas com dificuldade,
                    Que lhe resta, afinal? É remar, é remar

                    E ir como outro já fez, mendigar na cidade...

          "Vucê, se me ajudá, cumpatrício do sur, 
          Vai ganhá de presente umas cuisa incantada: 
          Vu mandá pra vucê, já "feito", irapuru 
          E olho de buto, viu? Suco! Inchente zangada!" 
Nessas festas organizadas por Léa Sayão havia ainda outros poetas e poetisas desfilando sua verve: Ydê Afonso, João Henrique Serra Azul, falecido recentemente (enxadrista e poeta eternizado em poema de Gustavo Dourado, presidente da Academia Taguatinguense de Letras), as saudosas Maria de Lourdes Reis (a inesquecível criadora de "Neco" e presidente da Casa do Poeta Brasileiro, seção Brasília) e Stella Rodopoulos, dentre outros. Também havia pessoas simples que buscavam um bom círculo de amizades, tais como a Ivonilda da Silva Santos, ou "Ive" como a chamávamos, que diabética e praticamente cega se mudou para Macaé-RJ onde faleceu, e o filho de Léa, Bernardo apelidado "Dr. Brama", que a acompanhava em todas as suas aparições públicas. Claro que, quando a gente cita nomes, automaticamente comete omissões graves e esta é a razão por que me penitencio antecipadamente por não citar todos os nomes distintos, dignos de serem relembrados neste artigo.

Na festa  O CLONE, organizada por Léa Sayão, todos os convidados trajados a caráter em 2002 de acordo com a novela da TV Globo. Da esq. p/ dir.: Rute Pardini, minha esposa, o autor e Léa Sayão.


Algumas dessas festas se realizavam em sua residência (apartamento 206 do Bloco F da SQS 107), especialmente as que comemoravam as datas natalícias de Léa e Dr. Brama. Em todas elas, Léa Sayão primava pelo bom gosto, sendo excelente anfitriã, e estava sempre rodeada de muitos amigos.


Aqui apareço entre Léa e Maurício, filho da amiga Ivonilda da Silva Santos, "Ive"; em pé, minha esposa Rute Pardini e outra convidada


Guardo com carinho a Medalha do Primeiro Centenário do Nascimento de Bernardo Sayão, que me foi outorgada em solenidade realizada no Catetinho, recebida, com muito orgulho, das mãos de Léa Sayão, em 14 de setembro de 2002.

Léa Sayão me outorga a Medalha do Centenário de Bernardo Sayão festejado em 2001
Outra festa digna de menção foi, no saguão do Senado, a comemoração do 40º aniversário da Rodovia Bernardo Sayão (em substituição à sua antiga denominação de Transbrasiliana ou Rodovia Belém-Brasília):

Minha esposa Rute Pardini recebendo o primeiro pedaço do bolo que comemorava o 40º aniversário da Rodovia Bernardo Sayão, novo nome dado  à Rodovia Belém-Brasília pelo Decreto nº 47.763, de 02/02/1960, do Presidente JK, publicado no D.O. de 05/02/1960...


... tendo na mesma festa ocorrido distribuição de CDs em homenagem a Brasília

E finalmente:
Da esq. p/ dir.: O autor, sua esposa Rute Pardini, Deputado José Barbosa, escritora Léa Sayão, 
uma amiga e Ivonilda da Silva Santos, a "Ive", na residência desta última no Lago Norte (set/2002)

Antes de finalizar essa simples homenagem a Léa Sayão, notável mulher, mãe e amiga, gostaria de lançar aqui um desafio. Ela, durante os anos de nossa convivência, nutria a esperança de ver a vida de seu pai mostrada nas telas das salas de cinema, achando que o enredo poderia constituir-se num ótimo "script" nas mãos de um bom cineasta. Como excelente biógrafa de seu pai, Léa esperava que a monumental saga relatada em "Meu pai, Bernardo Sayão" fosse seguida de um filme, baseado no seu trabalho. Lamentavelmente, tal não se deu, não obstante tivesse encetado entendimentos com Sílvio Tendler e outros cineastas para tratar do referido projeto.

O Brasil é um país carente de heróis, o brasileiro está desesperadamente em busca de um herói. A cada eleição presidencial acha que deu seu voto para um herói ou salvador da Pátria, quando, mais tarde, desencantado, se apercebe de ter-se enganado terrivelmente, mas continua com fé na próxima eleição.

É de se esperar que algum desses cineastas se convença da importância da empreitada e, inspirado por Eisenstein no que tange o registro cinematográfico dos grandes feitos da nação russa, realize a intransferível missão de levar para as telas a vida do verdadeiro herói brasileiro, nosso bandeirante moderno Bernardo Sayão.



IV.  TEXTOS SELECIONADOS SOBRE BERNARDO SAYÃO



Para prefaciar o seu livro "Meu pai, Bernardo Sayão", quando do lançamento original, Léa convidou o Presidente Juscelino Kubitschek para dar seu testemunho indelével sobre o grande bandeirante moderno. Ei-lo, apud [SAYÃO, 2006, 21-2]:


Encontro com um Herói
"Quando desci pela primeira vez de bimotor da FAB em campo de pouso improvisado nas terras do sertão goiano, onde três anos e meio depois estaria construída a nova capital do Brasil, um homem lá me aguardava, pronto para colaborar comigo na histórica tarefa que poucos acreditavam fosse até o fim e muitos consideravam apenas fantasia de visionários. Esse homem era Bernardo Sayão. Antes desse encontro, que recordo como um dos momentos mais importantes da minha vida, dois ou três contatos, na verdade muito rápidos e furtivos, serviriam somente para fixar-lhe o porte majestoso, a fisionomia sempre risonha e amável. Conhecia a sua legenda de desbravador. Sabia da sua energia e do seu desprendimento na direção da Colônia Agrícola Nacional em Goiás. Na minha campanha eleitoral, em 1955, percorrendo o Brasil Central, sentira por toda parte o prestígio e o carinho que cercavam o fundador de Ceres, respeitável por ser um trabalhador infatigável, amável por ser um amigo incomparável. Não havia duas opiniões diferentes, no conceito, pode-se dizer unânime do povo goiano, que espontâneamente o fizera candidato e o elegera vice-governador do grande Estado.
Mas não bastaria nem a legenda do bandeirante, nem a impressão dos primeiros contatos, para que eu pudesse realmente apreender a magia de Bernardo Sayão. Só naquele dia em que ele me apareceu de dentro da selva, vestindo a rústica indumentária do pioneiro, tão naturalmente identificado com o meio, é que tive a exata noção da grandeza do homem que, havia menos de uma semana, nomeara para um dos cargos da NOVACAP. Nosso entendimento foi instantâneo. Disse-lhe com toda a franqueza que precisava de um diretor da NOVACAP disposto a não perder sequer um minuto do tempo que conspirava contra nós, um homem que fosse capaz de superintender os serviços, trabalhando sem descanso, dia e noite, mesmo que tivesse de dormir em baixo de uma árvore, numa barraca de campanha.
Conversávamos caminhando, enquanto procedíamos ao reconhecimento do terreno. Sayão quase que se limitava a ouvir-me. Parou de repente, junto a uma árvore. E, fazendo um gesto que envolvia uma porção de coisas espalhadas pelo chão, canastras, madeira cortada, esteiras, pedaços de lona, abriu seu largo sorriso para responder a todas as minhas perguntas.
"Aqui, Presidente, vou instalar a minha barraca, como o senhor deseja; estava esperando sua chegada para começar o serviço."
E, de fato, em poucos minutos, com auxílio dos primeiros voluntários, Bernardo Sayão tinha armado seu quartel-general em meio da mata. Parecia o homem mais feliz do mundo, certo de que, a partir daquele instante, o grande sonho da sua vida seria, afinal, concretizado e por ele mesmo vivido. E tal era o entusiasmo e alegria com que se entregara à rude tarefa que eu vi simbolizado naquele homem simples todos os anseios dos que lutaram pela interiorização da capital, desde Tiradentes e José Bonifácio aos autores das três constituições democráticas da República. Levantando sua barraca, o bandeirante Bernardo Sayão como que revivia numa só imagem todos os heróis que se esforçaram para que o Brasil cumprisse, sem demora, seu destino de grande nação.
Prefaciando este livro, ao fim do meu mandato de Presidente da República, não será inoportuna a confidência: da minha primeira viagem ao Planalto Central, depois de construída a NOVACAP, regressei com a certeza de que Brasília seria terminada no curto prazo que tínhamos pela frente. Foi Bernardo Sayão que me deu esta certeza. Era um dom que ele possuía, e que agora verifico pela leitura das reminiscências de família, sempre presente em toda a sua existência, essa capacidade de transmitir confiança a todos os que viviam ao seu redor e recebiam o calor da sua poderosa individualidade. A mesma sensação de segurança na palavra e na sua ação eu a tive em todos os momentos da nossa íntima e intensa convivência em meses que valeram anos de nossas vidas, não apenas no impulso inicial de Brasília, como no planejamento e na execução de outra obra talvez mais difícil e arrojada, a Transbrasiliana.
Não é este livro uma biografia no sentido clássico da palavra.
Nem obra de um profissional na arte de escrever. É antes um ato de amor filial. Nisso resume sua característica essencial e constitui sem dúvida seu maior mérito. Ao escrevê-lo, Dona Léa Sayão expressou os episódios que julgou mais interessantes da vida paterna, da infância até a sua morte heróica, reunindo aí alguns bilhetes e recortes de jornais. São lembranças comovidas que refletem a grande ternura do bom gigante Bernardo Sayão aos pais e aos irmãos, à primeira como à segunda esposa, aos filhos e aos netos. O lado humano domina todas essas carinhosas recordações, ao mesmo tempo que projeta para a história a figura do grande bandeirante do século XX, que a posteridade tornará ainda maior do que hoje a contemplamos.
Como um ramo de flores, piedosamente depositado no túmulo de Sayão, este pequeno livro encerra uma doce e consoladora lição: a de que os heróis também são humanos, capazes de amar e inspirar amor.
Brasília, janeiro de 1961, JUSCELINO KUBITSCHEK
(grifos meus)



Da Revista Time, "Meu pai, Bernardo Sayão" transcreveu o seguinte trecho intitulado "Fim da estrada". Ei-lo ¹ apud [SAYÃO, 2006, 267-8]:
"BRAZIL
End of the road
Brazil's Paul Bunyan is no myth. He is called Bernardo Sayão Carvalho Araújo, and for three decades he has walked with giant steps through the jungles, dustlands and prairies of his country' s vast wilderness. A deep-chested man, big and handsome, he dreamed of heading every column of men who ever plunged into Brazil' s forests to build a road. Next week Sayão' s biggest dream will come true as two bulldozers symbolically touch blades in a jungle clearing, closing the last gap in Brazil' s historic first north-south road, across the bulge for 2,567 miles from the mouth of the Amazon to the Uruguayan border (Time, Oct. 27).
Road of Life. From the day in 1924 when he left college with an agricultural degree and headed for the frontier, Sayão aimed his life at last week' s climactic moment. He began as a surveyor, sighting lines across the endless acres of Mato Grosso and Paraná. In 1941 the government set him to building a model agricultural colony, with roads, town and a checkerboard of farms. Seven years later he started on his life' s work building the great north road. He pulled together a kind of foreigh legion of road builders men with murky backgrounds or driving idealism, with strong backs or quick minds. In nine short months he built 125 miles of road and surveyed another 30 miles, at a cost of $ 250,000. Politics pulled him off the road job, and he watched with restless fury as his inept successors spent the next nine months merely finishing, at a cost of $ 500,000, the 30 miles he had already surveyed. Sayão exploded: "They are trying to build a highway with hydrangea bushes and parkways. That is nonsense. First we must have a simple road a pioneer way straight through to the Amazon. They are choking on mosquitoes when they should be swallowing elephants."
The Meeting Point. When the President Juscelino Kubitschek took office in 1956, he put the builder back to work. Sayão started one crew driving north, another slicing south. He shuttled from one team to the other, wheedling, prodding, inspiring. He drove trucks, manhandled bulldozers, plunged elbow-deep in grease to get stalled equipment running again. He fought off marauding swarms of insects in Amazon swamps, faced wild animals and Indians.
One afternoon a fortninght ago, with his teams only 30 miles apart, Sayão stood watching the work. Ax bits bright with use sliced the trunks of 200-ft. trees. Suddenly one swayed, twisted crazily, plummeted down on Sayão. His skull was fractured, his right arm left leg shattered. That night, in a jungle town 20 miles away, he died. At memorial services last week President Kubitschek tried to explain the meaning of Sayão' s death. "It was nature' s revenge," said Kubitschek, "against this incomparable modern pioneer. The highway path for the liberation of our nation and greatness will bear his name." (Time, February 2, 1959.

Para rechear essa simples homenagem a Léa Sayão, gostaria de transcrever aqui trecho da matéria intitulada "Há 50 anos morria Bernardo Sayão, engenheiro que ajudou a construir Brasília", publicado originalmente no Correio Braziliense, disponível in Justilex. ² Finalizando a referida matéria, o jornal colocou um texto de Ernesto Silva, na época diretor, como Bernardo Sayão, da Novacap, intitulado A Morte de Sayão, verbis

Transcrevemos aqui trechos do depoimento do Presidente Kubitschek ("Por que construí Brasília", Edições Bloch, 1975), sobre a morte de Bernardo Sayão Carvalho de Araújo, nosso companheiro de Diretoria da Novacap e líder da construção da estrada Brasília-Belém:
"1958 chegara ao fim. Olhando o caminho percorrido, cheguei à conclusão de que deveria estar satisfeito. 
Contudo, são desconcertantes os desígnios da Providência. Em face de tão encorajadores acontecimentos, eis que, logo no início de 1959, um fato trágico enluta toda a Nação: a morte de Bernardo Sayão, em 15 de janeiro de 1959. 
Vi-o pela última vez, dois meses antes. Foi em Imperatriz, por ocasião de uma viagem de inspeção. 
Uma semana antes de 15 de janeiro, Sayão enviara um bilhete ao acampamento de Açailândia, dizendo: 'Se não mandarem matimentos, estamos com os dias contados.' Um avião Cessna sobrevoava a frente de trabalho, e, dele, caíram os pára-quedas com os mantimentos pedidos. 
Ameaçado de morrer de fome, Bernardo Sayão pensava, com determinação, na construção do campo de pouso. Era o objetivo imediato, importante, porque o presidente da República deveria ali descer no dia 31 de janeiro. Tudo ficara combinado, quandos nos avistamos, pela última vez, em Imperatriz. 
Enquanto as árvores eram derrubadas, ele, Gilberto Salgueiro e Jorge Dias discutiam debaixo da barraca. Gilberto saiu, por um momento, para converir uma informação. Nesse momento, ouviu-se um estrondo. 'A árvore! a árvore!'gritaram os trabalhadores. 
De súbito, sua figura hercúlea destacara-se entre a galharia deitada. Estava de pé. Mas mortalmente ferido. Uma enorme fratura exposta na perna esquerda e o braço do mesmo lado esmigalhado. 
Pela primeira vez na sua história, Brasília sustou a respiração, sentindo que lhe faltava ar nos pulmões. Havia tristeza e ansiedade. Respirava-se silêncio e consternação. 
Mais de uma vez, ele me disse: 'No dia em que a Belém-Brasília estiver concluída, posso partir para sempre.' Não viveu para assistir a esse espetáculo. Mas deixou tudo pronto, para que a cerimônia se realizasse na data marcada." 
Finalizando essa breve homenagem a essa grande mulher, Léa Sayão, gostaria de encerrar este artigo com uma página inesquecível do grande historiador de Brasília, Dr. Adirson Vasconcelos, publicada no jornal CORREIO BRAZILIENSE, em 9 de setembro de 1967, apud [SAYÃO, 2006, 453]:
Brasília
Adirson Vasconcelos
O período pré-inauguração de Brasília, principalmente na fase de construção da cidade, entre 1956 e 1960, está todo cheio de fatos curiosos, na sua maioria retratando o ambiente de trabalho e entusiasmo existente.
Conta-nos o Sr. Álvaro C. dos Reis que, sendo amigo de Bernardo Sayão, resolveu, nos idos de 1956, deixar todos os seus afazeres, em Goiânia, e vir a ele juntar-se para "a grande aventura".
Depois de dois dias de viagem, vencendo "caminhos de carro-de-boi", atoleiros e chuva forte, chegou ao local da "futura Brasília"e, fianlmente, à barraca de Sayão. Era noite alta. Alguém o aconselhor a só procurá-lo no dia seguinte, pela manhã. Assim fez.
Logo cedo, sete horas, foi à barraca de Sayão. Mas não o encontrou, pois já havia saído. 
Indagou, então, de um homem que cavava uma fossa nas proximidades das barracas de lona, onde poderia encontrar o Dr. Sayão.
A resposta veio pronta e ingênua:
—  Dr. Sayão saiu cedo. Olhe o rastro dele...
Era o rastro de um trator. Sayão saíra abrindo uma estrada de acesso ao futuro aeroporto.
E, seguindo o "rastro de Sayão", o Sr. Álvaro foi encontrá-lo quilômetros à frente, acionando a potente máquina. 

V.  NOTAS  EXPLICATIVAS


 
¹  Minha tradução:  O Paul Bunyan ³ brasileiro não é um mito. Ele é chamado Bernardo Sayão Carvalho Araújo, e por três décadas tem andado com passos de gigante através da floresta, terras com erosão eólica e planícies do vasto ermo de seu país. Sayão é um homem peitudo, forte e bonito, que sonhava chefiar toda coluna de homens que sempre mergulhasse na floresta brasileira para construir uma estrada. Na próxima semana, o maior sonho de Sayão se concretizará na medida em que duas máquinas para terraplenagem simbolicamente tocarem lâminas num clarão da mata, encerrando a última lacuna na primeira histórica estrada de norte a sul, ao longo do bojo por 4.107 km, da foz do Amazonas até a fronteira uruguaia. (Time, 27 de outubro)

Estrada da Vida. Desde o dia em 1924 quando deixou a faculdade com diploma de engenheiro agrônomo e tomou a direção da fronteira, Sayão acertou sua vida no momento culminante da última semana. Ele começou como topógrafo, fazendo mira em retas através dos infindáveis acres de Mato Grosso e Paraná. Em 1941 o governo contratou-o para construir uma colônia-modelo agrícola, com estradas, cidade e um tabuleiro de fazendas. Sete anos mais tarde deu início ao trabalho de sua vida — a construção da longa estrada rumo norte. Ele ajuntou uma espécie de legião estrangeira de construtores de estrada — homens com obscuras formações ou idealismo propulsor, com costas fortes ou mentes ligeiras. Em apenas nove meses ele construiu 200 km de estrada e fez o levantamento topográfico de outros 48 km a um custo de US$ 250,000.00. A política o desviou do trabalho com as estradas, e ele assistiu com fúria impaciente ao gasto de US$ 500,000.00 de seus sucessores ineptos para fazerem o levantamento topográfico nos próximos nove meses simplesmente concluindo os 48 km que ele já tinha feito. Sayão explodiu: "Eles estão tentando construir uma auto-estrada com moitas  de hortênsia e arborização central ou lateral. Isso é tolice. Primeiro precisamos ter uma estrada simples — um jeito desbravador — diretamente através da floresta até o Amazonas. Eles estão se engasgando com mosquitos, quando deveriam estar engolindo elefantes."

O Ponto de Encontro. Quando o Presidente Juscelino Kubitschek assumiu em 1956, ele voltou com o construtor ao trabalho. Sayão iniciou com uma equipe dirigindo para o norte, outra enviesando para o sul. Ele movia-se de lá e de cá, de uma equipe à outra, persuadindo, estimulando, inspirando. Ele dirigia caminhões, manejava máquinas de terraplenagem, enterrava o fundo do cotovelo na graxa a fim de levar o equipamento "afogado" a funcionar de novo. Ele combateu enxames de insetos predadores nos pântanos amazônicos, enfrentou animais e índios selvagens.

Uma tarde, duas semanas atrás, com suas equipes apenas 48 km separadas, Sayão ficou observando o trabalho. A ponta do machado brilhante com o uso fatiava os troncos de árvores de 60 metros. De repente um oscilou, torceu loucamente, desabou sobre Sayão. Seu crânio foi fraturado, seu braço direito deixou a perna despedaçada. Aquela noite, numa cidade florestal a 32 km de distância, ele morreu. Nos funerais, a semana passada, o Presidente Kubitschek tentou explicar o significado da morte de Sayão. "Foi vingança da natureza", disse Kubitschek, "contra este incomparável bandeirante moderno. A rodovia — rota para a liberação de nossa nação e grandeza — terá seu nome. " (Time, 2 de fevereiro de 1959)

²   Cf. in http://justilex.jusbrasil.com.br/noticias/597516/ha-50-anos-morria-bernardo-sayao-engenheiro-que-ajudou-a-construir-brasilia

³  Diferentemente de Bernardo Sayão que é um homem de carne e osso, Paul Bunyan, para os americanos do norte, era e continua sendo uma figura mítica: um lendário lenhador gigantesco que aparece em alguns relatos tradicionais do folclore norte-americano. Frequentemente Paul Bunyan é representado em imagens em companhia de um touro gigante azul chamado Babe. De acordo com a lenda, Paul e seu touro Babe escavaram o Grand Canyon, um dia em que Paul passou por ali arrastando seu machado pelo chão atrás de si, o que teria feito as famosas fendas do desfiladeiro norte-americano. Muitas cidades disputam ser o "lar" do gigante. Akeley, em Minnesota é uma delas. Também em Minnesota outra cidade reivindica: Kelliher, onde há um parque chamado Paul Bunyan Memorial Park. Também nos estados de Michigan e Wisconsin, há outras cidades reivindicando o célebre status. A maior estátua de Paul Bunyan está em Bagor, no Maine; por isso, Bangor reivindica ser tanto a terra natal da indústria madeireira e o local de nascimento de Paul Bunyan. Essa lendária figura já foi tema de opereta (Paul Bunyan op. 17, por Benjamin Britten) e de filme, dirigido por Walt Disney em 1958. Cf. https://youtu.be/SoG94ieN828 em 2 partes.

    Ou, mais precisamente, o trecho inteiro:
"Morre de pé, no meio das últimas resistências da floresta imensa, quando o termo dos seus árduos trabalhos estava à vista. Quem o feriu foi justamente uma dessas numerosas árvores que ele teve que abater para que o Brasil abrisse o seu mais difícil caminho [...] Caiu num golpe fatal, vibrado por toda a selva, através de um dos seus gigantes vegetais. Foi uma vingança da natureza na pessoa desse bandeirante moderno, desse desbravador incomparável." (KUBITSCHEK, 1959: 15-6 apud SILVA, 2014, 34) 
De acordo com [SILVA, 2014, 31],
"A tipologia do desbravador indicava que esse arquetípico bandeirante era classificado como animista (fundamentado em mitos) e seu ethos inspirava a constituição de um espírito coletivo que justificava e motivava o enfrentamento dos mitos inibidores. Com relação aos mitos inibidores podemos perceber que, tanto nos textos ideológicos do Estado Nacional quanto nos diferentes textos que divulgavam a morte de Sayão, a natureza era vista como a grande força inibidora da grandeza nacional: 'era o general de uma batalha terrível. Morreu em combate contra a floresta'. No caso da construção da rodovia Belém-Brasília, a mitificação do neobandeirismo acontecia, não mais por meio das lendas que apelavam para o sobrenatural, mas pelos desafios geográficos que inibiam a integração entre as regiões norte e sul do país." 



VI.   AGRADECIMENTO


Com exceção das 3 primeiras fotografias, todas as outras foram tiradas ou formatadas pela minha esposa Rute Pardini, a quem dirijo meus agradecimentos mais veementes.




VII.  REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS



SAYÃO, Léa: Meu pai, Bernardo Sayão, Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 2006, 591 p.


Bernardo Sayão em Quadrinhos, Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 2004, 96p.

Nosso Melhor Amigo, [s.n.], Brasília, 1992, 76 p.

Mãe Preta: Casa da Mãe Preta-Núcleo Bandeirante-DF, [s.n.], Brasília, 1992, 69 p.


SILVA, Sandro Dutra: O desbravador do Oeste e as narrativas do enfrentamento e devastação da natureza na construção da Rodovia Belém-Brasília. Revista Catarinense de História [on-line], Florianópolis, nº 23, p. 21-36, 2014.


10 comentários:

Marcelo Nóbrega da Câmara Torres (ex-Consultor do Senado Federal, jornalista, escritor, editor, consultor cultural e especialista em cachaça) disse...

Braga, também conheci e convivi, pouco, é verdade, com a Léa, no Senado, nossa colega. Uma boa e gentil pessoa. Abr Marcelo.

Adirson Vasconcelos (advogado, administrador, professor, jornalista, acadêmico de diversas Academias, autor de mais de 30 livros, Conselheiro de Cultura do DF) disse...

Obrigado, caro Braga. Fui amigo de Lea e do pai dela, o Dr Sayão. Um abraço do Adirson

Antônio Molina disse...

Bom dia

Prezado , Braga

OK,

Grato pelo belo trabalho .

Abraços

Molina

José Cláudio Henriques (escritor, jornalista, redator de O Grande Matosinhos e presidente do IHG de São João del-Rei) disse...

Parabéns pela matéria Francisco.

Benjamin Batista (escritor, cantor, presidente da Academia de Cultura da Bahia) disse...

Muito bom.

Luzia Rachel dos Santos Braga (arquiteta, pintora, pianista, funcionária pública trabalhando com urbanismo em Florianópolis) disse...

Caros Francisco e Rute Pardini,
Muito, muito obrigada por este grande favor, por todo este empenho de vcs. Deus proteja a vinda deste querido amigo - o velho piano - que foi um dos ultimos sons ouvidos pela Mamãe.
A vc, Francisco, meu muito obrigado e gratidão pela sua generosidade e compreensão, qdo deu seu ok pela dádiva que a Mamãe me deu - este piano. Na verdade, ele foi adquirido inicialmente para seus estudos - que, com tanto sacrificio, ia noturnamente todo dia para a casa do Abgar, tendo, como seus "companheiros", Luiz e eu. A cada noite, novo choro...e voltávamos sempre animadíssimos, gostando de ter ido...Ás vezes fomos tbem com vc para o Ginásio Santo Antônio, passávamos por aqueles corredores pouco iluminados, salas enormes, e vc lá, tocando, tocando... Hanon, Bach, etc...
E como td isso que compartilhamos com vc nos impulsionou!!!
Por vc principalmente, por Mamãe que me incentivou a vida toda para que eu tocasse sempre, e por outros bons amigos incentivadores, posso hoje me sentar ao piano e me deliciar com este belo instrumento.
MUITO OBRIGADO, QUERIDO IRMÃO!!

OBRIGADA, RUTE! Que maravilha você ser uma musicista também e dar toda esta força para que o Francisco continue a espalhar a música pelo mundo.

Qdo vierem a Florianópolis, faço questão que vcs venham ao nosso apto e vejam este nosso amigo lá.
Abraços,
Luzia Rachel dos Santos Braga

Tânia Tavares disse...

Boa tarde !
Agradeço pelo envio dessa bela narrativa sobre Bernardo Sayão e sua filha Léa Sayão .
Realmente as pessoas não dão o devido valor a quem o merecem. Lendo esse seu trabalho,tive o conhecimento como eles foram importantes para todos nós.
Léa Sayão acredito ter sido uma mulher de extrema grandeza no saber e no viver. Uma bela homenagem. Parabéns! Grande abraço,
Tânia Tavares

Anônimo disse...

Parabéns pelo trabalho. Bernardo Sayao é um orgulho nacional.

José Passos de Carvalho (jornalista, escritor e presidente da Academia Lavrense de Letras) disse...

Agradeço a gentileza do envio de seus artigos e pesquisas, que merecem minha atenção, ricas de informações e conteúdo raro.

Muito obrigado.

Passos de Carvalho - Lavras

Dener Luiz da Silva (professor universitário de História da Psicologia e Psicologia da educação e é um dos coordenadores do CEDOC-Centro de Documentação e Pesquisa em História da Psicologia, da UFSJ) disse...

Prezado Francisco Braga, boa tarde.
Nós ainda não fomos apresentados formalmente um para o outro. Eu, certamente, sou o mais humilde dos seus leitores. Gosto muito do seu Blogue e admiro seu encantamento pela língua grega e também pelos contornos da História de nossa cidade e nação.
Sou professor de Psicologia da Educação na UFSJ e natural de Santa Catarina, da pequena São Pedro de Alcântara, localizada há uns 50 km da capital Florianópolis.
Tornei-me mineiro por necessidade, preferência e decisão, já que cheguei em São João del-Rei após concurso público em 1996, aqui me casei com a Bete (natural de São Paulo) e tenho quatro filhos nascidos sanjoanenses.
Na faculdade leciono História da Psicologia e Psicologia da Educação, minhas duas especialidades. Dai, logo verás, meu interesse por seu Blogue, suas discussões de altíssimo nível, e seu zelo pela história.

Votos de um feliz segundo semestre de 2016,
atenciosamente,
dener