domingo, 31 de dezembro de 2017

RELATO SOBRE A MORTE DE MOZART


Por Sophie Weber Haibl (⭐︎01/10/1763 1846)

Tradutor da língua alemã: Francisco José dos Santos Braga


Sophie Haibl ¹ para Georg Nikolaus von Nissen ², Salzburgo

Diakovar, 7 de abril de 1825


Agora eu devo dizer-lhe sobre os últimos dias de Mozart. Bem, Mozart ficou cada vez mais querido de nossa mãe já falecida, ³  e ela dele. Realmente ele frequentemente vinha correndo apressado a Wieden (onde ela e eu estávamos morando no Goldener Pflug), carregando sob o braço uma bolsinha contendo café e açúcar, que ele entregava à nossa boa mãe, dizendo: "Aqui, querida mãe, agora você pode ter uma pequena "Jause". ⁴ Ela costumava ficar encantada como uma criança. Ele fazia isso muito frequentemente. Em suma, Mozart no fim nunca veio nos ver sem trazer algo.

Agora, quando Mozart caiu doente, nós duas lhe fizemos um casaco noturno que ele podia vestir na frente, uma vez que, em razão de estar inchado, não podia virar-se na cama. Então, como não sabíamos quão seriamente doente ele estava, nós também lhe fizemos um robe-de-chambre acolchoado (embora realmente sua querida esposa, minha irmã, nos tivesse dado os materiais para ambas as roupas), de modo que, quando ele se levantasse, ele tivesse tudo o que necessitava. Nós frequentemente o visitávamos, e ele estava realmente encantado com o robe-de-chambre. Eu costumava ir à cidade todo dia para vê-lo. Bem, um sábado, quando eu estava com ele, Mozart me disse: "Cara Sophie, diga à mamãe que eu estou razoavelmente bem, e que poderei ir festejar com ela a oitava do seu dia-do-nome." O que poderia ter sido mais encantador do que eu trazer tais notícias alegres à minha mãe, quando ela mal poderia esperar as notícias? Por isso, eu corri para casa para confortá-la, particularmente naquela situação que ele realmente parecia estar brilhante e feliz.

O dia seguinte era um domingo. Confesso que eu era jovem então e um tanto vaidosa e gostava de vestir-me bem. Mas eu nunca me preocupava de sair passeando de nosso subúrbio até a cidade com minhas roupas finas, e não tinha dinheiro para um passeio de carruagem. Então disse à nossa boa mãe: "Querida mamãe, não vou visitar Mozart hoje. Ele estava tão bem ontem que certamente estará bem melhor hoje, e um dia a mais ou a menos não fará grande diferença." Minha mãe disse: "Bem, escute isso. Faça-me uma xícara de café, e então eu lhe direi o que você deve fazer." Ela estava um tanto inclinada a manter-me em casa; e realmente minha irmã sabe quanto eu aprecio estar em sua companhia. Fui à cozinha. O fogo tinha apagado. Tinha que acender a lamparina e acender o fogo.

Durante todo esse tempo, estava pensando em Mozart.

Fiz o café, e a lamparina estava ainda queimando. Então percebi quão esbanjadora eu tinha sido com minha lamparina, isto é, como eu tinha queimado tanta cera. Ela estava ainda queimando brilhantemente. Eu olhei dentro da chama e pensei com meus botões: "Como eu gostaria de saber como Mozart está." Enquanto eu estava pensando e olhando na chama, ela apagou, tão completamente como se a lamparina nunca tivesse estado queimando. Nem uma faísca ficou no grande pavio, porém não havia a mais leve corrente de ar - isso eu posso jurar. Um sentimento horrível me dominou. Eu corri para minha mãe e lhe contei tudo. Ela disse: "Bem, tire suas roupas finas e vá à cidade, e traga-me notícias dele imediatamente. Mas não demore." Eu acelerei meus passos, dentro do possível. Ah, como me assustei, quando minha irmã, que ainda estava em desespero mas tentando conservar-se calma, veio para fora até mim, dizendo: "Graças a Deus que você veio, querida Sophie. Noite passada, ele estava tão doente que eu pensei que ele não estaria vivo esta manhã. Fique comigo hoje, pois se ele tiver outra recaída, ele falecerá hoje à noite. Vá visitá-lo e verifique como está." Tentei controlar-me e fui para a cabeceira dele.

Ele imediatamente chamou-me a si e disse: "Ah, querida Sophie, como estou alegre em sua companhia. Precisa ficar aqui hoje à noite e acompanhar minha morte."

Tentei seriamente ser corajosa e persuadi-lo do contrário. Mas para todas as minhas tentativas ele apenas replicava: "Uai, eu já sinto o gosto da morte na minha língua." E "quem sustentará minha queridíssima Constanze, quando eu não estiver mais aqui?"

"Sim, sim, querido Mozart", confortei-o, "mas eu preciso primeiro voltar até minha mãe e dizer-lhe que você gostaria que eu ficasse em sua companhia hoje. Do contrário, ela pensará que aconteceu alguma desgraça com você."

"Sim, volte", disse Mozart, "mas não demore."

Bom Deus, como me senti angustiada! Minha pobre irmã seguiu-me até à porta e pediu-me pelo amor de Deus para ir aos padres da igreja de São Pedro e implorar a um deles que viesse até Mozart - uma visita ocasional, como era o caso. Eu fiz isso, mas por um longo tempo eles recusaram vir, e eu tive muita dificuldade de persuadir um daqueles brutos clericais ir até ele. Então eu corri para minha mãe que estava ansiosamente me esperando. Já estava escuro. Pobre alma, como ela estava abalada! Eu a convenci de ir passar a noite com a sua filha mais velha, a velha Josepha Hofer . Eu então voltei correndo tão rápido quando podia para minha irmã distraída. Suessmayr estava na cabeceira de Mozart.

O bem conhecido Réquiem ⁶ estava sobre a colcha, e Mozart estava explicando a ele como, em sua opinião, devia terminá-lo, quando ele já estivesse morto. Além disso, ele pediu à sua esposa manter em segredo a sua morte, até que ela tivesse informado a Albrechtsberger ⁷, pois o posto deveria ser dele diante de Deus e do mundo. Foi feita uma longa busca por Dr. Closset, que foi encontrado no teatro, porém ele respondeu que teria que esperar pelo fim da peça. Ele veio e prescreveu cataplasmas frios a serem colocados sobre a cabeça ardente de Mozart, os quais, contudo, o afetaram numa tal extensão que ele ficou inconsciente e ficou assim até a morte ⁸.

Seu último movimento foi uma tentativa com sua boca de representar as passagens do tímpano no Réquiem. Isso eu ainda posso ouvir.

Mueller ⁹ da Galeria de Arte veio e tirou uma cópia de sua face pálida e defunta.

Faltam-me palavras, queridíssimo irmão, para descrever como sua devotada esposa em sua total desgraça ajoelhou-se para implorar ao Todo Poderoso por Sua ajuda. Ela simplesmente não podia separar-se de Mozart, apesar de minhas instâncias para fazer isso. Se era possível aumentar seu sofrimento, isso foi feito no dia seguinte àquela horrível noite, quando multidões de pessoas passaram e choraram e lamentaram por ele.

Durante toda a minha vida, eu nunca vi Mozart com um humor, menos ainda, zangado.

Meu querido, perdoe-me se tiver sido prolixa e entediante em minha carta. Eu não me lembro se contei à minha irmã sobre o incidente muito estranho - em minha opinião - com a luz, como tenho sempre evitado cuidadosamente reabrir suas feridas.

Oh! como Mozart se preocupou quando sua amada esposa necessitava algo. Assim foi certa vez em que ela jazia muito seriamente doente, e eu estava junto dela e cuidei dela por oito longos meses. Eu mesma sentei em sua cama, Mozart também. Ele compunha perto dela; observei seu doce sono depois de um longo período de insônia. Ambos ficamos quietos como túmulo de modo a não incomodá-la. De repente, um empregado desajeitado entrou no quarto. Mozart sobressaltou-se com medo de que sua querida esposa fosse perturbada em seu doce sono, acenou-lhe para ficar quieto, moveu a cadeia para trás dele; Mozart estava segurando um canivete na palma de sua mão. O canivete espetou entre a cadeira e sua coxa, de modo que a ponta enterrou profundamente em sua carne rígida até o cabo. Mozart, que era normalmente chorão, não moveu um músculo e cerrou seus dentes para reprimir a sua dor, e acenou para mim para acompanhá-lo para fora do quarto. Fomos ao quarto onde nossa mãe vivia escondida porque não queríamos que Constanze soubesse quão doente estava e de onde aquela poderia prestar imediata assistência. Nossa mãe enfaixou a perna dele e colocou Coubey em sua ferida profunda. E com óleo Johannes, ela foi bem sucedida em restaurar a sua saúde. Embora Mozart mancasse por causa da dor, ele conseguiu manter em segredo seu acidente, e sua querida esposa não descobriu o que lhe aconteceu.

Escreva para dizer-me se você já sabia de tudo isso ¹.

NOTAS  EXPLICATIVAS, por Francisco José dos Santos Braga


¹   Nesta nota de rodapé, serão fornecidas informações gerais com o objetivo de contextualizar a carta de Sophie Heibl a Georg Nikolaus von Nissen, de 1825. 

Maria Sophie Weber era irmã caçula de Constanze Mozart e é lembrada principalmente pelo testemunho que ela deixou a respeito da vida e morte de seu cunhado genial. A terceira filha de Fridolin Weber (meio-primo de Carl Maria von Weber) e Cäcilia Weber. Nascida em outubro de 1763 em Zell im Wiesental, numa família musical, a mais jovem de quatro irmãs (sendo as outras Josepha nascida em 1758; Aloysia nascida em 1760; e Constanze nascida em 5 de janeiro de 1762); parece que apenas uma não conseguiu fama profissional como cantora - Constanze -, embora Mozart considerasse que ela possuía uma bela voz e ouvido musical. Logo após o nascimento de Sophie, a família mudou-se para Mannheim, depois para Munique, e finalmente para Viena, seguindo a carreira florescente de Aloysia. A própria Sophie cantou no Burgtheater na temporada de 1780-1781, mas aparentemente não fez nenhum sucesso de longo prazo como cantora.

Mozart esteve com a família Weber em 1777, quando foi a Mannheim em busca de emprego. Nesta ocasião, apaixonou-se por Aloysia durante sua estada, mas logo ele teve que partir para Paris, por não ter encontrado nenhum cargo permanente em Mannheim. A família Weber mudou-se mais tarde para Munique, onde tanto Aloysia quanto Fridolin tinham obtido emprego na ópera. Foi em Munique que Mozart encontrou novamente a família Weber (e foi rejeitado por Aloysia). Em setembro de 1779, a família Weber mudou-se para Viena, ainda seguindo Aloysia que buscava carreira artística na ópera vienense. Com a morte de Fridolin um mês depois, a matriarca viúva Cäcilia Weber lutou para manter a família Weber de pé. Passou a fazer renda admitindo pensionistas e fez tratativas com um pretendente de Aloysia, chamado Joseph Lange, que concordou em socorrer a família com um estipêndio anual de 700 florins quando ele viesse a esposar Aloysia, o que aconteceu em 31 de outubro de 1779. Quando Mozart se mudou para Viena em 1781 e morou certo tempo com a família Weber em Wieden (perto de Viena) na condição de pensionista, parece ter flertado tanto com Sophie quanto com Constanze (com quem veio a se casar). É desta época o seu incompleto Allegro em Si bemol KV 400, que contém nas palavras de W. Dean Sutcliffe "um episódio melódico independente em sol menor, com os nomes de Sophie e Constanze Weber inscritos sobre um par de figuras em prolongado suspiro." Numa carta de 15/12/1781, Mozart descreveu Sophie como "de boa natureza, mas cabeça de vento". Quanto a Constanze, assim Mozart a descreveu em carta a seu pai Leopold: "Ela é apenas bonita porque possui dois olhinhos negros e uma boa forma." Os biógrafos de Mozart consideram este um dos mais felizes períodos de sua vida. Estava livre do Arcebispo Colloredo; estava vivendo em Viena, onde dava concertos; estava apaixonado; havia um potencial imenso para sua produção musical: tinha alunos e um editor (Artaria e Companhia). Para decorar o bolo, em cinco meses compôs uma nova ópera (a primeira vienense do compositor), um Singspiel em 3 atos, intitulado "O Rapto do Serralho", com libreto de Johann Gottlieb Stephanie (filho), que foi estreada no Burgtheater a 16 de julho de 1782, quando Mozart estava noivo de Constanze, fato que contribuiu para que ele não ficasse indiferente ao enredo da ópera (Constanze, a personagem da ópera, era uma de duas ocidentais raptadas por piratas turcos, vendidas a um harém, sendo no final salvas por seus noivos, no caso, por Belmonte, devido à magnanimidade do Paxá). Quando a Sra. Weber percebeu o intenso relacionamento amoroso de Mozart e Constanze, ela pediu a ele que desocupasse o imóvel, pelo bem da propriedade (sic) ou por razões de decoro. Parece que Mozart se mudou para outro imóvel, mas levou consigo Constanze. Em 4 de agosto de 1782, quando Mozart e Constanze finalmente se casaram, foi Sophie a única a comparecer à cerimônia matrimonial. Se a relação de Mozart com sua sogra foi marcado por uma crise no início, com o nascimento do primeiro filho em 1783, Mozart se tornou cada vez mais afeiçoado à Sra. Weber. O casal Mozart-Constanze teve os seguintes seis filhos: Raimund Leopold (nasc./fal. 1783); Karl Thomas Mozart (21/09/1784-31/10/1858); Johann Thomas Leopold (nasc./fal. 1786); Theresia Constanzia Adelheid Friedericke Maria Anna (1787-1788); Anna Maria (nasc./fal. 16/11/1789); e Franz Xaver Wolfgang Mozart (26/07/1791-29/07/1844). Ou seja, apenas dois filhos (Karl Thomas e Franz Xaver sobreviveram a infância. Mozart morreu em 1791, deixando dívidas. Neste momento, as aptidões de Constanze para negócio entraram em cena: apelou ao imperador em 11/12/1791 para uma pensão de viúva que lhe era devida, sob a alegação de que Mozart estivera a seu serviço como compositor de música de câmara em regime parcial, e obteve tal pensão do imperador, organizou uma série de concertos memoriais lucrativos e embarcou numa campanha para a publicação das obras de seu marido. Ao mesmo tempo, observou-se que a reputação musical de Mozart cresceu em seguida à sua morte, a ponto de seu biógrafo do século XX, [SOLOMON, 1995, 499], descrever aquele período como "onda sem precedentes de entusiasmo". Quanto a Constanze, seus esforços aos poucos tornaram-na financeiramente estável e, por fim, rica. Ela enviou seus filhos Karl e Franz a Praga para serem educados por Franz Xaver Niemetschek, com quem ela colaborou na primeira biografia de longa extensão de Mozart. [WOLFF, 2012, 8, apud Bauer] escreve: "Constanze, que sobreviveu o compositor por mais de meio século e, depois de sua morte em 1842, ainda deixou a seus dois filhos uma importante fortuna de uns 30.000 florins em caixa, debêntures e contas de poupança - tudo com base em ganhos provenientes da música de Mozart." 

Quando Mozart morreu, Sophie tinha 28 anos, e era a única filha ainda solteira na família. Ela vivia com sua mãe Cäcilia, mas frequentemente comparecia na casa de Mozart durante a breve e agonizante doença final e subsequente morte do cunhado, - considerada portanto testemunha ocular - ajudando Constanze a cuidar de seu esposo moribundo.

Sophie casou-se em 7 de janeiro de 1807 em Diakovar, na Slavonia (Croácia) com Jakob Haibel (1762-1826), tenor, ator, mestre de coro da catedral de Diakovar, compositor e autor de Singspiele, o qual, por volta de 1789, se juntou à companhia de atores de Emanuel Schikaneder. Foi também autor de uma  ópera, Der Tiroler Wastel, seu maior sucesso, de 1796, que foi encenada 118 vezes ao todo no Freihaus-Theater auf der Wieden. Após a morte de Haibel em 1826, Sophie mudou-se para Salzburgo, onde Constanze pela segunda vez se enviuvara e passara a morar. Depois de 1831, Aloysia, agora viúva, se juntou às duas, mas faleceu em 1839. As duas restantes continuaram a viver juntas até a morte de Constanze em 6 de março de 1842. Seis meses antes de sua morte, Constanze presenciou a ereção do memorial de Mozart em substituição a uma fonte barroca e uma estátua de São Miguel numa praça em Salzburgo, diante da casa ocupada por ela.

(textos levemente modificados para atender os nossos fins)

²   Esta carta histórica de Sophie datada de 7 de abril de 1825 (ou seja, 33 anos após os fatos vivenciados) enviada para o segundo marido de Constanze, Georg Nikolaus von Nissen (1761-1826), diplomata dinamarquês e historiador musical, com o propósito de ajudá-lo na biografia de Mozart que ele e Constanze estavam preparando desde 1823. Além desse depoimento, o casal também se beneficiou grandemente com 400 cartas da família Mozart doadas por Nannerl, irmã de Mozart. Além disso, Sophie foi também entrevistada por Vincent e Mary Novello em 1829 durante a viagem que estes empreenderam para coletar informações sobre Mozart.
Nissen trabalhou assiduamente para juntar todo material biográfico que ele pôde, incluindo entrevistas com pessoas ainda vivas que tinham conhecido o compositor. Infelizmente Nissen faleceu em 24 de março de 1826, sem concluir nem publicar a pretendida biografia de Mozart.
Apenas o prefácio pode ser atribuído a Nissen. A conclusão da obra, com base nas notas de Nissen, foi deixada ao médico e entusiasta de Mozart, Dr. Johann Heinrich Feuerstein (1797-1850). Uns entendidos consideram o novo autor "instável", resultando numa obra desastrosa em termos de qualidade. Outros consideram a obra problemática, questionando a confiabilidade de vários de seus relatos, acusando-os de plenos de contradições e de erros; acusam a obra de selecionar as cartas que cita e censura.
A biografia só foi publicada em 1829 e foi intitulada "Biografia de W. A. Mozart: com base em cartas originais e tudo o que foi escrito sobre ele, e com muitos novos suplementos, litógrafos, páginas de música e um fac-símile".
Outra possível fonte de imprecisão nesta biografia é atribuída à própria Constanze. De acordo com [SOLOMON, 1995, 501], biógrafo de Mozart do século XX, ela "tinha desenvolvido um interesse em exagerar a generosidade, a pobreza e a falta de reconhecimento de Mozart, e assim, na biografia de Nissen, ela validou muitos falsos relatos - principalmente os que originavam com o editor Friedrich Rochlitz - dando relevância para tais assuntos, inclusive os que alegavam que Mozart era explorado por empresários, editores e seus colegas músicos."


Cf. in https://en.wikipedia.org/wiki/Georg_Nikolaus_von_Nissen
 
Além dessas iniciativas de Sophie e Constanze, a irmã de Mozart, Nannerl, forneceu informações a Friedrich Schlichtegroll, que, aliadas às espirituosas anedotas e memórias de Andre Schachtner, um amigo da família Mozart da época da infância de Wolfgang, se constituíram base para um relato sobre os primeiros 25 anos da vida do compositor, ou seja, até 1781. Schlichtegroll (1765-1822) pode ser considerado o primeiro biógrafo de Mozart.

³  Sra. Cäcilia Weber, mãe de Constanze e Sophie, morreu em 22 de agosto de 1793.

⁴  Café da tarde.

⁵  Josepha Weber-Hofer, que em 1797 tinha casado com seu segundo esposo, o ator e cantor Friedrich Sebastian Mayer (1773-1835), morreu em 29 de dezembro de 1819.

(Talvez caiba aqui acrescentar o que descobri sobre Josepha enquanto cantora: Foi a primeira soprano a representar o papel da Rainha da Noite (parte famosa por exigir passagens difíceis de coloratura) na estreia altamente bem sucedida da ópera A Flauta Mágica (1791), de Mozart. De sua qualidade vocal, o New Grove diz: "De acordo com relatos contemporâneos, ela dominava uma tessitura muito aguda, mas possuía certa rispidez na voz e faltava-lhe presença de palco." Então, a primeira qualidade deve tê-la municiado para assumir as passagens muito difíceis da coloratura que Mozart escreveu para a parte da Rainha da Noite.)

⁶  O Réquiem K. 626. Seis meses antes, Mozart tinha sido comissionado pelo conde Franz Walsegg-Suppach para compor esse trabalho, que, contudo, tinha sido protelado devido à sua viagem a Praga no começo de setembro para a produção de A Clemência de Tito e à sua produção de A Flauta Mágica, estreada em 30 de setembro.

  Conforme a intenção de Mozart, Albrechtsberger, o organista da corte, sucedeu-o como assistente do Mestre de Capela na Catedral de São Estêvão, Leopold Hoffmann.

⁸  Mozart faleceu aos 55 minutos da madrugada do dia 5 de dezembro de 1791.

⁹   Conde Jozef Deym von Stritetz (1752-1804), pseudônimo Mueller, foi proprietário de uma loja de coleção de obras de cera, moldes de antiguidades, e atrações variadas, que, de 1797 em diante, ficou situada num edifício no canal do Danúbio. A máscara mortuária de Mozart desapareceu. De acordo com Nohl ("Mozart segundo Narrações dos seus Contemporâneos", p. 393), Constanze, um dia, ao limpá-la, estilhaçou a cópia em sua posse. Dizem que ela observou que "estava alegre com o fato de que tinha se quebrado a coisa feia velha" (A. Schurig, "Apontamentos de Leopold Mozart", p. 92)

¹  Daniel Wakin, em artigo no New York Times, inicia o artigo intitulado “Depois da morte de Mozart, uma infinita coda” com as seguintes indagações: "Há qualquer evidência médica direta? Nenhuma. Autópsia? Não foi realizada. Existem registros médicos? Nenhum foi encontrado. E quanto ao cadáver? Desapareceu." (...) Faltando evidência direta, os pesquisadores tiveram que confiar principalmente nos relatos pela viúva de Mozart, Constanze Mozart, e por sua irmã, Sophie Haibl, feitas três décadas mais tarde, quando então as memórias das testemunhas poderiam ter esmaecido. Também alguma evidência vem de um documento não datado pelo filho de Mozart, Karl Thomas, e de uma descrição – de novo, décadas mais tarde – por um médico vienense que conversou com os médicos que trataram de Mozart nos seus dias finais. Autoridades entendidas em medicina também examinaram relatos das doenças de Mozart nas cartas escritas por membros da família, especialmente por seu pai, Leopold, para descobrir indicadores relativamente à sua moléstia final. Especulou-se sobre uma anormalidade na forma do seu ouvido, o que levou alguns a sugerirem que tenha sido provável a falência do rim, uma vez que as deformidades do trato urinário são às vezes relacionadas a anormalidades do ouvido. (...) O quadro da doença final de Mozart está claro. Ele caiu de cama em 20/11/1791, depois de intenso período que produziu “A Flauta Mágica”, “A Clemência de Tito”, o concerto para clarineta, uma cantata maçônica e partes do seu Réquiem. Suas mãos e pés estavam inchados. Ficou apático, sofria ataques de vômito e estava com febre. (...) Em 4 de dezembro vários amigos aparentemente foram à cabeceira de Mozart cantar partes do Réquiem. Sobre esse evento Benedikt Schack, amigo íntimo de Mozart para quem ele escreveu o papel de Tamino em A Flauta Mágica, disse a um entrevistador que, no último dia de vida do compositor, participou de um ensaio do Réquiem, verbis
"Na mesma véspera de sua morte, Mozart mandou trazer a partitura do Réquiem à sua cama, e ele próprio (eram duas horas da tarde) cantou a parte do contralto; Schack, o amigo da família, cantou a linha do soprano, como já vinha fazendo previamente; Hofer, cunhado de Mozart, fez a parte do tenor; Gerl, mais tarde baixo do Mannheim Theater, fez a parte do baixo. Eles estavam nos cinco compassos de Lacrimosa quando Mozart começou a chorar amargamente, colocou a partitura de lado, e onze horas mais tarde, a uma hora da madrugada (de 5 de dezembro de 1791, como é sabido), despediu-se da vida." 
Esse questionável relato de Schack apareceu num obituário para Schack que foi publicado na edição de 25 de julho de 1827 da Allgemeine musikalische Zeitung.
De noite, Mozart piorou, e seu médico, Dr. Thomas Closset, foi convocado a vir do teatro, mas enviou recado de que viria tão logo a peça terminasse. Quando chegou, receitou compressas frias aplicadas sobre a cabeça de Mozart, o que as testemunhas disseram ter provocado tremor no paciente. Uma hora depois da meia noite, em 5 de dezembro Mozart estava morto, aos 35 anos. Dr. Closset diagnosticou a doença de Mozart como febre miliária (este termo é usado para descrever pústulas – efetivamente, uma erupção cutânea) aguda, registrada como causa mortis no livro de óbitos da Catedral de Santo Estêvão em Viena. O corpo de Mozart foi sepultado no distrito vienense de Landstrasse, no Cemitério de São Marcos, sem sinalização, numa sepultura comum, de acordo com a prática típica da época para a classe média vienense, o que dificultou que os restos mortais que eram indiscutivelmente dele ficassem disponíveis para teste.
Nesta altura, o artigo põe em cena algumas descobertas médicas. Dr. Karhausen encontrou 118 causae mortis que têm sido propostas para Mozart. Dr. Dawson recusa-se a dar seu próprio número específico. Mas divide as causas em cinco grupos: envenenamento, infecção, doença cardiovascular, doença renal e outros. Sangria como tratamento pode também ter apressado a morte de Mozart. 
A teoria de envenenamento – ou pelo colega de Mozart, Antonio Salieri, ou pelo próprio Mozart para tratar sífilis (uma doença excluída há muito tempo) – foi descartada bastante sumariamente depois de uma fofoca na virada do século XIX. Contam que o próprio Mozart, que tinha suspeitado envenenamento, então mudou sua mente em seus meses finais. 
Na categoria da infecção bacteriana têm sido propostas as seguintes:  endocardite, septicemia estreptocócica, tuberculose e infestação parasítica. A febre reumática tem sido a principal candidata desde um estudo por um médico suíço chamado Carl Bär que constituiu um marco em 1966. As causas de uma doença cardiovascular incluem um ataque e a falência congestiva do coração. A diagnose mais comum encontrada por Dr. Dawson foi a uremia, um acúmulo de toxinas no sangue causado por doença renal. Também a causa dos problemas renais de Mozart continua em discussão (...)
Cf. in http://www.nytimes.com/2010/08/25/arts/music/25death.html


Em 18 de agosto de 2009, a BBC Brasil noticiou que pesquisadores da Universidade de Amsterdam, na Holanda, apresentaram uma nova teoria sobre a misteriosa causa mortis de Mozart, num estudo publicado na edição daquela semana da revista Annals of Internal Medicine: Mozart teria sido vítima de complicações geradas por uma infecção bacteriana na garganta. A partir daí, microorganismos teriam infectado os rins do compositor, levando a uma síndrome nefrítica aguda (edema ou inchaço provocado pelo acúmulo de fluidos sob a pele) e à sua morte. Mas não descartaram a possibilidade de outras causas para a morte do compositor, como a febre escarlatina ou uma doença crônica do coração ou dos rins.




BIBLIOGRAFIA



SOLOMON, Maynard: Mozart: A Life, New York, NY: HarperCollins, 1995, 1ª edição. 

WAKIN, Daniel J.: "After Mozart's Death, an Endless Coda", The New York Times, edição de 24/08/2010.

WOLFF, Christoph: Mozart at the Gateway to his Fortune: Serving the emperor 1788-1791, New York: Norton.

11 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

MOZART, o divino, faleceu em 5 de dezembro de 1791, aos 35 anos de idade, vítima de uma febre reumática ou doença renal, diagnóstico mais comumente aceito pelos médicos que pesquisam as condições da morte do compositor.
Sua cunhada solteira, então com 28 anos, Sophie Weber (mais tarde Haibl) foi testemunha ocular desses últimos dias de Mozart.
Sua carta datada de 7 de abril de 1825 (ou seja, 33 anos após os fatos relatados) enviada para Georg Nikolaus von Nissen (diplomata dinamarquês e historiador musical) pretendia ser usada numa biografia de Mozart que este e sua esposa Constanze Mozart (viúva do extinto Mozart) estavam escrevendo desde 1823. O casal se beneficiou grandemente com 400 cartas da família Mozart doadas por Nannerl, irmã de Mozart.
Nissen trabalhou assiduamente para juntar todo material biográfico que ele pôde, incluindo entrevistas com pessoas ainda vivas que tinham conhecido o compositor. Infelizmente Nissen faleceu em 24 de março de 1826, sem concluir nem publicar a pretendida biografia de Mozart.
Apenas o prefácio pode ser atribuído a Nissen. A conclusão da obra, com base nas notas de Nissen, foi deixada ao médico e entusiasta de Mozart, Dr. Johann Heinrich Feuerstein (1797-1850). Uns entendidos consideram o novo autor "instável", resultando numa obra desastrosa em termos de qualidade. Outros consideram a obra problemática, questionando a confiabilidade de vários de seus relatos, acusando-os de plenos de contradições e de erros; acusam a obra de selecionar as cartas que cita e censura.
A biografia só foi publicada em 1829 e foi intitulada "Biografia de W. A. Mozart: com base em cartas originais e tudo o que foi escrito sobre ele, e com muitos novos suplementos, litógrafos, páginas de música e um fac-símile".
Outra possível fonte de imprecisão nesta biografia é atribuída à própria Constanze. De acordo com [SOLOMON, 1995, 501], biógrafo de Mozart do século XX, ela "tinha desenvolvido um interesse em exagerar a generosidade, a pobreza e a falta de reconhecimento de Mozart, e assim, na biografia de Nissen, ela validou muitos falsos relatos - principalmente os que originavam com o editor Friedrich Rochlitz - dando relevância para tais assuntos, inclusive os que alegavam que Mozart era explorado por empresários, editores e seus colegas músicos."

Eudóxia de Barros (insigne pianista e membro da Academia Brasileira de Música) disse...

Muito grata !!!
Bem interessante !
Feliz 2018 !!!
Cordial abraço,
Eudóxia.

José R. B. Bechelaine (escritor, orador, Acadêmico da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Obrigado, meu caro.

Dr. Marcelo Câmara (ex-Consultor do Senado Federal, jornalista, escritor, editor e consultor cultural) disse...

Braga e Rute, um Novo Tempo de Paz, Saúde e Alegrias! Com Cristo, sempre. Pergunto ao amigo, a propósito do texto que você editou sobre Mozart, se, pelo janeiro, se lhe enviar um artigo-ensaio, síntese da minha conferência na USP em 1991, Chopin - Lições estéticas de uma morte, publicada pela primeira vez na falecida revista VivaMúsica, do Rio, em 1996 - você a republicaria no seu blog? Aguardando, abrs Marcelo.

Vamireh Chacon Albuquerque (professor universitário e autor de Os Partidos Brasileiros no Fim do Século XX) disse...

Ótimo lembrar-nos Mozart neste começo de 2018 que seja feliz para todos nós.

Dr. Mário Pellegrini Cupello (escritor, pesquisador, presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, e sócio correspondente do IHG e Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Caro amigo Braga

Sabia da morte prematura do grande compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart, mas não conhecia os detalhes de seu falecimento com a riqueza de informações que o ilustre amigo fez a gentileza de enviar-me, pelo que agradeço.

A propósito: certa vez transcrevi no Informativo AVL – Ano VIII, edição nº 90 – maio/2011 – um interessante artigo intitulado “Mozart e as nossas ondas cerebrais”, de autoria de Elza Costa (Fonte: “Efeito Mozart” – Don Campbell, Ed. Rocco). Para seu conhecimento, esse artigo segue em anexo.

Na oportunidade renovo a você e família os votos de um Ano Novo repleto de saúde, paz e grandes realizações pessoais.

O amigo Mario.

Prof. Fernando de Oliveira Teixeira (professor universitário, escritor, poeta e presidente da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Muito obrigado, amigo Braga, pela importante e significativa informação biográfica do grande Mozart que, como todo gênio, acaba se tornando objeto de controvérsias. Ao ensejo, quero desejar a você e a Rute, sua esposa, um 2018 pleno das graças do Senhor do tempo e das vidas. E lhes desejo toda paz e todo bem hoe e sempre. Fernando Teixeira

Guershon Crispim disse...

Resumindo, o que se tem hoje não passam de relatos não tão fidedignos e que precisam na realidade passar por uma "peneira" para que se saiba mais sobre sobre este grandioso gênio da música clássica, Wolfgang Amadeus Mozart.


Um abraço.

Bohumil Med (trompista, professor universitário e autor e editor de várias obras sobre música) disse...

Prezado amigo Francisco Braga

Em primeiro lugar Feliz Ano Novo. Parabenizo-o pelos excelentes textos publicados na internet os quais certamente estão em nível de um musicólogo profissional.

Informo que publicamos a 5ª edição da minha teoria, toda refeita – veja a página da MusiMed.

Convencido pelos colaboradores da MusiMed, abri facebook – Coluna do Bohumil, vinculado ao facebook da MusiMed. Lá publiquei vários textos, sendo para mim um novo meio de comunicação.

Abraço

Bohumil Med

Juliano Goulart (pianista) disse...

Que legal seu blog, parabéns por ele. Tudo bem por aí? Saudade daquelas aulas do Jorge Antunes e dos colegas. Era bem divertido, né?

Grande abraço!!

Prof. Cupertino Santos (professor de história aposentado de uma escola municipal em Campinas) disse...

Bom dia, professor. E bom 2018!
Simplesmente interessantíssimo e fascinante seu trabalho sobre o celebérrimo e genial compositor! Muito boa toda a apresentação dos (des)caminhos da historiografia sobre ele, até os curiosos fatos em si! Não sei se a tal carta da cunhada dele foi anteriormente traduzida para o português, mas interessante mesmo.

Muito obrigado uma vez mais pela leitura e aprendizado.
Abraços.
Cupertino