quarta-feira, 4 de abril de 2018

STÉLIOS RÁMFOS: "NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICA, A ESQUERDA NAUFRAGOU, PORQUE EXATAMENTE VESTIA COM O UNIFORME DA SALVAÇÃO NACIONAL OS INTERESSES ABSOLUTOS"


Por Stélios Rámfos
(em entrevista a Thanássis Lálas da Real News, edição de 10/04/2016)
Texto traduzido do grego e comentado por Francisco José dos Santos Braga 

Stélios Rámfos fala com Thanássis Lálas e explica porque os Gregos são propensos a mentiras políticas (Entrevista a Real News, domingo 10-4-2016).
Filósofo Stélios Rámfos concede entrevista a Thanássis Lálas da Real News


Thanássis Lálas: O que mais te preocupa nessa situação que vivemos agora?
Stélios Rámfos: Em primeiro lugar, eu me divirto. A diversão é uma forma de evitar a depressão.
Thanássis Lálas: O que é que pode tornar as coisas ainda mais difíceis para alguém que as vê sem adoecer?
Stélios Rámfos: Ficando de fora. Isso não significa que ele seja insensível, mas que mantém o direito de viver e, ao mesmo tempo, de julgar as coisas. É preciso ter o jeito da distância.
Thanássis Lálas: Mas o que é que faz as pessoas ficarem dentro das coisas? Já que é tão mais terapêutico a gente manter uma distância...
Stélios Rámfos: Não está em tuas mãos seres saudável.
Thanássis Lálas: Ou seja, primeiro adoeces, depois participas.
Stélios Rámfos: Claro.

Thanássis Lálas: Isso obviamente contém uma contradição.
Stélios Rámfos: Mas estamos falando de fenômenos extremamente contraditórios. As pessoas que não se suportam tendem a entrar dentro das coisas; uma pessoa que possui boa relação consigo mesma sabe manter distâncias. É parte do problema aquele que psicologicamente se identifica com os acontecimentos.
Thanássis Lálas: Isto é, tu acreditas que todas essas pessoas estejam doentes antes de entrarem no recinto do poder ou fiquem doentes depois de entrarem?
Stélios Rámfos: Não é forçoso que elas estejam doentes; é possível que sejam pessoas com boas ideias e intenções, mas será preciso olhar também a sua relação consigo mesmas, em que grau essa relação dá espaço também à relação com o outro. Em caso afirmativo, então pode acontecer algo: se não dá espaço, senão apenas aparentemente, há um problema. Quando não há limites, quando um é confundido com o outro, então adoecemos. Por que? Porque a lógica não tem espaço e sem lógica não distinguimos o “aqui” do “lá”, o “dentro” do “fora, sempre que ficamos doentes.
Thanássios Lálas: Consequentemente, é bom não perder a distinção no espaço do poder?
Stélios Rámfos: O poder coloca ordem nas coisas da vida social. Não é para os ocupantes tirarem proveito. Há patologia quando se identifica com a imagem de si mesmo. Se não colocaste ordem em tua mente, se tu nunca trabalhaste, a única coisa que te oferecerá o poder é te sentires que és importante, mas terás perdido tudo. Por isso precisamos de pessoas no poder que...
Thanássis Lálas: ... tenham uma auto-realização.
Stélios Rámfos: E uma lógica elementar.
Thanássis Lálas: Assim, o predomínio do interesse próprio no recinto do poder é o que essencialmente te faz adoecer.
Stélios Rámfos: A combinação de incoerência com egoísmo, é que constitui um grande problema.
Thanássis Lálas: Aliás, estamos vivendo isso.
Stélios Rámfos: Sim, e o vivemos no superlativo.
Thanássis Lálas: Podes me dar um exemplo de egoísmo em combinação com a incoerência?
Stélios Rámfos: Quando governo um lugar e, em vez de diluir a mim mesmo, tiro proveito e "engordo". A incoerência reside na alienação do indivíduo do bem coletivo. Numa perspectiva histórica, a esquerda naufragou porque exatamente vestia com o uniforme da salvação social os interesses absolutos.
Thanássis Lálas: Parece que estamos assistindo nos últimos anos à mesma peça repetidas vezes. Na realidade, aquilo que acabaste de dizer está separando esta situação, da de outrora. Achas que não é válido o mesmo também para a situação antes da “esquerda”? Sofreram de outra doença?
Stélios Rámfos: Esta doença tem uma natureza diacrônica, mas o paroxismo dela está ligado com a “esquerda”. Explico-me: Enquanto venceram com promessas de mudança do lugar e da Europa, entraram na absoluta inatividade e passividade, as burocracias permanecem, vamos fazer algo e não dá certo, vamos de compromissos em compromissos, gradualmente tudo desmorona. Considero cultural o problema, em grande medida: na Grécia, como também em outro lugar, estamos vivendo em uma cultura de ritual.
Thanássis Lálas: O que queres dizer exatamente?
Stélios Rámfos: Quanto mais atrasados forem os povos, tanto mais as práticas rituais substituem a ação. Em nossas próprias culturas, as cristãs, quando a Igreja, de perseguida, tornou-se Estado, começou a compreender diferentemente a sua contribuição. Seu papel salvífico começou a deslocar-se para um transcendente ritualístico, deixando os campos da ação para os Chefes dos Estados, aos exércitos, etc. Lentamente o elemento ritual começou a assimilar a experiência primitiva da Ressurreição, ou seja, da mudança do homem. Quando dizemos "ressurreição", queremos dizer que um novo tempo penetra nas nossas vidas, começa uma vida nova.
Thanássis Lálas: Um novo homem!
Stélios Rámfos: Em todos os territórios do Cristianismo, onde foi conservado um pouco melhor o campo de ação, o ritual conservou fortes elementos, mas também a ação ficou em algum lugar. Digo isso porque a autoridade papal no Ocidente católico foi organizada com base nos padrões do Estado romano. No Oriente, contudo, onde havia uma autonomia de Igrejas, começou a desenvolver-se forte o elemento ritual em torno do século XIV, combinado, ainda por cima, com uma desvalorização doutrinária da lógica e da ação em nome da Graça, o que deu imensa importância ao ritual. Ou seja, a salvação do povo passava pela participação na vida mística da Igreja Ortodoxa, voltando as costas à ação. Todos os países ortodoxos têm terríveis burocracias, todos, sem exceção, não suportam a ideia do fazer, uma ideia que Roma abraçou, dizendo que alguém se salva com as obras, enquanto nós nos salvamos pela derrota das paixões, pela fé e, principalmente, pela oração. Com o tempo, este rito começou a influenciar as mentalidades e as sociedades. Em grande medida, as nossas sociedades e povos funcionam ritualmente.
Thanássis Lálas: Isto é, com doutrina a fé, e não com doutrina a ação.
Stélios Rámfos: Definitivamente com medo da ação. A forma histórica que tomou a distorção em ritual da passagem de ano foi apenas simbólica, por isso temos necessidade de grandes ritos, mas também de burocracias. Toda a estruturada sociedade grega é baseada no ritual da Igreja, no ritual da família, no ritual da localidade, nas hierarquias estabelecidas, isto é, rituais tão poderosos a ponto de nenhum poder entrar no sistema, a menos que seja profundamente antigo. Daí também o ritual ser a absoluta complacência.
Thanássis Lálas: O teu pensamento me parece um impasse. Uma vez que o pensamento de um povo se nutre do rito e não da ação, e isto continua por anos, como pode alguém superá-lo?
Stélios Rámfos: Isso vinha acontecendo há anos sem que ninguém percebesse. Quando começarmos a compreender algo, é hora de mudá-lo.
Thanássis Lálas: E por que agora o compreendemos?
Stélios Rámfos: Porque agora a situação se tornou insuportável. A crise que estamos passando, no fim das contas, é uma crise de ritual. As milhares de assinaturas para se licenciar o resort Costa Navarino, as nomeações partidárias, o que são? A recusa de se reduzirem os gastos públicos? O Estado hipertrófico e a ideia da salvação dentro de conjuntos mais gerais, o que é tudo isso? Apenas uma liberdade do homem em relação a si mesmo forma Estados com pequenas burocracias. Onde existem formas e rituais imensos, a burocracia está presente. A Rússia comunista sucumbiu por burocracias e gulags. Onde as culturas são enlameadas e as pessoas não têm uma relação livre consigo mesmas, dominam as formalidades e os espectros. As pessoas pedem algo mais, mas porque elas não sabem nomear com boa vontade, por isso não avançamos como é preciso. É preciso que a esperança esteja combinada com o conhecimento; sozinha, a esperança pode ser ilusória, um perigo fatal.
Thanássis Lálas: Então, é preciso escaparmos do ritual com os seus simbolismos e colocarmos na nossa vida um ponto de referência: a própria ação.
Stélios Rámfos: Ou seja, a percepção do real, porque, onde domina o simbólico, não temos contato com as coisas e é beneficiado o ritual. O crítico terapeuticamente é sairmos do medo do real, quando o rito ganha significado e papel. Inesperadamente a prestação de juramento do presidente americano é ritualística, mas a formalidade do ritual não engole a realidade, como ocorre com os ritos que colocam no lugar do tempo (com duração de duas horas) uma eternidade e santidade simbólica. Estranho clericalismo! Então, assim como toda semana vamos à igreja para esquecermos a realidade por duas horas, assim também aqui vivemos dentro de uma sociedade para a realidade de poucos e refugiamo-nos nas ideias.
Thanássis Lálas: Não é muitíssimo natural, se alguém te ouvir dizendo essas coisas, indagar: “Bem, Sr. Rámfos, suas constatações estão corretas, mas como mudar as coisas? Como pode uma sociedade tomar um retorno, quando está tão tranquila no ritual?”
Stélios Rámfos: Mas, por isso, pretendemos ficar na Europa, cuja cultura reconhece o elemento ritualístico, sem dar-lhe a realidade. Quanto mais longe te encontrares da realidade, tanto mais perto chegas da hipocondria paranóica. O que é uma pessoa hipocondríaca? Alguém que entende sua vida apenas ritualisticamente, cujos copos precisam estar lado a lado, para não serem postos desordenadamente... A pessoa com transtorno obsessivo-compulsivo pode suportar a realidade só moldada à sua própria fantasia. O peso psicopatológico que possui o elemento ritualístico na vida social é tremendo. Não serás uma pessoa se não fores batizado, nem podes ser enterrado se não encomendarem o teu corpo. Para entendermos o problema de hoje precisamos entrar em esferas, onde a nossa mitologia ocupou o lugar da realidade; isto é, os políticos atuais precisam ter formação antropológica.
Thanássis Lálas: Há pouco tu disseste que o “recinto”, o poder torna o egoísta ainda mais egoísta; então, o que acontece?
Stélios Rámfos: A confirmação do ego egoísta pode ser também reconhecimento da responsabilidade. Já que toda a nossa vida é representada com afirmação pessoal e com responsabilidade social, devemos aceitar como desafio o equilíbrio no nosso talento para a ambição com a responsabilidade. O egoísta se redime quando se torna responsável.
Thanássis Lálas: “Responsável”, no sentido de que faço algo também pelo outro.
Stélios Rámfos: Não faço apenas algo pelo outro: principalmente me coloco na posição do outro. Quando Elefthérios Venizélos chegou ao ponto de dividir a Grécia, porque “sabia” que as forças navais iriam prevalecer, sua teimosia egoísta se transmutou, naquele momento, em responsabilidade. O grande segredo não é termos pessoas santas; é termos pessoas que colocam o seu egoísmo a serviço da responsabilidade. Assim também a política pode fazer sentido.
Thanássis Lálas: Antes te referiste ao talento. O que significa talento político?
Stélios Rámfos: Talento político é saber o que o momento está pedindo e não simplesmente o casual agora. Contudo o agora, o momento em que estamos fazendo a entrevista, é o que conta, porque estamos decidindo o curso do presente que é o momento.
Thanássis Lálas: Então não é um agora “difuso”...
Stélios Rámfos: Mas o particular deste momento é a decisão que tomaremos agora para o tempo tomar uma determinada direção.
Thanássis Lálas: A maneira como abordamos a questão explica porque as pessoas são propensas à mentira política, à promessa que ouvem ao longo de anos e a seguem como cegas.
Stélios Rámfos: Têm uma grande necessidade de não penetrarem nos dilemas do pensamento.
Thanássis Lálas: Da realidade, você quer dizer.
Stélios Rámfos: Elas querem ter a esperança de não pensarem. E disso se aproveita o mau político, que te diz “vou rasgar todos os memorandos ¹ e te libera do drama de pensares. A maioria dos eleitores são movidos por um déficit de si mesmo. No mito deles não encontram as necessárias mudanças. Não acontecem mudanças sem tocares no mito de um povo, não para o quebrares, mas para acompanhares a sua alma ao pretendido.
Thanássis Lálas: Qual elemento do nosso mito um político deve tocar hoje, para seguir em frente?
Stélios Rámfos: A Ressurreição insiste no novo tempo e no novo homem. Ao contrário, o ritual não quer mudar nada, já que é repetido eternamente. As almas que absorvem esta mensagem, fazem dela um clima de existência. Elas não compreendem diferentemente a realidade. O ritualístico nos torna inimigos do real, porque o real possui um movimento temporal, enquanto o ritualístico só conhece a repetição. Toma a cultura do Grego: por que não modifica ideias? Por que as pessoas estão presas? Evidentemente porque não somos livres em relação a nós mesmos. O rito veta o outro tempo, proíbe a mudança.
Thanássis Lálas: Por ventura, porém, enquanto essencialmente o ritual não é a base sobre a qual caminham os povos da Europa...?
Stélios Rámfos: Os Nórdicos.
Thanássis Lálas: ... os Nórdicos na Europa, não achas que eles também têm uma parte de participação em nossa incapacidade de sairmos do ritual? Talvez lhes agrade que continuemos assim? Por razões que... Não podes excluir da vida os interesses, não podes excluir da vida que alguns jogos são jogados...
Stélios Rámfos: A importância da separação do ritual é que finalmente assumes a responsabilidade por ti mesmo e é isso que as culturas deles realmente querem. O ponto é que paralisamos o ritual e não podemos conceber nada além de arranjos. A vida e a história deles mostram que possuem, junto com a sabedoria, também um forte sentimento de liberdade. Aliás, a grande tradição de liberdade que dispõem, difere da liberdade do Oriente, em um ponto muito crítico. Dizemos que no Oriente há a liberdade da vontade, e não as heterodeterminações ² . Mas a liberdade da vontade na tradição oriental teve a ver com a pessoa comunitária, não com a pessoa responsável. A liberdade da vontade individual tem grande importância, porque lhe dá a responsabilidade de ser correta, tanto comunitária quanto socialmente. Nós nunca tivemos a liberdade da vontade para lidar com escolhas individuais. Não havia direito de diferenciar crenças ou distanciamentos. Nós ainda não podemos internalizar. O mecanismo ritual, do qual falamos antes, proíbe a interioridade. Por isso, a música, o modo musical, por exemplo, o modo plagal do Tritus ou o modo plagal do Tetrardus ³ , que ouvimos na igreja, ordena determinado sentimento, enquanto, na polifonia, o sentimento tem maior liberdade para expressar-se e, na canção individual, tem liberdade ainda maior.
Thanássis Lálas: É expressão emocional nossa atitude em relação aos imigrantes, em relação aos refugiados?
Stélios Rámfos: A humanidade manifestada por muitos compatriotas encerra fortes memórias de refúgio e compaixão. Porém, existem também outros parâmetros, não com idêntica intensidade, mas existem. Constantemente quero parecer bom perante quem sofre injustamente para esquecer minha dor. Isso também pode acontecer. Ou seja, queres de forma indireta escapar da tua infelicidade... Evidentemente há também a realidade negativa, por exemplo, fenômenos de exploração selvagem de muitos refugiados; tenho ouvido que lhes cobram o custo de carga do celular por 20 euros, as tarifas dos taxis e outras coisas.
Thanássis Lálas: Podes me dizer, Sr. Rámfos, o que se passa com os atuais deslocamentos de populações? Porventura, fugindo da guerra e das adversidades dela, essas pessoas provocam novos impasses?
Stélios Rámfos: Entendo o atual problema migratório e de refugiados como uma tentativa inconsciente do Islam de superar o tempo histórico perdido. Mas ele está fazendo-o como num processo judicial e por isso está atuando por meio de organizações bélicas e terroristas. A dependência da Xaria não faz outras concessões.
Thanássis Lálas: Queres dizer os talibãs, a Al Qaeda, o ISIS, etc.?
Stélios Rámfos: Até o século XII o Islam era uma civilização muito forte, com descobertas científicas, com várias traduções clássicas, com elementos assimilados da cultura clássica grega. No entanto, no século XII, foi colocado um grande problema pelos Ulemás, os intérpretes da aplicação do Corão no dia a dia, que trouxeram aos sábios um dilema. Disseram-lhes: o mundo é este desconhecido que buscais, ou é o que diz o Corão que Deus o criou? Os sábios não podiam opor-se ao Corão, ocasião em que começou a decadência com a ajuda dos Sufis, os quais, por causa dos estados de espírito místicos, apoiaram os Ulemás.
Thanássis Lálas: Ou seja, esse dilema abriu a porta ao colapso.
Stélios Rámfos: Sim, ele destruiu a próspera civilização árabe.
Thanássis Lálas: Uma pergunta pode fazer tanto mal?
Stélios Rámfos: Mas, porque esta questão afetava o modo que viviam. E hoje os Islamitas se põem em colisão com o Ocidente, porque querem mudar nosso modo de vida. Mas o interessante é que depois de dois séculos aconteceu o mesmo em Bizâncio. Porque então ficou decidido doutrinariamente que não participamos do divino com a lógica, ocasião em que permaneceram a vida mística e a oração. Não foi por acaso que ambas as culturas tenham como ponto comum de referência a ruptura com a lógica e com a realidade externa. Então eles (os Islamitas) também vão ganhar o tempo, da mesma forma que foram os comunistas na Rússia superar o tempo perdido e com rios de sangue a guiá-los à modernização. Contudo, a modernização deles foi ritual. Não esqueçamos que também hoje reverenciam Lênin no Mausoléu, como as relíquias dos santos.
Thanássis Lálas: Por acaso os Nórdicos da Europa ou os Norte-americanos entenderam que essa é a razão pela qual o Islam assim reage?
Stélios Rámfos: Não sei o que os serviços secretos estão pensando; sei que eles cometeram enormes erros. Lembremo-nos da celebração da Primavera Árabe ou da dissolução da Líbia e do Iraque, da exportação da democracia e tudo o mais. Os analistas sérios seguramente o sabem.
Thanássis Lálas: Tu achas que a democracia pode ser exportada?
Stélios Rámfos: Um pré-requisito da democracia é uma cultura de lógica. A única arma de que tem necessidade o democrata é avaliar e julgar. Uma democracia delirante é desastrosa.
Thanássis Lálas: Então, foi um grande erro ter importado democracias.
Stélios Rámfos: Melhorias tiveram que ser promovidas na mais institucional e mais humanitária das situações. Um, os reflexos americanos do ato, e o outro, a civilização de longa data do Afeganistão com os seus segredos.
Thanássis Lálas: O esforço de impor-se violentamente algo que estava tão fora de sua cultura também cria esses fenômenos?
Stélios Rámfos: Estamos experimentando uma combinação de privação de humilhação e de necessidade de cobrir-se o tempo perdido. Por isso, o jihadismo morre com a maior facilidade. Em sua morte, ele encontra a esperança metafísica de que estão esperando por ele...
Thanássis Lálas: Em outro lugar, outra coisa... Por acaso é um erro da Europa a forma com a qual tenta nos impor reformas? Por acaso é preciso serem feitas mudanças de outro tipo?
Stélios Rámfos: Tenho dito isso há anos: temos que distinguir civilização e cultura. A civilização contém valores comuns mais amplos, como a ciência, a técnica, os direitos humanos, etc. A cultura impacta a identidade e a cidadania. Deverão ser feitos arranjos especiais de forma a combinarem-se fertilmente a cultura, a identidade com os valores universais. A coisa não é simples. Basta pensar que a recente reforma do Sudão pela primeira vez foi reconhecido que a mulher não é mais objeto, mas foi “promovida” a animal.
Thanássis Lálas: Consequentemente, o que chamamos de União Europeia deveria levar muito a sério a combinação da cultura de cada seu país-membro com os princípios fundadores que a governam, e não apenas a união econômica.
Stélios Rámfos: Mas a teoria da distinção entre cultura e civilização é a teoria de um grande romântico alemão, Herder. Os Europeus conhecem essas coisas muito bem. Não esqueçamos de que em 2006 os povos rejeitaram a Constituição europeia. Seja como for, o sistema de valores da cultura não pode invalidar os valores da civilização, mesmo em nome dos direitos individuais.
Thanássis Lálas: Tu achas que há uma pessoa lá fora que possa nos tirar da castração do ritual?
Stélios Rámfos: Sempre que entendemos um problema, imediatamente se apresentam aqueles que o resolverão. Cada época tem também suas pessoas, já que possui objetivo vivo. Se o que estamos dizendo agora virar um objetivo, aparecerão muitos. A questão é que está faltando a energia do objetivo.
Thanássis Lálas: Isso é muito interessante. Tu sustentas que é um erro dizermos que não existem líderes nos nossos dias. Não há um objetivo claro nos nossos dias, de modo a que apareçam ou de que resultem líderes.
Stélios Rámfos: Ou o objetivo da mudança não é formulado com a reatividade que possa gerar líderes. Não é preciso uma ideia que seja teoricamente correta, ela deve emitir também a energia de uma mudança. É uma necessidade absoluta sair da crise, ou seja, encará-la como uma oportunidade histórica de mudarmos. Deixemos o atoleiro da eternidade para nos abrirmos para uma ação responsável.



NOTAS EXPLICATIVAS por Francisco José dos Santos Braga


¹  Subentende-se por memorando o "Memorando de Entendimento" assinado pelo governo grego com a famigerada troika (constituída pelo FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu), que possibilita um programa de apoio à estabilidade, mas impõe ao primeiro o cumprimento de rígidas medidas de austeridade, submetendo novas liberações de empréstimos a reformas estruturais a serem feitas pelo tomador, principalmente aumento nos impostos, reforma no mercado de trabalho (cortes nos salários, congelamento de salários no serviço público, corte de 10% nas horas extras, etc.) e criação de um fundo de privatizações, dentre outras medidas impopulares. O governo grego já assinou quatro desses memorandos, tendo sido o último deles assinado em 13/07/2015 pelo primeiro-ministro Alexis Tsipras (acusado de traidor, por ter assinado um “pacto de colonização” com os credores) da coligação SYRIZA-ANEL e aprovado pelo parlamento grego em 15/07/2015, mesmo após a divulgação do referendo em que uma ampla maioria do povo grego votou NÃO à troika. Mais recentemente, em 15/01/2018, o governo da coligação SYRIZA-ANEL chegou a um acordo político com o Eurogrupo (que reúne os ministros de Finanças da zona do euro) concordando com a 3ª revisão do programa de ajuda financeira firmado em 2015, aprovando mais um conjunto de medidas de austeridade, especialmente a privatização de empresas públicas, impostas pelas instituições europeias (CE/BCE) e FMI. Abaixo-assinados, representando um vasto leque de partidos e organizações de esquerda, rejeitam esses memorandos, apelam para a sua anulação e propõem uma nova orientação progressista, contestando a perpetuação do regime de tutela imposto ao país.

²   Por heterodeterminação entende-se:
• quando uma ação ou teoria política ou qualquer atividade não é determinada de acordo com os princípios pessoais do sujeito, mas conforme ou em reação contrária aos movimentos e às opiniões de alguns outros. Ex.: situação em que nossos colegas partidários devem decidir sobre uma greve baseada em nossos princípios, que não é declarada simplesmente porque nossos oponentes partidários são contra aquela greve.

Por outro lado, não se trata de heterodeterminação, e sim de um ato de escolha:
• quando uma moça sai com um namorado porque lhe agrada, e não em reação contrária aos pais dela, que não aprovam o namoro.

Finalmente, caracteriza-se “heterodeterminação imposta” quando um adulto força um menor ou uma pessoa que não tenha uma consciência plena e legalmente reconhecida a fazer algo contrário a seus interesses.

O contrário de “heterodeterminação” é autodeterminação (self-determination, em inglês).


³  Como a lira original era de quatro cordas, os modos gregos originalmente eram formados por apenas quatro notas. Essa é a razão por que o tetracorde é a base da escala grega (sempre descendente), que mais tarde ficou constituída de dois tetracordes, ambos em graus conjuntos e formando uma oitava.
Uma segunda observação é que são quatro as famílias modais: Protus ou primeira escala modal em RÉ; Deuterus ou segunda escala modal em MI; Tritus ou terceira escala modal em FÁ; e Tetrardus ou quarta escala modal em SOL. (Os graus LÁ, SI e DÓ não são mencionados, pois reproduzem, na quinta superior, os intervalos encontrados a partir das notas graves RÉ, MI e FÁ.) Todas as escalas citadas acima são a base dos modos autênticos.
Eventualmente o primeiro tetracorde (descendente) de um modo autêntico é transportado uma oitava abaixo, situação em que é a parte GRAVE (βαρύς) a preferida; neste caso, costuma-se denominar o modo assim formado como “plagal” (πλάγιος), mantendo o novo modo as mesmas características do seu modo relativo “autêntico”.
No texto, Stélios Rámfos refere-se aos modos plagais do Tritus e do Tetrardus.

5 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

STÉLIOS RÁMFOS nasceu em Atenas em 1939, estudou Direito e Filosofia nas Universidades de Atenas e de França, respectivamente, seguiu uma carreira docente em Filosofia na Universidade de França VII de 1969-1974, retornou a Atenas, onde tem se dedicado a escrever livros, artigos e ensaios e a dar conferências.

Seus livros, bem como suas conferências constituem análise crítica dos filósofos clássicos e modernos e uma reflexão da sua repercussão sobre nossa vida contemporânea.

É desse filósofo que trago a entrevista antológica dada a REAL NEWS, publicada em 10 de abril de 2016, inédita até hoje para o público brasileiro.

O Blog do Braga, mais uma vez, vem construindo uma ponte com a comunidade intelectual grega, acreditando estar contribuindo para uma maior integração com a fonte da cultura ocidental.

Diamantino Bártolo (professor universitário Venade-Caminha-Portugal, gerente de blog que leva o seu nome http://diamantinobartolo.blogspot.com.br/) disse...

Muito obrigado, meu amigo

Abraço.

Diamantino

Jota Dangelo (diretor, ator, dramaturgo e gestor cultural, cronista e escritor) disse...

Excelente entrevista!

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Olá, professor Braga!
Uma análise brilhante e desafiadora a partir de uma perspectiva antropológica e cultural para iluminar dilemas políticos e sociais. Interessante que na "web" as matérias a respeito desse filósofo em português se refiram ao seu Blog, professor. Excelente!
Muito obrigado.
Cuper

Dr. Marcelo Câmara (ex-Consultor do Senado Federal, jornalista, escritor, editor e consultor cultural) disse...

Abra o vídeo no link https://youtu.be/uiKN0JR-4_s
Avalie e julgue. Como o PT aparelhou o Estado, ludibriou o Povo, saqueou o Brasil, destruiu as finanças públicas, segundo o seu "Plano de Poder". Incompetência, desvios, corrupção, crimes de toda a natureza. Vivemos essa realidade hoje, as consequências dos treze anos de governos petistas que arruinaram o País. Mentiram, furtaram, manipularam. O período governado pelo PT nada tem de Socialismo, muito menos de Socialismo Democrático. Inflaram as bolsas e benefícios sociais criados por governos anteriores (família, vale gás etc.), desnaturando-os, transformando-os em instrumentos eleitorais. Lucrou o grande capital: as grandes corporações e empresas, os bancos, a grande propriedade, o agronegócio. Os ricos nunca lucraram tanto. E definiram os que ganhavam mais de dois salários mínimos como "nova classe média", incorporação dos pobres à uma pseudo-classe média, retirando da miséria 50 milhões de famintos. Balela. Todos os conjuntos da Minha Casa Minha Vida, sem exceção, estão ruindo, desabando. Uma fraude. O trabalhador, as famílias, se endividaram ao máximo. Os trabalhadores foram convencidos a investir o FGTS em ações da Petrobrás, destruída pelo PT. Atualmente, o FGTS perdeu mais da metade do valor que possuía, antes do embuste. O FAT, o FGTS, os Fundos de Pensão de empresas públicas foram pilhados sem pudor. A folha corrida do PT é infinita. A Mentira e o Crime governaram. O País levará décadas para se recuperar e retomar seus caminhos. Como uma quadrilha de gente despreparada, criminosa, uma cambada de sindicalistas de terceira categoria, de eternos "estudantes profissionais", pelegada hipócrita e de gente sem ofício, sob a "liderança" de um imbecil, analfabeto, sem qualquer ideologia, opinião ou posição política, oportunista e usurpador, informante do SNI em plena Ditadura, se autoproclamando "di iskerda", conseguiu enganar por tanto tempo uma Nação inteira!