quarta-feira, 30 de maio de 2018

O GRANDE ERRO DA ALEMANHA COM O EURO


Por Wolfgang Münchau *

(em artigo no blog grego Ας μιλήσουμε επιτέλους, editado em 29/05/2018)
Traduzido por Francisco José dos Santos Braga

 



Muitos anos atrás, eu costumava participar de um seminário anual, em um ambiente agradável, em que os participantes discutiam a política e economia de dois países europeus. Normalmente havia dois grupos. Um falava sobre política externa, especialmente sobre relações transatlânticas. O outro discutia questões econômicas, e especialmente o euro. No final, os dois ouviam as conclusões de cada um, com um tédio educado. Hoje a União Europeia estaria em melhor situação se os envolvidos na política externa dentro e fora da sala tivessem tornado o euro seu próprio projeto.

O dólar, pelo contrário, tem sido parte integral da política externa dos EUA por muitos anos. Seu papel como âncora mundial permite que os EUA cortem o acesso de todo um país ao comércio e finanças internacionais, como no caso do Irã. Ou um grupo de indivíduos, como no caso da Rússia.

O euro não foi concebido como um instrumento geopolítico. Lembro-me do debate na Alemanha na década de 1990. O Bundesbank deliberadamente rejeitou a ideia de um forte papel internacional para o euro, temendo que talvez pudesse colidir com o objetivo da estabilidade de preços.

Também me lembro das discussões entre economistas internacionais sobre se o euro poderia desafiar o dólar como moeda de reserva mundial. A oportunidade estava ali. Estudos acadêmicos sérios foram escritos. O fato de que isso não aconteceu foi o resultado de uma escolha política consciente.

Aquela escolha é em parte responsável pela dificuldade da UE em encontrar hoje uma resposta a Donald Trump. O maior problema com a decisão do presidente dos EUA de se retirar do acordo nuclear com o Irã é o efeito extraterritorial. As empresas europeias que desafiam as sanções dos EUA seriam cortadas dos mercados financeiros e de produtos dos EUA. O mesmo aconteceria com os bancos que financiam aquelas companhias. Empresas multinacionais e bancos não podem pagar por isso. D. Trump pode se comportar assim porque, em última análise, os EUA detêm o controle sobre todos os fluxos financeiros em dólares, incluindo aqueles originados fora dos EUA.

A União Europeia não pode impor sanções a empresas norte-americanas que desafiam a política europeia. O euro não é tão crucial para elas quanto o dólar é para os Europeus. Após a introdução do euro em 1999, ele se tornou rapidamente a segunda moeda mais importante do mundo, mas ainda está bem atrás do dólar na maioria das medições.

Sua participação nas reservas cambiais estrangeiras ficou abaixo de 20% no final de 2016, contra 64% para o dólar, segundo o Banco Central Europeu. A diferença foi de magnitude correspondente nas categorias de dívida e empréstimos internacionais. O dólar supera o euro no volume de negócios com divisas estrangeiras de três para um. A única categoria em que o euro quase igualou à moeda norte-americana é a de uma moeda de pagamentos mundial. Na última década, a diferença diminuiu, mas aumentou novamente desde a crise financeira.

Em reação à decisão de D. Trump de cancelar o acordo com o Irã, a Comissão Europeia só conseguiu desenterrar o antigo status de "bloqueio", uma proibição de que as empresas europeias se submetam às sanções. O problema é que a UE não dispõe de instrumentos financeiros para proteger as companhias europeias. Como, por exemplo, compensaria um banco europeu que não possa mais negociar em dólares?

O fracasso em desenvolver o euro como um rival do dólar também torna a UE mais vulnerável às tarifas comerciais. Isso é principalmente devido ao superávit comercial. Este, por sua vez, é o resultado das decisões da eurozona para enfrentar a crise da dívida: obrigar os países em crise a ter saldos positivos em conta corrente. Uma consequência dessa política é uma reação populista ¹ do tipo que vemos hoje na Itália. O protecionismo dos EUA é outra.

Antes da crise financeira, a zona do euro tinha um pequeno superávit em conta corrente. No ano passado, atingiu 3,5% do PIB. Quanto maior o excedente, mais dependente é a zona do euro do resto do mundo.

Em vez de fungar junto com D. Trump, os Europeus talvez queiram meditar como se encontram em tal emaranhado. A UE seria mais resiliente hoje, se não tivesse administrado a crise da zona do euro como fez e se seus fundadores tivessem feito o euro mais poderoso desde o início.

Tecnicamente, para a zona do euro ainda é possível corrigir o problema, mas isso requer um grau de união política que vai além do que Emmanuel Makron, o presidente francês, propôs. Exige em seu núcleo um instrumento de dívida mutualizado, um Eurobond, como instrumento financeiro para sustentar um grande mercado de dívida soberana. Também requer um mandato mais amplo para o Banco Central Europeu.

Sei, naturalmente, que não há apoio político para isso no norte da Europa. Mas espere até que D. Trump comece a impor taxas à BMW, Mercedes e outras companhias europeias. Os acontecimentos estão começando a perturbar.


*  Wolfgang Münchau é um matemático alemão que vive em Londres e é um dos colunistas mais influentes do "Financial Times", onde critica as políticas alemãs de austeridade que dominam a Europa.

Fonte: https://kostasxan.blogspot.com/2018/05/blog-post_239.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed:+blogspot/vhzE+(%CE%91%CF%82+%CE%BC%CE%B9%CE%BB%CE%AE%CF%83%CE%BF%CF%85%CE%BC%CE%B5+%CE%B5%CF%80%CE%B9%CF%84%CE%AD%CE%BB%CE%BF%CF%85%CF%82!)


NOTA  EXPLICATIVA por Francisco José dos Santos Braga


¹   A expressão grega "λαϊκιστική αντίδραση"  é correspondente à inglesa "populist backlash". Como a expressão é composta de dois termos distintos, começo por tentar defini-los. 
"Backlash" é uma reação contra recentes mudanças sociais. É inerentemente conservadora, e sempre reacionária. Algumas pessoas se juntam em "backlash" porque enfrentam mudança social, à qual sempre se opõem. Outras ficam ativadas quando sentem que a mudança social "foi longe demais", ou quando uma mudança social, antes tida como essencialmente inofensiva, de repente parece ameaçar o status e o equilíbrio da maioria. 
O termo "populista" implica um movimento vindo dos níveis "inferiores" da sociedade (pessoas pobres ou da classe operária), mais do que das elites. O populismo pode ser positivo ou negativo, mas no contexto político norte-americano o termo carrega uma conotação negativa, porque muito do populismo lá incluiu racismo explícito, anti-semitismo e outras espécies de culpabilização... 
Assim, "populist backlash" é um movimento contra uma mudança social ressentida, por pessoas que são de relativamente baixo status social, que sofrem reais ou percebidas perdas de status ou de privilégio e que descarregam suas frustrações em outros grupos de baixo status ou minoritários.

8 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Apresento-lhe minha tradução do presente artigo diretamente do grego, conforme publicado com o título acima no blog grego, da autoria de Wolfgang Münchau, colunista do "Financial Times" que se notabilizou por ser um dos maiores críticos das políticas alemãs de austeridade que dominam a Europa.

http://bragamusician.blogspot.com/2018/05/o-grande-erro-da-alemanha-com-o-euro.html

Cordial abraço,
Francisco Braga

Prof. Aluízio A. de Barros (professor universitário e profissional na administração, com mestrado na Univesidade em Manchester e doutorado na UFRJ, membro da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Muito obrigado, prezado confrade.

Prof. Aluizio A. de Barros

Diamantino Bártolo (professor universitário Venade-Caminha-Portugal, gerente de blog que leva o seu nome http://diamantinobartolo.blogspot.com.br/) disse...

Boa noie

Estimado Francisco Braga.

Muito obrigado.

Boa semana.

Abraço.

Diamantino

Memorial de Corguinhos disse...

Caritas et verita!
Homo Magnus!

Parabéns por nos proporcionar a vontade de conhecer!

Seu Confrade,

Marco Antônio Pinto

Carlos Siqueira (presidente do PSB e do Conselho Curador da Fundação João Mangabeira)) disse...

Olá Braga, agradeço muitíssimo o envio desse artigo bem
Interessante. Parabéns pela tradução e as explicações muito didáticas. Grande abraço.
Carlos Siqueira

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro prof.Braga!
Mais uma interessante tradução grega sobre assunto financeiro na Europa e que contribui, a meu ver, para refletirmos sobre as relações da moeda com a geopolítica nas relações imperialistas, no funcionamento dos instrumentos de poder internacional, vale dizer, dos quais a História está cheia de exemplos, desde os romanos, passando pela expansão monetária do ouro e da prata no colonialismo mercantilista, pelas guerras e bloqueios da Era Industrial, chegando à ordem do Plano Marshall e da hegemonia do dólar norte-americano do qual a velho continente, ainda que com o euro, não consegue se livrar.
Abraços.

Prof. Fernando de Oliveira Teixeira (professor universitário, escritor, poeta e membro da Academia Divinopolitana de Letras, onde é Presidente) disse...

Grato pelo envio da matéria, caro confrade. Abraço para você e Rute. Pax et bonum. Fernando Teixeira

Dr. Mário Pellegrini Cupello (escritor, pesquisador, presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, e sócio correspondente do IHG e Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Caro amigo Braga

Só agora pude abrir o seu e-mail sobre O GRANDE ERRO DA ALEMANHA COM O EURO, pelo que muito agradeço. Passarei a lê-lo a seguir, com atenção, pois o assunto me interessa: tenho alguns amigos originários da Alemanha que, certamente, também apreciarão o seu post.

Abraços, meus e de Beth.