quarta-feira, 18 de agosto de 2021

NOTRE DAME DE PARIS


Por Francisco José dos Santos Braga 
 
Notre-Dame de Paris cerca de 1920

 

Nos seminários salesianos foi muito utilizado um compêndio de cantos para a vida do colégio e do lar, intitulado JUVENÍLIA, publicado pela Livraria Salesiana Editora, São Paulo-SP. Possuo um exemplar de 1952 (2ª edição). Em 2004 houve uma nova edição fac-similar bancada pelo CSDP-Centro Salesiano de Documentação e Pesquisa, de Barbacena-MG, dada a enorme procura daquela edição já esgotada há muitos anos. 

 
Juvenília: 2ª edição de 1952 (doação do Pe. Fernando Anuth) e edição fac-similar de 2004 (doação do Pe. Alfredo Carrara de Melo)

Nas páginas 21-22 de Juvenília encontra-se uma bela canção intitulada "Notre Dame de Paris", com a indicação de que se trata de uma redução da peça original, composta para barítono solista e piano e tendo sido publicada em 1914 por Édit. L. Jacquot, Paris, sabendo-se que a composição é de GUSTAVE GOUBLIER (1856-1926) sobre poema de Jacques Messis (?-1944). O andamento Maestoso proposto para a peça indica que os intérpretes devem tocar uma certa parte da música de uma forma imponente, digna e majestosa. 

Partitura de Notre Dame de Paris para piano e canto

 

Vejamos então o poema em francês e a minha tradução para o português: 

NOTRE DAME DE PARIS 

Par Jacques Messis 

Sur l’immense parvis où rêve de l’histoire 
Dans sa robe de pierre où chante de la gloire, 
Elle est fière comme autrefois, 
Ouvrant large son temple où la foule s’entasse, 
Elle est là pour bénir l’humanité qui passe : 
Les vagabonds ou bien les rois! 
 
REFRAIN: 
Sous le grand soleil d’or et par les nuits sans voiles, 
Elle parle d’amour, d’espoir et de bonté! 
Et ses bras de granit tendus vers les étoiles, 
Semblent dire aux mortels : Paix et Fraternité!
 
Sur l’immense Paris Paris, cerveau du monde, 
Pour les vieux qui s’en vont et pour la tête blonde, 
Son regard doux est maternel, 
Sachant que tout est vain, que tout est éphémère, 
Elle écoute passer tous les bruits de la terre 
Et rêve son rêve éternel! 
 
Sur l’immense clocher debout en sentinelle, 
Le vieux coq des Gaulois là-haut ouvre son aile, 
Et surveille l’horizon noir, 
Il montre le chemin à son frère qui passe, 
Le bel oiseau français dont il aime l’audace, 
Tout notre orgueil, tout notre espoir! 
 
Eis a minha tradução para o poema de Jacques Messis: 
 
NOTRE DAME DE PARIS
 
Por Jacques Messis
 
Sobre o enorme adro onde sonha com a história, 
Em seu manto de pedra onde canta com a glória, 
Ela está orgulhosa como outrora, 
Abrindo seu templo onde a multidão se aglomera, 
Ela está lá para abençoar a humanidade que passa: 
Os vagabundos bem como os reis! 
 
REFRÃO: 
Sob o grande sol dourado e nas noites sem véus, 
Ela fala de amor, esperança e bondade! 
E seus braços de granito estendidos em direção às estrelas, 
Parece dizerem aos mortais: Paz e Fraternidade!
 
Sobre a imensa Paris Paris, cérebro do mundo, 
Para os velhos que estão partindo e para o bebê louro, 
Seu doce olhar é maternal, 
Sabendo que tudo é vão, que tudo é efêmero, 
Ela ouve todos os ruídos da terra 
E sonha seu sonho eterno! 
 
No enorme campanário, de pé em sentinela, 
O velho galo dos gauleses lá em cima abre sua asa, 
E vigia o horizonte escuro, 
Ele mostra o caminho a seu irmão que está passando, 
O lindo pássaro francês cuja audácia ele ama, 
Toda nossa esperança, todo nosso orgulho! 
 
Disco de 1992 contendo a canção Notre-Dame de Paris (criação: 1914)

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Antes de mais nada, tenhamos um momento de relaxamento e elevação espiritual ouvindo a gravação antológica de "Notre Dame de Paris" na voz do barítono MICHEL DENS em gravação de 1992, num arranjo para orquestra, coro e voz. Ela é a minha interpretação preferida. Para tanto, queira clicar no link para ouvir a canção composta por Gustave Goublier: https://www.youtube.com/watch?v=0bhUxqNem0E   👈
 
 
Da minha parte, esta canção me dá um profundo sentimento de respeito e de orgulho por estabelecer conexão com esse país tão rico de grandiosos feitos históricos e patrióticos, razão por que os laços de amizade com a França só podem ser de profundo respeito e admiração. 
 
No entanto, foi com imensa tristeza que acompanhei o incêndio que abateu sobre o templo católico, monumento da fé e da cristandade, enquanto se aglomerava enorme multidão seguindo o drama, estupefata: uns em silêncio, outros em oração, ainda outros em lágrimas. Foi no fatídico dia 15 de abril de 2019 que a Catedral de Notre Dame, um dos templos católicos mais famosos do mundo, pegou fogo. Por horas, a catedral de 850 anos ficou em chamas até desabarem o teto e sua torre central icônica. 
 
Notre-Dame de Paris em chamas em 15/04/2019

 
 
Fiquei um pouco aliviado quando soube que o grande órgão de Notre Dame de 8.000 tubos um dos mais prestigiosos do mundo não tinha sofrido danos consideráveis. O que o atual organista titular do órgão de Notre Dame, Olivier Latry, descreve e ilustra para nós através dos seus teclados constitui a força da longa tradição artística atuando desde os grandes organistas do século passado, de Louis Vierne a Pierre Cochereau, chegando aos nossos dias. Merecem destaque o poder e a elegância do som que reverbera o tempo todo magnificado pela poderosa arquitetura do lugar sagrado. 
 
Estou ansioso pela conclusão da reforma e reabertura da igreja para visitação dos fiéis. Os planos do governo francês e da LRMH eram reabrir Notre Dame em 2021. Mas essa reabertura foi adiada desde a chegada da pandemia do coronavírus. 
 
De fato, a experiência única de ouvir aquele órgão de tubos é indescritível. [SANTOS, 2015, 36] tenta mostrar a influência da arquitetura sobre esse instrumento musical portentoso, criando uma interdependência para atingir os fins para que foi criado: 
(...) Os momentos litúrgicos surgem como grandes concertos que envolvem as pessoas que acreditam no “aproximar-se ao divino”, numa arte total que explora o multissensorial para esse fim. O órgão de tubos consegue, com a sua dualidade, chegar aos sentidos mais imediatos e manipuláveis trabalhando com os jogos de luz e de som. O incenso que envolve os fiéis através do olfacto, a hóstia que permite saborear o “corpo de cristo” através do paladar, e todo o espaço táctil onde o som do órgão se manifesta visual e acusticamente nos momentos litúrgicos, fazem deste espaço, um espaço de arte total que involuntariamente nos envolve através dos cinco sentidos. 
Ao impacto visual desencadeado pelo cenário decorativo e lumínico envolvente, juntava-se o cheiro produzido através do incenso e dos círios e a beleza dos sons produzidos por estes instrumentos musicais, aproximando afectivamente e espiritualmente os crentes de Deus. 
É dentro deste aspecto que se pode falar em espaços musicais, no qual o órgão é o protagonista. O órgão de tubos, ao contrário da maior parte dos instrumentos, é indissociável do espaço em que está inserido, criando ambiências únicas que influenciavam a própria composição musical, direccionando-a, inconscientemente, para o espaço e não para o instrumento musical. (...)  (grifo nosso)

Por outro lado, da mesma forma que na Páscoa experimentamos a alegria e a esperança da Ressurreição, também podemos afirmar com segurança que Notre Dame será tão bonita ou mais do que antes, mais limpa e brilhante, conforme Aline Magnien, dirigente da empresa responsável pela restauração do século. Isso é um dos sinais de que a morte não terá nunca a última palavra. Essa certeza nos vem de lá, da Catedral de Notre-Dame de Paris (Ferida, mas Eterna), com seus 850 anos,  seu órgão de tubos e  sua majestade secular. 

 


II. BIBLIOGRAFIA



PÉNET, Martin: La cathédrale Notre-Dame de Paris en chansons 
 
SANTOS, Sónia Maria de Jesus: Arquitectura e Som: o Órgão de Tubos. Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura apresentada à FAUP-Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto em 2015, em Porto, Portugal, 89 p. (baixar em PDF)
 


13 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

A discografia disponível com o título NOTRE DAME DE PARIS é muito volumosa.De todas, uma das minhas preferidas, disponível na Internet, é aqui oferecida ao leitor, à qual se refere o meu texto escrito. Trata-se da canção com idêntico título interpretada pelo barítono MICHEL DENS e gravada pela EMI em disco de 1992. A referida canção fora composta em 1914 por GUSTAVE GOUBLIER, sobre poesia de Jacques Messis.
Meu texto não podia deixar de mencionar o incêndio sofrido pela Catedral em 15/04/2019, bem como o grande órgão de tubos ali existente.

https://bragamusician.blogspot.com/2021/08/notre-dame-de-paris.html

Cordial abraço,
Francisco Braga

Rute Pardini (cantora lírica e escritora) disse...

Meu querido amor,
Estou muito emocionada ao receber o seu belo trabalho. Ele me tocou no fundo do coração.
Como você citou no seu artigo, eu e outros tantos cantores e cantoras chegamos a cantar a versão da coletânea JUVENÍLIA - canções para a vida do colégio e do lar.
Eu, como cantora do Coral Nossa Senhora de Fátima, regido por Licurgo Leão Silveira.
Ele, como tantos outros seminaristas, que, por anos a fio, cantavam com brio cerca 250 canções.
Mais uma vez, sinto-me reconfortada por ao menos por ter cantado uns 10 cantos do livro.
Novamente voltei à minha infância, trazendo-me boas lembranças com lágrimas de emoção.
Parabéns, meu querido. Muito emocionante.
Rute Pardini Braga

Dr. Mário Pellegrini Cupello (escritor, pesquisador, presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, e sócio correspondente do IHG e Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Caro amigo Braga.

Muito interessante. Agradecemos pela gentileza do envio.

Abraços, de Mario e Beth.

Licurgo Leão Silveira (regente do Coral Nossa Senhora de Fátima de Divinópolis pelo período de 1966-1989)) disse...

Bom dia.
Que texto maravilhoso. Parabéns!

Raquel Naveira (membro da Academia Matogrossense de Letras e, como poetisa publicou, entre outras obras, Jardim Fechado, antologia poética em comemoração aos seus 30 anos dedicados à poesia) disse...

Caro amigo Francisco Braga,
Que beleza!
Fiz um passeio por Paris até a imponente e magnífica Catedral de Notre-Dame.
Ouvi o som do órgão de tubos nas notas dessa canção tão bem interpretada pelo barítono Dens.
Imaginei o Corcunda de Notre-Dame e me senti a cigana Esmeralda.
A imagem do incêndio foi terrível, mas todos se uniram em prol da reconstrução.
Obrigada pelo "cadeau".
Abraço grande,
Raquel Naveira

Raimundo "Doca" (gerente do Condomínio Colinas Del Rey) disse...

Boa tarde, muito obrigado.
Parabéns mais uma vez, sr. Francisco.

Luíza (filha de Benjamim Guimarães) disse...

Muito lindo!

Que Deus abençoe vocês, um abraço com saudade de vocês.

ANIZABEL disse...

Obrigada francisquinho. Mais uma.vez você nos encanta com uma rica e profunda publicação acompanhada de belíssimas músicas francesas.tb conheço a juvenil e já fiz uso da mesma porém não havia notado a belíssima.melodia citada e mostradA na publicação em foco.parabens

Zélia Leão Terrell (poetisa são-joanense e presidente da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Obrigada, meus queridos amigos!
Lindo texto!
Amei... ❤️

José Luiz Celeste disse...

A mim, tão distante de tudo isso, só me resta esperar q Notre Dame seja restaurada e prossiga inspirando a fé do povo.

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga
Beleza transcendente e esperança para a secular e fascinante catedral, com a arrebatadora "Notre Dame de Paris" !
Excelente! Grato.
Cupertino

Marília Ibanez disse...

Boa noite! Muito interessante! Parabéns!!! Marília Ibanez

Marcelo (tenor, cantor da Matriz de Nossa Senhora do Rosário, em Serra Negra-SP) disse...

Excelente artigo! Francisco sempre nos brindando com canções e escritas que nos trazem luz e conhecimento. Deus abençoe vocês!!!