sábado, 30 de janeiro de 2010

2010 - ANO CHOPIN > > > Parte 5 > > > "CORAÇÃO DO GÊNIO", por Janusz Ekiert (4ª Parte)


Por Francisco José dos Santos Braga



Nesta Parte 5 da série de ensaios dedicados a 2010 - ANO CHOPIN, trago minha tradução para esta 4ª e última parte do ensaio intitulado "Coração do Gênio", de autoria do musicólogo polonês Janusz Ekiert, como parte das homenagens que o Blog do Braga presta ao 200º aniversário do nascimento do grande pianista e compositor polonês Fryderyk Chopin.

Paris

Com o seu agudo senso e dom para improvisação, Chopin rapidamente conquistou os salões parisienses e se achou entre a elite artística. Sua vida era preenchida com saraus e lições que dava sobretudo às pianistas aristocratas por extravagante remuneração. Tornou-se amigo de Liszt, de Mendelssohn — que o chamava de Chopinetto, — de Meyerbeer, de Halévy, de Heine. Encontrou-se com Mickiewicz que, sem sucesso, tentou conseguir que ele compusesse uma ópera nacional.

Passava os verões em Le Coteau em Touraine e em Enghien nos arredores de Paris, — conforme recomendado pelos médicos. Enghien era a localidade onde Delfina Potocka, uma linda aristocrata polonesa e cara amiga de Chopin, frequentemente passava o verão; ali perto, em Saint Gratien, o marquês de Custine, a quem Chopin fazia visitas, tinha seu palácio.
Chopin também visitava Niemcewicz, um ilustre representante dos círculos de refugiados políticos, na próxima Montmorency.
Embarcou numa diligência para fazer surpresa aos pais e encontrou-os em Karlsbad¹.
Depois decidiu encontrar-se com Schumann em Leipzig. A opinião de Schumann sobre Chopin reza: "Hut ab, meine Herren, ein Genie." (Cavalheiros, tirem o chapéu, aqui está um gênio.)

Viajou nove dias de Paris a Marienbad para encontrar-se com Maria Wodzińska, irmã de um colega. Foi o mês mais feliz em sua vida. Quando os turistas tomaram conhecimento de que ali se encontrava Chopin, tentaram fazer amizade com o polonês, cuja fama se estendeu de Paris para lá. Mas os seus esforços foram em vão. Chopin estava ocupado com Maria Wodzińska , acompanhada por sua gentil mãe. Tocava para Maria no salão. De bom grado tocava os dois primeiros Estudos do Opus 25, em Lá Bemol Maior e em Fá Menor, sendo o último considerado o retrato musical de Maria. Ela o chamava de "carissimo maestro" e pintou um retrato dele em aquarela. Podiam conversar durante horas; passeavam nas calmas noites de luar, trocavam ternos olhares, mas Chopin declarou-se a ela somente mais tarde, em Dresden, aonde foram juntos. Porém, o pai dela opôs-se decididamente ao casamento deles, argumentando que o nome de família dela predestinava-a a viver num palácio, algo que Chopin não podia garantir-lhe. Após romper seu relacionamento com Maria Wodzińska, aquele gênio do piano amarrou com uma fita o pacote de cartas dela e escreveu "Moja bieda" (Minha desgraça) sobre ele.

Nos salões parisienses Chopin continuava a receber homenagens e sentia-se tratado como ídolo.Certa noite, uma dama que se distinguia pelo vestuário excêntrico, deu-lhe um bilhetinho que dizia: "On vous adore." (O senhor é adorado). Dessa maneira iniciou George Sand uma relação amigável com ele. A consequência disso foram férias passadas juntos, primeiramente em Majorca e, depois, durante os próximos sete anos, na propriedade dela em Nohant. Os amantes vinham habitualmente em maio e permaneciam lá até outubro. Aí Chopin compôs muito de sua música. Longe das lições e dos salões encontrava, no quarto de cima, sossego que o deixava escrever. Nos três últimos anos de vida, quando não mais ficava ali, já não escrevia quase nada. Em Nohant George Sand escrevia seus romances, cristalizava doces e confidenciava: "Em Paris, engordo no corpo e emagreço no espírito".

Na atmosfera da casa de campo dela, no clima suave da França central, nas proximidades do rio Indre, entre seus amigos parisienses, que eram suas visitas regulares, George e Chopin passavam o tempo caçando, pescando, passeando a pé, dirigindo uma carruagem, andando a cavalo ou em burrinho. Quando o burrinho que levava Chopin empacava, George cutucava a anca do animal com a sua sombrinha. Frequentemente eram convidados a se hospedar Liszt, Eugène Delacroix, Pauline Viardot, Pierre Leroux, um dos fundadores de uma nova teoria social, e Wojciech Grzymała, outro polonês refugiado político. Nos longos períodos chuvosos, Chopin mantinha-se compondo. Às vezes ficava sozinho em casa, quando a anfitriã e os convidados saíam em excursão. Aí escreveu ou burilou as Sonatas em Si Bemol Menor e também em Si Menor², a Fantasia em Fá Menor³, os Scherzos em Dó Sustenido Menore em Mi Maior⁵, as Baladas em Lá Bemol Maiore em Fá Menor⁷, as Polonaises em Fá Sustenido Menore em Lá Bemol Maior⁹ e a Polonaise-Fantasia¹⁰. Aí compôs as Marzurcas Opus 56¹¹, os Noturnos em Dó Menor e Fá Sustenido Menor Opus 48¹², os Noturnos Opus 55¹³, o Prelúdio em Dó Sustenido Menor Opus 45¹⁴ e o Allegro de concert¹⁵.

Nos arredores era famoso o teatro de fantoches criado por George Sand. Os fantoches da famosa escritora parodiavam muitas pessoas do seu círculo, incluindo os empregados domésticos. Com o bilhar, esse teatro era seu "hobby". Ela própria produzia vestidos para as comédias e dramas improvisados, tendo-lhes dedicado várias páginas de suas memórias:
"Tudo começou com uma pantomima, que foi idéia de Chopin. Ele improvisava no piano, enquanto que o rapaz executava várias cenas com danças cômicas. Tínhamos também desenhado trajes, que então usávamos para diferentes papéis. Chopin, de sua parte, assim que via o ator em cena, com incrível habilidade, adaptava tanto o conteúdo quanto a forma de sua música ao papel do ator."
Talvez tenha sido em tais circunstâncias que Chopin compôs em Nohant sua Tarantella, sobre a qual escreveu a seu amigo Julian Fontaine: "Espero não escrever nada de pior tão cedo."

Mimado, cuidado e assistido em suas frequentes indisposições, foi com crescente dificuldade que o compositor, no entanto, suportava as férias em Nohant. Sofria de insônia e ficou cada vez mais irritadiço. A atmosfera tornou-se tensa, estragando seu velho idílio. Quando as crianças de George Sand começaram a crescer, atribuíram a essa decadência a mútua animosidade entre Chopin e Maurice, o filho dela, e a correspondida afeição por Solange, a filha rechonchuda de George, conhecida por Koko.

Epílogo


Chopin visitou pela última vez Nohant em 1846. Após o rompimento, George Sand destruiu tudo o que compunha a decoração interna do quarto de Chopin, incluindo o papel de parede. Defendeu sua atitude dizendo que temia o vírus da tuberculose. O orgulho impediu Chopin de retomar a relação rompida, apesar de terem se encontrado em Paris e ela ter-lhe estendido o ramo de oliveira¹⁶. Após o rompimento, Chopin partiu para a Inglaterra e Escócia por vários meses (em 1837 havia estado antes em Londres). Convidaram-no as suas alunas e admiradoras escocesas, especialmente Senhorita Stirling, sobre as quais escreveu numa carta à sua família: "Elas querem asfixiar-me de amor e eu, por gentileza, não quero recusar-lhes isso". Retornou um homem doente. A morte lhe veio em 17 de outubro de 1849. Foi enterrado no cemitério do Père-Lachaise, mas o coração de Chopin lhe foi retirado do peito. Sua irmã Ludwika contrabandeou o pote contendo o coração no álcool (que ela havia escondido sob seu vestido) através da fronteira do império russo até Varsóvia. Muitos anos mais tarde, o coração do gênio foi enterrado na parede da nave da Igreja da Santa Cruz em Varsóvia.

Por acaso os pianistas de hoje em dia que interpretam as obras chopinianas devem conter o próprio arrebatamento pela riqueza das sonoridades e imensa escala de estados psicológicos de Chopin? Ou ainda pela inédita acumulação de detalhes, de origens e ligações genéticas de sua música? Ou finalmente pela sua melodia operística? As obras de Chopin incluem todos os tipos de rubatos, essa leitura musical com irresolução rítmica ditada pelo sentimento, mas tudo dentro de um contexto de acompanhamento rítmico rigoroso. Aí é possível ouvir todos os tipos de rubatos que os cantores italianos tinham inventado e burilado, durante os últimos trezentos anos. Aí o forte sentimento nacionalista de Chopin emana de suas Polonaises, Mazurcas, alguns dos Estudos, talvez mesmo da amargura dos seus Scherzos e do caráter narrativo das suas Baladas.

Suas composições condensam o espírito nacional polonês e também exibem um pouco da elegância e do refinamento franceses, às vezes um pouco de ironia francesa igualmente. As Valsas preservam a atmosfera dos salões varsovianos e parisienses. Representam o estilo brilhante seus juvenis Rondós, Variações, Polonaises e Concertos. Elas (as composições de Chopin) exemplificam as harmonias que anunciam Wagner, idéias que proclamam a autonomia da cor do som na música contemporânea, experimentos a partir da esfera da Acústica e da Psicologia da Audição¹⁷ (o início do Noturno nº 1 em Dó Sustenido Menor Opus 27), tudo chancelado pela personalidade única de Chopin, personalidade esta que, no entanto, não bloqueia nem proíbe de revelar sua gênese e caráter envolvidos.


¹ Cidade famosa pelas suas águas termais, era conhecida como Carlsbad durante o Império Austro-Húngaro. Atualmente, esta cidade chama-se Karlovy Vary e fica na República Tcheca.
[N.T.]
² Sonata nº 2 em Si Bemol Opus 35 (1839). Esta sonata possui no terceiro movimento, Lento, a célebre Marcha Fúnebre.
E também Sonata nº 3 em Si Menor Opus 58 (1844) [N.T.]
³ Opus 49 (1841) [N.T.]
⁴ Scherzo nº 3 (1839) [N.T.]
⁵ Scherzo nº 4 (1842) [N.T.]
⁶ Balada nº 3 (1840-1841) [N.T.]
⁷ Balada nº 4 Opus 52 (1842) [N.T.]
⁸ Polonaise Opus 44 (1841) [N.T.]
⁹ Polonaise Opus 53 "Heróica" (1842) [N.T.]
¹⁰ Polonaise-Fantasia em Lá Bemol Maior Opus 61 (1845-1846) [N.T.]
¹¹ 3 Mazurkas nº 1 em Si Maior, nº 2 em Dó Maior e nº 3 em Dó Menor (1843) [N.T.]
¹² 1841 [N.T.]
¹³ Noturnos em Fá Menor e em Mi Bemol Maior (1843) [N.T.]
¹⁴ 1841 [N.T.]
¹⁵ Allegro de Concert em Lá Maior Opus 46 (1832-1841) [N.T.]
¹⁶ Entre os antigos gregos, portar um ramo de oliveira estendendo-o a alguém significava suplicar o favor dessa pessoa. Nesse caso, o ramo de oliveira (ou ramo de suplicante) é usado pelo autor em sinal de "súplica". [N.T.]
¹⁷ A Psicologia da Audição é parte integrante das ciências da audição que estudam como o som é transmitido, percebido e processado, envolvendo, entre outros, aspectos fisiológicos do sistema auditivo. Além de psicólogos, estão interessados nos seus resultados: audiólogos, fisiólogos sensoriais, engenheiros de áudio, otólogos e neurocientistas no campo da percepção auditiva.
Por exemplo, é muito estudado o fenômeno da audição humana conhecido como "mascaramento", em que a resposta a um estímulo é reduzida na presença de outro, isto é, dois sons chegam mas apenas um som é ouvido. Isso é particularmente evidente no caso da intensidade, quando um som é mais alto do que o outro.
A frequência também tem influência no fenômeno do mascaramento: um som mais alto ouvido numa frequência impede que sons mais suaves próximos à frequência sejam ouvidos. Contudo, nem todas as frequências mascaram do mesmo jeito. As baixas frequências mascaram muito pior do que as frequências de faixa média. [N.T.]



* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...

3 comentários:

Alvaro Henrique disse...

Parabéns pela tradução, Braga! Uma ótima maneira de homenagear Chopin!

Abraços,
Alvaro Henrique

Sérgio de Vasconcellos-Corrêa (compositor e Membro da Academia Brasileira de Música) disse...

Prezado Braga,

Belo trabalho. Todos os pianistas deste pobre país deveriam ler e matutar sobre o conteúdo deste ensaio, tão bem traduzido pelo amigo que não ainda não tive o prazer de conhecer pessoalmente.
Sérgio de Vasconcellos-Corrêa

Prof. Dr. Henryk Siewierski (professor universitário, ensaísta, poeta e tradutor) disse...

Prezado Franciszko,

Obrigado pela tradução do texto de Janusz Ekiert. No ano que vem estamos planejando uma edição de tradução de "Piano de Chopin" de Norwid com alguns textos referentes tanto ao autor quanto a Chopin e espero que possamos contar com a participação de você, com um texto seu e esta tradução de Ekiert.
E como vão vocês?

Um grande abraço para você e Rute, de Malgorzata e
Henryk

O nosso filho está fazendo um filme documentário e este é um link para entrevista sobre o assunto:

http://www.glutenfreefind.com/blog/interview-with-food-choices-filmmaker-michal-siewierski/