Por Francisco José dos Santos Braga
A Congregação dos Salesianos é uma instituição religiosa da Igreja Católica Apostólica Romana fundada em 1859 por São João Bosco e aprovada em 1874 pelo papa Pio IX. Seu nome oficial é Pia Sociedade de São Francisco de Sales em homenagem a São Francisco de Sales, constituída pelos Salesianos de Dom Bosco (em latim: Salesiani Domini Bosci), razão por que trazem a sigla SDB após o nome. A Congregação Salesiana foi a primeira instituição a constituir a família salesiana.
O meu biografado é Padre Luiz Zver, SDB, esloveno de nascimento, mas brasileiro de coração, a pessoa de maior notório saber com quem tive o prazer de cruzar, haja vista seu vasto conhecimento enciclopédico nas mais diversas áreas: sociologia, filosofia (especialmente ética e estética), oratória, história da filosofia, psicologia, pedagogia, teoria da orientação educacional, língua e literatura latinas, epigrafia latina, línguas neo-latinas, linguística e filologia românica, dentre outras.
A mesa do seu escritório (responsável que era pela Vice-diretoria da FDB-Faculdade Dom Bosco, dentre suas inúmeras missões) vivia repleta de papéis em desordem, apontando para um homem trabalhador em várias frentes. Lecionava o dia todo disciplinas as mais diversas. Viajava com frequência a serviço da instituição de ensino que tanto amava.
Por sua enorme projeção e importância para o ambiente cultural da família salesiana e de São João del-Rei em particular, o Blog do Braga vai dedicar-lhe inúmeros ensaios, cobrindo seus artigos em revista, discursos, entrevistas e outras matérias a seu respeito, na esperança de que muitas de suas idéias germinem em outras plagas e sejam de interesse de seu público-alvo, que são seus muitos leitores lusófonos ocupados com a cultura, a arte, a história e a literatura ocidental.
Padre Luiz Zver nasceu em Toklocovje - Prekmurje, Eslovênia, no dia 8 de abril de 1913. Seus pais se chamavam Martin Zver e Maria Tivadar. Frequentou o oratório festivo de sua cidade natal, onde fez seus estudos básicos, os quais foi concluir em Foglizzo, Itália.
Antes do Concílio Vaticano II, levas e mais levas de missionários salesianos, em sua maioria jovens, eram enviadas a diversas partes do mundo. Uma solene celebração de envio era feita na Basílica de Nossa Senhora Auxiliadora, em Turim.
Em 1930 estava Luiz Zver, então com 17 anos, entre os enviados para fazerem o noviciado no Brasil. Aportou em Santos no dia 18 de dezembro de 1930.
Fez o noviciado em Lavrinhas-SP, onde concluiu também seus estudos filosóficos. Cachoeira do Campo-MG e Riachuelo-RJ tiveram-no como tirocinante.
Fez os votos perpétuos em 1937. Concluiu o curso de Teologia, na Lapa-SP, com uma interrupção em 1940, quando foi trabalhar em Niterói.
O arcebispo de São Paulo, Dom José Gaspar de Affonseca e Silva, ordenou-o presbítero em 8 de dezembro de 1941. (Exatamente cem anos antes, na sacristia da igreja de São Francisco de Assis, em Turim, Dom Bosco iniciava a obra dos oratórios, matriz perene do espírito salesiano.)
Em toda comemoração do aniversário de sua ordenação presbiteral, Zver fazia referência àquele dia inesquecível. Durante a Segunda Grande Guerra, costuma então dizer que os seus colegas tinham familiares e faziam alguma comemoração; ele não só não tinha ninguém, mas também ficara sem qualquer comunicação com seus parentes.
De 1942 a 1954, trabalhou em Ponte Nova-MG, Cachoeira do Campo-MG, Niterói, São João del-Rei e Goiânia. Em 1955, voltou para São João del-Rei e aí se estabeleceu definitivamente, onde se imortalizou por todos os sinais e prodígios que realizou.
Padre Luiz Zver faleceu em 13 de junho de 2005, aos 92 anos de idade.
Trabalhou sempre como professor na FDB-Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, uma das primeiras do interior de Minas Gerais, exercendo contudo outras funções paralelas. Tornou-se vice-diretor dessa Faculdade, mas, na prática, foi seu diretor por muitos anos, pois o diretor "de jure" exercia também o cargo de diretor da comunidade salesiana e do Colégio São João.
Além de professor e vice-diretor, Padre Luiz foi diretor do Oratório São Caetano e, posteriormente, do Oratório Santa Terezinha, auxiliado pelos estudantes de Filosofia.
Foi o fundador e primeiro Presidente da Diretoria, em 1959, do CAC-Centro Artístico e Cultural de São João del-Rei, que promoveu muitos eventos, dando vida artística e literária à cidade.
Tenho em mãos cópia de alguns documentos referentes ao CAC que me foram disponibilizados pelo CSDP-Centro Salesiano de Documentação e Pesquisa em Barbacena, sob a direção de Padre Ilário Zandonade, e que evidenciam a efervescência artística naquela época.
Por exemplo, é o caso do II Salão São-joanense de Belas Artes, instalado em 8/12/1960 e encerrado em 1º/01/1961, sob a presidência do Pe. Luiz Zver, coadjuvado pelo Vice-presidente José Bernardino Peixoto e pelos seguintes diretores: Pe. João Bosco Nunes de Oliveira (Departamento Literário), Mercês Bini Couto (Depart. Artístico), Dr. José Norberto Esteves (Depart. Científico), Geraldo Guimarães (Depart. Artes Plásticas), Fábio Nelson Guimarães (Depart. Histórico e Museu "Tomé Portes del-Rei") e Zuleika Botelho Braga (Depart. Social). Tal Salão contou com a colaboração da Prefeitura Municipal e da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Constavam desse Salão cinco Seções com trabalhos de artistas participantes, além de uma Seção Infantil, que apresentou trabalhos dos seguintes alunos da Escolinha de Arte do CAC sob a orientação da Prof. Maria de Sousa Resende, a saber: Antônio Sette, Eduardo Alves do Nascimento, Lígia de Almeida Magalhães, Maria Denise Boucherville Carvalho, Maria Inês Lordello Teixeira, Maria Magali Boucherville Carvalho, Márcio de Almeida Magalhães, Moema de Almeida Magalhães, Neusi Maria Romano e Sílvia Lombardi.
Além desse importante evento, ainda gostaria de observar que em 7/9/1961, no Salão de Festas do Minas Futebol Clube, realizou-se a solenidade do empossamento da 2ª Diretoria do CAC, em que houve a transmissão do cargo de Presidente para Antônio Elias Cecílio (passando Luiz Zver a membro do Conselho Fiscal) e de Vice-presidente para Fábio Nelson Guimarães. Os diretores nessa segunda diretoria foram: Gentil Palhares (Departamento Literário), Dr. Ronaldo Simões Coelho (Depart. Científico), Emanuel Coelho Maciel (Depart. Artístico), Sebastião de Oliveira Cintra (Depart. Histórico), Antonina Gomes (Museu "Tomé Portes del-Rei"), Luiz Dângelo Pugliese (Depart. Teatro), Maria de Sousa Resende (Depart. Artes Plásticas) e Zoé Simões Coelho (Depart. Social). Importante é registrar, para maior brilho da festa, a participação do dueto Leila Taier e Antônio Moura em "Ária do Guarany" de Carlos Gomes e do Madrigal Villa-Lôbos, em sua segunda (sic) apresentação, com os seguintes números: Coral "No Fundo da minh' Alma" de J.S. Bach, "So ben ch' ià bon tempo" de Vecchi e "Lua, lua, lua" de Scliar.
Outro exemplo de que o CAC patrocinava eventos sócio-culturais é o convite assinado pelo Presidente Pe. Luiz Zver em 7/6/1965, conclamando os são-joanenses a comparecerem em 19/6/1965 a ato comemorativo do 3º aniversário da morte do Ministro Gabriel de Resende Passos, no Salão Nobre da Prefeitura Municipal.
Sobre o referido Madrigal Villa-Lôbos, tenho em mãos a Circular nº 1/61 dando conta de que foi eleita e empossada no dia 24/6/1961 a sua primeira Diretoria, assim constituída: Pe. Luiz Zver (Presidente de Honra), Prof. José do Carmo Barbosa (Presidente), Jorge Chala Sade (Vice-presidente), Maria Lúcia Monteiro (1º Secretário), Arlette Nely Ávila (2º Secretário), Adalmir Gomes de Almeida (1º Tesoureiro) e Vicente de Paulo B. Viegas (2º Tesoureiro). Além da Diretoria, eram responsáveis pelo Departamento Artístico (os regentes: titular Emanuel Coelho Maciel e substitutos Hélio Magalhães e Geraldo Barbosa de Souza), pelo Departamento Social (Miriam Carnaval Morett, Izabel Campos, Júnia Guimarães, Alzeni Zanetti e Arlene Zanetti), pelo Conselho Fiscal (Roberto Chala Sade, Marlene Resende e Luiz Carlos Viegas de Carvalho) e pela área pedagógico-musical (Prof. Hélio Magalhães, de Percepção de Som, Ritmo e Teoria Aplicada, e Profª Janice Mendonça de Almeida, de Técnica Vocal).
Sua primeira (sic) audição se deu no dia 26/8/1961, às 20h 30min, no auditório da Z-Y- I-7 (Rádio Sáo João del-Rei), em homenagem ao Revmo. Sr. Cônego Almir de Rezende Aquino e sob a regência de Emmanuel Coelho Maciel. Do programa constaram as seguintes peças: "O Vos Omnes" de Geraldo Barbosa de Souza, "Popule Meus" de Victoria, "Missa Brevis" de Palestrina, Coral nº 52 "No Fundo da minh' Alma" da Paixão segundo São João de J.S. Bach (solista: Prof. Janice Mendonça de Almeida), "So ben mi ch' ià bon tempo" de Vecchi, "Signor abate" de Beethoven, "Lua, lua, lua" de Scliar e "Deixa beijar-te, meu bem" de Emmanuel Coelho Maciel. Registrou-se a participação dos seguintes coralistas: cantoras Arlette Ávila, Celina Sade, Glorinha Lamounier, Janice Mendonça de Almeida, Júnia Guimarães, Marlene Resende, Maria do Carmo Hilário, Maria da Conceição Teixeira, Miriam Carnaval Morett, Maria Lúcia Monteiro, Mariaizabel Campos, Vanda Campos e Zeila Bassi e cantores Aluízio Viegas, Antônio Carlos Rozzeto, Benedito C. Silva, Célio José dos Santos, Ely Henriques Barbosa, Geraldo Barbosa de Souza, Hélio Magalhães, José Neves, Paulo C. Silva, Roberto C. Sade, Tarcísio Cabral e Vicente Viegas.
Registro também a terceira (sic) audição do Madrigal Villa-Lôbos no auditório da Faculdade Dom Bosco em 10/8/1961, com seu repertório já conhecido, acrescido das peças: coral "Jesus Cristo" de Palestrina e "Canide-Ioune-Sabath" de Heitor Villa-Lôbos.
Além das iniciativas já registradas, com os clérigos do curso de Filosofia o Pe. Luiz organizou o coral denominado "Anambé", que fazia muito sucesso nas celebrações e nos eventos culturais. No arquivo do Pe. Luiz Zver, disponível no CSDP em Barbacena, um caderno de anotações motra as seguintes anotações do seu punho:
"Crônica do Anambé - 1957"
31/1/57 - Na Matriz de S. João Bosco:
Missa in honorem Sancti Evasii de Furlotti
Ave Maria de Vicente Valle
Ensaiamos, mas não cantamos canto de Kasprzik em honra de D. Bosco
1/3/57 - Na aula inaugural da Faculdade.
Cantamos:
Sattner: Hino do Anambé
Porto Alegre: A Tarde
Fr. Mignone: Giroflê ô Giroflar
Tonada popular chileña: La palamita
De manhã, 9 hs - Cantamos a Missa Sancti Evasii de Furlotti
Ensaiamos, mas não cantamos o Veni Sancte Spiritus de H. Oswald
14/3/57 - No Domingo de Ramos:
Soriano: Paixão seg. S. Mateus
Pagella: Ingrediente Domino
Grisbacher: Improperium
19/3/57 - Na Sexta-feira Santa:
Süssmayer: Pange lingua
Rosselli: Adoramus te
Palestrina: Popule Meus
Campadónico: Christus factus est
24/5/57 - Na capela dos aspirantes:
Licinio Refice: Missa in honorem Sancti Eduardi Regis (Saiu muito bonita)
P. Aug. Hribar: Ave Maria (Ti, o Marija)
L. Marenzio-Praglia: Ave mundi spes Maria
Além dessa iniciativa, Padre Luiz foi um dos idealizadores do TÚNIS-Teatro Universitário São-joanense, que se notabilizou nos anos 60 pela apresentação de inúmeras peças teatrais, tais como: Marat Sade, Morte e Vida Severina, Alto da Compadecida, Túnis conta Zumbi, Convocação de Todo o Mundo, Missa Leiga nº 2 para piano, piston e coro (esta última com arranjo de Francisco Mangabeira da Silva, conhecido como Chico Mangabeira, cuja partitura me foi presenteada pelo Presidente do IHG, Dr. Artur Cláudio da Costa Moreira, teve, quando de sua estréia, ao piston Tadeu Nicolau Rodrigues e ao piano Mercês Bini Couto).
Em 1967 fundou a APAE-Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de São João del-Rei, inicialmente nas dependências da Faculdade, com intuito também de servir para estudo e estágio dos estudantes de Pedagogia.
Possivelmente tenha sido a condução da APAE a melhor oportunidade que teve Pe. Luiz de mostrar a sua grandeza de alma. Homem afeito a assuntos intelectuais e filosóficos desde a juventude, erudito por vocação, foi entretanto no cuidado de crianças excepcionais nos seus últimos trinta e cinco anos de vida que encontrou o campo propício para dar o melhor de si e do ideal salesiano em benefício dos menos aquinhoados pela sorte. Talvez essa faceta de sua encantadora personalidade seja aquilo que mais dignifica a sua biografia. Como seguidor fiel de Cristo, sabia de cor o preceito do Mestre em Mateus 13, 45: "O reino dos céus é ainda semelhante a um negociante que procura pedras preciosas. Encontrando uma de grande valor, vai, vende tudo o que possui, e a compra." Ou ainda o texto constante em Marcos 10, 13-16, em que os discípulos do Mestre repreenderam asperamente os que lhe apresentavam crianças. O evangelista narra que Jesus se indignou, tendo dito: "Deixai vir a mim os pequeninos e não lho impeçais; porque o reino de Deus é daqueles que se lhes assemelham. Em verdade vos digo, todo o que não receber o reino de Deus com a mentalidade de uma criança, nele não entrará."
Quando expôs, na reunião da comunidade, que pretendia construir um prédio para a APAE, alguém lhe perguntou se já possuía os meios para tal construção. "Os mesmos que tinha Dom Bosco, quando começou o templo de Maria Auxiliadora, em Turim", foi a resposta pronta e definitiva, ao estilo dele. Em 1969 assumiu a direção da APAE e nunca mais a deixou, mesmo nos períodos de doença grave.
Enquanto ele estava pensando em encontrar um lugar para a APAE, os salesianos deixaram a Escola Agrícola Padre Sacramento (conhecida como Patronato) e devolveram o prédio e o terreno ao Estado e este repassou-os à Prefeitura (que o deixou abandonado). Padre Luiz, no entanto, queria que fossem transferidos para a APAE. Não o conseguindo, ficou profundamente magoado por não terem confiado a ele ou nele. Teve então que se desdobrar para encontrar um terreno e construir sua associação.
"Na APAE, que tanto amava, ele empunhava a cruz, feita de madeira, com solenidade e força, como quem empunha uma lança de cavaleiro conquistador, para que o seu grande sonho, já realizado, continuasse vivo no coração de todos os são-joanenses: a APAE", assim se expressou o Jornal "Geraes" de São João del-Rei-Ano IX, nº 322.
Assim, como para Dom Bosco, vieram as dificuldades, as lutas, as dívidas, os empréstimos, os papéis perdidos. Durante sua doença, problemas na direção fizeram com que houvesse uma intervenção da Federação das APAEs na entidade são-joanense. Assim, no fim da vida, viu sua APAE ser administrada por estranhos. Foi um duro golpe para ele, o que talvez tenha apressado sua morte.
Do seu grande amor pela APAE, ficou o livro "Pequena História (Ilustrada) da APAE de São João del-Rei", por ele escrito e de que tanto se orgulhava.
Com a transferência dos pós-noviços para Belo Horizonte e a diminuição dos salesianos da comunidade, Padre Luiz teve que suprir a falta de professores, passando a lecionar muitas disciplinas nos diversos cursos, principalmente nos cursos de Letras e Pedagogia.
No início dos anos 70, por iniciativa dele, a Faculdade Dom Bosco começou a ministrar o curso de revalidação dos estudos filosóficos para bispos, padres, ex-padres e pastores evangélicos que tinham feito sérios estudos em seus seminários sem reconhecimento algum por parte do Governo. A Faculdade se encarregava de ministrar as disciplinas que faltavam no currículo. A Filosofia podia ser revalidada com uma monografia. São João del-Rei via seus janeiros e julhos repletos de velhos alunos, dos quatro cantos do País. Padre Luiz, com o garbo e a solenidade de um general, comandou aquele exército com alegria, rigor e competência: examinava currículos, controlava inscrições, olhava listas de presença. A tudo estava atento.
Em 1987 a Faculdade Dom Bosco foi assumida pelo Governo Federal para integrar-se à FUNREI-Fundação Universitária Municipal de São João del-Rei, hoje UFSJ-Universidade Federal de São João del-Rei.
Padre Luiz continuou como professor até sua aposentadoria compulsória em 1988, que ele chamava de "expulsória", pois achava que poderia continuar lecionando.
Difícil encontrar alguém de tanta capacidade intelectual. Girava pelos tratados de filosofia com indiscutível competência. Enfrentava os clássicos latinos em suas elegantes sutilezas.
Conhecia a legislação escolar brasileira como se fora ele que a tivesse feito.
O historiador e ex-professor da UFSJ, Antônio Gaio Sobrinho, que também foi aluno de Luiz Zver, descreve-o muito bem: "Sem títulos universitários, que nunca lhe fizeram falta, por considerá-los, muitas vezes, inúteis ornamentos da vaidade humana, foi, no entanto, um dos mais eruditos e competentes mestres que São João del-Rei já teve. Fazendo da leitura constante um hábito inveterado, Padre Luiz tornou-se um grande humanista, entendido em quase tudo, desde Filosofia e Teologia, Psicologia e Pedagogia, até Música, Literatura e línguas. (...)" (grifo meu)
Por tudo o que foi, pelo muito que deixou estampado de si, ouso qualificar de incomparável o nosso sempre lembrado e caro mestre Padre Luiz Zver, a quem cabe o verso de Virgílio, na passagem da primeira Bucólica, em que Títiro compara Roma a um cipreste:
Verum haec tantum alias inter caput extulit urbes
quantum lenta solent inter viburna cupressi. (I, 24-5)
e a cuja tradução me aventuro:
Mas esta (Roma) elevou tanto a cabeça entre as outras cidades
quanto os ciprestes costumam elevar-se entre os arbustos flexíveis.
Virgílio joga aqui com dois mundos: a natureza representada pelo cipreste; e o mundo artificial, criação do homem, representado pela cidade. Roma, como o cipreste, se diferencia das cidadezinhas no tamanho. Há ainda o relevo dado pela imagem do cipreste que se levanta mais alto do que os moles viburnos.
De tudo o que foi dito, parece-me que o poeta uruguaio Mario Benedetti, com as seguintes linhas de sua autoria, logra expressar com rara maestria a admiração que conseguimos nutrir por certos homens de caráter como o Padre Luiz Zver, a quem se adequam com justeza:
"La gente que me gusta"
Me gusta la gente que vibra, que no hay que empujarla, que no hay que decirle que haga las cosas, sino que sabe lo que hay que hacer y que lo hace. La gente que cultiva sus sueños hasta que esos sueños se apoderan de su propia realidad. Me gusta la gente con capacidad para asumir las consecuencias de sus acciones, la gente que arriesga lo cierto por lo incierto para ir detrás de un sueño, quien se permite huir de los consejos sensatos dejando las soluciones en manos de nuestro padre Dios.(...),
cuja tradução ofereço abaixo:
"Da gente que eu gosto"
Eu gosto de gente que vibra, que não tem de ser empurrada, que não precisa que se lhe diga que faça as coisas, mas que sabe o que tem que fazer e o faz.
Gente que cultiva seus sonhos até que esses sonhos se apoderam de sua própria realidade. Gosto de gente com capacidade para assumir as consequências das suas ações, de gente que arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, que se permite abandonar os conselhos sensatos, deixando as soluções nas mãos de Deus nosso pai. (...)
OBRA CONSULTADA
Padre Luiz Zver 1913-2005: Carta Mortuária, Inspetoria São João Bosco, Paróquia São João Bosco, São João del-Rei-MG, maio 2007
O meu biografado é Padre Luiz Zver, SDB, esloveno de nascimento, mas brasileiro de coração, a pessoa de maior notório saber com quem tive o prazer de cruzar, haja vista seu vasto conhecimento enciclopédico nas mais diversas áreas: sociologia, filosofia (especialmente ética e estética), oratória, história da filosofia, psicologia, pedagogia, teoria da orientação educacional, língua e literatura latinas, epigrafia latina, línguas neo-latinas, linguística e filologia românica, dentre outras.
A mesa do seu escritório (responsável que era pela Vice-diretoria da FDB-Faculdade Dom Bosco, dentre suas inúmeras missões) vivia repleta de papéis em desordem, apontando para um homem trabalhador em várias frentes. Lecionava o dia todo disciplinas as mais diversas. Viajava com frequência a serviço da instituição de ensino que tanto amava.
Por sua enorme projeção e importância para o ambiente cultural da família salesiana e de São João del-Rei em particular, o Blog do Braga vai dedicar-lhe inúmeros ensaios, cobrindo seus artigos em revista, discursos, entrevistas e outras matérias a seu respeito, na esperança de que muitas de suas idéias germinem em outras plagas e sejam de interesse de seu público-alvo, que são seus muitos leitores lusófonos ocupados com a cultura, a arte, a história e a literatura ocidental.
Padre Luiz Zver nasceu em Toklocovje - Prekmurje, Eslovênia, no dia 8 de abril de 1913. Seus pais se chamavam Martin Zver e Maria Tivadar. Frequentou o oratório festivo de sua cidade natal, onde fez seus estudos básicos, os quais foi concluir em Foglizzo, Itália.
Antes do Concílio Vaticano II, levas e mais levas de missionários salesianos, em sua maioria jovens, eram enviadas a diversas partes do mundo. Uma solene celebração de envio era feita na Basílica de Nossa Senhora Auxiliadora, em Turim.
Em 1930 estava Luiz Zver, então com 17 anos, entre os enviados para fazerem o noviciado no Brasil. Aportou em Santos no dia 18 de dezembro de 1930.
Fez o noviciado em Lavrinhas-SP, onde concluiu também seus estudos filosóficos. Cachoeira do Campo-MG e Riachuelo-RJ tiveram-no como tirocinante.
Fez os votos perpétuos em 1937. Concluiu o curso de Teologia, na Lapa-SP, com uma interrupção em 1940, quando foi trabalhar em Niterói.
O arcebispo de São Paulo, Dom José Gaspar de Affonseca e Silva, ordenou-o presbítero em 8 de dezembro de 1941. (Exatamente cem anos antes, na sacristia da igreja de São Francisco de Assis, em Turim, Dom Bosco iniciava a obra dos oratórios, matriz perene do espírito salesiano.)
Em toda comemoração do aniversário de sua ordenação presbiteral, Zver fazia referência àquele dia inesquecível. Durante a Segunda Grande Guerra, costuma então dizer que os seus colegas tinham familiares e faziam alguma comemoração; ele não só não tinha ninguém, mas também ficara sem qualquer comunicação com seus parentes.
De 1942 a 1954, trabalhou em Ponte Nova-MG, Cachoeira do Campo-MG, Niterói, São João del-Rei e Goiânia. Em 1955, voltou para São João del-Rei e aí se estabeleceu definitivamente, onde se imortalizou por todos os sinais e prodígios que realizou.
Padre Luiz Zver faleceu em 13 de junho de 2005, aos 92 anos de idade.
Trabalhou sempre como professor na FDB-Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, uma das primeiras do interior de Minas Gerais, exercendo contudo outras funções paralelas. Tornou-se vice-diretor dessa Faculdade, mas, na prática, foi seu diretor por muitos anos, pois o diretor "de jure" exercia também o cargo de diretor da comunidade salesiana e do Colégio São João.
Além de professor e vice-diretor, Padre Luiz foi diretor do Oratório São Caetano e, posteriormente, do Oratório Santa Terezinha, auxiliado pelos estudantes de Filosofia.
Foi o fundador e primeiro Presidente da Diretoria, em 1959, do CAC-Centro Artístico e Cultural de São João del-Rei, que promoveu muitos eventos, dando vida artística e literária à cidade.
Tenho em mãos cópia de alguns documentos referentes ao CAC que me foram disponibilizados pelo CSDP-Centro Salesiano de Documentação e Pesquisa em Barbacena, sob a direção de Padre Ilário Zandonade, e que evidenciam a efervescência artística naquela época.
Por exemplo, é o caso do II Salão São-joanense de Belas Artes, instalado em 8/12/1960 e encerrado em 1º/01/1961, sob a presidência do Pe. Luiz Zver, coadjuvado pelo Vice-presidente José Bernardino Peixoto e pelos seguintes diretores: Pe. João Bosco Nunes de Oliveira (Departamento Literário), Mercês Bini Couto (Depart. Artístico), Dr. José Norberto Esteves (Depart. Científico), Geraldo Guimarães (Depart. Artes Plásticas), Fábio Nelson Guimarães (Depart. Histórico e Museu "Tomé Portes del-Rei") e Zuleika Botelho Braga (Depart. Social). Tal Salão contou com a colaboração da Prefeitura Municipal e da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Constavam desse Salão cinco Seções com trabalhos de artistas participantes, além de uma Seção Infantil, que apresentou trabalhos dos seguintes alunos da Escolinha de Arte do CAC sob a orientação da Prof. Maria de Sousa Resende, a saber: Antônio Sette, Eduardo Alves do Nascimento, Lígia de Almeida Magalhães, Maria Denise Boucherville Carvalho, Maria Inês Lordello Teixeira, Maria Magali Boucherville Carvalho, Márcio de Almeida Magalhães, Moema de Almeida Magalhães, Neusi Maria Romano e Sílvia Lombardi.
Além desse importante evento, ainda gostaria de observar que em 7/9/1961, no Salão de Festas do Minas Futebol Clube, realizou-se a solenidade do empossamento da 2ª Diretoria do CAC, em que houve a transmissão do cargo de Presidente para Antônio Elias Cecílio (passando Luiz Zver a membro do Conselho Fiscal) e de Vice-presidente para Fábio Nelson Guimarães. Os diretores nessa segunda diretoria foram: Gentil Palhares (Departamento Literário), Dr. Ronaldo Simões Coelho (Depart. Científico), Emanuel Coelho Maciel (Depart. Artístico), Sebastião de Oliveira Cintra (Depart. Histórico), Antonina Gomes (Museu "Tomé Portes del-Rei"), Luiz Dângelo Pugliese (Depart. Teatro), Maria de Sousa Resende (Depart. Artes Plásticas) e Zoé Simões Coelho (Depart. Social). Importante é registrar, para maior brilho da festa, a participação do dueto Leila Taier e Antônio Moura em "Ária do Guarany" de Carlos Gomes e do Madrigal Villa-Lôbos, em sua segunda (sic) apresentação, com os seguintes números: Coral "No Fundo da minh' Alma" de J.S. Bach, "So ben ch' ià bon tempo" de Vecchi e "Lua, lua, lua" de Scliar.
Outro exemplo de que o CAC patrocinava eventos sócio-culturais é o convite assinado pelo Presidente Pe. Luiz Zver em 7/6/1965, conclamando os são-joanenses a comparecerem em 19/6/1965 a ato comemorativo do 3º aniversário da morte do Ministro Gabriel de Resende Passos, no Salão Nobre da Prefeitura Municipal.
Sobre o referido Madrigal Villa-Lôbos, tenho em mãos a Circular nº 1/61 dando conta de que foi eleita e empossada no dia 24/6/1961 a sua primeira Diretoria, assim constituída: Pe. Luiz Zver (Presidente de Honra), Prof. José do Carmo Barbosa (Presidente), Jorge Chala Sade (Vice-presidente), Maria Lúcia Monteiro (1º Secretário), Arlette Nely Ávila (2º Secretário), Adalmir Gomes de Almeida (1º Tesoureiro) e Vicente de Paulo B. Viegas (2º Tesoureiro). Além da Diretoria, eram responsáveis pelo Departamento Artístico (os regentes: titular Emanuel Coelho Maciel e substitutos Hélio Magalhães e Geraldo Barbosa de Souza), pelo Departamento Social (Miriam Carnaval Morett, Izabel Campos, Júnia Guimarães, Alzeni Zanetti e Arlene Zanetti), pelo Conselho Fiscal (Roberto Chala Sade, Marlene Resende e Luiz Carlos Viegas de Carvalho) e pela área pedagógico-musical (Prof. Hélio Magalhães, de Percepção de Som, Ritmo e Teoria Aplicada, e Profª Janice Mendonça de Almeida, de Técnica Vocal).
Sua primeira (sic) audição se deu no dia 26/8/1961, às 20h 30min, no auditório da Z-Y- I-7 (Rádio Sáo João del-Rei), em homenagem ao Revmo. Sr. Cônego Almir de Rezende Aquino e sob a regência de Emmanuel Coelho Maciel. Do programa constaram as seguintes peças: "O Vos Omnes" de Geraldo Barbosa de Souza, "Popule Meus" de Victoria, "Missa Brevis" de Palestrina, Coral nº 52 "No Fundo da minh' Alma" da Paixão segundo São João de J.S. Bach (solista: Prof. Janice Mendonça de Almeida), "So ben mi ch' ià bon tempo" de Vecchi, "Signor abate" de Beethoven, "Lua, lua, lua" de Scliar e "Deixa beijar-te, meu bem" de Emmanuel Coelho Maciel. Registrou-se a participação dos seguintes coralistas: cantoras Arlette Ávila, Celina Sade, Glorinha Lamounier, Janice Mendonça de Almeida, Júnia Guimarães, Marlene Resende, Maria do Carmo Hilário, Maria da Conceição Teixeira, Miriam Carnaval Morett, Maria Lúcia Monteiro, Mariaizabel Campos, Vanda Campos e Zeila Bassi e cantores Aluízio Viegas, Antônio Carlos Rozzeto, Benedito C. Silva, Célio José dos Santos, Ely Henriques Barbosa, Geraldo Barbosa de Souza, Hélio Magalhães, José Neves, Paulo C. Silva, Roberto C. Sade, Tarcísio Cabral e Vicente Viegas.
Registro também a terceira (sic) audição do Madrigal Villa-Lôbos no auditório da Faculdade Dom Bosco em 10/8/1961, com seu repertório já conhecido, acrescido das peças: coral "Jesus Cristo" de Palestrina e "Canide-Ioune-Sabath" de Heitor Villa-Lôbos.
Além das iniciativas já registradas, com os clérigos do curso de Filosofia o Pe. Luiz organizou o coral denominado "Anambé", que fazia muito sucesso nas celebrações e nos eventos culturais. No arquivo do Pe. Luiz Zver, disponível no CSDP em Barbacena, um caderno de anotações motra as seguintes anotações do seu punho:
"Crônica do Anambé - 1957"
31/1/57 - Na Matriz de S. João Bosco:
Missa in honorem Sancti Evasii de Furlotti
Ave Maria de Vicente Valle
Ensaiamos, mas não cantamos canto de Kasprzik em honra de D. Bosco
1/3/57 - Na aula inaugural da Faculdade.
Cantamos:
Sattner: Hino do Anambé
Porto Alegre: A Tarde
Fr. Mignone: Giroflê ô Giroflar
Tonada popular chileña: La palamita
De manhã, 9 hs - Cantamos a Missa Sancti Evasii de Furlotti
Ensaiamos, mas não cantamos o Veni Sancte Spiritus de H. Oswald
14/3/57 - No Domingo de Ramos:
Soriano: Paixão seg. S. Mateus
Pagella: Ingrediente Domino
Grisbacher: Improperium
19/3/57 - Na Sexta-feira Santa:
Süssmayer: Pange lingua
Rosselli: Adoramus te
Palestrina: Popule Meus
Campadónico: Christus factus est
24/5/57 - Na capela dos aspirantes:
Licinio Refice: Missa in honorem Sancti Eduardi Regis (Saiu muito bonita)
P. Aug. Hribar: Ave Maria (Ti, o Marija)
L. Marenzio-Praglia: Ave mundi spes Maria
Além dessa iniciativa, Padre Luiz foi um dos idealizadores do TÚNIS-Teatro Universitário São-joanense, que se notabilizou nos anos 60 pela apresentação de inúmeras peças teatrais, tais como: Marat Sade, Morte e Vida Severina, Alto da Compadecida, Túnis conta Zumbi, Convocação de Todo o Mundo, Missa Leiga nº 2 para piano, piston e coro (esta última com arranjo de Francisco Mangabeira da Silva, conhecido como Chico Mangabeira, cuja partitura me foi presenteada pelo Presidente do IHG, Dr. Artur Cláudio da Costa Moreira, teve, quando de sua estréia, ao piston Tadeu Nicolau Rodrigues e ao piano Mercês Bini Couto).
Em 1967 fundou a APAE-Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de São João del-Rei, inicialmente nas dependências da Faculdade, com intuito também de servir para estudo e estágio dos estudantes de Pedagogia.
Possivelmente tenha sido a condução da APAE a melhor oportunidade que teve Pe. Luiz de mostrar a sua grandeza de alma. Homem afeito a assuntos intelectuais e filosóficos desde a juventude, erudito por vocação, foi entretanto no cuidado de crianças excepcionais nos seus últimos trinta e cinco anos de vida que encontrou o campo propício para dar o melhor de si e do ideal salesiano em benefício dos menos aquinhoados pela sorte. Talvez essa faceta de sua encantadora personalidade seja aquilo que mais dignifica a sua biografia. Como seguidor fiel de Cristo, sabia de cor o preceito do Mestre em Mateus 13, 45: "O reino dos céus é ainda semelhante a um negociante que procura pedras preciosas. Encontrando uma de grande valor, vai, vende tudo o que possui, e a compra." Ou ainda o texto constante em Marcos 10, 13-16, em que os discípulos do Mestre repreenderam asperamente os que lhe apresentavam crianças. O evangelista narra que Jesus se indignou, tendo dito: "Deixai vir a mim os pequeninos e não lho impeçais; porque o reino de Deus é daqueles que se lhes assemelham. Em verdade vos digo, todo o que não receber o reino de Deus com a mentalidade de uma criança, nele não entrará."
Quando expôs, na reunião da comunidade, que pretendia construir um prédio para a APAE, alguém lhe perguntou se já possuía os meios para tal construção. "Os mesmos que tinha Dom Bosco, quando começou o templo de Maria Auxiliadora, em Turim", foi a resposta pronta e definitiva, ao estilo dele. Em 1969 assumiu a direção da APAE e nunca mais a deixou, mesmo nos períodos de doença grave.
Enquanto ele estava pensando em encontrar um lugar para a APAE, os salesianos deixaram a Escola Agrícola Padre Sacramento (conhecida como Patronato) e devolveram o prédio e o terreno ao Estado e este repassou-os à Prefeitura (que o deixou abandonado). Padre Luiz, no entanto, queria que fossem transferidos para a APAE. Não o conseguindo, ficou profundamente magoado por não terem confiado a ele ou nele. Teve então que se desdobrar para encontrar um terreno e construir sua associação.
"Na APAE, que tanto amava, ele empunhava a cruz, feita de madeira, com solenidade e força, como quem empunha uma lança de cavaleiro conquistador, para que o seu grande sonho, já realizado, continuasse vivo no coração de todos os são-joanenses: a APAE", assim se expressou o Jornal "Geraes" de São João del-Rei-Ano IX, nº 322.
Assim, como para Dom Bosco, vieram as dificuldades, as lutas, as dívidas, os empréstimos, os papéis perdidos. Durante sua doença, problemas na direção fizeram com que houvesse uma intervenção da Federação das APAEs na entidade são-joanense. Assim, no fim da vida, viu sua APAE ser administrada por estranhos. Foi um duro golpe para ele, o que talvez tenha apressado sua morte.
Do seu grande amor pela APAE, ficou o livro "Pequena História (Ilustrada) da APAE de São João del-Rei", por ele escrito e de que tanto se orgulhava.
Com a transferência dos pós-noviços para Belo Horizonte e a diminuição dos salesianos da comunidade, Padre Luiz teve que suprir a falta de professores, passando a lecionar muitas disciplinas nos diversos cursos, principalmente nos cursos de Letras e Pedagogia.
No início dos anos 70, por iniciativa dele, a Faculdade Dom Bosco começou a ministrar o curso de revalidação dos estudos filosóficos para bispos, padres, ex-padres e pastores evangélicos que tinham feito sérios estudos em seus seminários sem reconhecimento algum por parte do Governo. A Faculdade se encarregava de ministrar as disciplinas que faltavam no currículo. A Filosofia podia ser revalidada com uma monografia. São João del-Rei via seus janeiros e julhos repletos de velhos alunos, dos quatro cantos do País. Padre Luiz, com o garbo e a solenidade de um general, comandou aquele exército com alegria, rigor e competência: examinava currículos, controlava inscrições, olhava listas de presença. A tudo estava atento.
Em 1987 a Faculdade Dom Bosco foi assumida pelo Governo Federal para integrar-se à FUNREI-Fundação Universitária Municipal de São João del-Rei, hoje UFSJ-Universidade Federal de São João del-Rei.
Padre Luiz continuou como professor até sua aposentadoria compulsória em 1988, que ele chamava de "expulsória", pois achava que poderia continuar lecionando.
Difícil encontrar alguém de tanta capacidade intelectual. Girava pelos tratados de filosofia com indiscutível competência. Enfrentava os clássicos latinos em suas elegantes sutilezas.
Conhecia a legislação escolar brasileira como se fora ele que a tivesse feito.
O historiador e ex-professor da UFSJ, Antônio Gaio Sobrinho, que também foi aluno de Luiz Zver, descreve-o muito bem: "Sem títulos universitários, que nunca lhe fizeram falta, por considerá-los, muitas vezes, inúteis ornamentos da vaidade humana, foi, no entanto, um dos mais eruditos e competentes mestres que São João del-Rei já teve. Fazendo da leitura constante um hábito inveterado, Padre Luiz tornou-se um grande humanista, entendido em quase tudo, desde Filosofia e Teologia, Psicologia e Pedagogia, até Música, Literatura e línguas. (...)" (grifo meu)
Por tudo o que foi, pelo muito que deixou estampado de si, ouso qualificar de incomparável o nosso sempre lembrado e caro mestre Padre Luiz Zver, a quem cabe o verso de Virgílio, na passagem da primeira Bucólica, em que Títiro compara Roma a um cipreste:
Verum haec tantum alias inter caput extulit urbes
quantum lenta solent inter viburna cupressi. (I, 24-5)
e a cuja tradução me aventuro:
Mas esta (Roma) elevou tanto a cabeça entre as outras cidades
quanto os ciprestes costumam elevar-se entre os arbustos flexíveis.
Virgílio joga aqui com dois mundos: a natureza representada pelo cipreste; e o mundo artificial, criação do homem, representado pela cidade. Roma, como o cipreste, se diferencia das cidadezinhas no tamanho. Há ainda o relevo dado pela imagem do cipreste que se levanta mais alto do que os moles viburnos.
De tudo o que foi dito, parece-me que o poeta uruguaio Mario Benedetti, com as seguintes linhas de sua autoria, logra expressar com rara maestria a admiração que conseguimos nutrir por certos homens de caráter como o Padre Luiz Zver, a quem se adequam com justeza:
"La gente que me gusta"
Me gusta la gente que vibra, que no hay que empujarla, que no hay que decirle que haga las cosas, sino que sabe lo que hay que hacer y que lo hace. La gente que cultiva sus sueños hasta que esos sueños se apoderan de su propia realidad. Me gusta la gente con capacidad para asumir las consecuencias de sus acciones, la gente que arriesga lo cierto por lo incierto para ir detrás de un sueño, quien se permite huir de los consejos sensatos dejando las soluciones en manos de nuestro padre Dios.(...),
cuja tradução ofereço abaixo:
"Da gente que eu gosto"
Eu gosto de gente que vibra, que não tem de ser empurrada, que não precisa que se lhe diga que faça as coisas, mas que sabe o que tem que fazer e o faz.
Gente que cultiva seus sonhos até que esses sonhos se apoderam de sua própria realidade. Gosto de gente com capacidade para assumir as consequências das suas ações, de gente que arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, que se permite abandonar os conselhos sensatos, deixando as soluções nas mãos de Deus nosso pai. (...)
OBRA CONSULTADA
Padre Luiz Zver 1913-2005: Carta Mortuária, Inspetoria São João Bosco, Paróquia São João Bosco, São João del-Rei-MG, maio 2007
* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...
25 comentários:
Caro Francisco,
Foi de grande relevância conhecer mais a fundo, através do seu requintado artigo, o Salesiano Pe. Luiz Zver. Pessoa singular e douta.
Um abraço,
Érica Mello
Bibliotecária - CSDP
Padre Luiz Zver, muitas lembranças de minha infância no Oratório São João...
Eterna saudades.
Cristina Gaio.
Tive o prazer de conhecer o padre Luiz quando morava na estação de Ibitutinga,Ele foi o responsável pela construção da Capela de São Domingos Sávio, naquela localidade.Quanta saudades...
Bom dia Francisco,
Fiquei muito emocionada ao ler sua matéria sobre o Padre Luíz.
Viajei para o passado (1970, 71, 72, 73) e lembrei-me de algumas situações vividas e que marcaram minha passagem pela Faculdade Dom Bosco. Padre Luíz estava sempre presente. Tive o grande prazer de ser aluna deste grande homem,(e também de outros padres e professores maravilhosos como: padre Gruen, o ex-padre Tiago Lara, padre Ilário Zandonadi, padre Pinheiro e tantos outros que marcaram minha vida .
Que saudade, meu Deus!!!!
Obrigada por trazer-me tantas recordações que estavam bem no fundo de minha memória. Foi, e continua sendo, uma viagem maravilhosa.
Abraços,
Luci
Saudade, muita saudade foi o que me restou daqueles tempos, obrigado pela brilhante recordação.
Luiz Soares Melo.
Oi meu amigo Braga.
Foi realmente um achado em minha vida ter encontrado esse seu blog e através dele já me considerar seu amigo sem mesmo nos conhecermos. Fico agradecido pela oportunidade da lembrança de tanta coisa daquele tempo em que estudei como clérigo e ao mesmo tempo como aluno da faculdade e professor no colégio São João, no meu último ano de faculdade em 1966. Foram quatro anos em terras bem diferentes do Nordeste. Eu pertencia à Inspetoria Salesiana do Nordeste, com sede em Recife-PE, para onde retornei depois de terminada a filosofia. Levei um diploma de Licenciado em Ciências Sociais e até lhe envio foto de quando recebi o anel das mãos do Pe. Alfredo Carrara (Diretor na época) e de um lado o Pe. Luiz Zver e do outro o Pe. Servo (ex padre).
Por ser de outra inspetoria, perdi o contato com todo esse pessoal e depois que abandonei a vida religiosa, a distância ficou ainda maior.
Sempre admirei o Pe. Luiz Zver por ser ele um homem decidido, demonstrando segurança em tudo o que fazia.
Mais uma vez agradeço a lembrança e um mundo de recordações.
Se tiver um tempinho, acesse o blog familiar do qual faço parte e conhecerá melhor este seu amigo e admirador distante. Para ampliar as fotos clique sobre as mesmas. www.osmelodeibiapina.blogspot.com.br
Luiz Soares
Prezado Braga,
Achei interessantes as páginas dedicadas a Padre Luiz Zver, salesiano ilustre com quem você conviveu. Na realidade, Dom Bosco fez da educação a marca de seus filhos espirituais e destes apóstolos do ensinar. Teve você o privilégio de conviver com um autêntico salesiano, que plantou no seu espírito este amor entranhado à cultura e à arte. Laus Deo.
Fernando Teixeira
Prezado Braga,
Sinceros agradecimentos.
Pe. Ramiro
Obrigada, amigo e confrade Francisco Braga.
Que dádiva de informações sobre este grande intelectual e ser humano! Foi ele quem fez o meu casamento, em 1965. Vou reler com muita atenção.
Pe. Luiz faz parte da história de muitas pessoas.
Um abraço,
Betânia
Prezado Francisco Braga,
Fui aluna de escola salesiana durante toda a vida escolar (desde a Educação Infantil até o Magistério) e trabalhei numa instituição escolar salesiana também. Não conheci o referido padre biografada por você, mas pelas suas descrições deve ter sido realmente um educador brilhante. Agradeço pelo comunicado, parabéns pelo seu blog. Aproveito o email para convidar você para conhecer o blog do grupo de pesquisa que coordeno aqui na USP pelo endereço: http://falagrupoelo.blogspot.com. br
Aproveito, ainda, dada a sua formação para solicitar sua ajuda para divulgar o forum iberoamericano de Educação, Geografia e Sociedade - GEOFORO que ajudo a dirigir junto com colegas de Espanha, Portugal, Colômbia, Argentina e outros. O endereço é: www.geoforo.com
Abraço fraterno,
Andrea Lastória
Meu caro amigo Francisco Braga,
Quero parabenizar lhe pelas brilhantes matérias.
Um grande abraço do amigo Lucio Flavio
Francisco,
Bom dia. Tenho sim grande interesse no pensamento de Luiz Zver e lhe agradeço. Estudei em São João. Fiz introdução ao Latim, na FUNREI.
Seus e-mails são ricos.
Fátima
Meu caro amigo Francisco Braga.
Paz e Bem!
Recebi sua correspondência sobre seus estudos a respeito do saudoso Pe. Luiz Zver. Eu o conheci na década de 70, quando morei em São João del-Rei. Sempre também admirei este homem sábio, idealista e profundamente enraizado na cultura de nossa São João del-Rei.
Seus artigos estão muito bem feitos. Parabéns!
Para você o meu fraternal abraço e um bom dia.
+ Célio O.Goulart
Caro Braga; boa noite:
Recebi com muito prazer seu e-mail dando conta do que escreveu a respeito do Pe. Luís Zver. Antes de ingressar no Ginásio Santo Antônio estudei no Colégio São João as três primeiras séries do curso secundário, quando tive a oportunidade de conhecer nosso saudoso Zver. Ambos colecionávamos selos e isso aproximou-me mais ainda desse mestre. Casou minha irmã (já falecida) e, quando do falecimento de meu pai, fez uma chamada em sua memória pela Rádio São João del Rei. Minha mãe, agradecida, incumbiu-me de visitá-lo na APAE e agradecer em nome da família. Conversamos muito, relembrando fatos e causos de quando, ainda menino, frequentava seu escritório em busca de selos e da sapiência que emanava de suas palavras. Antes de despedir-me, fez questão de me entregar o escrito que tinha feito a respeito de meu pai, para divulgá-lo pela Rádio. Foi a última vez que o vi. Permanece em minha memória saudosa e revive em seus artigos que tão gentilmente fez questão de me enviar. Muito obrigado. Estou procurando o texto do Pe. Zver em meus guardados e assim que encontrá-lo tratarei de enviá-lo escaneado para você.
Com o abraço do confrade e amigo
José Carlos Hernández
Boa tarde, Braga!
Li os dois artigos da autoria de Luiz Zver e adorei. Cada vez mais me convenço que o pessoal de décadas passadas trabalhou arduamente para nos deixar um legado maravilhoso. Nas artes, podemos perceber que tudo era feito com o coração. Acredito que a tecnologia ajuda muito, mas, por outro lado, tira um pouco a inspiração.
Um abraço,
Elza
Caro amigo Francisco,
Excelente este material que você publicou, recordando o Pe. Zver. De fato, foi uma pessoa extraordinária, sempre pronto a ajudar e a fazer crescer.
Continue a recuperar a memória destas pessoas que nos ensinaram a viver com dignidade. "Lives of great men all remind us we can make our lives sublime..." Lembra-se desse poema de Longfellow?
Um grande abraço,
Pe. Gruen
Caro amigo,
Parabenizo-o não apenas pelo trabalho sobre o ilustre Pe Luiz Zver e a familia salesiana, mas também pelo seu desempenho em resgatar sempre a história da nossa São João del Rei.
Grande abraço,
Rômulo Viegas
Olá, amigo Braga.
Além dos belos artigos: QUANTA SAUDADE ! ! !
Abração,
João Bosco
Caro Braga: reapreciei as suas homenagem escritas para o Pe. Luiz Zver!
Abraços cordiais,
JA
Prezado Braga, como vai?
Que história de vida a do Pe.Luiz Zver! Homens assim merecem ter um registro biográfico fidedigno e detalhado como este. Gostei muito, também, do artigo sobre as Origens da literatura latina – parte 3. Sempre me interessei sobre literatura e cultura dos povos. É interessante vermos como foi o desenrolar da história e o que chegou até nós.
Parabéns, mais uma vez, pelo seu primoroso trabalho e pelos artigos maravilhosos.
Um abraço e feliz 2013!
Elza de Moraes Fernandes Costa
Fiz estágio na APAE e o presidente era o padre Zver. Também conheci no meu curso de formação de psicólogos (1978), os padres: Pinheiro (que acho tinha doutorado no Vaticano, pelo menos diziam isso; era raro título de mestre), Nascif (psicanálise, acho), Tertuliano (diretor), era muito bacana o Silvério Ivo Gomes que ensinava psicoterapias (todas as linhas kkk eu achava o máximo, pelo menos naquela época), o Adão Lara (acho que aparecia pouco, mas muito comentado - coisas de estudantes; talvez nem lá estivesse mais)... Como vi todo mundo dando seu pitaco, resolvi fazê-lo igualmente, acho que a saudade que apertou... - Hiran Pinel, UFES/CE/PPGE..
Prezado Sr. Francisco José dos Santos Braga!
Obrigado por seus posts, eles me ajudaram a escrever um artigo sobre meu tio Luiz Zver. Muito gentil da sua parte cuidar do registro das memórias.
Aqui está meu artigo sobre Luiz Zver: https://poti-pisav-g-zver.blogspot.com/2021/02/alojzluiz-zver-doklezovcan-duhovno-in.html
Defina sua página para português, clique no tradutor.
Saudações da Eslovênia, Gabriela Zver
Ah, vejo que o sistema não listou quem eu sou, escrevi o comentário anterior, Gabriela Zver, meu blog: A vida é uma viagem ... Eu não falo português, peço desculpas, escrevo no google tradutor.
https://poti-pisav-g-zver.blogspot.com/
Prezado Sr. Francisco José dos Santos Braga!
Não sei se notaram que comentei seu antigo post no Blog do Braga (Meu mestre inesquecível Padre Luiz Zver, SDB >>> 1ª Parte / 2 Parte)
Não encontrei seu e-mail para escrever para você, não sei português, então peço desculpas. Mas eu te escrevi isto:
Obrigado por seus posts, eles me ajudaram a escrever um artigo sobre meu tio Luiz Zver. Muito gentil da sua parte cuidar do registro das memórias.
Aqui está meu artigo sobre Luiz Zver: https://poti-pisav-g-zver.blogspot.com/2021/02/alojzluiz-zver-doklezovcan-duhovno-in.html
Defina sua página para português, clique no tradutor.
Saudações da Eslovênia, Gabriela Zver/gabriela.zver@gmail.com
PS. You can write me in English or I will translate your messages with a google translator.
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