Por Francisco José dos Santos Braga
I.
INTRODUÇÃO
O leitor do
Blog do Braga deve ter percebido que, no dia 20 de março de 2013, inaugurei uma
nova seção com artigos de minha autoria e/ou textos de minha tradução que
privilegiem o aprendizado e contribuam para o ensino da língua grega nos países
lusófonos, especificamente com o meu artigo “Implicações da Reforma Ortográfica
da Língua Grega em 1976”, o qual teve outros atores opinando sobre acordos e
reformas ortográficas aqui e noutros países. Claro que o foco ali era abordar
as consequências da simplificação promovida na língua falada por todos os
falantes nativos na Grécia e Chipre e pelos Gregos espalhados por todo o mundo,
especialmente as grandes comunidades gregas na Austrália, nos Estados Unidos e
no Canadá, depois das inúmeras migrações dos Gregos no século XX, fato que
ficou conhecido como a diáspora grega.
O linguista
espanhol e filólogo helenista Dr. Francisco Rodríguez Adrados, nascido em
Salamanca em 1922, catedrático de grego na Universidade Complutense de Madri de
1952 a 1988 e professor honorário da Universidade do Peloponeso em Kalamata,
autor da “História da Língua Grega (desde os primórdios aos nossos dias)” assim
se expressa a respeito: “O grego e o chinês são as únicas línguas com contínua
presença viva dos próprios povos e no mesmo lugar há 4.000 anos. Todas as
línguas são consideradas cripto-helênicas (κρυφοελληνικές), com ricos aportes (empréstimos) da
língua-mãe, o grego.”
De fato, línguas específicas como a grega e a chinesa, as únicas vivas há 4.000 anos, de acordo com o linguista espanhol, constituem matriz criadora de um complexo mais amplo de línguas que de forma nenhuma poderão substituir a língua materna. Afirma ainda que a língua grega marcou com indelével sinete todas as línguas da Europa Ocidental, as quais tacha de cripto-helênicas; segundo ele, não só estas, mas também as demais línguas do planeta hoje podem ser assim consideradas, fato que é confirmado pelos Departamentos de Estudos Helênicos por todo o mundo.
De fato, línguas específicas como a grega e a chinesa, as únicas vivas há 4.000 anos, de acordo com o linguista espanhol, constituem matriz criadora de um complexo mais amplo de línguas que de forma nenhuma poderão substituir a língua materna. Afirma ainda que a língua grega marcou com indelével sinete todas as línguas da Europa Ocidental, as quais tacha de cripto-helênicas; segundo ele, não só estas, mas também as demais línguas do planeta hoje podem ser assim consideradas, fato que é confirmado pelos Departamentos de Estudos Helênicos por todo o mundo.
Consequentemente,
a ligação mais óbvia entre os Gregos antigos e modernos é a sua língua, fruto
de uma tradição contínua e documentada desde pelo menos o século XIV a.C. até
os dias atuais. Não houve uma interrupção como a que ocorreu entre o latim e as
modernas línguas românicas. A única língua que também compartilha a mesma
continuidade da língua grega é a chinesa.
No presente
artigo, meu propósito é mostrar que o vínculo que permanence entre a língua
grega moderna e a antiga, apesar dos muitos percalços neste trajeto, mostrando
a fidelidade e tradição do povo grego, que considera a sua língua um símbolo
nacional e seu principal cartão de visita.
É bom
relembrar aqui que as agruras por que passa o povo grego no momento não são
exclusividade da nação grega, e sim fruto das contingências que fazem parte dos
ciclos do capitalismo e das crises que são gestadas no seu interior. Já me
convenci de que as crises migram de um país a outro, dependendo das grandes e
globais conveniências.
Nossa
linguista e filóloga, Dra. Guida Nedda Barata Parreiras Horta, professora
titular da Faculdade de Letras da UFRJ, fez a seguinte consideração por ocasião
do Sesquicentenário da Independência da Grécia, em 25/03/1971 [HORTA (1980, pp. 21-22)]:
“Contudo, ninguém exprimiu melhor o sentimento universal da presença espiritual da Hélade, em nossos dias, do que um de seus mais brilhantes poetas modernos — Kostís Palamás, falecido em plena conflagração mundial, na luta pela liberdade, contra o nazi-fascismo, em 1943 — num poema, do qual, tomando a Grécia por objeto, permitimo-nos roubar uma parte da beleza intrínseca, traduzindo-o:
“Contudo, ninguém exprimiu melhor o sentimento universal da presença espiritual da Hélade, em nossos dias, do que um de seus mais brilhantes poetas modernos — Kostís Palamás, falecido em plena conflagração mundial, na luta pela liberdade, contra o nazi-fascismo, em 1943 — num poema, do qual, tomando a Grécia por objeto, permitimo-nos roubar uma parte da beleza intrínseca, traduzindo-o:
AMO-TE
Por Kostís
Palamás¹
Amo-te na
linguagem do pássaro, e na do rouxinol, e com palavras inexprimíveis, com tudo
o que, em minha razão nebulosa, vive a meio, arrastando após si uma caótica
multidão, e que, ansiosamente, busca a forma e a luz.
Amo-te, com
todas as estrelas de meu céu profundo. Fica, meu amor criador, em meu
pensamento obscuro!
Pois o
enxame das sombras zumbe em teu redor, e como!
Para extrair de ti a forma e a luz.”
II. MINHA TRADUÇÃO DE EXCELENTE ARTIGO QUE COMPROVA QUE VÁRIOS ELEMENTOS DO GREGO ANTIGO CONTINUA PRESENTE NA LÍNGUA GREGA MODERNA, INDEPENDENTE DE ACORDOS E REFORMAS ORTOGRÁFICAS
Vocês sabem que hoje falamos a língua de
Homero?
Por Sophia Kostara (Editora chefe do Blog InfoKids.gr)
“Desde a época que falou Homero até hoje, falamos, respiramos e cantamos com a mesma língua.”
Giorgos Seféris
Qual
palavra grega é antiga e qual é nova? Por que uma palavra homérica nos parece
difícil e incompreensível?
Os Gregos
hoje, independente da instrução, falamos homericamente, porém não o sabemos,
porque ignoramos o significado das palavras que utilizamos.
Para
comprovar a pertinência de nosso argumento, citaremos vários exemplos para
verificarmos que a língua homérica não só não está morta, mas está
completamente viva.
Αυδή é a voz [φωνή].
Hoje usamos o adjetivo άναυδος [sem fala, estupefato, atônito].
Αλέξω na época de
Homero significa “impedir, dissuadir”. Agora usamos as palavras αλεξίπτωτο
[pára-quedas], αλεξίσφαιρο [à prova de bala], αλεξικέραυνο [pára-raios], αλεξήλιο [guarda-sol], Αλέξανδρος
[aquele que repele os homens (machos adultos)], etc.
Com o advérbio τήλε em
Homero subentendiam “longe”, usamos os vocábulos τηλέφωνο [telefone], τηλεόραση
[televisão], τηλεπικοινωνία [telecomunicação], τηλεβόλο [canhão], τηλεπάθεια
[telepatia], etc.
Λάας ou λας chamavam a
pedra. Nós dizemos λατομείο [pedreira],
λαξεύω [entalhar,
gravar].
Πέδον em Homero
significa solo; agora dizemos στρατόπεδο [quartel], πεδινός [plano, de
planície].
A cama era chamada de λέχος,
nós denominamos λεχώνα [parturiente] a mulher que recentemente pariu e fica na
cama.
Πόρος chamavam a
passagem, a travessia; hoje usamos o vocábulo πορεία. Também denominamos εύπορο
[rico, opulento] alguém que tem dinheiro, porque possui facilidades (meios de
atingir um objetivo), ou seja, pode passar onde quiser, e άπορο aquele que não tem meios de subsistência, o pobre.
Φρην é a lógica.
Desse vocábulo provêm το φρενοκομείο [manicômio], ο φρενοβλαβής [demente], ο
εξωφρενικός [extravagante], ο άφρων [insensato], etc.
Δόρπος chamavam o
jantar[δείπνο]; hoje o vocábulo é επιδόρπιο [sobremesa].
Λώπος é, em
Homero, roupa. Agora, chamamos aquele que nos furtou (despiu a nossa casa) λωποδύτη [ladrão].
Ύλη denominavam
um lugar com árvores; nós dizemos lenhador [υλοτόμος].
Άρουρα era o
terreno [χωράφι]; todos conhecemos a ratazana [αρουραίος].
Chamavam a ira [θυμός] de χόλο. Essa palavra deu origem à χολή [bílis], com o significado da
amargura [πίκρα]. Dizemos também que alguém está aflito [χολωμένος].
Νόστος significa
retorno à pátria. A palavra permaneceu como παλινόστηση [regresso à pátria] ou
νοσταλγία [saudade].
Άλγος em Homero é
o sofrimento corporal; dele provém o analgésico [αναλγητικό].
O peso [βάρος]
chamavam de άχθος, hoje
dizemos αχθοφόρος [carregador].
Ρύπος
[sujeira, porcaria] prossegue e se diz assim — ρύπανση [poluição].
Da palavra αιδώς [vergonha,
hoje ντροπή] proveio o αναιδής [insolente, descarado].
Πέδη significa
atadura, ligamento [δέσιμο] e agora dizemos πέδιλο [sandália]. Também usamos a
palavra χειροπέδες [algemas].
De φάος, a luz [φως]
provém a expressão φαεινές ιδέες [ideias luminosas].
Άγχω significa
apertar o pescoço; hoje dizemos αγχόνη [forca, patíbulo]. Também é a ansiedade
[άγχος] por algum aperto, ou por pressão.
Βρύχια em Homero
são as águas profundas, donde o submarino [υποβρύχιο].
Φερνή chamavam o
dote[προίκα]. Daí prevaleceu chamarmos a bem dotada de πολύφερνη νύφη [noiva
bem dotada].
A refeição, à
qual cada um que comparecia trazia consigo sua comida, chamava-se έρανος. A palavra permaneceu, com a
diferença que hoje não contribuímos com comida, mas com dinheiro.
Há palavras, da época de Homero, que, enquanto a sua
primeira forma mudou — χειρ ficou
χέρι [mão], ύδωρ virou νερό [água], ναυς tornou-se πλοίο [navio], άστυ
deu πόλη [cidade], sendo que na composição se manteve a primeira forma da
palavra.
Assim, a partir da palavra χειρ temos: χειρουργός [cirurgião], χειριστής [operador],
χειροτονία [relig. ordenação], χειραφέτηση [emancipação], χειρονομία [gesto],
χειροδικώ [agir pela lei do mais forte], etc.
A partir de ύδωρ,
temos as palavras: ύδρευση [abastecimento de água], υδραγωγείο [aqueduto],
υδραυλικός [hidráulico], υδροφόρος [aquífero], υδρογόνο [hidrogênio],
υδροκέφαλος [hidrocéfalo], αφυδάτωση [desidratação], ενυδρείο [aquário], etc.
A partir da palavra ναυς
temos: ναυπηγός [engenheiro naval], ναύαρχος [almirante], ναυμαχία [batalha
naval], ναυτικός [marinheiro], ναυαγός [náufrago], ναυτιλία [navegação],
ναύσταθμος [estaleiro; porto naval], ναυτοδικείο [tribunal marítimo],
ναυαγοσώστης [salva-vidas], ναυτία [náusea, enjoo], etc.
A partir do vocábulo άστυ
temos: αστυνομία [polícia], αστυνομικός [agente policial], αστυφιλία
[urbanismo], etc.
De acordo com supracitados exemplos, resulta que: Não
existem palavras gregas antigas e novas, mas apenas palavras gregas.
A língua grega é una e essencialmente indivisível ao longo
do tempo. Desde a época de Homero até hoje, apenas poucas palavras foram
acrescentadas à língua grega. (Pelo contrário, foi criado um grande número de
palavras compostas, cujos componentes constituem palavras originais ou
derivadas do grego antigo.)
O conhecimento da etimologia e dos significados das palavras
nos ajudará a compreendermos que falamos a língua da poesia homérica, uma
língua que Homero não descobriu,
preexistente a ele muitos milênios.
III. NOTA DO AUTOR
¹ Kostís Palamás, poeta, prosador, teatrólogo, historiador e crítico
literário, nasceu em Patras, em 13 de janeiro de 1859. Foi considerado o mais
importante da sua época, morreu em Atenas no dia 27 de fevereiro de 1943. É de sua autoria a letra do seu “Hino
Olímpico”, escrita em 1896 quando dos primeiros Jogos Olímpicos da Era
Moderna, com música de Spýros Samáras. Foi um dos candidatos ao Prêmio
Nobel da Literatura em 1939. Palamás, que foi também romancista, dramaturgo
e crítico, deixou uma vasta e variada obra literária. Dentro do movimento
demoticista, Palamás teve papel primordial e dominou a cena literária por
várias décadas, com uma vasta produção de ensaios e artigos, tendo publicado
sua melhor poesia entre 1900 e 1910.
Em 1936 e
1937, numerosas manifestações foram organizadas, na Grécia e no estrangeiro,
para comemorar o cinquentenário da publicação do seu primeiro livro, “Cantos da
minha Pátria”, uma coletânea poética que veio a lume em 1886.
Em 1937, tornou-se
Cavaleiro da Legião de Honra Francesa.
Os últimos
anos da sua vida foram marcados pela solidão e por doenças. Só recebia visitas
de amigos, que o acompanharam até a hora da morte. O seu funeral foi pretexto
para comoventes apelos à resistência, face à ocupação alemã, feitos pelo poeta
Ángelos Sikelianós, pelo arcebispo de Atenas e pelo povo, que cantou em
uníssono o hino nacional grego.
Σ' ΑΓΑΠΩ
Κωστής Παλαμάς
Σ' αγαπώ με τη γλώσσα
του πουλιού τ' αηδονιού
και με τ' άφραστα· μ' όσα
στο θαμπό μου το νού
μισοζούν, αργορεύουν,
από χάος λαός,
κ' εναγώνια γυρεύουν
τη μορφή και το φως.
Σ' αγαπώ μ' όλα τ' άστρα
τού βαθιού μου ουρανού.
Στήσου, αγάπη μου πλάστρα
στο θαμπό μου το νου,
και των ίσκιων το σμάρι
βουΐζει γύρω σου, ω πώς !
από σέ για να πάρη
τη μορφή και το φως.
(Τα παράκαιρα, 1919
'Απαντα, τομ. Ζ´, σελ. 188)
IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HORTA, G.N.B.P. : "A Luz da Hélade" (Ensaios Literários nº 1). Rio de Janeiro: Editora J. di Giogio & Cia. Ltda., 1980, 248 p.
KOSTARA, S. : "Γνωρίζετε ότι σήμερα μιλάμε την ομηρική γλώσσα;", artigo publicado no Blog InfoKids.gr
Link: https://www.infokids.gr/%CE%B3%CE%BD%CF%89%CF%81%CE%AF%CE%B6%CE%B5%CF%84%CE%B5-%CF%8C%CF%84%CE%B9-%CF%83%CE%AE%CE%BC%CE%B5%CF%81%CE%B1-%CE%BC%CE%B9%CE%BB%CE%AC%CE%BC%CE%B5-%CF%84%CE%B7%CE%BD-%CE%BF%CE%BC%CE%B7%CF%81%CE%B9/
IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HORTA, G.N.B.P. : "A Luz da Hélade" (Ensaios Literários nº 1). Rio de Janeiro: Editora J. di Giogio & Cia. Ltda., 1980, 248 p.
KOSTARA, S. : "Γνωρίζετε ότι σήμερα μιλάμε την ομηρική γλώσσα;", artigo publicado no Blog InfoKids.gr
Link: https://www.infokids.gr/%CE%B3%CE%BD%CF%89%CF%81%CE%AF%CE%B6%CE%B5%CF%84%CE%B5-%CF%8C%CF%84%CE%B9-%CF%83%CE%AE%CE%BC%CE%B5%CF%81%CE%B1-%CE%BC%CE%B9%CE%BB%CE%AC%CE%BC%CE%B5-%CF%84%CE%B7%CE%BD-%CE%BF%CE%BC%CE%B7%CF%81%CE%B9/
4 comentários:
Muito interessante.
Maurício
Braga, parabéns, por sua iniciativa cultural.
Tarcízio
Terei prazer em divulgar os links, na medida em que me ocorram estudiosos do grego antigo. Por enquanto, só me vem à lembrança o nome de um amigo que andou estudando o grego – moderno... Repasso-os a ele.
Abraços,
Anderson
Caro amigo. Estávamos pensando em criar na ADL um curso rápido de latim e, posteriormente, grego. Cheguei até a sugerir, o que foi bem aceito. Estamos à procura de alguém que possa nos dar este curso voluntariamente. O Fernando ficou de ver se consegue algum padre para colaborar. Ainda existem alguns "doidos como nós" que pensam diferente. Isso é muito bom, pois assim a cultura sobrevive. Abraços. Paulo.
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