segunda-feira, 1 de maio de 2017

O JURAMENTO DE HIPÓCRATES


Por Francisco José dos Santos Braga

Busto de mármore de Hipócrates, encontrado no túmulo do médico em Ostia (100-150 d.C.) (no Museu Arqueológico de Piréus)



O  JURAMENTO DE HIPÓCRATES EM GREGO ANTIGO


Tradução: 
1. Eu juro, por Apolo, médico, por Asclépio, por Higeia e Panaceia, e tomando todos os deuses e deusas por testemunhas, cumprir, segundo minha habilidade e julgamento, esta promessa e este contrato:
2.  estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; ter vida comum com ele e, se  for carente, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos e ensinar-lhes esta arte, se tiverem desejo de aprendê-la, sem remuneração nem compromisso; deixar participar dos preceitos, das lições orais e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos que assinaram o compromisso, e a ninguém mais. 
3. Aplicarei os regimes dietéticos para o bem do doente segundo a minha habilidade e julgamento, evitando que sofram algum dano ou mal.
4. A ninguém darei, quando solicitado, nenhuma droga mortal, nem darei um tal conselho; do mesmo modo, não darei a nenhuma mulher um medicamento abortivo.
5. Conservarei imaculada minha vida e minha arte.
6. Não usarei a faca nem mesmo para remover cálculos; deixarei essa operação aos práticos (cirurgiões) que disso cuidam.
7. Em toda casa, aí entrarei para o bem dos doentes, abstendo-me de todo dano intencional e de toda maldade e, particularmente, de relações sexuais tanto com mulheres quanto com homens livres ou escravizados.
8. Manterei inteiramente em segredo o que quer que tenha visto ou ouvido no exercício ou fora do exercício da profissão quando no convívio social, e que não deva ser tornado público.
9. Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar para sempre de boa reputação entre os homens para minha vida e minha arte; se eu o transgredir ou perjurar, o contrário me aconteça.
Ex-voto em baixo-relevo de mármore: sob o olhar de Higeia, Asclépio cura a enferma deitada durante o parto no santuário de Asclépio, c. 400 a.C. (no Museu Arqueológico de Piréus)


Apolo é um personagem mitológico, filho de Zeus. Ele é um dos mais importantes deuses do Olimpo, sendo conhecido como deus da luz e do Sol, da verdade e da profecia,  da medicina e da cura, das artes, da poesia e da música, entre outras coisas. A medicina e a cura eram associadas a Apolo, e também pela mediação do filho dele, Asclépio (Esculápio, na mitologia romana, mais tarde). A mãe deste, Corónis, foi morta enquanto ainda grávida (de Asclépio), por ter sido infiel a Apolo, mas seu filho foi resgatado vivo de seu útero.

Por outro lado, Higeia, na mitologia grega, é filha de Asclépio. Se este era associado à recuperação e cura, a figura de Higeia era associada à prevenção das doenças e à continuidade da boa saúde. Seu nome deu origem à palavra higiene.

Panaceia e Higeia eram irmãs, filhas de Asclépio e, portanto, netas de Apolo. Panaceia é deusa da cura. Sobre Panaceia, cabe ainda lembrar que ela detinha uma poção, com a qual curava os doentes. Daí surgiu o termo panaceia, utilizado até hoje para descrever um medicamento capaz de curar muitas doenças, ou "elixir da vida" capaz de solucionar todas as enfermidades humanas. Observe que Apolo também era deus da cura, entre outras coisas.

O mito de Asclépio é descrito no século V a.C. por Píndaro: segundo [BRANDÃO, 1991, vol. I, 127],
"(...) Asclépio era filho do deus Apolo e da mortal Corónis, filha de Flégias, rei dos Lápitas. Temendo que o deus, eternamente jovem, por ser imortal, a abandonasse na velhice, uniu-se, embora grávida, a Ísquis, que foi morto por Apolo. Corónis foi liquidada a flechadas por Ártemis, a pedido do irmão. Mas, como acontecera a Dioniso, o rebento, certamente através de uma cesariana umbilical, foi extraído do seio de Corónis e recebeu o nome de Asclépio. Educado pelo Centauro Quirão, fez tais progressos na medicina... (...)
Possuía, em princípio, apenas dois filhos, os médicos Podalírio e Macáon, que já se encontram na Ilíada (II, 732-733, XI, 833...). Em variantes posteriores de seu casamento com Epíone nasceram ao menos quatro filhas, Áceso (a que cuida de), Iaso (a cura), Panaceia (a que socorre a todos) e Higeia (a saúde).
Asclépio é um herói-deus muito antigo e deve ter vivido na Hélade bem antes do séc. XIII a.C. e, portanto, anterior a Apolo, que não é atestado na época micênica. Herói médico originário de Trica, na Tessália, Asclépio acabou por fixar-se em Epidauro. 'O bom, o simples, o filantropíssimo', como lhe chamavam os Gregos, o filho de Apolo desenvolveu naquele recanto tranquilo da Hélade uma verdadeira escola de Medicina, cujos métodos, de início, eram sobretudo mágicos, mas cujo desenvolvimento (em alguns ângulos, como se verá, espantoso para a época) preparou o caminho para uma medicina bem mais científica nas mãos dos chamados Asclepíades ou descendentes de Asclépio, cuja figura máxima foi o grande Hipócrates. (...)
É precisamente esse culto secreto ao herói Asclépio, que era 'escondido' pelo Thólos (edifício abobadado, rotunda) de Epidauro, famoso por sua luxuriosa ornamentação e seu misterioso Labirinto. Neste, provavelmente, era 'guardada' a serpente, réptil que tinha para os antigos o dom da adivinhação, por ser ctônia, e que simbolizava a vida que renasce e se renova ininterruptamente, pois, como é sabido, a serpente enrolada num bastão era o atributo do deus da medicina. Assim os dois monumentos mais famosos de Epidauro se encontravam lado a lado: o Templo para o deus e o Thólos para o herói. Historicamente, Asclépio 'residiu' em Epidauro, dos fins do século VI a.C. até os fins do século V d.C. Onze séculos de glórias e de curas incríveis! (...)
À entrada do recinto sagrado do antigo Hierón do deus da 'nooterapia', isto é, da cura pela mente, sobre a arquitrave de majestosos Propileus, que formavam como um arco de triunfo, com duas fileiras de colunas de mármore, estava gravada a mensagem que sintetizava o grande segredo das 'curas incríveis' e incrivelmente modernas da medicina de Asclépio:
'Puro deve ser aquele que entra no Templo perfumado. 
E pureza significa ter pensamentos sadios.'
A conclussão é simples: certamente em épocas mais recuadas só havia cura total do corpo em Epidauro, quando primeiro se curava a mente. Em outros termos, só existia cura, quando havia metánoia, ou seja, transformação de sentimentos. Será que os Sacerdotes de Epidauro julgavam que as hamartíai (as faltas, os erros, as 'démesures') provocavam problemas que levavam ao encucamento e este agente mórbido, esta incubação 'detonava' as doenças? De qualquer forma, a missão de Asclépio era um Centro espiritual e cultural. Dado que as causas das doenças eram principalmente mentais, o método terapêutico era essencialmente espiritual, daí a importância atribuída à nooterapia, que purifica e reforma psíquica e fisicamente o homem inteiro. Procurava-se, a todo custo, através do gnôthi s'autón (conhece-te a ti mesmo) que o homem 'acordasse' para sua identidade real. (...)"
O Juramento de Hipócrates é aquele feito historicamente por médicos até os alvores do século XX. É um dos textos médicos gregos mais  conhecidos. Na sua forma original requer que um novo médico prometa, tomando inúmeros deuses de cura como testemunha, aderir a padrões éticos específicos. Possuindo um valor histórico e tradicional, o juramento é considerado um rito de passagem para profissionais da medicina em muitos países, embora hoje em dia várias versões modernizadas são frequentemente utilizadas; a mensagem transmitida é ainda a mesma: não faça o mal permanentemente ("Do no harm" em inglês e "Primum non nocere" em latim), embora essa sentença não conste expressamente do Juramento, como abaixo ficará evidente.

 


Hipócrates é frequentemente considerado o pai da medicina na cultura ocidental. O juramento original foi escrito em grego jônico entre os séculos V e III a.C., por Hipócrates ou um dos seus discípulos. Aparece incluído no "corpus hippocraticum" ou ("hippocratic collection", coleção hipocrática). Nos Estados Unidos, várias decisões judiciais importantes têm feito referência ao clássico Juramento de Hipócrates, quer mantendo quer dissolvendo vínculos por motivo de ética médica. Não obstante essa evidência, consta que, a partir de 1993, apenas 14% dos juramentos médicos proibiram a eutanásia. Além disso, enquanto muitas versões cristãs do Juramento de Hipócrates, particularmente as da Idade Média, proibiam explicitamente o aborto, essa proibição é frequentemente omitida de muitos juramentos feitos nas faculdades de medicina norte-americanas hoje, embora continue sendo um tema controvertido.



Na antiguidade, o médico que quebrasse o Juramento de Hipócrates era punido com multa ou com a perda do direito de praticar medicina. Atualmente não há nenhuma sanção por quebra do Juramento de Hipócrates, embora a negligência médica seja um equivalente discutível nos tempos modernos. A negligência médica leva a uma faixa ampla de punições, desde ação judicial até indenizações cíveis. Não só a negligência médica, mas também as outras categorias de erro médico, a imperícia e a imprudência médica, podem ser puníveis no exercício da profissão médica.



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Encontrei na Internet a republicação de um artigo em grego intitulado "O real Juramento de Hipócrates e o 'Juramento de Hipócrates' da medicina moderna", assinado por Níki Tsékou, cujo artigo original foi publicado na revista Holistic Life edição 35 (jan/fev 2010), com outro título entretanto, "Hipócrates: Pai da Medicina, mas de qual medicina?", tendo despertado grande interesse nos leitores. Além do Juramento de Hipócrates, o artigo aborda inúmeros aspectos do pensamento de Hipócrates, utilizando pelo menos 3 modalidades de língua grega (língua jônica utilizada por Hipócrates, 'katharévousa' e demótica), o que, em minha opinião, recomenda a sua tradução do grego para o português, em transcrição integral conforme abaixo:  


"Até recentemente, eu acreditava que os médicos em todo o mundo faziam o Juramento de Hipócrates. Essa impressão penso que a maioria dos Gregos têm. Mas foi surpresa para mim quando, no contexto da reportagem, fui informada que não só não fazem o Juramento de Hipócrates todos os médicos pelo mundo afora, mas nem todos os médicos gregos prestam esse juramento, quando se diplomam na Faculdade de Medicina!
A minha surpresa não tinha tanto a ver com o perdido orgulho grego de que os médicos de todo o mundo, um dia, juraram que observariam a ética hipocrática, mas fui surpreendida mais pela informação de que os médicos gregos fazem um novo juramento!

O juramento autêntico e os outros

O juramento é um dos textos que são atribuídos a Hipócrates e é considerado um monumento de valor histórico e ético. 
No jornal norte-americano Baltimore Sun foi publicado em 2001 um longo artigo relativo ao Juramento de Hipócrates, no qual foi escrito o seguinte: 
"Embora certas faculdades de medicina apresentem o assunto do reexame do juramento de forma a corresponder às necessidades diárias da sociedade norte-americana, a maioria das maiores faculdades de medicina dos Estados Unidos concorda que o significado do Juramento de Hipócrates reside no fato de que não diz respeito apenas à medicina, mas também à mente, à dimensão humana que torna a profissão do médico uma missão de dedicação ao próximo." 
No site da Universidade da Thessália lemos a seguinte anotação que nos surpreendeu: 
"O antigo Juramento de Hipócrates, apesar do fato de que expressa uma tradição cultural, é 'démodé' em muitos pontos dele e foi abandonado na maioria das faculdades de medicina do mundo. Temos traçado as referências às antigas divindades, afora as que têm valor simbólico, a proibição da intervenção cirúrgica, da eutanásia, do aborto e do contato sexual com os doentes. Alternativamente, podemos adotar o seguinte: um texto mais moderno, mas isso deve ser uma decisão principalmente dos representantes da Faculdade de Medicina...". 
A anotação acima está no projeto do regulamento interno da Universidade da Thessália que as 5 Associações de Empregados elaboraram e foi aprovado pela Assembleia Geral da Associação Unida dos Docentes em 29 de outubro de 2008.
O texto que, na anotação acima, se propõe seja adotado, tomando o lugar do antigo texto original, é obviamente um juramento mutilado de Hipócrates, uma vez que foi retirada a parte 'démodé' do juramento autêntico!

No site da Faculdade de Medicina da Universidade Nacional de Atenas, lemos algum tempo atrás o seguinte em relação ao juramento: 
"Este juramento não é feito hoje, mas nele é feita uma inserção por constituir um testemunho do elevado e iluminado nível da Medicina de Hipócrates que fez brilhar aquela época áurea do Helenismo e do espírito helênico". 

Juramento do diplomado de uma Faculdade de Medicina, hoje

Este é o juramento que se faz durante a solenidade de diplomação dos estudantes bacharéis de Medicina que concluíram com sucesso os exames de todas as disciplinas: 
"Digno do diploma de Medicina, juro perante o Reitor e o presidente da Faculdade de Medicina e confesso esta crença ² : Saindo do sagrado jardim deste venerável santuário das Musas, viverei da ciência, praticando-a à maneira de religião em espírito e verdade. Assim me tornarei útil a todos os que precisem de minha ajuda e em todas as comunidades humanas contribuirei sempre para a paz e honradez dos costumes, ingressando retamente no caminho da vida, mirando a verdade e o direito e exaltando a vida como modelo de virtude sob o abrigo da sabedoria. Que eu me realize nesta profissão, com a bênção dos meus professores universitários e amados professores primários, com o socorro de Deus na vida." ³
Não têm razão os que acusam, então, alguns médicos de violarem o juramento de Hipócrates. Os médicos na Grécia não violam o juramento de Hipócrates, por não fazerem mais esse juramento e fazem bem, na minha opinião! Não estão obrigados a prestar esse juramento. Além disso, penso que os que aplicam a medicina do grande médico grego, o consideram sim. Entretanto, quantos a aplicam? Hipócrates é considerado pai da medicina, mas de qual medicina?

Autenticamente ou não, o essencial conta!

Muitos mitos foram escritos relativamente a Hipócrates, desde a antiguidade até hoje, de modo que chegássemos ao ponto de não sabermos seguramente quantas obras que são atribuídas a ele, são da autoria dele mesmo. Até mesmo sobre o juramento foram escritas opiniões que sustentam que ele foi escrito por outro, depois da morte de Hipócrates, ou que foi completado muito mais tarde com frases que acrescentam a ética cristã.

Se a mãe de Hipócrates se chamava Phaenarete, como dizem uns, ou Praxithéa, como dizem outros; se Hipócrates morreu com a idade de 100 ou 104 anos, se foi sepultado ou não entre Lárissa, Tyrnávos e Gyrtónos; se se duvida que no túmulo de Hipócrates se estabeleceu uma colmeia de abelhas, cujo mel curava a estomatite aftosa das crianças, não penso que também mude muito a imagem da sua personalidade. Aquilo que caracteriza mais o notável médico grego é a sua arte terapêutica e as suas ideias.

O que é mais posto em evidência em nossos dias é que Hipócrates tirou a medicina da magia e a fez ciência, mas não têm sido postos em evidência, quanto deveria, a ética de sua medicina, nem o tratamento holístico do doente. Assim, cria-se a impressão de que a medicina, como é praticada hoje, seja consequência da medicina de Hipócrates, unicamente porque se baseia no experimento e na prova e, por conseguinte, é caracterizada a medicina científica. O professor G. Pentógalos escreve no seu livro
"Se deve ser dada uma descrição para essa medicina, é que pode ter muitos elementos "pré-científicos", mas é racional, hostil à magia e à intromissão sobrenatural, tendo como base a observação e o prognóstico." 
O que significava magia na época de Hipócrates é um assunto que demanda grande debate, bem como a razão pela qual se iniciou nos Mistérios Eleusinos e era descendente de duas pessoas importantes que não eram reais, mas mitológicas! Hipócrates é considerado 20º descendente de Hércules do lado de sua mãe e 18º neto de Asclépio do lado de seu pai. A Mitologia é independente da magia, como a compreendiam os antigos? Se Hipócrates trocou a magia pela medicina, então por que o seu juramento começa com a invocação de Apolo, o médico, e Asclépio, o filho de Apolo, também médico e Higeia e Panaceia que eram terapeutas, filhas de Asclépio? Por que, depois da época de Hipócrates, outro importante filósofo e médico, Aristóteles, era considerado ele também descendente direto do deus mítico Asclépio? Como um também importante filósofo e médico, que é mais conhecido por nós como astrônomo, Demócrito, "curou" Hipócrates? Que papel representou Galeno na figura que temos hoje para Hipócrates? Galeno chama Hipócrates de tio: 
"Tio, o máximo dos médicos e o primeiro entre os filósofos." 

Uma daquelas coisas que não são contestadas por ninguém é que a arte terapêutica de Hipócrates se apoiava na crença de que a doença não se localiza num determinado órgão, mas acomete todo o organismo. As 4 qualidades fundamentais: o frio, o seco, o quente, o úmido são a base de todas as coisas. Os humores básicos do corpo são o sangue, o fleuma (linfa), a bílis amarela e a bílis negra, a cujo equilíbrio se deve a saúde. A substância coesiva de todas as coisas é o espírito (sopro vital), inato ao homem. Inerente ao corpo é a energia vital, a natureza. Dessa energia depende a subsistência, o desenvolvimento, mas também a cura do corpo e o retorno dele do desequilíbrio à saúde.

Hipócrates era profundo conhecedor da botânica e da farmacologia da sua época e relata 236 espécies farmacêuticas de plantas com as suas propriedades curativas.

Nas suas obras, Hipócrates estabelece que o trabalho do médico é
"Dizer as coisas passadas, conhecer as presentes, predizer as coisas que estão por vir, exercitar contra duas enfermidades, beneficiar e não fazer nenhum dano."

◦   De Hipócrates é também o seguinte aforismo:   
"A vida humana é breve, mas a arte médica é de longa duração. A oportunidade é fugidia e a experiência, enganadora. O julgamento é difícil. E deve o médico, não só mostrar que faz tudo quanto se impõe, mas também ajudar tanto o doente quanto os que estão presentes e as condições exteriores... O médico deve dispor de delicadeza de maneiras, porque a grosseria provoca a antipatia tanto das pessoas sãs quanto das doentes." 
Esses são alguns pontos nos quais paramos, lendo as sentenças de Hipócrates. Platão, quase contemporâneo de Hipócrates, comparava-o a Fídias e a Policleto. Também Sócrates, influenciado pelo pensamento de Hipócrates, disse:
"(...) como não devemos tentar curar os olhos separadamente da cabeça, nem a cabeça separadamente do corpo, assim também o corpo não devemos submetê-lo à terapia separadamente da alma, e que, se a maioria das doenças escapa aos médicos gregos, a razão é que eles ignoram a totalidade que devem submeter à terapia, e que, se ela (a totalidade) não está bem, nem a parte pode estar bem. Porque todas as coisas, dizia, partem da alma, tanto as más quanto as boas para o homem todo, e dela (da alma) emanam sobre ele, como da cabeça aos olhos e que devemos primeiro e especialmente curar aquela (a alma), se quisermos que tanto a cabeça quanto o corpo restante estejam bem. E se cura a alma, dizia, meu querido, com alguns versos mágicos, com alguns esconjuros, e esses são as boas falas.  Dessas falas nasce na alma a PRUDÊNCIA. E quando esta nasceu e está dentro da alma, podemos facilmente dar a saúde tanto à cabeça quanto ao corpo restante. (...)" 
Fonte: Texto extraído do tratado de Platão "Sócrates a Cármides ou Da Prudência" §156ε  .

 

VERSÃO MODERNA POR LOUIS LASAGNA *



Eu juro cumprir, com minha melhor habilidade e julgamento, esta promessa:
Respeitarei os ganhos científicos, duramente adquiridos, daqueles médicos em cujos passos eu caminho, e alegremente compartilho tal conhecimento meu com aqueles que devem seguir.
Eu aplicarei, pelo benefício dos doentes, todos os procedimentos requeridos, evitando aquelas armadilhas gêmeas de supertratamento e niilismo terapêutico.
Eu me lembrarei de que há arte na medicina bem como ciência, e que o afeto, a simpatia e o conhecimento possam sobrepor-se à faca do cirurgião ou à droga do químico.
Eu não me envergonharei de dizer "Não sei", nem deixarei de consultar meus colegas quando as habilidades de outro forem necessárias para a recuperação de um paciente.
Eu respeitarei a privacidade de meus pacientes, pois seus problemas não me são revelados para que todo o mundo saiba. Mais especialmente preciso andar com cuidado em assuntos de vida e morte. Se me for dado salvar uma vida, obrigado. Mas também pode estar em meu poder tirar uma vida; essa responsabilidade terrível pode ser enfrentada com grande humildade e consciência de minha própria fraqueza. Sobretudo, eu não devo brincar de Deus.
Eu me lembrarei de que eu não trato de um quadro febril, de um crescimento de um tumor cancerígeno, mas de um ser humano doente, cuja enfermidade pode afetar a família e a estabilidade econômica da pessoa. Minha responsabilidade inclui esses problemas relacionados, se eu devo cuidar adequadamente do doente.
Eu prevenirei a doença sempre que puder, pois a prevenção é preferível à cura.
Eu me lembrarei de que continuo um membro da sociedade, com obrigações especiais para com todos meus amigos seres humanos, tanto os sãos de mente e corpo, quanto os enfermos.
Se eu não violar esse juramento, possa eu desfrutar a vida e a arte, respeitado enquanto eu viver e lembrado com afeição depois. Que eu possa sempre agir de modo a preservar as mais finas tradições da minha carreira e possa experimentar a alegria de curar aqueles que procurarem minha ajuda.

* Escrito em 1964 por Louis Lasagna, decano acadêmico da Escola de Medicina da Universidade de Tufts.

Fonte: http://www.pbs.org/wgbh/nova/body/hippocratic-oath-today.html



NOTAS  EXPLICATIVAS 
 


¹  O artigo de Níki Tsékou pode ser encontrado in
1) Publicaçao original: https://issuu.com/holisticlife/docs/35/17

2) Republicado in http://enallaktikidrasi.com/2013/07/o-pragmatikos-orkos-tou-ippokrati-kai-o-orkos-tou-ippokrati-tis-sigxronis-iatrikis/
 
²  Ομνύω... και πίστιν καθομολογώ… !” (Juro... e confesso esta crença...!) é um conhecido mote do juramento que supostamente os estudantes diplomados da Faculdade de Medicina fazem no dia da gradução em substituição ao Juramento de Hipócrates. Verifiquei na Internet que, pelo menos, a Universidade Nacional de Atenas e a Universidade de Ioánnina declaram utilizar essa modalidade alternativa de juramento. 

2) Flyer na Internet com material disponibilizado pela Universidade de Ioánnina intitulado History of Medicine (notes) produzido pela Profª  Θεοδώρα Τσελίγκα para a disciplina Língua Inglesa I.

³  O texto deste juramento foi escrito em "katharévousa", verbis:  
"Του πτυχίου της Ιατρικής αξιωθείς, όρκον ομνύω προ του Πρυτάνεως και του Προέδρου της Ιατρικής Σχολής και πίστιν καθομολογώ τήνδε: Από του ιερού περιβόλου του σεπτού τούτου τεμένους των Μουσών εξερχόμενος κατ΄ επιστήμην βιώσομαι, ασκών ταύτην δίκην θρησκείας εν πνεύματι και αληθεία. Ούτω χρήσιμον εμαυτόν καταστήσω προς άπαντας τους δεσμένους της εμής αρωγής, και εν πάση ανθρώπων κοινωνίας αεί προς ειρήνην και χρηστότητα ηθών συντελέσω, βαίνων εν ευθεία του βίου οδώ, προς την αλήθειαν και το δίκαιον αποβλέπων και τον βίον ανυψών εις τύπον αρετής υπό την σκέπην της σοφίας. Ταύτην την επαγγελίαν επιτελούντι είη μοι, συν τη ευλογία των εμών καθηγητών και πεφιλημένων δασκάλων, ο θεόν εν τω βίω βοηθός."

⁴  O livro a que se refere a autora é Εισαγωγή στην Ιστορία της Ιατρικής (Introdução à História da Medicina, por Gerásimos Pentógalos).
Disponível in https://www.scribd.com/document/182836846/Εισαγωγή-στην-Ιστορία-της-Ιατρικής-Γεράσιμος-Πεντόγαλος
 
Sugere-se uma leitura mais aprofundada da "Teoria dos 4 Humores" para conhecer melhor o pensamento de Empédocles, Hipócrates e, posteriormente, Galeno, por exemplo in http://pt.ars-curandi.wikia.com/wiki/Teoria_dos_quatro_humores

  Λέγειν τα προγενόμενα, γιγνώσκειν τα παρόντα, προλέγειν τα εσόμενα, ασκέειν περί τα νοσήματα, δύο, ωφελέειν ή μη βλάπτειν.

⁷   Ο βίος βραχύς, η δε τέχνη μακρή, ο δε καιρός οξύς, η δε πείρα σφαλερή, η δε κρίσις χαλεπή...

⁸  (...) Ώσπερ οφθαλμός άνευ κεφαλής ου δει επιχειρείν ιάσθαι, ουδέ κεφαλήν άνευ σώματος, ούτως ουδέ σώμα άνευ ψυχής...

12 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Tenho o prazer de enviar-lhe um novo artigo que aborda os seguintes temas:
1. a minha tradução do Juramento de Hipócrates original diretamente da língua jônica, onde invoca e toma por testemunhas os deuses Apolo e seu filho Asclépio, ambos médicos, e Higeia e Panaceia, filhas de Asclépio, de quem eram assistentes, portanto netas de Apolo;
2. a minha tradução de um artigo de Níki Tsékou da língua demótica atual, por entender que ela toca nos pontos essenciais, sobre os quais há muito debate e polêmica. Neste artigo, ela apresenta outras modalidades de juramento, atualmente utilizados na Grécia e em substituição ao de Hipócrates; faz a defesa dos médicos gregos, dizendo que, não tendo feito o juramento de Hipócrates, não o violam absolutamente, no que fazem muito bem em sua opinião; a seguir, defende o que há de essencial na medicina de Hipócrates e onde inovou (a ética proposta por ele e o tratamento holístico do doente), merecendo o epíteto de "Pai da Medicina";
3. a minha tradução da versão moderna do juramento hipocrático proposta por Louis Lasagna, decano acadêmico da Escola de Medicina da Universidade de Tufts.

Faço acompanhar do trabalho acima, Notas Explicativas de minha autoria e a Bibliografia utilizada na pesquisa.

Eric Viegas (escritor, tradutor, poeta e membro da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Parabéns!

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (desembargador, escritor e membro da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Bravo! Precisa ser relido...

Elízio Kaliman (jornalista) disse...

Obrigado pela excelente matéria sobre o juramento de Hipócrates.

Dr. Mário Pellegrini Cupello (escritor, pesquisador, presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, e sócio correspondente do IHG e Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Caro amigo Braga

Agradeço pelo envio de mais essa importante pesquisa, pelo que lhe felicitamos.

Interessante é que, durante a leitura, veio-me à mente um pensamento coincidente com o que consta no texto: “Atualmente não há nenhuma sanção por quebra do Juramento de Hipócrates, embora a negligência médica seja um equivalente discutível nos tempos modernos”.

Abraços.

Paulo Emílio Catão Lamego disse...

Tenho recebido os seus e-mails e compartilhado com a minha esposa a leitura de matérias tão interessantes.
Parabéns pelo belo trabalho.
Muito grato pela atenção.
Um forte abraço.

Anderson Braga Horta (poeta, escritor, ex-presidente da ANE-Associação Nacional de Escritores e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal) disse...

Obrigado, Francisco. Repasso a meu filho, que é médico.

Abraços.

Augusto Ambrósio Fidelis (escritor, chefe da Gerência do Cerimonial da Prefeitura Municipal de Divinópolis e vice-presidente da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

PARABÉNS, CONFRADE FRANCISCO BRAGA, ARTIGO EXCELENTE.

ABRAÇO.

Dr. Alaor Barbosa (advogado, escritor, cronista, jornalista, ex-consultor legislativo do Senado, membro do IHG do DF e da Academia Goiana de Letras) disse...

Obrigado pelas valiosas remessas. Abraços.

Prof. Cupertino Santos (professor de história aposentado de uma escola municipal em Campinas) disse...

Olá, professor Braga!
Agradeço por mais essa leitura de mais um tema fascinante - o juramento de Hipócrates. Tenho um irmão mais novo que é médico e repassei a ele seu artigo.
Interessante como o juramento naquilo que é considerado o original seja tão polêmico, apesar de revelar diretrizes éticas bastante consistentes e sempre atuais.
Me desculpe, mas, em se tratando de figuras em cargos públicos, ao contrário, muitas primam pelo "Juramento de Hipócritas".
Abraços.

Mercemiro Oliveira Silva (cronista e articulista do Jornal Agora, de Divinópolis, e membro da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Interessante e profunda sua pesquisa sobre a Ária do Cachimbo, aproveito para mandar-lhe dois textos meus saídos no Jornal Agora, de Divinópolis: o primeiro datado de 13 de maio 2017 e o segundo, de 19 de abril de 1917, intitulado "Juramento do Médico". Este último reproduziu trecho de texto de sua autoria intitulado "O JURAMENTO DE HIPÓCRATES".

Mercemiro Oliveira Silva (cronista e articulista do Jornal Agora, de Divinópolis, e membro da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Prezado Mestre Mercemiro,
Boa noite!
Inicialmente confirmo minha presença e de Rute na festa de Nossa Senhora de Fátima em Porto Velho. Vimos você muito lá na frente; certamente tinha chegado bem cedo à solenidade. Não foi possível dar-lhe nosso abraço. Realmente, foi uma bela manifestação de devoção e carinho pela Virgem Maria e os 3 pastorinhos por parte do povo divinopolitano.
Por outro lado, sinto-me no dever de agradecer-lhe ter mencionado, no espaço destinado à sua crônica, uma referência à minha tradução de O JURAMENTO DE HIPÓCRATES.
Que a Virgem de Fátima o abençoe e a toda a sua Família, especialmente nosso amigo Nelsinho.
Abraço cordial,
Braga