sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

CANÇÃO SOBRE MOZART


Por Francisco José dos Santos Braga



I.  Булат Окуджава: Песенка о Моцарте

Моцарт на старенькой скрипке играет
Моцарт играет, а скрипка поет,
Моцарт отечества не выбирает –
Просто играет всю жизнь напролет.

Ах, ничего, что всегда, как известно,
Наша судьба - то гульба, то пальба...
Не оставляйте стараний, маэстро,
Не убирайте ладони со лба.

Где-нибудь на остановке конечной
Скажем спасибо и этой судьбе.
Но из грехов своей родины вечной
Не сотворить бы кумира себе.

Ах, ничего, что всегда, как известно,
Наша судьба - то гульба, то пальба,
Не расставайтесь с надеждой, маэстро,
Не убирайте ладони со лба.

Коротки наши лета молодые,
Миг - и развеются, как на кострах,
Красный камзол, башмаки золотые,
Белый парик, рукава в кружевах.

Ах, ничего, что всегда, как известно,
Наша судьба - то гульба, то пальба...
Не обращайте вниманья, маэстро,
Не убирайте ладони со лба.

Minha tradução:
Bulat Okudzhava: CANÇÃO SOBRE MOZART

COPLA:
Mozart num velho violino toca
Mozart toca e o violino canta.
Ele não escolhe sua pátria ¹.
Simplesmente passa a vida inteira a tocar.

REFRÃO:
Oh, assim é sempre, como sabido,
Nosso destino – festa ou guerra,
Não poupes esforços, maestro,
Não retires tuas mãos da fronte ². (bis)

COPLA:
Em algum lugar na última estação
Digamos “obrigado!” mesmo a esse destino.
Mas os pecados de nossa pátria eterna
Não transformarias em ídolos.

REFRÃO:
Oh, assim é sempre, como sabido,
Nosso destino – festa ou guerra,
Não desistas da esperança, maestro,
Não retires tuas mãos da fronte. (bis)

COPLA:
Curtos são nossos anos juvenis,
E, num instante, dissipam-se como nas fogueiras
Camisola escarlate, sapatos dourados,
Peruca branca, mangas rendadas.

REFRÃO:
Oh, assim é sempre, como sabido,
Nosso destino – festa ou guerra,
Não ligues (para os que te assediam), maestro,
Não retires tuas mãos da fronte. (bis)

Vídeo na voz do autor:

Vídeo na voz de Oleg Pogudin: 
https://youtu.be/Io5QZ0i95lQ


NOTAS  EXPLICATIVAS

¹   O gênio é universal.

²  Mantém tua atitude reflexiva, indiferente a tudo o que está à tua volta.

 

II. BREVE BIOGRAFIA DO AUTOR BULAT OKUDZHAVA



Bulat Shalvovich Okudzhava ou Okudjava (Moscou, URSS, 9/5/1924-Paris, 12/6/1997) nasceu numa família de comunistas que tinham vindo de Tbilisi, capital da Geórgia. Okudzhava era um poeta, escritor, músico, novelista e bardo soviético de descendência georgiano-armênia. O pai do nosso homenageado, Shalva Okudzhava, era georgiano e a sua mãe, Ashkhen Nalbandyan, armênia, vieram para Moscou para Shalva estudar e trabalhar como membro de alta patente na direção do Partido Comunista. Shalva foi preso em 1937 durante o Grande Expurgo sob a ditadura de Stalin, acusado de trotskismo e catástrofe e executado logo depois, em companhia de seus dois irmãos. A mãe de Okudzhava também foi presa em 1939 por “feitos anti-Sovietes” e enviada para o campo de trabalho forçado de Gulag. Liberta em 1946, foi presa novamente em 1949, permanecendo mais 5 anos em campo de trabalho forçado. Liberta de novo em 1954, finalmente ela e seu marido foram reabilitados em 1956. Quanto a Akudzhava, quando jovem foi criado pela avó em Tbilisi; em 1941 alistou-se como infante voluntário do Exército Vermelho e como tal participou na guerra contra a Alemanha Nazista. Após dar baixa no serviço em 1944, retornou a Tbilisi, onde passou nos exames e matriculou-se na Universidade Estatal de Tbilisi, graduando-se em 1950. Trabalhou então como professor numa escola rural num distrito de Kaluga e, em seguida, na própria cidade de Kaluga. Em 1956, Okudzhava retornou a Moscou onde trabalhou como chefe de uma editora e, mais tarde, como chefe da divisão de poesia do nacionalmente mais importante periódico semanal da USSR. Foi quando começou, nos meados de 1950, a compor canções e apresentá-las, fazendo-se acompanhar por uma guitarra russa.

Bardo significa alguém que escreve um poema e o canta. Na União Soviética a presença de bardos foi um importante fenômeno cultural, iniciado na década de 60 do século passado. Os bardos compunham suas canções, tanto a música quanto a letra, apresentando um fino contraste com as mentiras cotidianas da propaganda oficial. Okudzhava foi um dos fundadores do gênero soviético chamado “canção de autor”. As canções dele misturam as tradições russas poética e folclórica e o estilo trovadorístico francês representado por Georges Brassens e outros seus contemporâneos. Os bardos cantavam suas canções para pequenos grupos de pessoas em apartamentos privados, geralmente acompanhados de uma guitarra. As canções eram gravadas em fitas cassete e então regravadas muitas vezes, de um gravador para o seguinte e, em seguida, disseminadas pela USSR e Polônia. A melhor nata de bardos – aqui incluídos, Bulat Okudzhava, Alexander Galich, Vladimir Vysotsky e outros – eram o orgulho e honra da nação. As pessoas encontravam refúgio do absurdo existencial no regime comunista, em suas canções – versando sobre vida e amor, honestidade e integridade. A distribuição de tais fitas cassete era formalmente considerada criminosa como propaganda anti-soviética. Alexander Galich foi obrigado ao exílio, onde faleceu logo depois sob circunstâncias suspeitas. Embora as canções de Okudzhava não fossem abertamente políticas (diferentemente das de alguns seus colegas bardos soviéticos), a frescura e independência da voz artística de Okudzhava apresentava um sutil desafio às autoridades culturais soviéticas, que assim relutaram por muitos anos a darem reconhecimento oficial ao artista. Em 1969, suas letras apareceram no filme clássico soviético chamado Sol Branco do Deserto. Durante a década de 80, também publicou muita prosa (sua novela autobiográfica O Espetáculo Acabou conquistou um Prêmio do Livreiro Russo em 1994). Nos anos 80, muitas canções dele foram oficialmente liberadas na USSR e muitos volumes de poesia foram publicados. Em 1991, ele foi agraciado com o Prêmio Estatal da USSR. Ele apoiou o movimento de reforma na USSR e, em outubro de 1993, assinou a Carta dos 42. Faleceu em 1997 em Paris e está sepultado no Cemitério Vagankovo em Moscou. Um monumento marca o edifício na rua Arbat 43 onde ele morou. 
Monumento homenageando o poeta Bulat Okudzhava instalado em 2002 no centro de Moscou (no Velho Arbat)

Um planeta descoberto por um astrônomo tcheco foi nomeado 3149 Okudzhava em sua homenagem, em 1981. Suas canções ficaram muito populares e são frequentemente apresentadas. Elas são também usadas para o ensino da língua russa.


Steve Shelokhonov, prolífico escritor de minibiografias, diz a respeito de Okudzhava que ele
criou um novo tom de voz no folclore urbano moscovita: catártico, melancólico e esclarecedor. Algumas de suas canções foram uma sátira política espirituosa sobre o regime soviético. Suas performances gravadas eram amplamente disseminadas por toda a USSR durante as décadas de 50, 60 e 70, quando as audiências eram receptivas a suas canções empáticas e nostálgicas. Embora não possuísse uma voz forte, Okudzhava era amado por sua maneira de cantar aconchegante e sincera, ou vocalizando seus versos melífluos. Suas performances gravadas tinham enorme apelo sobre audiências principalmente intelectuais e eram admiradas por milhões de ouvintes que falavam russo na USSR e por todo o mundo. (...) 


Texto e cifras para guitarra da “Canção sobre Mozart”:

10 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Há uma semana atrás escrevi um ensaio que intitulei "Relato sobre a morte de Mozart". Quando terminei o trabalho, reli-o e indaguei-me: "Qual será o significado daquele gênio universal para cada um dos meus leitores?"

Neste trabalho atual, mostro o que representou Mozart para um famoso bardo soviético que viveu durante e após o regime stalinista e que, mais tarde, apoiou o movimento de reforma na União Soviética. Durante todo aquele tempo lutou com as armas de que dispunha: sua poesia e sua guitarra. Estou falando de BULAT OKUDZHAVA (1924-1997), artista soviético exemplar, que na sua Canção sobre Mozart presta um tributo à memória do compositor austríaco.

Anderson Braga Horta (poeta, escritor, ex-presidente da ANE-Associação Nacional de Escritores e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal) disse...

Muito bem, meu caro Francisco.
Obrigado.
Anderson

Dr. Mário Pellegrini Cupello (escritor, pesquisador, presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, e sócio correspondente do IHG e Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Caro amigo Braga

Agradeço pela gentileza do envio.

Abraços, Mario

Pe. Zdzislaw Malczewski (escritor em polonês/português, redator de POLONICUS-Revista de Reflexão Brasil-Polônia) disse...

Carissimo Sr. Francisco,


Grato pelos textos dedicados a Mozart!!!

Aquele russo Okudzhava na minha juventude era muito respeitado na Polônia. Cantava-se muita poesia deste herói!


Uma saudação da Capital dos Gaudérios - pe. Zdzislaw

João Carlos Ramos (poeta, escritor, membro da Academia Divinopolitana de Letras e sócio correspondente da Academia de Letras de São João del-Rei e da Academia Lavrense de Letras) disse...

É sempre bom beber na fonte inesgotável de sabedoria do acadêmico Braga.
Cada dia ele nos surpreende com textos maravilhosos.
Obrigado!

Oscar Edelstein (compositor contemporâneo argentino, professor titular da Universidade Nacional de Quilhes, Diretor do Centro privado de Produção, Docência e Documentação em Música e Som) disse...

Gracias, buen año 18 para vos.
Abrazos, Oscar

Paulo Roberto Sousa Lima (escritor, gestor cultural e presidente eleito do IHG de São João del-Rei para o triênio 2018-2020) disse...

Obrigado pelo envio. Nao conhecia o autor nem o movimento "bardos" na URSS. Tem tanta coisa que não sei...
Paulo

Eudóxia de Barros (insigne pianista e membro da Academia Brasileira de Música) disse...

Grata,
Eudóxia

Prof. Fernando de Oliveira Teixeira (advogado, professor universitário, escritor, poeta e presidente da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Gratíssimo pela obra enviada de inegável valor histórico e artístico. Abraço de 2018 para você e Rute. Fernando Teixeira

João Carlos de Oliveira (professor do Conservatório Estadual de Música Pe. José Maria Xavier e autor do livro "Mangabeira, alma de músico") disse...

Bravo! Mais sucesso ainda.