terça-feira, 6 de outubro de 2020

PENTHESILEIA, A HISTÓRIA DE UM AMOR ATEMPORAL

Por Spyros Sourvínos
Traduzido do grego por Francisco José dos Santos Braga

Temporada teatral 2017-18 

 

"Telhado" (Salão de Letras e Artes Cênicas) da Fundação Onassis

“Safo” e “Centauro Morrendo”, obras de arte esculpidas pelo francês Antoine Bourdelle, à esquerda e à direita do principal hall de entrada do edifício

 

No melhor momento do "Telhado" (Salão de Letras e Artes Cênicas), patrocinado pela Fundação Onassis para este ano, a Rainha das Amazonas e o comandante militar Aquiles tornam-se os protagonistas de um amor eterno através da pena de Heinrich von Kleist (1777-1811) e da imaginação de Pantelís Dentákis. 

No dia 14 de fevereiro, data sobre a qual não preciso falar muito, estive no "Telhado" mais uma vez este ano e assisti a "Penthesilea" de Heinrich von Kleist dirigida por Pantelís Dentákis. Cheio de entusiasmo, como me sinto até agora que estou escrevendo este texto, tenho que admitir que esse show em particular é provavelmente o melhor que vi este ano! 

No verão passado, li por acaso um artigo sobre a lenda de Penthesileia, a Rainha das Amazonas, e de Aquiles, que se apaixonou perdidamente por ela no momento em que a matou, tirando seu capacete e encarando seu rosto. 

Ânfora de figuras negras, de Exéquias, que integra a coleção do British Museum (550-540 a.C.), na qual se destaca a brancura de Penthesileia
 

Fascinado pelo mito, assim que soube que havia um texto teatral baseado nesse fato, li nos dias seguintes, na esperança de que em algum momento o veria no palco. A notícia da ascensão de Penthesileia ao "Telhado" me deixou em êxtase e ansioso para fevereiro de 2018. Cheio de alegria e admiração, então, pela obra-prima de Pantelís Dentákis, interrompo o flashback histórico do meu primeiro contato com o texto e continuo na apresentação da peça. 

Kleist, um escritor e filósofo do século XIX cuja vida e carreira poderiam ser usadas como material para um artigo separado, apareceria pela primeira vez durante o período romântico, em meio ao enorme "monopólio" da escrita de Goethe. Este, embora o povo caracterizasse Kleist como uma continuação de sua obra, nunca o aprovou, ato que privou o jovem alemão do reconhecimento e da fama que tanto buscava. Em 1808 Kleist completa sua "Penthesilea" e, muito orgulhoso dessa conquista, envia o seu texto ao grande escritor para lê-lo, mas ele o rejeita. A inversão do mito da Amazona e de Aquiles, sendo a primeira a que mata o mercenário grego, mas depois de ambos terem se apaixonado perdidamente, constitui o elemento que eleva a obra de Kleist. Portanto, é uma história de amor bestial, apaixonado, possessivo, implacável e, em última instância, mortal, que todo ser humano gostaria de viver, mas poucos ousam buscá-lo. O amor de Penthesileia e Aquiles segundo Kleist incorpora em seu grau mais trágico a frase "Tudo ou nada!"

Em primeiro lugar, convém mencionar que "Penthesileia" subiu no pequeno palco do "Telhado" com todas as apresentações esgotadas antes da estreia. A trupe, selecionada com especial cuidado e critérios específicos, atuou ao máximo no palco, dando à peça um ar de amor modernizado, embora, cronologicamente, o evento se passe na Guerra de Tróia. A atriz alemã Vicky Volióti, uma verdadeira amazona de fora, encarnou a rainha protagonista, com o experiente Thános Tokákis completando o casal. 

Dentákis apresentou sua Amazona como uma mulher moderna, dinâmica e confiante, que não tem medo de suportar uma sociedade dominada pelos homens, de lutar, se opor e se revoltar. Na entrada do Salão lê-se que, justamente por causa do caráter de Penthesileia, a popularidade da obra aumentou acentuadamente no início do século 20 com o despertar do movimento feminista. A escolha do vermelho como cor principal nas roupas da rainha parece uma via de uma única pista. Pelo contrário, o caráter e o status de Aquiles foram abordados de uma forma bastante inovadora. Tokákis pôs em evidência um herói que se transformou em uma marionete ou mesmo em uma fera, um macaco, assim que as flechas do amor o atingiram. Gritos, baixo centro de gravidade, joelhos dobrados, fala reduzida e estilo ingênuo foram algumas de suas características principais. De fato, em alguns momentos, diante do rosto de sua amada, Aquiles fazia movimentos mecânicos/dançantes, ganhando assim a caracterização de amante uma marionete de seus impulsos. 

O trágico casal, que, como outros heróis de Shakespeare, acaba morrendo, com a Amazona inicialmente matando seu amante e ao final cometendo suicídio, tinha como coadjuvante um elenco de grandes atores com Syrmó Kéke, porém no papel de amiga íntima de Penthesileia, Prothóe, a fim de causar uma viva impressão. Além disso, o corpo flexível, provavelmente sem ossos (!), de Enéias Tsamátis, em combinação com seu movimento tecnicamente uniforme, foi utilizado ao máximo por Dentákis, com o diretor teatral dando ao seu ator a cena de abertura, onde o deus Eros aparecia e dançava ao ritmo das cordas. Esse astuto personagem aparecerá mais duas vezes no palco: na primeira vez, animando o momento em que os dois protagonistas se apaixonam atirando-lhes as flechas dele, e a outra vez, no final do amor deles, morrendo pelo resto da peça. Deve ser destacada a forma como foi apresentada a Sacerdotisa, interpretada por Álkistis Poulopoúlou, com Argyris Xáfis e Kostas Koronaíos como coadjuvantes dela vestidos de mulher, em diferenciação com os principais papéis de Odysseu e Diomedes respetivamente. O resultado visual é pelo menos agradável e de forma alguma disparatado, com esses três personagens aparecendo sob os sons da famosa canção francesa "Je T'aime". 

Em geral, o elemento cômico esteve difuso na peça, com Dentákis dando um caráter mais leve a uma peça pesada, dramática, alemã, mas com absoluto respeito e consistência no que ele criou. Trágicos e cômicos ao mesmo tempo, como qualquer amante, as suas personagens, assim abordadas, deram vida à Penthesilea com duração total de 125 minutos, sem sentir, como espectador, a necessidade de uma pausa, mas mais de se sentir como uma criança para a qual é lido um conto de fadas. E, certamente, o elemento narrativo era inerente ao texto original de qualquer maneira, pois especialmente a cena da morte de Aquiles é transmitida ao público ou ao leitor potencial, pela boca de Prothóe, uma das amazonas, para cujo papel foi escolhida Iró Bézos. A partir daí, rumando para os títulos finais, Penthesileia surge em cena, sem ter sequer percebido que matou seu amado, arrastando o monte do infeliz que os cães devoraram, bem como a própria amazona com seus dentes. Eu poderia te comer por amor, ela havia dito antes, e falava da forma mais macabra. Como outra cruz nas costas, a trágica heroína chega ao pequeno lago que havia sido criado no cenário minimalista da representação teatral, tira o corpo sem vida de seu amado e finalmente afunda na água manchada de sangue com ele, retornando ao elemento líquido, ali donde a pessoa surgiu desde os primórdios. 

Fechando meu texto e recordando todas aquelas cenas da peça, ainda agora me sinto contente por ter tido a honra de ver essa representação. Dirigida com maestria, perfeitamente meticulosa em um nível técnico e com os oito atores atendendo admiravelmente ao plano original de seu orquestrador, "Penthesilea" foi uma representação que eu pessoalmente exorto todos a irem ver, mas infelizmente suas performances foram limitadas. Espero sinceramente que esta obra-prima reapareça em um palco interno ou mesmo em um teatro antigo. Porque Kleist, um amante da cultura grega, escreve seu texto no estilo de Homero e sua Ilíada, dando um caráter grego antigo modernizado à sua obra. Um último elemento que me impressionou quando li e acho que vale a pena ler , está relacionado à forma como Leftéris Veniádis criou a música da representação. Então, pegando emprestado seu comentário na página do "Telhado" para a performance, cito-o intacto a seguir. 

O principal raciocínio para a música de Penthesilea 

 “A musicalidade da performance veio com o fluxo dos ensaios e com a proporção dos motivos centrais para os heróis e as situações da obra. Motivo de amor, motivo de Penthesileia, motivo de Aquiles, motivo dos Aqueus, motivo de batalha, motivo de luz. […] Também, falando mais particularmente, em termos musicais, em pontos não melódicos, para a escolha dos tons utilizei o conhecido "método-raciocínio" de Bach e Schönberg, onde o nome PEntHEsilEA deriva das notas-tons E, H, E, E e A, ou seja, Mi, Si, Mi, Mi e Lá, e do nome ACHilEAs (Αχιλλέας) as notas A, C, H, E e As, ou seja, Lá, Dó, Si, Mi e Lá bemol." 

Leftéris Veniádis

Link: http://www.mixgrill.gr/ar58343el-penthesileia-i-istoria-enos-diaxronikoy-erwta.html
 
Vídeo com trailer da representação cênica de Penthesilea: https://www.onassis.org/el/video/penthesilea-heinrich-von-kleist

7 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

O escritor dessa crônica, SPYROS SOURVÍNOS, é crítico teatral, em cuja vida cabem a física, o teatro, a música, o atletismo e o bom café de noitinha. Passa as noites a registrar histórias e a escrever contos de ficção e poemas. Mesmo tendo crescido na ilha de Corfú, acha Atenas magia pura.
Aqui vamos ler minha tradução para uma breve análise que ele fez da tragédia PENTHESILEA do romântico alemão Heinrich von KLEIST, quando da sua representação em Atenas, durante a temporada teatral 2017-18.
O jovem Kleist buscou o apoio de Goethe para ver sua peça encenada em 1808 (data da primeira impressão da obra), mas foi rechaçado pelo grande homem de letras.
A peça de Kleist foi um escândalo para os contemporâneos, devido a diferenças consideráveis em relação à tradição clássica: aqui Penthesileia é quem mata o herói Aquiles, suicidando-se em seguida. O texto alemão configura-se como um sincretismo mitológico, sublinhando a superioridade de uma ordem natural sobre a convenção da sociedade.
A peça só veio a ser representada em 1876, 65 anos depois da morte do autor.

https://bragamusician.blogspot.com/2020/10/penthesileia-historia-de-um-amor.html

Cordial abraço,
Francisco Braga

Diamantino Bártolo (professor universitário Venade-Caminha-Portugal, gerente de blog que leva o seu nome http://diamantinobartolo.blogspot.com.br/) disse...

Bom dia,
estimado Francisco.
Muito obrigado.
Abraço,
Diamantino

Prof. Mário Celso Rios (presidente da Academia Barbacenense de Letras) disse...

BRAGA,
Obrigado por divulgar em seu blog o melhor da cultura universal.
A começar por autores gregos como esse de seu último e-mail!
Abraço,
Mário Celso

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

reconhecimento póstumo.
Muito bom!

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga;
Interessante trazer a público essa avaliação de Sourvínos da peça de Von Kleist, adaptação de Dentákis. Um tema muitíssimo curioso de um autor que estava aparentemente à frente de seu tempo.
Cumprimentos,
Cupertino

Vamireh Chacon Albuquerque (professor universitário e autor de Os Partidos Brasileiros no Fim do Século XX) disse...

Ótima lembrança da Penthesilea de Kleist, também um dos meus favoritos.

Prof. Mário Celso Rios (presidente da Academia Barbacenense de Letras) disse...

Caríssimo BRAGA,
Boa tarde de primavera!
Acabei de repassar ao acadêmico JGH sua manifestação sobre a alocução de 25-09-2020!
Nossos agradecimentos sinceros por seu amor à causa da cultura e mais ainda nossa admiração por se dedicar aos valores de nossa região!
Abraço e que continue a ser esse “cavalheiro“ que enobrece o Brasil a partir de SJDR!
Atenciosamente,
Mário Celso Rios