sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

CHARLES DARWIN, O ABOLICIONISTA


Por Francisco José dos Santos Braga
 
Dedico esta crônica ao Prof. Heitor Garcia de Carvalho, que me envia textos de inexcedível riqueza, obtidos de fontes confiáveis, inspirando-me a aprofundar minha pesquisa para produzir os meus próprios, como é o caso presente.

 

A chegada de Darwin ao Rio de Janeiro, a bordo do HMS Beagle, um navio da Marinha Real Britânica, está descrita em sua correspondência à sua irmã Caroline Darwin, datada de 2-6 de abril de 1832, conforme se lê à página 59 do livro As cartas de Charles Darwin. Uma seleta, 1825-1859, editadas por Frederick Burkhardt, em tradução do inglês por Vera Ribeiro e publicado pela Editora UNESP (2000):

(...) Navegamos à toda durante a noite passada, porque o Comandante estava decidido a que víssemos o porto do Rio e fôssemos vistos, nós mesmos, em plena luz do dia. A paisagem é magnífica e melhora à medida que vai sendo conhecida; no momento, é por demais inédito fitar Montanhas escarpadas como as do País de Gales, mas revestidas de uma vegetação perene e com seu topos ornamentados pela forma leve da Palmeira. A cidade, vistosa em suas torres e Catedrais, situa-se na base dessas montanhas, e domina uma vasta baía, crivada de vasos de guerra cujas bandeiras são indicativas de todas as nações.
 
O HMS Beagle, navio da Marinha Real / Crédito: Wikimedia Commons
 
O prefaciador do referido livro, Stephen Jay Gould, declara:
Como estudante de medicina pouco entusiasmado em Edimburgo, logo antes de seu 17º aniversário, ele (Darwin) escreveu à sua irmã Susan sobre uma grande oportunidade de adquirir novos conhecimentos em sua verdadeira paixão pela história natural (e por um custo baixo e pouco doloroso para o bolso de seu pai abastado, ainda que sempre paciente). Vou aprender a empalhar pássaros com um negro africano... o que recomenda isso é o fato de ser barato, já que ele cobra apenas um guinéu por hora, todos os dias, durante dois meses" (p. 39). (As aulas de Darwin com John Edmonstone, um escravo alforriado, representaram seu primeiro contato conhecido com os negros, e essa experiência positiva contribuiu para instaurar suas ideias liberais sobre a raça.) Aos 19 anos, já estudando no Christ's College, de Cambridge (em 12 de junho de 1828), ele escreveu a seu primo, William Darwin Fox, sobre a solidão de não ter ninguém com quem conversar sobre os insetos (p. 41).
Na mesma carta, ele manifesta sua tristeza por ter sido informado por suas duas irmãs, Caroline e Charlotte, do noivado repentino de sua amada da juventude, Fanny Owen, com Robert Myddelton Biddulph em sua ausência: talvez, se a Fanny não fosse neste momento a Sra. Biddulph, eu dissesse ‘pobre da minha querida Fanny’ até adormecer. Sinto-me muito inclinado a filosofar, mas não sei o que pensar ou dizer; embora, desmanchando-me realmente em ternura, eu chore minha querida Fanny, pergunto-me porquê... (pp. 60-1)

O já citado prefaciador do mesmo livro comenta às páginas 15-16:
Darwin abominava particularmente a escravatura e a má utilização de provas científicas para defendê-la. Em 1850, a propósito da defesa que Agassiz fizera da poligenia  a doutrina de que as raças humanas representariam espécies separadas , escreveu em carta de 04/09/1850 a seu primo supracitado: Pergunto-me se as questões... a respeito das distinções específicas das raças humanas são um reflexo das Palestras de Agassiz nos Estados Unidos, nas quais ele tem sustentado a doutrina das diversas espécies  para grande alegria, diria eu, dos sulistas escravocratas (p. 182 do livro).
Também tenho em mãos o livro Viagem de um naturalista ao redor do mundo ¹ de Charles Darwin, publicado pela Abril Cultural com base no seu diário (cognominado diário do Beagle), em tradução do inglês por J. Carvalho. Nele podemos apreciar suas anotações em que figuram não só registros de fatos corriqueiros, mas principalmente suas observações e análises sobre tudo o que encontrava, sobretudo muitos espécimes da flora e fauna exóticas, recifes de coral, ossos e fósseis que encontrou em suas escavações e pássaros empalhados que trouxe para casa. Sua passagem pelo Rio de Janeiro está descrita em seu diário no Capítulo II,  do qual seleciono as seguintes datas: 

4 de abril a 5 de julho de 1832 - Alguns dias depois da nossa chegada, travei conhecimento com um inglês, dono de uma fazenda situada ao norte de Cabo Frio, a mais de cento e sessenta quilômetros de distância da capital. Como (ele) estivesse se preparando para ir visitá-la convidou-me a lhe fazer companhia, o que aceitei de bom grado. 

8 de abril - A nossa caravana consistia de sete pessoas. O primeiro percurso foi muito interessante. O dia estava excessivamente quente, e ao passarmos pelos bosques encontramos tudo imóvel, com exceção de algumas borboletas grandes e brilhantes que preguiçosamente esvoaçavam de um lado para outro. O panorama que se descortinava das colinas de detrás da praia Grande (Niterói) era deslumbrante, pela intensidade das cores que  prevalecia um tom azul escuro: embaixo, as águas tranquilas da baía (Guanabara) disputavam com o céu a supremacia do esplendor. Depois de havermos atravessado algumas áreas de terra cultivada, embrenhamo-nos por uma floresta, cujos recantos eram de inexcedível grandiosidade. Ao meio-dia chegamos a Itacaia (atual Itaocaia), pequena aldeia situada numa planície. Em torno da casa principal (Darwin está falando da Fazenda Itaocaia localizada na base da Pedra), ali existente, viam-se as choupanas dos negros. A forma e a posição desses casebres fizeram lembrar-me das gravuras que vi de habitações hotentotes na África do Sul. Como a lua nascesse cedo, resolvemos partir na mesma tarde, a fim de pernoitarmos na lagoa Maricá. Estando a cair a noite, passamos sob uma das íngremes colinas de granito maciço, tão comuns neste país. É notório este lugar pelo fato de ter sido, durante muito tempo, o quilombo de alguns escravos fugidos que, cultivando pequeno terreno próximo à vertente, conseguiram suprir-se do necessário sustento. Mas foram, um dia, descobertos e reconduzidos dali por uma escolta de soldados. Uma velha escrava, no entanto, preferindo a morte à vida miserável que vivia, lançou-se do alto do morro, indo despedaçar-se contra as pedras da base. Se se tratasse de alguma matrona romana, esse gesto seria interpretado como nobilitante amor à liberdade, mas, numa pobre negra, não passava de simples caturrice de bruto. Continuamos cavalgando várias horas. No decurso dos primeiros quilômetros a estrada emaranhava-se por um deserto de lagunas e pântanos, dando ao cenário banhado de luar o aspecto mais desolador que se podia imaginar. Alguns pirilampos cruzavam o ar perto de nós, e a nosso ouvido chegava o gemido da narceja, que fugia à nossa passagem. As ondas que se quebravam nas praias longínquas mandavam-nos, através do silêncio da noite, o seu marulhar surdo e monótono. (...)

Pedra de Itaocaia
 
Apesar de não constar desse livro (Viagem de um naturalista ao redor do mundo”), Darwin registrou em seu diário em 3 de julho de 1832 impressões sobre as maravilhas naturais do Brasil, mas não poupou críticas aos brasileiros:
Os brasileiros, até onde vai minha capacidade de julgamento, possuem somente uma pequena fatia daquelas qualidades que dão dignidade à humanidade. Ignorantes, covardes, indolentes ao extremo; hospitaleiros e amáveis à medida que isso não lhes dê trabalho; temperamentais e vingativos, mas não brigões. Satisfeitos consigo mesmos e com seus costumes, respondem a todas as observações com a pergunta: 'Por que não podemos fazer como nossos avós antes de nós fizeram? ²
Resumidamente, abaixo são descritas as principais escalas do Beagle na viagem de circunavegação, da qual Darwin participou na sua segunda expedição. A cada escala do ‘Beagle’, Darwin desembarcava, explorava o interior da região a pé ou cavalo, atravessava planícies desertas, escalava montanhas, atravessava rios, explorava florestas.
27/12/1831: partida de Devonport, Inglaterra
16/01/1832: arquipélago de Cabo Verde (ilha Porto Praia)
jan 1832: Ilhas Canárias
16/02/1832: adentrando o Atlântico, rochedos de São Paulo
Essa primeira parada no Brasil teve a duração de 4 meses e meio:
20/02/1832: ilha de Fernando de Noronha
arquipélago de Abrolhos
29/02/1832: Salvador, Bahia
18/03/1832: saída da Bahia
04/04/1832: chegada ao Rio de Janeiro
05/07/1832: saída do Rio de Janeiro
26/07/1832: chegada a Montevidéu e viagem a Maldonado e pelo Rio de La Plata
03/08/1832: da Foz do Rio Negro a Bahia Blanca
20/09/1832: Buenos Aires
27/09/1832: Santa Fé
verão de 1833: Patagônia e ilhas de Falkland
17/12/1832: Terra do Fogo
23/07/1832: Valparaíso, Chile
24/11/1832: ilhas de Chiloé, Chile
set 1835: arquipélago de Galápagos
nov 1835: Taiti
fins de dez 1835: Nova Zelândia
jan 1836: Austrália
fins de maio de 1836: Cabo da Boa Esperança, no extremo sul da África
jul 1836: ilha de Santa Helena
Ilha da Ascensão, navega de volta à costa da América do Sul antes de chegar em 2/10/1836 a Falmouth na Cornualha, Inglaterra 

Na autobiografia de Darwin escrita para seus filhos, no capítulo referente à Viagem do Beagle de 27 de dezembro de 1831 a 2 de outubro de 1836, ele reconheceu que
a viagem do Beagle tem sido, de longe, o evento mais importante na minha vida, e determinou toda a minha carreira (...).
Essa afirmação foi precedida no mesmo capítulo por um comentário muito digno a respeito do capitão do ‘Beagle’, Robert Fitz-Roy:
O temperamento de Fitz-Roy era o que podia haver de mais azarado. Era geralmente pior no início da manhã, e com seu olho de águia geralmente pronto para detectar algo errado sobre o navio, foi, então, magnânimo em sua culpa. Ele era muito gentil comigo, mas era um homem muito difícil de conviver em termos pessoais que necessariamente se seguiram a nossa trapalhada em nossa cabine. Tivemos várias discussões; por exemplo, no início da viagem na Bahia, no Brasil, ele defendeu e elogiou a escravatura, que eu abominava, e me disse que ele tinha acabado de visitar um grande senhor de escravos, que tinha convocado muitos de seus escravos e perguntou-lhes se eram felizes, e se queriam ser livres, e todos responderam Não. Então lhe perguntei, talvez com algum sarcasmo, se ele achava que a resposta de escravos na presença de seu dono tinha algum valor? Isso o deixou excessivamente zangado, e ele disse que, como eu duvidava de sua palavra, nós não poderíamos conviver por mais tempo. Eu pensei que eu estava sendo obrigado a deixar o navio; mas, assim que a notícia se espalhou, o que se fez rapidamente, como o capitão mandou chamar o primeiro-tenente para aplacar a sua ira por me tratar mal, eu fiquei profundamente gratificado por receber um convite de todos os oficiais para compartilhar de sua mesa no refeitório. Mas depois de algumas horas, Fitz-Roy mostrou sua magnanimidade habitual enviando um oficial até mim com um pedido de desculpas e de desagravo para continuar a conviver com ele. Seu caráter era em vários aspectos um dos mais nobres que eu tenho conhecido.
No Brasil, ocorreu um dos únicos desentendimentos entre Darwin e o capitão do Beagle, FitzRoy: a questão da escravidão. Mesmo dentro da mentalidade de um homem branco da elite inglesa do período vitoriano, na qual visões preconceituosas eram frequentes, Darwin questionava a escravidão, uma vez que ele vinha de uma família de tradição abolicionista e considerando que, à época, o Brasil ainda era um país escravocrata. O naturalista britânico se incomodava, sobretudo, pela crueldade com que se tratavam os negros no Brasil, postura abolicionista que parecia enfurecer o capitão do Beagle.
 
Sobre a importância do capitão FitzRoy para o crescimento intelectual de Darwin, [BROWNE, 2007, 15-41] ainda relata que
O gosto de FitzRoy pela ciência o estimulou a equipar o navio para a segunda viagem ³ com vários instrumentos sofisticados e muitos cronômetros para fazer medidas de longitude ao redor do globo. A viagem durou de dezembro de 1831 a outubro de 1836. Durante esse tempo, visitaram as ilhas de Cabo Verde, as Falkland — ou Malvinas —, muitos locais litorâneos na América do Sul, entre os quais o Rio de Janeiro, Buenos Aires, a Terra do Fogo, Valparaíso e a ilha de Chiloé, seguidos das ilhas Galápagos, Taiti, Nova Zelândia, Austrália e Tasmânia — esta muito brevemente —, e as ilhas Cocos, no oceano Índico, concluindo com o cabo da Boa Esperança, ilha de Santa Helena e ilha da Ascensão. Por conta própria, Darwin fez inúmeras expedições longas ao interior de países na América do Sul, entre elas uma excursão até os Andes. Sempre que possível, combinava com FitzRoy para ser deixado e apanhado depois em pontos diversos.
Sobre a importância do capitão FitzRoy para o crescimento intelectual de Darwin, [Idem, ibidem, 15-41] relata que
“Naquela época, porém, FitzRoy era um entusiasmado geólogo amador com idéias nada bíblicas e bastante avançadas. Deu a Darwin o primeiro volume da obra fundamental de Charles Lyell, The Principles of Geology (1830-33), e discutiu com ele algumas das teorias contidas no livro. Darwin recebeu os outros dois tomos durante a viagem. (...) Na volta para a Inglaterra, Darwin e FitzRoy escreveram juntos um pequeno artigo elogiando o trabalho dos missionários anglicanos no Taiti .

No mesmo capítulo, [Idem, ibidem, 15-41] também mostra como

“os cinco anos de viagem no Beagle fizeram de Darwin a pessoa que foi. (...) Em Montevidéu, os homens do Beagle rumaram para a cidade armados até os dentes para sufocar uma insurreição política. Na Tasmânia, assistiram a um excelente concerto. No extremo sul, quase naufragaram por causa de uma geleira que se desprendeu. Na floresta perto de Concepción, Darwin sentiu a terra tremer sob seus pés num grande terremoto. Nadou em lagunas de coral, extasiou-se com o canto dos pássaros na floresta tropical e contemplou as estrelas do alto de um desfiladeiro na cordilheira dos Andes. No Brasil, seu coração apaixonado ardeu de indignação ante a escravidão, sistema ainda legal sob o domínio português, e registrou histórias horríveis em seu diário: fatos tão revoltantes, disse, que se os tivesse escutado na Inglaterra pensaria que haviam sido urdidos para efeito jornalístico. A autora também questiona a razão por que “o crescimento intelectual de Darwin durante a viagem não seja devidamente reconhecido.
A situação dos escravos brasileiros deixou Darwin tão horrorizado que prometeu nunca mais por os pés num país escravagista, conforme anotou em seu diário. 

Há outra passagem no seu diário que reflete o horror que teve perante uma senhora idosa no Brasil que usava tarrachas de polegar para punir seus escravos. 

Ele também escreveu:
Imagine uma contingência, sempre pairando sobre a gente, de sua esposa e seus filhos pequenos... serem arrancados da gente e vendidos ao maior lance! E essas ações são feitas... por homens que professam amar seus próximos como a si mesmos... e rezam para que a vontade de Deus seja feita na Terra! Isso faz o sangue da gente ferver.
Em outra ocasião, Darwin teve um vislumbre das atitudes dos escravos: um dia, ainda no Brasil, quando era transportado através de um rio por um barqueiro negro, acenou os braços para apontar as direções e ficou horrorizado ao ver o homem se agachar de medo porque pensou que levaria uma pancada.

Nessa linha de pensamento, ainda no mesmo diário fez sua previsão a respeito de nossa nação: que os negros escravizados um dia tomariam o poder, tornando-se seus líderes políticos.

Eu não posso deixar de pensar que eles serão, no fim das contas, os governantes. Presumo isso por serem numerosos, por seu excelente porte atlético (especialmente em contraste com os brasileiros), observando que estão em um clima agradável e por ver claramente que sua capacidade intelectual foi muito subestimada. Eles são a mão de obra eficiente em todo o comércio necessário. Se os negros libertos crescerem em número (como deve acontecer), o tempo de libertação total não estará muito distante.


II. OS PRECONCEITOS DE DARWIN

 
Apesar de seus posicionamentos progressistas em relação à abolição da escravatura, ele não estava livre de preconceitos, algo típico não só de Darwin, mas também de muitos autores do século XIX, todos herdeiros do kit completo de preconceitos da era vitoriana. A Inglaterra, sua terra natal, legislou contra o envolvimento com o tráfico negreiro em 1807, decisão que encheu sua população de orgulho antiescravista. Mas apenas em 1832 foi expedido o Ato de Emancipação, no momento em que os movimentos filantrópicos de massa atingiram o ápice na Grã-Bretanha que contemplou  a emancipação dos escravizados; mesmo assim, foi uma providência bastante precoce em relação a outras nações como o Brasil, que só aboliu a escravatura 55 anos depois. Os britânicos tendiam a encarar essa condição como "uma evidência de como a civilização inglesa era superior às demais", sentimento que foi herdado por Darwin. 
 
Além disso, Darwin lançou seu livro A Descendência do Homem em 1871, em dois volumes, doze anos após o seu aclamado tratado A origem das espécies, de 1859. No novo livro, Darwin postulou que as "raças humanas" se formaram a partir das diferenças entre os sexos, onde revela grande dose de sexismo e de racismo, pelo que passou a sofrer muita contestação por parte dos antrópologos e outros estudiosos modernos. 
Em A Descendência do Homem, Darwin aplica a teoria evolucionária à evolução humana, e também explica sua teoria da seleção sexual. Ele pensou que os dois tópicos estavam intimamente ligados. 

A historiadora da ciência já citada neste trabalho, Janet Browne, utiliza as últimas descobertas em áreas como genética, paleontologia, bioarqueologia, antropologia e primatologia; por outro lado, aborda as ideias darwinianas e as problemáticas que suscitam em Um problema muito interessante – Em que a Descendência do Homem de Darwin acertou e errou a respeito da evolução humana (trad.), livro lançado em 2020 pela Princeton University Press. Segundo [BROWNE, 2021, 258 p.], no seu livro Darwin propunha que "a seleção sexual foi instrumental em explicar a origem do que ele chamava 'raças' humanas, e do progresso cultural" e para ele "a seleção sexual entre os humanos podia também afetar características mentais como inteligência e amor materno" e considera ainda mais polêmico o que ele escreveu: "O homem é mais corajoso, pugnaz e enérgico do que a mulher, e tem mais gênio inventivo."
Ela entende a argumentação de Darwin como uma tentativa de "explicar as raízes biológicas do desenvolvimento histórico da civilização. Ele achava que a seleção sexual era um fator importante também no desenvolvimento da mente humana", o que é passível de contestação.
A autora considera tais ideias problemáticas – e crê que não está só.
Holly Dunsworth, bioantropóloga da Universidade de Rhode Island e também colaboradora do livro em que Janet Browne assina a Introdução, aborda o problema mais frontalmente, considerando que foram "os homens e as tradições patriarcais" que impediram as cientistas do sexo feminino de se destacarem no tempo de Darwin.
 

III. NOTAS EXPLICATIVAS


¹  O título em português (Viagem de um naturalista ao redor do mundo”) tem pouco a ver com a edição inglesa. Em 1839 Darwin publicou esse seu livro clássico sob seu título original: "Journal of Researches" (Diário de Pesquisas ou Diário de Investigações). O livro foi republicado mais tarde como "The Voyage of the Beagle" (A Viagem do Beagle), e permanece assim impresso até hoje. Até o Projeto Gutenberg adotou este último título (The Voyage of the Beagle) para o e-book da obra darwiniana de 1839. O livro é um relato animado e encantador das viagens de Darwin, escrito com inteligência e ocasionais lampejos de humor.
 
² Muitas das passagens anotadas no diário por Darwin acabariam de fora de seus livros. É o caso do trecho em questão, registrado em 03/07/1832 apenas no seu diário.
Cf. LIMA, Cláudia de Castro in Aventuras na História: Diário do Beagle: de barco rumo ao Sul, publicado em 22/05/2019
 
³ As viagens do Beagle, um navio da Marinha Real Britânica, serviam para atualizar mapas litorâneos de locais como África, Oceania e América do Sul - incluindo o Brasil. A viagem da qual Darwin participou – e que, nas suas palavras, foi o evento mais importante na sua vida – foi a segunda de três expedições empreendidas pelo HMS Beagle. [BROWNE, 2007, 15-41] esclarece que a expedição do Beagle cumpria ordens muito estritas emanadas do Almirantado Britânico:
Hoje, a fama dessa viagem torna por vezes difícil lembrar que sua finalidade não era conduzir Darwin em uma volta ao mundo, mas cumprir instruções do Almirantado britânico. O navio fora encarregado de completar e ampliar um levantamento hidrográfico anterior, realizado de 1825 a 1830, das águas sul-americanas. FitzRoy assumiu o comando do Beagle dois anos depois dessa primeira viagem se iniciar. A área era importante para o governo por questões comerciais, nacionais e navais, reforçadas pelo acentuado entusiasmo do Almirantado pelo progresso científico prático e sua preocupação com cartas navais exatas e o registro de portos seguros. De fato, o Gabinete do Hidrógrafo se notabilizou pelo envio de grande número de expedições de levantamento durante a calmaria que se seguiu às guerras napoleônicas para promover e explorar os interesses britânicos no estrangeiro.

Darwin viajou a bordo do Beagle na condição de cavalheiro passageiro”, por indicação de seu professor John Steven Henslow.

O tradutor e escritor Caetano Waldrigues Galindo afirma: “A viagem fez o Darwin que viríamos a conhecer. O jovem que sai da Inglaterra no Beagle era um geólogo promissor, e os primeiros registros nos diários confirmam essa inclinação e esse talento. No entanto, as observações e coletas que ele faz durante a viagem vão tornando inevitável sua dedicação a questões de biologia,” embora, durante a viagem, Darwin tenha feito observações significativas sobre a formação de montanhas, terremotos e a elevação de ilhas. Seu trabalho sobre os recifes de corais, onde propôs que os atóis se formam a partir do afundamento de ilhas vulcânicas, foi uma contribuição significativa para a geologia, reconhecida até hoje. 
 
O título do artigo é The Moral State of Tahiti e Darwin tinha apenas 29 anos, quando escreveu esse seu primeiro artigo, muito antes de fazê-lo sobre evolução.
 
Trata-se de um novo trecho extraído do diário de Darwin, mas não publicado em livro, em conformidade com o seu registro em 03/07/1832, além do já citado na Nota nº 1. 
 

IV. BIBLIOGRAFIA
 
 
ABBANY, Zulfikar: Teorias de Darwin sobre sexo e raça revoltam pesquisadores, Deutsche Welle, publicado em 24/02/2021
 
BROWNE, Janet: A Origem das Espécies de Darwin (uma biografia), Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2007,  169 p.

______________ et alii: A most interesting problem: what Darwin's Descent of man got right and wrong about human evolution, Princeton, N.J.: Princeton University Press, 2021 (Obs. A biógrafa de Darwin, Janet Browne, assina a Introdução, e Jeremy DeSilva, o prefácio, além de outros colaboradores)
 
DARWIN, Charles: As cartas de Charles Darwin. Uma seleta, 1825-1859, editadas por Frederick Burkhardt, prefácio de Stephen Jay Gould e em tradução do inglês por Vera Ribeiro e publicado pela Editora UNESP (2000), 339 p.

_______________: Viagem de um naturalista ao redor do mundo (trechos escolhidos), publicado pela Abril Cultural com base no seu diário (cognominado diário do Beagle), em tradução do inglês por J. Carvalho
 
_______________: The descent of man, and selection in relation to sex,  publicado por John Murray em 1871, no Reino Unido. 

LIENHARD, John H.: Darwin and Racism

__________________: Darwin Boards the Beagle

10 comentários:

Francisco José dos Santos Braga disse...

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
Prezad@,
Tenho o prazer de enviar-lhe meu artigo sobre as impressões do naturalista inglês CHARLES DARWIN sobre o Brasil escravagista e sua população. Ele formou sua convicção quando aqui passou, numa escala do navio Beagle, por nosso país em 1832, numa estadia de 4 meses e meio (de 20 de fevereiro a 05 de julho).

Link: https://bragamusician.blogspot.com/2024/12/charles-darwin-o-abolicionista.html

Cordial abraço,
Francisco Braga

Francisco José dos Santos Braga disse...

Pedro Rogério Moreira (jornalista e sócio da Gracián Telecom, cronista e memorialista brasileiro) disse...
Obrigado, mestre!

Francisco José dos Santos Braga disse...

Geraldo Reis (poeta, membro da Academia Marianense de Letras e gerente do Blog O Ser Sensível) disse...
Bom dia, amigo. Seu belo trabalho tem como destaque, sempre, a divulgação de cultura. Mais uma vez, o Braga chega didaticamente. Mostrando-se necessário, faz a costumeira diferença. Parabéns!

Francisco José dos Santos Braga disse...

Heitor Garcia de Carvalho (pós-doutorado em Políticas de Ensino Superior na Faculdade de Psciologia e Ciências da Informação na Universidade do Porto, Portugal (2008)) disse...
Obrigado pela homenagem!
Heitor

Francisco José dos Santos Braga disse...

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...
Caro professor Braga

Excelente sua abordagem sobre esse tema cujo conhecimento tanto desgosta a visão que temos do passado de nós mesmos enquanto sociedade. A polêmica entre Fitzroy e Darwin não deixa de nos incomodar ainda hoje. Congratulações!
Muito agradecido.
Cupertino

Francisco José dos Santos Braga disse...

António Valdemar (jornalista e investigador, sócio efetivo da Academia das Ciências de Lisboa e sócio correspondente português para a ABL-cadeira nº 3) disse...
Caro Francisco,
É notável o seu artigo sobre as impressões de Darwin acerca do Brasil escragista e sua população. Parabéns!
Que referências fez Darwin a propósito de Portugal e das ilhas dos Açores?
E aquele abraço do
António Valdemar

Francisco José dos Santos Braga disse...

Maurilio Camello (licenciado em História do Cristianismo pela Pontifícia Universidade Gregoriana (1970), mestrado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1975) e doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (1983). Atualmente é professor da Faculdade Dehoniana) disse...
Parabéns pelo artigo: verdadeiro documento para o conhecimento de nossa história. Maurilio Camello.

Francisco José dos Santos Braga disse...

Paulo Miranda (escritor, professor e diplomata, é presidente da AMULMIG e membro da ADL-Academia Divinopolitana de Letras) disse...
Prezado Confrade Francisco:
Boa noite!
Estou dando ampla divulgação a este seu excelente artigo sobre Charles Darwin, de relevantes interesses:antropológico. histórico, cultural e científico.
Parabéns !
Cordialmente,
Paulo Miranda

Francisco José dos Santos Braga disse...

Raquel Naveira (membro da Academia Matogrossense de Letras e, como poetisa publicou, entre outras obras, Jardim Fechado, antologia poética em comemoração aos seus 30 anos dedicados à poesia) disse...
Muito interessante essas questões sobre a visita de Darwin ao Brasil, caro Francisco Braga.
Saudações literárias,
Raquel Naveira

Francisco José dos Santos Braga disse...

Hugo Napoleão (escritor com destaque para seu livro Fatos da História do Piauí, advogado, ex-ministro das Comunicações do governo Itamar Franco, nascido em Portland (USA) e membro do IHGDF) disse...
Eminente: riquíssimo!
Meus cumprimentos.
Hugo Napoleão