Por STEPHEN TSOUSIS
Traduzido do inglês por Francisco José dos Santos Braga
Traduzido do inglês por Francisco José dos Santos Braga
Dedicatória
Escrito para minha esposa, minha alma viajante - Vicky Kapatos - 2006
Abstract
Esta peça reflexiva narra uma jornada pessoal por importantes sítios históricos e mitológicos da Grécia, explorando temas de memória, herança e interação entre a experiência humana e o mundo antigo. Aprofunda-se em rituais ancestrais, no papel do amor e dos deuses nos assuntos humanos e nas conexões pessoais com o passado familiar, ao mesmo tempo em que tece contemplações poéticas sobre o impacto da história na identidade atual.
No final de maio até o início de outubro de 2006, minha esposa Vicky Kapatos e eu embarcamos em uma jornada para a Grécia e Turquia. Minha intenção era encontrar minhas raízes (já que meu pai é um grego australiano), buscar contato com alguns dos principais sítios arqueológicos e explorar suas energias mitológicas/rituais e ver que imagens poderiam emergir do meu próprio inconsciente coletivo que ajudariam meus estudos esotéricos. Esta jornada provou ser uma rica experiência que ainda estou assimilando. Suas influências tocaram meus vários corpos do ser enquanto escapavam com algumas memórias passadas da vida contínua da minha alma.
Todas as viagens têm seus destinos e pode-se dizer que a viagem enquanto está sendo planejada, percorrida, explorada, experenciada; antes, durante e depois, também é a viagem.
“Tivemos a experiência mas perdemos o significado,
E o acesso ao significado restaura a experiência
De uma forma diferente, além de qualquer
[significado.
A experiência passada revivida no significado (...)
Não é a experiência de uma vida apenas
Mas de muitas gerações (...)
O olhar para trás da certeza
Da história documentada (...)”
T.S. Eliot: Four Quartets: The Dry Salvages nº 2
“Boa viagem, passageiros! Não se livrando do
[passado
Imergindo em vidas diferentes, ou em qualquer
[futuro;
Não sois os mesmos que deixaram aquela estação
Ou que chegarão a qualquer terminal (...)”
T.S. Eliot: Four Quartets: The Dry Salvages nº 3
Começamos em Atenas, hospedados na casa da tia e do tio de Vicky, em Piréus, e partimos para ver alguns dos principais sítios de Atenas. A Acrópole, seus arredores, o Pártenon, o Monte Areópago, onde São Paulo pregou seu sermão ao Deus desconhecido, o Museu Arqueológico Nacional, o Museu Benaki e o Museu da Guerra Grega. Descobrimos que Atenas estava repleta de antiguidades. Durante a primeira semana, absorvemos muito e comecei a sonhar lucidamente com alguns dos deuses e deusas - Apolo, Atena, Dionísio e particularmente Hermes. C.G. Jung disse que "invocados ou não, os deuses estão presentes". Uma excitação encheu-nos a ambos, podíamos esperar o inesperado e com o coração e a mente abertos, poderíamos aprender algo mais sobre a linguagem dos deuses.
Nossa viagem em suas reviravoltas gerou uma gama de sentimentos, pensamentos, experiências e encontros que espero que enriqueçam o significado da experiência.
Pegamos nosso carro alugado e, nos 40 dias seguintes, percorremos 4.000 km ao longo da Grécia continental e pelas ilhas de Citera, Cefalônia e Salamina.
Não muito longe de Atenas fica o antigo sítio de Elêusis, o lugar dos mistérios de Elêusis, onde o rito dionisíaco extático era encenado. Hoje não se sabe muito sobre esses ritos, mas eles representavam o mito central em que Deméter, a deusa da terra, perdeu sua filha Perséfone para Hades. Há uma caverna aqui que os antigos acreditavam que levava ao reino dos Mortos. Os rituais aqui buscavam promover uma união com a terra e sua naturalidade, fertilidade, sexualidade e um tema que unia os opostos. A salvação pessoal poderia ser conquistada fazendo uma descida à complexidade da condição humana. Encarar o abismo, seu caos e escuridão levaria a um desmembramento, morte e ressurreição que lembrava ao iniciado que não existia morte eterna. Em um ponto aqui, ouvi da caverna um profundo gemido feminino extático. Isso era clariaudiência? Notei que Dionísio também era um deus desmembrado, moribundo e ressuscitado, e esse era um tema comum nos mitos do herói em todo o mundo.
Esse sítio, como todos os que estávamos para visitar, me cativou e eu devo ter passado horas me debruçando sobre esses lugares; caminhando, imaginando, sentindo, pensando, percebendo, fotografando e bebendo o que me era oferecido. Em muitos locais, Vicky e eu conduzimos um ritual simples que, na maioria dos casos, era feito em silêncio, pois as palavras nos faltavam. Essa viagem me ensinou mais uma vez que dentro da minha personalidade histórica havia uma alma arcaica que conseguia se lembrar de alguns dos princípios e práticas dos antigos. Não é isso que a Nova Era pretende ser, um ressurgimento invisível restaurando um equilíbrio com a alma da Terra e tudo o que vive e viveu aqui?
Em direção à antiga Corinto, Paulo, o apóstolo, o escritor de grande parte do Novo Testamento, esteve aqui. Nós cruzaríamos o caminho de Paulo algumas vezes nessa jornada. Lembro-me da eloquência da 1ª carta aos Coríntios, 13 e recitei esse capítulo sobre o amor onde, uma vez, já havia sido proclamado. O amor é um poder profundamente incompreendido, sinto que acima de tudo é uma tolerância para com todas as coisas, livre de julgamento; e que compreensão isso exigiria! De Corinto, viajamos para Micenas. Aqui há fortes ligações com a história da Guerra de Troia, conforme contada por Homero na Ilíada. Li a Ilíada durante esta viagem e o que ficou claro em minha mente foi o poder, a influência e o envolvimento dos deuses nos assuntos dos Gregos e Troianos que lutavam para entender o que estava acontecendo com eles. Ambos adoravam os mesmos deuses/deusas, mas esses arquétipos mudavam de lado de acordo com suas paixões, caprichos, tudo apesar das lições que desejavam ensinar aos mortais. Homens inconstantes criam deuses inconstantes e, na arena deste drama, quem pode ser sensato?
Na vila de Micenas, não muito longe do local da idade do bronze, ficamos em La Belle Helene e, para minha alegria, descobri que muitas pessoas famosas e sem fama ficaram aqui. Reis, rainhas, escritores, historiadores, arqueólogos, atores e atrizes, além de nazistas. Todos vieram visitar o lugar de Helena, Páris, Agamenon e Menelau. Passamos duas noites no mesmo quarto em que C.G.Jung e sua esposa Emma ficaram durante a década de 1930.
Grandes sonhos, arquétipos, símbolos do meu terceiro olho permearam, desafiando-me a dar sentido a tudo aquilo.
Qual a nossa opinião sobre mito - contos de fadas, estórias que possivelmente não poderiam ser verdadeiras, energias, arquétipos, exemplos de lições que todos nós precisamos aprender, níveis de realidades que a mente moderna não consegue captar. Quanto temos pago por levar para a escuridão o que acreditamos não poder ser verdadeiro. Se simplesmente não acreditamos que ele seja, isso o torna falso.
“Não sei muita coisa sobre deuses; mas creio que o
[rio
É um forte deus pardo – taciturno, selvagem e
[intratável,
Paciente até certo ponto, em princípio reconhecido
[como fronteira,
Útil, não confiável, tal um caixeiro-viajante;
Depois, apenas um problema enfrentando o
[construtor de pontes.
Uma vez resolvido o problema, o deus pardo é quase
[esquecido
Pelos moradores nas cidades – sempre, contudo,
[implacável.
Fiel a suas estações de cheia e sanhas, destróier,
[lembrando
O que os homens preferem esquecer. (...)”
T.S. Eliot: Four Quartets: The Dry Salvages nº 1
Perto de Micenas fomos para a Antiga Nemea, onde uma das tarefas de Hércules foi matar o leão de Nemea. Em Argos, os Argonautas chegaram e partiram em sua busca do Velocino de Ouro. Vimos muitos lugares conectados com o mito. Lembro-me do que Joseph Campbell disse uma vez. O mito é a história de sonho coletivo de uma cultura. O mito nos obriga a fazer uma jornada nas profundezas de nós mesmos. Sim, é uma tarefa hercúlea. Aqui encontramos os obstáculos da psique inconsciente guardada por monstros, demônios, hárpias, grifos, dragões, medusas e outros; mas eles são os guardiões de um grande segredo hermético, um tesouro, um ouro filosófico — a mônada divina dentro de cada um. Esta pérola de grande valor nunca foi destinada a ser encontrada facilmente. Somente o Herói se envolve nisso. Pisa no fio da navalha. Sofre até à morte sem saber se pode haver uma ressurreição, mas, ao conseguir isso, o herói pode em breve retornar com uma bênção, um presente, uma nova direção para um povo perdido em crises alimentadas por deuses que não são facilmente apaziguados.
Seguimos para Epidauro para ver seu antigo teatro e Asclépio. Asclépio era filho de Apolo, a quem foi dado o dom da cura. Todas as jornadas mitológicas envolvem a necessidade de ser curado e restabelecido. O símbolo de Asclépio é o caduceu, um cajado, geralmente em forma de cruz, em torno do qual uma serpente simples ou dupla se enrosca. Este também é o cajado que Hermes carrega.
A medicina ainda usa este símbolo hoje. Métodos alternativos modernos de cura não são novos. Os Asclépios eram os antigos hospitais gregos. Situados entre a beleza natural, água, lama, argila, oração, meditação, confissão, aconselhamento, psicoterapia, sono e sonhos eram empregados para restaurar o equilíbrio. Os gregos antigos sonhando em ser mordidos por uma serpente consideravam isso um presságio favorável. A serpente ainda hoje demonizada permanece como um símbolo constante em muitos mitos. É o símbolo de um guardião da cura que une os opostos e guia o Herói para uma verdade preciosa. A troca de pele de cobra é necessária através da jornada de muitas camadas do ser. Cada camada do ser carrega seu próprio significado.
Neste ponto, comecei a sentir um chamado para visitar a ilha de Citera, o local de nascimento dos pais do meu pai. Então partimos para Gythio, onde poderíamos pegar uma balsa para Citera, também o local de nascimento de Afrodite. Nosso quarto em Gythio tinha vista para uma ilhota que os moradores acreditavam ser o lugar onde Helena e Páris fizeram sexo, mais exatamente sob o encantamento de Afrodite, já que ela havia seduzido Páris a escolher a beleza juvenil em vez da idade e da sabedoria. Essa escolha impulsionou tanto gregos quanto troianos a uma longa e custosa guerra.
Passamos uma semana em Citera e eu refiz os passos do único irmão do meu pai, George, que esteve aqui no início dos anos 70. Visitei a vila do meu avô, Viarádika, e a vila da minha avó, Katsouliánika. Ambos os lugares eram pequenas aldeias com evidências de abandono por toda parte. Viarádika tem apenas um punhado de habitantes hoje, quinze, eu acredito, e incha como grande parte de Citera no verão com os citerianos australianos que retornam de sua diáspora. Foi profundamente comovente para mim estar entre as ruínas do antigo torrão natal do meu avô. O lugar onde ele cresceu e saiu quando tinha 16 anos é um prédio desabado, de pedra e lama, que abrigava muitas pessoas e seus animais. Ele fede a pobreza. Comecei a entender por que ele havia partido para uma vida melhor na Austrália. O que ele havia deixado estava cheio de lixo e desolado ao seu redor. A localidade de Nanna, embora completamente reconstruída, parecia ter sido uma aldeia mais próspera, ainda, pelos nossos padrões, pobre, paroquial e presa em seus resultados e expectativas daquilo que a vida deve ser se alguém tivesse permanecido. Uma das experiências mais emocionantes para mim nesta viagem foi ficar onde meus avós nasceram, foram criados e partiram. Isso me deu arrepios na espinha. Chorei pelo que havia sido perdido aqui: terra, propriedade, herança, deslocamento, desapropriação onde velhos laços foram rompidos, pois nenhum deles retornou. Houve um momento de clareza na casa da minha avó. Vi meus avós envoltos em luz branca e percebi que eles haviam retornado comigo em um ato final de reconciliação. Eu os vi sorrir, era como se tivessem esperado que seu neto primogênito fizesse esta jornada em um elo de responsabilidade que une os vivos e os mortos.
“Só sei dizer que lá temos estado mas não sei dizer
[onde.
Não sei dizer quanto tempo, pois isto é colocá-lo no
[tempo.(...)
Por uma graça de sentido, uma luz branca estática e
[móvel,
Elevação sem movimento, concentração
Sem eliminação, tanto o mundo novo
Quanto o velho tornaram explícito, entenderam
Na conclusão do seu parcial êxtase,
Na resolução de seu horror parcial.”
T.S. Eliot: Four Quartets: The Dry Salvages nº 1
Mal tínhamos deixado Potamós, encontramos a Praça das Dores, marcada por uma única alfarrobeira. Aqui, mais de 50.000 citerianos se despediram de tudo o que conheciam em sua busca por vidas melhores. O mito da migração. Os psicólogos sabem do trauma que tal partida acarreta e aqui nessa praça imaginei meus dois avós se despedindo do mundo que conheciam. Eles nem sabiam um do outro aqui, pois iriam se encontrar na Austrália, embora suas aldeias não fossem geograficamente distantes.
Anna Cominos, uma escritora citeriana, diz isso bem, pois foi o que experimentei aqui.
“Visite a Praça das Dores em um dia ventoso. Feche os olhos e você ouvirá as oliveiras imitando o lamento das mães enquanto se agarram aos seus filhos, filhas, maridos, irmãos, pais e amigos pela última vez.”
Grandes jornadas trazem grandes dores.
“Entre dois mundos ficam muito iguais um ao outro,
Então eu encontro palavras que nunca pensei em
[falar
Em ruas que nunca pensei que eu revisitaria
Quando deixei meu corpo numa praia distante.
Visto que nossa preocupação era fala, e fala nos
[impelia
A purificar o dialeto da tribo
E instar a mente a pós-visão e previsão (...)”
T.S. Eliot. Little Gidding. nº 4. Four quartets.
Avançar na viagem é o que devemos fazer. Parte de mim, citeriano, parte de mim, antigo, parte de mim, moderno, parte de mim, perdido, parte de mim, encontrado, e o todo, uma parte daquilo que é maior do que eu. O ponto da jornada é ter a experiência e encontrar seu significado.
Visitamos Palióchora, um assentamento bizantino em ruínas que já foi a capital conhecida como Ágios Dimítrios. Foi construído na parte nordeste de Citera, na intersecção de duas ravinas a cerca de um quilômetro do mar. Era para ser um lugar sagrado de segurança e refúgio contra piratas. Enquanto eu caminhava cuidadosamente por seus estreitos e perigosos caminhos de terra, tive uma breve visão de pessoas pulando para a morte. Mais tarde, descobri que o pirata turco, Barbarossa, no final dos anos 1500, atacou implacavelmente este local e alguns citerianos pularam para a morte em vez de enfrentar seu ataque. Os sobreviventes foram vendidos como escravos. Cabras selvagens são os únicos habitantes aqui hoje. Fui compelido a gritar em alta voz: “O Grande Deus Pan está morto. O Grande Deus Pan não está morto.” As ravinas ecoaram e ricochetearam minha invocação para para trás e para a frente. Os mortos sorriram. Foi dito que, quando o Cristianismo surgiu como a religião dominante na Grécia, os marinheiros no mar ouviram este grito e lamentação — “Pan está morto”. Nas encruzilhadas em que as religiões antigas e novas se chocam, podemos pensar que o que era antes foi deixado para trás, mas Pan se foi e podemos nos dar ao luxo de matar um deus da Natureza. Nossas crescentes ansiedades, medo e pânico são evidências suficientes de que Pan está vivo. Ele se expressará mais fortemente em união com Zeus, à medida que nosso clima continuar a se tornar tumultuado e destrutivo.
O que ficou bem claro na minha consciência nessa viagem foi a ascensão e queda das civilizações. Aqui um povo já esteve e conquistou, destruiu, suplantou e reconstruiu apenas para ser repetido através da lição da História por conquista, destruição, suplantação e reconstrução até que tudo o que resta são ruínas de uma terra devastada. Esta também é a história do Mito, especialmente quando falhamos em nos relacionar conscientemente com ele.
Era hora de deixar Citera e atender ao aceno de Esparta. Nós voltamos de balsa para o continente e partimos para continuar nossa jornada no Peloponeso. Esparta me impressionou desde a infância. Meu avô uma vez me disse que eu tinha sangue espartano em minhas veias e isso pode muito bem ser verdade, já que Citera caiu sob influência espartana na antiguidade. Visitar Esparta era um imperativo, um dever, uma ordem. Antes mesmo que essa viagem se tornasse realidade. Eu tive vários sonhos lúcidos com Leônidas, espartanos e a Esfinge. Eu até tinha visto a Esfinge se mexer, ficar de pé e vestir os vestígios escarlates de um guerreiro espartano. Não resta muita arqueologia na Esparta moderna, mas não é preciso muito para seguir os fios enquanto eles tecem sua história. Não há melhor história do que o poema The Second Coming” de W.B. Yeats.
A SEGUNDA VINDA
“Girando e girando na rotação ampliada
O falcão não pode escutar o falcoeiro;
Tudo se parte; o centro não segura.
Mera anarquia se solta sobre o mundo,
O sangue - maré turva se solta, e em toda parte
O rito de inocência é submerso.
Falta aos melhores toda convicção, enquanto
Os piores se enchem de passional intensidade.
Decerto, está perto a revelação;
Decerto, está perto a Segunda Vinda.
Segunda Vinda! Mal são ditas aquelas palavras
Quando uma vasta imagem do Spiritus Mundi
Distorce-me a vista:algures, em areias do deserto
Uma forma com corpo de leão e cabeça humana,
Um olhar vazio e impiedoso como o sol,
Move as lentas coxas, e ao redor
Bobinam sombras dos pássaros coléricos de deserto.
Cai de novo a escuridão; mas eu sei agora
Que vinte séculos de sono pétreo
Foram atormentados com pesadelo por um embalo
[de berço
E que besta rude, chegada enfim sua hora,
Arrasta-se a Belém para nascer?”
Minha esposa e eu estávamos pisando no chão de conquistas antigas seguindo os passos de gregos, persas, Alexandre, imperiais romanos, Paulo, duas guerras mundiais, guerras civis antigas e modernas. Sangue encharcado em questões cármicas. O convite para Termópilas era forte. Ele tem-me assombrado por talvez mais do que algumas vidas.
Termópilas à frente e outros lugares para visitar. Minha jornada faz sentido apenas em termos de reprises, retornos, repetições e atos simbólicos em perpetuidade. Todas as coisas do mito, só agora eu sei que o centro pode segurar, talvez seja a única realidade duradoura.
Viajamos para o território Mani. Eles acreditam ser descendentes dos antigos espartanos e por séculos praticaram rixas de sangue onde os vizinhos atiravam uns nos outros e até explodiam com tiros de canhão as casas de pedra com ameias de castelo. Rivais por terras e poder. Eles estavam entre os últimos gregos a adotar a ortodoxia. Ficamos algumas noites em Areópolis, apropriadamente chamada em homenagem a Áries, o deus da guerra. Ao lado do forte com ameias de torre em que ficamos, há uma igreja em homenagem ao Arcanjo Miguel. Fiquei fascinado por seus antigos glifos astrológicos. O glifo que mais chamou minha atenção foi Capricórnio, que mostrava uma figura com cabeça de cabra e cauda de peixe. Peixes, sereias, tritões, nereidas e deuses pescadores ficaram todos impressos em minha consciência por meio de sonhos e visões despertas no início desta viagem.
Todos os símbolos do profundo inconsciente coletivo. Símbolos do discípulo e adepto que é capaz de viver tanto no mundo físico quanto atravessa os amplos espectros dos mundos astral, mental, causal e monádico. Esses são mundos que se mostraram a mim ao longo dos últimos vinte anos da minha jornada para dentro dos princípios da Teosofia.
Olímpia, Patra, Cefalônia, outrora governadas pelo Rei Odisseu, de volta por Atenas, pegamos a estrada para Tebas e nas encruzilhadas edipianas me lembrei da chave para esse mito trágico tão eloquentemente reintroduzido ao mundo por Sigmund Freud. Édipo, a criança ferida e abandonada, deveria, sem absolutamente o saber, matar seu pai e se casar com sua mãe. Ele deveria se cegar na percepção do que havia feito e essa tragédia de um relacionamento inconsciente com seus pais afetaria seu reino. A psicologia moderna tem mantido um ensinamento bastante consistente em muitos modelos de que nossa falha em lidar com as questões da maternidade e da paternidade em nossa infância leva a muitos problemas de saúde mental. Ainda continua sendo um aspecto muito impopular na psicologia hoje. Portanto, é bastante comum, sob o ideal do que é normal, que os pecados do pai e da mãe sejam transmitidos de geração em geração. O mito também nos lembra disso e nos diz quais serão as consequências.
Delfos, à primeira vista, é um lugar notável, situado no alto de um terreno íngreme. Era um antigo centro de oráculos, hoje visitado por pessoas do mundo todo. O lugar ainda exala um ambiente espiritual e pode-se imaginar o quão impressionante deve ter sido. As cidades-estado gregas mantinham ricos tesouros aqui; construíam monumentos e templos enquanto esbanjavam atenção para seus deuses. Ninguém sabe realmente onde o Oráculo estava situado. Ele foi encontrado na rocha Sybil? Ela foi localizada em algumas das fendas rochosas e cavernas ao redor do recinto? Ela foi encontrada dentro do templo principal? Eu tinha a sensação de que, como todos os oráculos, havia uma sutileza oculta. O melhor oráculo ainda permanece oculto em significados deles. Eu queria consultar a energia do oráculo deste sítio e pedi um presságio.
Presságios são coisas interessantes. Até mesmo o sítio de Delfos foi fundado em um presságio. Zeus havia liberado duas águias, uma de sua mão direita e a outra de sua esquerda. Ambas as águias voaram ao redor do mundo e se encontraram em Delfos. O encontro dessas águias ainda é marcado por um ómphalos, pedra do umbigo, considerada o centro do mundo pelos antigos. Pode-se ver o ómphalos original no museu de Delfos localizado no sítio.
Meu presságio naquela noite veio de uma lua crescente délfica pairando baixa no céu. Vi 18 gotas de lágrimas douradas caírem. Isso me lembrou a carta de baralho do Tarô Rider-Waite, A Lua. É um bom sinal alquímico do orvalho do Filósofo. Esse orvalho é semelhante às águas mercuriais necessárias no experimento para estabilizar o ouro no seu interior. Um símbolo de água espiritual comparado a um ato de graça onde no final o discípulo é conduzido por aqueles que sabem. Na melhor das hipóteses, ainda somos ignorantes dos Mistérios.
À primeira vista, Termópilas parece ser de pouco interesse, há uma importante rodovia atravessando o antigo campo da batalha. Num lado, há uma grande parede branca com uma grande figura de Leônidas e, no outro lado, há uma pequena colina conhecida como Kolonos. Se alguém não explorasse o solo, a gente poderia facilmente perder os portões quentes jorrando como fontes termais. Essas fontes termais dão nome ao lugar. Antes de deixar Atenas, a tia da minha esposa fez uma leitura de café da manhã para mim e indicou um padrão de quatro arvorezinhas que eu deveria procurar em minha jornada. Ela havia dito que essas quatro árvores me ajudariam a lembrar.
Caminhar por este solo e subir até o topo de Kolonos liberaram uma enchente de imagens, visões, memórias e emoções profundas do que havia acontecido aqui há muito tempo. Eu conhecia este lugar. Foi em Kolonos que o último dos 300 espartanos combateu uma superioridade numérica persa com sua última trincheira. Lutando até que o último homem morresse, o sobrevivente remanescente protegeu o corpo de seu guerreiro morto, rei Leônidas, enquanto uma saraivada de flechas, lanças e estilingues tapava o sol. Foi um momento poderoso de orgulhosa tristeza. O filósofo do século I d.C., Apolônio de Tiana, com o nome inicial de Balinas, visitou Kolonos e lhe perguntaram “Qual é a montanha mais alta do mundo?” Sua resposta foi: “Kolonos é a montanha mais alta do mundo porque nesta montanha a manutenção da lei e o nobre auto-sacrifício ergueram um monumento que tem sua base na terra e alcança as estrelas.” Tirei minhas roupas e tomei banho em uma fonte termal próxima. Lembro-me de ter feito isso uma vez antes aqui. No topo de Kolonos há uma placa laranja terrosa que diz: “Vá dizer aos espartanos, estrangeiro que passa, que aqui, obedientes às suas leis, jazemos.”
“Vá dizer aos espartanos, estrangeiro que passa, que aqui, obedientes às suas leis, jazemos.” Alguns consideram este o epitáfio mais nobre já escrito. Homens de poucas palavras, esses espartanos. Até mesmo a resposta de Leônidas ao rei persa Xerxes, quando ele lhes ofereceu passagem segura se eles apenas depusessem suas armas, foi um conciso “Venha pegá-las.” (ΜΟΛΩΝ ΛΑΒΕ, em grego) Ao deixar Kolonos, fiz questão de dar uma última olhada para trás e lá no topo desta pequena colina vi as quatro árvores na configuração exata da xícara de café. Eu quase tinha esquecido, mas então li isso em voz alta bem aqui, onde eu havia celebrado uma morte que não era uma morte:
“É muda a palavra que eles foram ouvir na alta
[montanha Dodona
Quando ventos sopravam nos carvalhos e tangiam
[todos os caldeirões,
E muda é a pedra central do umbigo ao lado da
[fonte cantante,
E ecos escolhem o silêncio agora onde deuses
[contaram mentiras antigas.
Levei minha pergunta ao santuário que não cessou
[de falar,
O coração interior, que diz a verdade e a diz duas
[vezes mais claramente;
E da caverna dos oráculos ouvi a sacerdotisa gritando
Que ela e eu certamente morreríamos e nunca mais
[viveríamos.
Ó sacerdotisa, o que você grita é claro, e parece
[bom senso, eu acho;
Mas deixe os ecos gritantes descansarem, e não mais
[espume sua boca.
É verdade que há bebida melhor do que salmoura,
[mas aquele que se afoga deve bebê-la;
E oh, minha moça, as notícias são notícias que os
[homens já ouviram antes.
O rei com metade do Leste no calcanhar é levado de
[terras de manhã;
Seus lutadores bebem os rios, sua lança obscurece o
[ar,
E aquele que se mantém firme morrerá por nada, e
[para casa não há retorno.
Os espartanos na rocha molhada do mar sentaram-se
[e pentearam seus cabelos.”
A.E. Housman: XXV - Os Oráculos.
Tendo aliviado meu sofrimento nas Termópilas, partimos para Metéora. Aqui, um punhado de mosteiros está empoleirado em altos pináculos nus de rochas salientes. Hoje, eles são centros ativos de reflexão, estudo e meditação, tais coisas ainda valorizadas na Ortodoxia Grega.
Deixando Metéora, partimos para a alta montanha Dodona. Aqui pode-se encontrar o sítio do oráculo de Dodoni. Um sítio que antecede Delfi. Um sítio outrora consagrado para o feminino. Aqui Deucalión, o Noé grego, veio descansar em sua arca. Aqui Zeus falou através das folhas de um carvalho sagrado. O sítio é espaçoso e verde e um carvalho floresce nas ruínas da casa ritual. Não é o carvalho original, pois foi destruído pelos primeiros cristãos.
Dirigimo-nos à Macedônia. Eu queria ver onde Alexandre, o Grande, nasceu em Pella e queria visitar os túmulos reais macedônios em Vergina. Pella é atravessada por uma estrada asfaltada, de um lado um museu, do outro escavações em andamento. É preciso realmente usar a imaginação para capturar o que deve ter sido a grandeza deste lugar. Vergina é muito mais impressionante: você entra no subsolo e diante de você, os restos dos túmulos reais são encontrados entre uma impressionante exibição arqueológica de tesouros e riquezas macedônicas. Cada museu que visitamos tinha diferentes aspectos da cultura, vida e arte dos antigos e Vergina, na minha mente, é um destaque. Pode-se ver diademas dourados, uma armadura quase completa usada por Filipe, o pai de Alexandre, e muito mais. Curiosamente, não há muito de Alexandre aqui, mas ele não ficou no mesmo lugar. Em algum lugar neste território, ele teve sua visão, seu chamado, sua missão de helenizar tanto quanto pudesse do mundo. Visitamos Dion e foi aqui que Alexandre sacrificou aos deuses e partiu para conquistar em nome do deus que ele pensava que era. O que podemos fazer com Alexandre? A história registra suas façanhas e sua morte aos 33 anos. Todos nós sabemos que ele acreditava em si mesmo como divino. Ele até se considerava Dionísio renascido e Dionísio era sem dúvida um deus do renascimento. Implícita na História está uma reverência pela grandeza de Alexandre. Talvez ele fosse um rito de passagem dionisíaco se realizando. Poder, excesso, êxtase, embriaguez, rituais de fogo e destruição, luxúrias desenfreadas, irrestritas, derrubando e reconstruindo tudo o que caiu diante dele, mas amado e reverenciado por aqueles que lutaram com e contra ele. Os deuses são grandes e Alexandre também era.
A Nova Era, movimento moderno nascido da Teosofia, está lutando com essa mesma revelação. Nós também somos a substância da Divindade por trás da multiplicidade de forma. Essa fonte é uma consciência de energia. Um determinante propulsor da mudança e evolução, quem quer que sejamos, somos responsáveis por compor a peça que é nossas vidas individuais e coletivas. É um mito tão antigo quanto o primeiro mito já contado e talvez esse primeiro mito sempre tenha dito “eu sou...”. Cabe a nós terminar esta sentença incompleta. Uma maneira de fazer isso é na restauração da mente antiga dentro de nós.
Estou perdido na Hélade, fui encontrado na Hélade e estou continuando a longa sentença da minha vida. Meu mito é o seu mito, que é o nosso mito. Um mito fixado em um retorno eterno. O que o mito quer de nós? Uma restauração da profunda espiritualidade perceptível que pode ser encontrada no tempo presente, no tempo passado, no tempo futuro que é apenas o tempo agora.
Leônidas sorri e diz isso: “Espere o inesperado; sempre foi esperado. Assuntos da Escuridão são o único caminho para a Luz.”
Portanto os oráculos, seus deuses e deusas, os mitos e rituais ainda têm o poder de nos abalar até o âmago. O centro pode segurar. O que está oculto está sendo revelado pelo Uno Poderoso. Quão terrível é uma revelação de outra vinda e certamente será mitológica.
10 comentários:
Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
Prezad@,
Tenho o prazer de apresentar ao leitor do Blog do Braga minha tradução do inglês do artigo do australiano STEPHEN TSOUSIS intitulado ALGUMAS BREVES REFLEXÕES POÉTICAS SOBRE UMA RECENTE VIAGEM AO LONGO DA GRÉCIA, onde ele apresenta seu roteiro de viagem por sítios históricos e em busca de suas próprias raízes hereditárias, em companhia de sua esposa, Vicky Kapatos, na região de Citera, uma ilha jônica situada na extremidade leste da península do Peloponeso, celebrada no poema Un voyage à Cythère de Baudelaire e, na pintura, nas telas de Antoine Watteau, Peregrinação à ilha de Citera (1717) e Embarque para Citera (1718). Na mitologia grega, a ilha de Citera seria o local de nascimento de Afrodite, a deusa do amor.
No seu processo de escrita, faz uso da intertextualidade através de referências explícitas de outros textos poéticos de autores britânicos modernos.
Link: https://bragamusician.blogspot.com/2025/04/algumas-breves-reflexoes-poeticas-sobre.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
António Valdemar (Jornalista, carteira profissional numero UM; sócio efetivo da Academia das Ciências; sócio correspondente da ABL-Academia Brasileira de Letras) disse...
Francisco,
Boa tarde.
Parabéns!
Texto notável.
Abraço do Antonio Valdemar
Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...
Caro professor Braga
O quanto inspirador e belo pode ser um relato acerca de reflexões e percepções de uma viagem ! Fica evidenciado que o conhecimento e a ligação espiritual de um caminheiro com os lugares é absolutamente fundamental. Entressonhos nas telas de Watteau!
Muito grato pela oportunidade da leitura. Saudações.
Cupertino
Eugênio Giovenardi (sociólogo, filósofo, escritor e acadêmico do IHG/DF) disse...
Recordações fantásticas, como o nascimento de uma deusa. Os deuses gregos tinham origem terráquea.
Abraço
Giovenardi, E.
Geraldo Reis (poeta, membro da Academia Marianense de Letras e gerente do Blog O Ser Sensível) disse...
Obrigado, amigo.
Vamos acessar sim, e ler com muito prazer.
E como sempre, vamos fazer essa viagem na leitura. E, com certeza vamos nos deliciar.
Forte abraço.
Geraldo Reis
Raquel Naveira (membro da Academia Matogrossense de Letras e, como poetisa publicou, entre outras obras, Jardim Fechado, antologia poética em comemoração aos seus 30 anos dedicados à poesia) disse...
O Blog do Francisco Braga é erudito e fantástico.
Passeio pela Grécia... Citera...divino.
Obrigada, Danilo Gomes.
Abraço grande,
Raquel Naveira
Merania Aparecida de Oliveira (jornalista e sócia-diretora da Associação Instituto Roque Camêllo) disse...
O texto, “....recente viagem ao longo da Grécia”, traduzido pelo dr. Francisco é de uma riqueza! Eu o li e o reli.
Ao ler o texto, viajei, recordando um belo passeio que fiz, com meu querido e saudoso Roque, pela Grécia e percorremos muitos desse lugares, a começar por Atenas, onde visitamos a Acrópole e vários museus importantes. Estivemos em vários sítios citados, Corinto, Micenas, Delfos e tantos outros lugares.
Obrigada por essa viagem.
Benjamin Batista (fundador de diversas Academias de Letras na Bahia, presidente da Academia de Cultura da Bahia, showman e barítono de sucesso) disse...
Bravo, ilustre confrade!
Abraço
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