Por Francisco José dos Santos Braga *
Atitude cultural
Vale destacar aqui importantes iniciativas tomadas no âmbito do Ginásio Santo Antônio que por certo contribuíram para elevar o nível atlético e intelectual dos envolvidos e, por extensão, de toda a comunidade são-joanense, a saber:
1. a fundação do Grêmio Literário Jackson de Figueiredo em 1938, com biblioteca própria, tinha no Prof. Antônio de Assiz Sobrinho seu organizador e orientador, bem como em Paulo Mendes Campos um orador de vulto em diversas de suas sessões (como se pode comprovar da peça oratória dedicada a Jackson de Figueiredo em “O Porvir” nº 276, Ano XVI, de 17/10/1938)
2. a inauguração da piscina olímpica em 11/11/1941 com o comprimento de 25 metros com vestiário e casa de chuveiros. Uma verdadeira façanha na época!
3. um museu de História Natural, fruto de ter-se enriquecido com a aquisição de valiosos espécimes pela Direção do Ginásio ou com a doação generosa de pais dos alunos ou dos próprios alunos, por ocasião do seu retorno das férias escolares, conforme se lê em “O Porvir” nº 310, Ano XIX, de 24/01/1942
4. um Curso de Datilografia do Ginásio Santo Antônio (anunciado em "O Porvir" nº 291, Ano XVII, de 18/3/1939
5. um coral regido pelo Maestro Tenente João Cavalcante, como se lê em "O Porvir" nº 324, Ano XX, de 11/11/1943; na década de 50, houve um coral regido pelo Frei Geraldo de Reuver, do qual participaram pelo menos o historiador Evandro de Almeida Coelho, Abgar Campos Tirado e Gil Amaral Campos; e na década de 60, o coral de Frei Orlando Rabuske, acima descrito
6. desde 1920, uma Banda do Colégio sob a regência do Prof. Christiano Müller cujo nome oficial era Lira São Francisco, apelidada "A Furiosa"
7. um Clube de Xadrez e snooker, proporcionando várias competições entre os internos, conforme mencionado em "O Porvir" nº 324, Ano XX, de 11/11/1943
8. a Cruzada Eucarística, como a noticiada em "O Porvir"nº 325, Ano XX, sem data
9. a Festa em benefício das Missões indígenas com barraquinhas, como a ocorrida nos dias 31/10 a 2/11/1943
10. festa anual em homenagem a algum frei
11. retiro espiritual (por exemplo, o noticiado em “O Porvir” nº 257, Ano XIV, em 7/9/1937)
12. a instalação de aparelho telefônico com o nº 6, ligado diretamente à rede da Companhia Telefônica Brasileira, facilitando a comunicação entre pais e seus filhos internos
13. Olimpíada travada entre alunos dos cursos Ginasial e Colegial, em todas as modalidades de esportes: tênis de mesa, xadrez, vôlei, basquete, salto em altura e em extensão, corrida, lançamento de pêso, dardo, provas de atletismo, provas aquáticas, sinuca e bilhar e futebol, como a ocorrida de 21/10 a 24/10/1948 em homenagem a Frei Bertrando van Breukelen, noticiada em "O Porvir" de 21/10/1948
14. o apoio incondicional ao Infantil Esparta e ao Esparta Futebol Clube, donde saíram inúmeros craques para o futebol profissional
15. o mini-zoológico que o Ginásio Santo Antônio disponibilizava à visitação pública, especialmente nos fins de semana, quando as famílias são-joanenses levavam seus filhos para se divertirem com os animais em cativeiro (macaco “chico”, onça jaguatirica, jacaré, veados, grandes tartarugas e aquário)
16. sessão de cinema toda quarta-feira, com presença voluntária de internos bem como de externos do Coral.
Curiosidades
Durante minha permanência no Ginásio, todo semestre observava algo incomum: a chegada de um ex-aluno, que diziam ser do Rio de Janeiro. O seu nome era Fernando Moura, apelidado Fila-bóia, porque entre os alunos corria o boato de que ele nada pagava pela hospedagem, era “boca livre”. Aparecia de repente e via-o pelos corredores, em companhia dos freis, por um período de uns quinze dias, para em seguida desaparecer de novo. No semestre seguinte, lá estava ele de novo, usando o mesmo sistema de cama e mesa grátis.
Outra curiosidade foi a admissão de figuras do sexo feminino no corpo discente do Ginásio. Até 1964, não havia garotas no Ginásio. Em 1965, chegou a primeira mulher à minha turma, primeira série do curso colegial: Carlene, uma norte-americana. Nos dois anos seguintes, que ainda permaneci no Ginásio, observei o aumento crescente de participação das garotas. Foi o início de uma tendência muito saudável que hoje constitui a realidade das escolas de todo o País.
Austeridade
Nunca é demais relembrar que certos professores primavam pela austeridade, tanto no seu modo de ser quanto no processo de ensino-aprendizagem. Alguns ex-alunos são muito críticos em relação a essa austeridade exagerada, atribuindo a ela certo distanciamento entre professor-aluno de então. Dentre os mais austeros destacaram-se os seguintes professores: Domingos Horta, o Jamelão, o Tamancão, o Perereca e Frei Jordano.
Eu cursava a 2a. série ginasial-turma A, quando o Professor Blair Simões Ribeiro foi contratado para lecionar Matemática. Seja por nossa insubordinação, seja pelo despreparo do professor em liderar a turma, a verdade é que, após um breve período, o professor foi substituído por Frei Geraldo, o Perereca. Logo, nas primeiras aulas, o novo professor se horrorizou perante nosso desconhecimento da matéria e desleixo diante das lições que passava. Foi então que tivemos que enfrentar a lição referente aos produtos notáveis. Dizia o Perereca: "Existem alguns produtos que se notabilizaram por algumas particularidades." De imediato, pôs-se a explicar o conhecido polinômio do quadrado da soma de dois números. Diante da nossa desatenção, considerada agravante pelo Perereca, este resolveu convocar a turma a comparecer, durante uma semana, às 15 horas, munida de caneta e caderno intacto, sendo cada um de nós obrigado a fazer a seguinte cópia do célebre polinômio, duas mil vezes: "O quadrado da soma de dois termos é igual ao quadrado do primeiro mais duas vezes o primeiro vezes o segundo, mais o quadrado do segundo termo, ou seja, ( a + b )² = a² + 2ab + b²."
Apesar da austeridade mencionada, eu conseguia granjear a amizade de alguns desses mestres, devido ao meu grande esfôrço no aprendizado do piano e pelo afinco que demonstrava no estudo das disciplinas. Foi assim que cultivei a amizade de Frei Geraldo, o Perereca, regente de coral e organista, com quem aprendi a ouvir e apreciar as obras mestras do Barroco e da Primeira Escola de Viena (Beethoven, Haydn e Mozart). Indeléveis na minha formação foram a sua interpretação de prelúdios e fugas de Bach no órgão da capela dos internos e a audição de peças de órgão e cravo, bem como de cantatas e Paixões de Bach e de madrigais renascentistas. Também o Frei Felicíssimo, o Tamancão, certa vez me surpreendeu, ao presentear-me com a partitura de uma valsa, intitulada "Partiu para nunca mais!...", de autoria de Higino Cunha, que conservo com muito carinho. Não poderia silenciar-me ainda sobre as audições de música erudita de que participava. Cabe lembrar que, em companhia dos irmãos Frei Cleto Egink e Frei Orlando Parreira de Moraes, tive a oportunidade de ouvir os clássicos da música ocidental. Especialmente com o segundo ouvi as maiores óperas de todos os tempos, na interpretação dos maiores intérpretes.
Capítulo Provincial no Ginásio Santo Antônio
Durante as férias de 1965 ou 1966, realizou-se no Ginásio Santo Antônio uma concorrida reunião da Província franciscana. Centenas de frades Menores eram vistos por todas as salas de aula e perambulando pelos corredores ou pátios com seu "hábito" característico: túnica larga marrom-escura, capuz, cordão, sandálias e calças, o que lhes dava um ar medieval. Trabalhamos Maria de Lourdes de Barros e eu no serviço de apoio administrativo, para o bom funcionamento desse Capítulo Provincial. Ocupávamo-nos especialmente com trabalhos datilográficos, sendo também responsáveis pelos mimeógrafos a álcool e a tinta.
Num primeiro momento, os textos eram preparados com a ajuda de uma máquina de escrever, numa matriz em papel, chamado estêncil, impermeável e contendo a tinta (azul ou preta) concentrada numa das faces. Essa tinta da matriz dissolvia-se em álcool, que ficava colocado num recipiente da máquina, chamada mimeógrafo. A segunda etapa consistia em por o mimeógrafo em funcionamento, tendo sido posicionado o estêncil no pequeno cilindro poroso da máquina. Com o auxílio de uma manivela que o punha a rodar, conseguíamos que a tinta imprimisse diretamente o papel em branco. Essa máquina - fantástica para a época - permitia a passagem da tinta através da matriz e esta, por sua vez, levava à consequente impressão no papel.
Fim de um ciclo
Em 1888, Raul Pompéia publicou seu romance de memória "O Ateneu" (subtítulo Crônica de Saudades), com fortes tons autobiográficos, no qual, sob a ótica de um ex-aluno interno Sérgio (o próprio autor), descreve certo Colégio Ateneu (o colégio Abílio do qual o autor fôra aluno interno) cuja fama nacional atraía as famílias abastadas da sociedade brasileira a disputarem no célebre educandário uma vaga para seus filhos. Misturando alegria e tristeza, decepções e entusiasmos, Sérgio (tanto protagonista como narrador) reconstrói, por meio da memória e da introspecção, os dois anos que viveu entre as paredes do internato.
Antes de ali ingressar aos 11 anos de idade —uma criança —, Sérgio só conhecia o internato por suas grandes festas, razão por que a escola correspondia a um mundo de ilusões e fantasias. "Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta", assim começa o romance. Para Sérgio, o Ateneu era um novo mundo que se abria diante dele. Só aos poucos é que vai percebendo as "regras" daquele mundo, as leis que regiam o Ateneu. Arrebatado da "estufa de carinho que é o regime do amor doméstico" (cap. I), o menino se sente frágil e indefeso diante das hostilidades do mundo, à mercê de "educadores" que lhe impõem a camisa-de-força das convenções sociais, marcadas pela mentira e superficialidade. O Ateneu, apresentado pelo autor como um retrato da sociedade da época ("Não é o internato que faz a sociedade; o internato a reflete. A corrupção que ali viceja vem de fora.", diz o professor Sérgio no cap. XI), é o local onde sobressaem as mazelas, os casos de corrupção, deslealdade, amizades perigosas, homossexualismo e outras manifestações do comportamento social. O internato é um microcosmo da sociedade da época: monarquista e imperial. Desviado de sua verdadeira função — formar e instruir —, o Ateneu transforma-se num meio de exteriorizar a vaidade, a soberba e a empáfia de seu Diretor Dr. Aristarco (Dr. Abílio Borges, Barão de Macaúba, diretor do colégio Abílio) .
O romance pode ser considerado como um diário sobre um internato, em que o mundo da escola é retratado sob a ótica particular de Sérgio, que é claramente caricatural. Assim, o Diretor do Ateneu, Aristarco Argolo dos Ramos, encarna o autoritarismo, a insensibilidade e a vaidade. "Soldavam-se nele o educador e o empresário com uma perfeição rigorosa de acôrdo, dois lados da mesma medalha: opostos, mas justapostos." (cap. II)
Sérgio, com o passar do tempo, vivencia inúmeras experiências, desde a amizade (pelo aluno Egbert), a fôrça (tanto do amado Bento quanto do cruel "sedutor" Sanches), o autoritarismo (do Diretor Aristarco), até a descoberta da sexualidade (amor por Ema, esposa do Diretor, que para Sérgio representa um misto de mulher e mãe; amor por Ângela, a empregada do colégio, símbolo do mal, personificação do sexo e da classe social inferior a serviço, com o trabalho ou a prestação de serviços sexuais, de uma classe mais abastada; amor por Bento Alves, o "grande, forte e bravo", por quem nutria uma estima "feminina").
Com o tempo, instala-se na criança o sentimento de vingança. A necessidade de ver-se livre desse mundo de opressão é uma consequência natural: a catarse é previsível. Encerra sua "crônica de saudades" o incêndio do educandário, ao final do livro, tramado não por Sérgio, mas por Américo, um aluno que fugira do internato e, resgatado, fôra ali deixado contra a vontade com a recomendação paterna de que Aristarco lhe curasse o mau comportamento. O incêndio final da escola e o abandono de Aristarco por parte de sua esposa Ema evidenciam a intenção do narrador de vingar-se contra a educação que recebera na adolescência, sendo os momentos mais agressivos de sua desforra.
Alguns críticos acham por bem reportar o nome do incendiário Américo à América, o novo mundo que figurativamente põe fogo a tudo que lembre o passado — Europa e seus valores. O colégio Ateneu, dentro dessa visão, seria um antro de erudição europeizada, falsa, importada e desligada da realidade histórica brasileira.
Lembremo-nos de que Raul Pompéia era abolicionista e republicano.
Por que tratar de um internato tão distante, no Rio de Janeiro, na última década do século XIX, dentro desse texto sobre o Ginásio Santo Antônio em São João del-Rei, na década de 60 do século XX, portanto cerca de 70 anos depois?
Entendo que o romance de Raul Pompéia se caracteriza por ser um magnífico documento psicológico da vida interior de um menino púbere, em que pese as contínuas interferências do narrador adulto sobre a matéria-prima da memória.
Muitas de suas observações sagazes devem sim ter contribuído muito para que os administradores dos futuros internatos tomassem decisões importantes buscando a não-repetição das precariedades denunciadas pelo romance.
Que eu saiba, nenhuma das críticas virulentas de Raul Pompéia foi desferida por algum ex-aluno contra o educandário são-joanense. Pelo contrário, são do meu conhecimento contínuas referências elogiosas e atribuição do êxito pessoal à excelente educação recebida dentro dos muros do Ginásio Santo Antônio.
Ali se educou — e muito bem — para a vida.
Pode até ser que alguns conseguiram ser admitidos no "Santo Antônio" sem as condições mínimas desejáveis — o que já é muito difícil de acreditar porque as vagas eram muito disputadas —, mas posso garantir que ninguém conseguiu continuar seus estudos lá dentro sem estudar seriamente. Era fato corrente que, para permanecer sob os cuidados dos franciscanos, o aluno precisava gostar de estudar, o que era ensinado como o caminho natural para a autoeducação e o saber, sem prejuízo de muitos passeios, incentivo aos esportes e à música, estímulo à participação na banda marcial e em olimpíadas e convite à diversão coletiva.
Do que se viu nesse texto pode-se afirmar que a uma sólida formação nas disciplinas ensinadas com o maior rigor correspondia a formação integral da juventude nos ideais franciscanos de respeito à dignidade humana.
Os alunos do "Santo Antônio" tinham diferentes procedências. No início, a maioria dos estudantes vinha de cidades pequenas e de fazendas, trazidos a cavalo pelos freis para comporem o grupo de internos. Na minha época, cerca de 60 anos após a fundação, era comum ter algum colega estrangeiro em sala de aula, como ocorreu quando tive a convivência saudável com dois norte-americanos no curso colegial (Carlene Yone Larsing e seu irmão). O que quero dizer é que a diversidade de procedência do corpo discente do "Santo Antônio" possibilitava que todos nos enriquecêssemos com as diferentes experiências. Foi assim que tive a sorte de privar com colegas de todos os Estados do Brasil.
Penso que, no convívio com os franciscanos, todos os alunos desenvolvemos sentimentos e virtudes, como a solidariedade, o amor à verdade e a compaixão para com os pobres.
Para além de um conhecimento lisonjeiro das disciplinas que ensinavam, os freis eram portadores de qualidades humanas incomparáveis, preferindo deixar como herança alunos — diria filhos — que pudessem continuar a sua obra, ensinando outros alunos, aprendendo sempre.
De comum com o romance de Raul Pompéia foi o encerramento de um ciclo do "Santo Antônio", motivado por um grande incêndio ocorrido em 31 de maio de 1968. Foram inteiramente destruídos pelo fogo os laboratórios de Física e de História Natural, a capela dos internos com o seu órgão europeu. Igualmente, um incêndio de ainda maiores proporções do que o do "Santo Antônio" pôs fim ao Colégio e Seminário do Caraça, exatamente três dias antes do ocorrido em São João del-Rei. No "Caraça" foram destruídos o edifício ocupado pelos alunos e parte das edificações, dentre elas uma biblioteca com vinte mil volumes, salas de aula, gabinete e teatro. Coincidência? Acredito que não.
Tenho uma tese, ainda carente de comprovação, de que uma mente diabólica urdiu os dois incêndios, de forma que numa única tacada conseguisse paralisar os dois maiores formadores de opinião de Minas Gerais, já que ali estudava a nata da intelectualidade mineira e do País. No caso do Santo Antônio, acusa-se um ferro de passar roupa, que foi esquecido ligado na alfaiataria, e no caso do "Caraça" um fogareiro teria sido o autor do feito. Por outro lado, sustento que, naquele momento crucial da história brasileira, com premeditação forjaram-se os dois incêndios.
Em todos os períodos da história humana, há as pessoas mais fundamentalistas que são irredutíveis no seu modo de ser e pensar. Não arredam um centímetro dos princípios fundamentais da organização a que pertencem. Neles acreditam como verdade absoluta, indiscutível, sem possibilidade de abrir-se à premissa do diálogo e à realidade do "outro".
Eu acuso essa mente diabólica de perpetrar ambos os incêndios. Em 1968, na França, o movimento estudantil reivindicava melhores condições de ensino, com ideais libertários contra a tradição da sociedade burguesa de então. Mas cada país tinha uma motivação diferente. No Brasil, o movimento estudantil tinha motivação política e lutava contra a ditadura imposta pelos militares. Ainda em nosso País, havia extremistas de ambos os lados, o que possibilitou o surgimento, por um lado, de guerrilhas urbanas, sequestros de embaixadores e ações terroristas e, por outro lado, de sessões de tortura nas celas do DOPS, patrulhamento ideológico, desaparecimento de cidadãos e perseguição dos simpatizantes do Comunismo. O acirramento das posições levou ao endurecimento do regime e à edição do AI-5. Nesse estado de coisas, os exageros são compreensíveis, mas os desfechos, imprevisíveis.
Comemoração dos 100 anos da presença franciscana em São João del-Rei
Em 2004, a Paróquia São Francisco de Assis de São João del-Rei comemorou 100 anos da presença franciscana na cidade, através da apresentação da opereta "Legenda de Santa Clara", encenada no Teatro Municipal de São João del-Rei, tendo na regência o também autor da música, Frei Joel Postma o.f.m. ³, e, no acompanhamento ao piano, o autor deste artigo. O concerto ocorreu no dia 05/12/2004, tendo o comentarista Prof. Abgar Campos Tirado tecido inúmeros fatos alusivos à data e o historiador Luiz Antônio Ferreira projetado inúmeros diapositivos e "slides" do antigo Ginásio Santo Antônio. Além da participação intensa do Coral "Trovadores da Mantiqueira" de Santos Dumont, a opereta contou ainda com a atuação dos seguintes personagens:
Clara (criança): Carla Rosita da Silva
Clara (adulta): Márcia Cristina da S. Ferreira
Francisco: Valtair Francisco da Silva
Favarone: Frei Óton da Silva Araújo Júnior
Hortulana: Rute Pardini (soprano lírico coloratura — convidada especial)
Frei Junípero: Frei Óton da Silva Araújo Júnior
Solistas: Sérgio Donizete Ferreira e Aparecida de Oliveira Rosa
Cronista: Edson Roberto dos Santos
Arauto: José Fernando da Costa
Inesquecível a ária "O Amanhecer", cantada por Hortulana no 1º ato da opereta, cena 3:
"O Senhor me agraciou: sua luz me iluminou,
uma filha à luz darei: claro, Clara a chamarei!
Ao banhá-la em santa fonte, Clara lhe darei por nome;
claro, os planos do meu Rei, com certeza, alcançarei."
Releva citar que a letra dessa opereta foi criação do poeta pernambucano Padre Reginaldo Veloso, que muito se notabilizou como autor de poemas sacros e ativista da antiga Ação Católica Operária e cuja obra poética tem suas raízes na cultura popular, na inculturação religiosa e na literatura de cordel. A música, conforme mencionado, é de autoria de frei Joel Postma, que em 2009 está comemorando 53 anos de vida religiosa, com intensa atividade na área da música litúrgica.
1. a fundação do Grêmio Literário Jackson de Figueiredo em 1938, com biblioteca própria, tinha no Prof. Antônio de Assiz Sobrinho seu organizador e orientador, bem como em Paulo Mendes Campos um orador de vulto em diversas de suas sessões (como se pode comprovar da peça oratória dedicada a Jackson de Figueiredo em “O Porvir” nº 276, Ano XVI, de 17/10/1938)
2. a inauguração da piscina olímpica em 11/11/1941 com o comprimento de 25 metros com vestiário e casa de chuveiros. Uma verdadeira façanha na época!
3. um museu de História Natural, fruto de ter-se enriquecido com a aquisição de valiosos espécimes pela Direção do Ginásio ou com a doação generosa de pais dos alunos ou dos próprios alunos, por ocasião do seu retorno das férias escolares, conforme se lê em “O Porvir” nº 310, Ano XIX, de 24/01/1942
4. um Curso de Datilografia do Ginásio Santo Antônio (anunciado em "O Porvir" nº 291, Ano XVII, de 18/3/1939
5. um coral regido pelo Maestro Tenente João Cavalcante, como se lê em "O Porvir" nº 324, Ano XX, de 11/11/1943; na década de 50, houve um coral regido pelo Frei Geraldo de Reuver, do qual participaram pelo menos o historiador Evandro de Almeida Coelho, Abgar Campos Tirado e Gil Amaral Campos; e na década de 60, o coral de Frei Orlando Rabuske, acima descrito
6. desde 1920, uma Banda do Colégio sob a regência do Prof. Christiano Müller cujo nome oficial era Lira São Francisco, apelidada "A Furiosa"
7. um Clube de Xadrez e snooker, proporcionando várias competições entre os internos, conforme mencionado em "O Porvir" nº 324, Ano XX, de 11/11/1943
8. a Cruzada Eucarística, como a noticiada em "O Porvir"nº 325, Ano XX, sem data
9. a Festa em benefício das Missões indígenas com barraquinhas, como a ocorrida nos dias 31/10 a 2/11/1943
10. festa anual em homenagem a algum frei
11. retiro espiritual (por exemplo, o noticiado em “O Porvir” nº 257, Ano XIV, em 7/9/1937)
12. a instalação de aparelho telefônico com o nº 6, ligado diretamente à rede da Companhia Telefônica Brasileira, facilitando a comunicação entre pais e seus filhos internos
13. Olimpíada travada entre alunos dos cursos Ginasial e Colegial, em todas as modalidades de esportes: tênis de mesa, xadrez, vôlei, basquete, salto em altura e em extensão, corrida, lançamento de pêso, dardo, provas de atletismo, provas aquáticas, sinuca e bilhar e futebol, como a ocorrida de 21/10 a 24/10/1948 em homenagem a Frei Bertrando van Breukelen, noticiada em "O Porvir" de 21/10/1948
14. o apoio incondicional ao Infantil Esparta e ao Esparta Futebol Clube, donde saíram inúmeros craques para o futebol profissional
15. o mini-zoológico que o Ginásio Santo Antônio disponibilizava à visitação pública, especialmente nos fins de semana, quando as famílias são-joanenses levavam seus filhos para se divertirem com os animais em cativeiro (macaco “chico”, onça jaguatirica, jacaré, veados, grandes tartarugas e aquário)
16. sessão de cinema toda quarta-feira, com presença voluntária de internos bem como de externos do Coral.
Curiosidades
Durante minha permanência no Ginásio, todo semestre observava algo incomum: a chegada de um ex-aluno, que diziam ser do Rio de Janeiro. O seu nome era Fernando Moura, apelidado Fila-bóia, porque entre os alunos corria o boato de que ele nada pagava pela hospedagem, era “boca livre”. Aparecia de repente e via-o pelos corredores, em companhia dos freis, por um período de uns quinze dias, para em seguida desaparecer de novo. No semestre seguinte, lá estava ele de novo, usando o mesmo sistema de cama e mesa grátis.
Outra curiosidade foi a admissão de figuras do sexo feminino no corpo discente do Ginásio. Até 1964, não havia garotas no Ginásio. Em 1965, chegou a primeira mulher à minha turma, primeira série do curso colegial: Carlene, uma norte-americana. Nos dois anos seguintes, que ainda permaneci no Ginásio, observei o aumento crescente de participação das garotas. Foi o início de uma tendência muito saudável que hoje constitui a realidade das escolas de todo o País.
Austeridade
Nunca é demais relembrar que certos professores primavam pela austeridade, tanto no seu modo de ser quanto no processo de ensino-aprendizagem. Alguns ex-alunos são muito críticos em relação a essa austeridade exagerada, atribuindo a ela certo distanciamento entre professor-aluno de então. Dentre os mais austeros destacaram-se os seguintes professores: Domingos Horta, o Jamelão, o Tamancão, o Perereca e Frei Jordano.
Eu cursava a 2a. série ginasial-turma A, quando o Professor Blair Simões Ribeiro foi contratado para lecionar Matemática. Seja por nossa insubordinação, seja pelo despreparo do professor em liderar a turma, a verdade é que, após um breve período, o professor foi substituído por Frei Geraldo, o Perereca. Logo, nas primeiras aulas, o novo professor se horrorizou perante nosso desconhecimento da matéria e desleixo diante das lições que passava. Foi então que tivemos que enfrentar a lição referente aos produtos notáveis. Dizia o Perereca: "Existem alguns produtos que se notabilizaram por algumas particularidades." De imediato, pôs-se a explicar o conhecido polinômio do quadrado da soma de dois números. Diante da nossa desatenção, considerada agravante pelo Perereca, este resolveu convocar a turma a comparecer, durante uma semana, às 15 horas, munida de caneta e caderno intacto, sendo cada um de nós obrigado a fazer a seguinte cópia do célebre polinômio, duas mil vezes: "O quadrado da soma de dois termos é igual ao quadrado do primeiro mais duas vezes o primeiro vezes o segundo, mais o quadrado do segundo termo, ou seja, ( a + b )² = a² + 2ab + b²."
Apesar da austeridade mencionada, eu conseguia granjear a amizade de alguns desses mestres, devido ao meu grande esfôrço no aprendizado do piano e pelo afinco que demonstrava no estudo das disciplinas. Foi assim que cultivei a amizade de Frei Geraldo, o Perereca, regente de coral e organista, com quem aprendi a ouvir e apreciar as obras mestras do Barroco e da Primeira Escola de Viena (Beethoven, Haydn e Mozart). Indeléveis na minha formação foram a sua interpretação de prelúdios e fugas de Bach no órgão da capela dos internos e a audição de peças de órgão e cravo, bem como de cantatas e Paixões de Bach e de madrigais renascentistas. Também o Frei Felicíssimo, o Tamancão, certa vez me surpreendeu, ao presentear-me com a partitura de uma valsa, intitulada "Partiu para nunca mais!...", de autoria de Higino Cunha, que conservo com muito carinho. Não poderia silenciar-me ainda sobre as audições de música erudita de que participava. Cabe lembrar que, em companhia dos irmãos Frei Cleto Egink e Frei Orlando Parreira de Moraes, tive a oportunidade de ouvir os clássicos da música ocidental. Especialmente com o segundo ouvi as maiores óperas de todos os tempos, na interpretação dos maiores intérpretes.
Capítulo Provincial no Ginásio Santo Antônio
Durante as férias de 1965 ou 1966, realizou-se no Ginásio Santo Antônio uma concorrida reunião da Província franciscana. Centenas de frades Menores eram vistos por todas as salas de aula e perambulando pelos corredores ou pátios com seu "hábito" característico: túnica larga marrom-escura, capuz, cordão, sandálias e calças, o que lhes dava um ar medieval. Trabalhamos Maria de Lourdes de Barros e eu no serviço de apoio administrativo, para o bom funcionamento desse Capítulo Provincial. Ocupávamo-nos especialmente com trabalhos datilográficos, sendo também responsáveis pelos mimeógrafos a álcool e a tinta.
Num primeiro momento, os textos eram preparados com a ajuda de uma máquina de escrever, numa matriz em papel, chamado estêncil, impermeável e contendo a tinta (azul ou preta) concentrada numa das faces. Essa tinta da matriz dissolvia-se em álcool, que ficava colocado num recipiente da máquina, chamada mimeógrafo. A segunda etapa consistia em por o mimeógrafo em funcionamento, tendo sido posicionado o estêncil no pequeno cilindro poroso da máquina. Com o auxílio de uma manivela que o punha a rodar, conseguíamos que a tinta imprimisse diretamente o papel em branco. Essa máquina - fantástica para a época - permitia a passagem da tinta através da matriz e esta, por sua vez, levava à consequente impressão no papel.
Fim de um ciclo
Em 1888, Raul Pompéia publicou seu romance de memória "O Ateneu" (subtítulo Crônica de Saudades), com fortes tons autobiográficos, no qual, sob a ótica de um ex-aluno interno Sérgio (o próprio autor), descreve certo Colégio Ateneu (o colégio Abílio do qual o autor fôra aluno interno) cuja fama nacional atraía as famílias abastadas da sociedade brasileira a disputarem no célebre educandário uma vaga para seus filhos. Misturando alegria e tristeza, decepções e entusiasmos, Sérgio (tanto protagonista como narrador) reconstrói, por meio da memória e da introspecção, os dois anos que viveu entre as paredes do internato.
Antes de ali ingressar aos 11 anos de idade —uma criança —, Sérgio só conhecia o internato por suas grandes festas, razão por que a escola correspondia a um mundo de ilusões e fantasias. "Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta", assim começa o romance. Para Sérgio, o Ateneu era um novo mundo que se abria diante dele. Só aos poucos é que vai percebendo as "regras" daquele mundo, as leis que regiam o Ateneu. Arrebatado da "estufa de carinho que é o regime do amor doméstico" (cap. I), o menino se sente frágil e indefeso diante das hostilidades do mundo, à mercê de "educadores" que lhe impõem a camisa-de-força das convenções sociais, marcadas pela mentira e superficialidade. O Ateneu, apresentado pelo autor como um retrato da sociedade da época ("Não é o internato que faz a sociedade; o internato a reflete. A corrupção que ali viceja vem de fora.", diz o professor Sérgio no cap. XI), é o local onde sobressaem as mazelas, os casos de corrupção, deslealdade, amizades perigosas, homossexualismo e outras manifestações do comportamento social. O internato é um microcosmo da sociedade da época: monarquista e imperial. Desviado de sua verdadeira função — formar e instruir —, o Ateneu transforma-se num meio de exteriorizar a vaidade, a soberba e a empáfia de seu Diretor Dr. Aristarco (Dr. Abílio Borges, Barão de Macaúba, diretor do colégio Abílio) .
O romance pode ser considerado como um diário sobre um internato, em que o mundo da escola é retratado sob a ótica particular de Sérgio, que é claramente caricatural. Assim, o Diretor do Ateneu, Aristarco Argolo dos Ramos, encarna o autoritarismo, a insensibilidade e a vaidade. "Soldavam-se nele o educador e o empresário com uma perfeição rigorosa de acôrdo, dois lados da mesma medalha: opostos, mas justapostos." (cap. II)
Sérgio, com o passar do tempo, vivencia inúmeras experiências, desde a amizade (pelo aluno Egbert), a fôrça (tanto do amado Bento quanto do cruel "sedutor" Sanches), o autoritarismo (do Diretor Aristarco), até a descoberta da sexualidade (amor por Ema, esposa do Diretor, que para Sérgio representa um misto de mulher e mãe; amor por Ângela, a empregada do colégio, símbolo do mal, personificação do sexo e da classe social inferior a serviço, com o trabalho ou a prestação de serviços sexuais, de uma classe mais abastada; amor por Bento Alves, o "grande, forte e bravo", por quem nutria uma estima "feminina").
Com o tempo, instala-se na criança o sentimento de vingança. A necessidade de ver-se livre desse mundo de opressão é uma consequência natural: a catarse é previsível. Encerra sua "crônica de saudades" o incêndio do educandário, ao final do livro, tramado não por Sérgio, mas por Américo, um aluno que fugira do internato e, resgatado, fôra ali deixado contra a vontade com a recomendação paterna de que Aristarco lhe curasse o mau comportamento. O incêndio final da escola e o abandono de Aristarco por parte de sua esposa Ema evidenciam a intenção do narrador de vingar-se contra a educação que recebera na adolescência, sendo os momentos mais agressivos de sua desforra.
Alguns críticos acham por bem reportar o nome do incendiário Américo à América, o novo mundo que figurativamente põe fogo a tudo que lembre o passado — Europa e seus valores. O colégio Ateneu, dentro dessa visão, seria um antro de erudição europeizada, falsa, importada e desligada da realidade histórica brasileira.
Lembremo-nos de que Raul Pompéia era abolicionista e republicano.
Por que tratar de um internato tão distante, no Rio de Janeiro, na última década do século XIX, dentro desse texto sobre o Ginásio Santo Antônio em São João del-Rei, na década de 60 do século XX, portanto cerca de 70 anos depois?
Entendo que o romance de Raul Pompéia se caracteriza por ser um magnífico documento psicológico da vida interior de um menino púbere, em que pese as contínuas interferências do narrador adulto sobre a matéria-prima da memória.
Muitas de suas observações sagazes devem sim ter contribuído muito para que os administradores dos futuros internatos tomassem decisões importantes buscando a não-repetição das precariedades denunciadas pelo romance.
Que eu saiba, nenhuma das críticas virulentas de Raul Pompéia foi desferida por algum ex-aluno contra o educandário são-joanense. Pelo contrário, são do meu conhecimento contínuas referências elogiosas e atribuição do êxito pessoal à excelente educação recebida dentro dos muros do Ginásio Santo Antônio.
Ali se educou — e muito bem — para a vida.
Pode até ser que alguns conseguiram ser admitidos no "Santo Antônio" sem as condições mínimas desejáveis — o que já é muito difícil de acreditar porque as vagas eram muito disputadas —, mas posso garantir que ninguém conseguiu continuar seus estudos lá dentro sem estudar seriamente. Era fato corrente que, para permanecer sob os cuidados dos franciscanos, o aluno precisava gostar de estudar, o que era ensinado como o caminho natural para a autoeducação e o saber, sem prejuízo de muitos passeios, incentivo aos esportes e à música, estímulo à participação na banda marcial e em olimpíadas e convite à diversão coletiva.
Do que se viu nesse texto pode-se afirmar que a uma sólida formação nas disciplinas ensinadas com o maior rigor correspondia a formação integral da juventude nos ideais franciscanos de respeito à dignidade humana.
Os alunos do "Santo Antônio" tinham diferentes procedências. No início, a maioria dos estudantes vinha de cidades pequenas e de fazendas, trazidos a cavalo pelos freis para comporem o grupo de internos. Na minha época, cerca de 60 anos após a fundação, era comum ter algum colega estrangeiro em sala de aula, como ocorreu quando tive a convivência saudável com dois norte-americanos no curso colegial (Carlene Yone Larsing e seu irmão). O que quero dizer é que a diversidade de procedência do corpo discente do "Santo Antônio" possibilitava que todos nos enriquecêssemos com as diferentes experiências. Foi assim que tive a sorte de privar com colegas de todos os Estados do Brasil.
Penso que, no convívio com os franciscanos, todos os alunos desenvolvemos sentimentos e virtudes, como a solidariedade, o amor à verdade e a compaixão para com os pobres.
Para além de um conhecimento lisonjeiro das disciplinas que ensinavam, os freis eram portadores de qualidades humanas incomparáveis, preferindo deixar como herança alunos — diria filhos — que pudessem continuar a sua obra, ensinando outros alunos, aprendendo sempre.
Corpo Docente do Ginásio Santo Antônio - 1968 |
De comum com o romance de Raul Pompéia foi o encerramento de um ciclo do "Santo Antônio", motivado por um grande incêndio ocorrido em 31 de maio de 1968. Foram inteiramente destruídos pelo fogo os laboratórios de Física e de História Natural, a capela dos internos com o seu órgão europeu. Igualmente, um incêndio de ainda maiores proporções do que o do "Santo Antônio" pôs fim ao Colégio e Seminário do Caraça, exatamente três dias antes do ocorrido em São João del-Rei. No "Caraça" foram destruídos o edifício ocupado pelos alunos e parte das edificações, dentre elas uma biblioteca com vinte mil volumes, salas de aula, gabinete e teatro. Coincidência? Acredito que não.
Tenho uma tese, ainda carente de comprovação, de que uma mente diabólica urdiu os dois incêndios, de forma que numa única tacada conseguisse paralisar os dois maiores formadores de opinião de Minas Gerais, já que ali estudava a nata da intelectualidade mineira e do País. No caso do Santo Antônio, acusa-se um ferro de passar roupa, que foi esquecido ligado na alfaiataria, e no caso do "Caraça" um fogareiro teria sido o autor do feito. Por outro lado, sustento que, naquele momento crucial da história brasileira, com premeditação forjaram-se os dois incêndios.
Em todos os períodos da história humana, há as pessoas mais fundamentalistas que são irredutíveis no seu modo de ser e pensar. Não arredam um centímetro dos princípios fundamentais da organização a que pertencem. Neles acreditam como verdade absoluta, indiscutível, sem possibilidade de abrir-se à premissa do diálogo e à realidade do "outro".
Eu acuso essa mente diabólica de perpetrar ambos os incêndios. Em 1968, na França, o movimento estudantil reivindicava melhores condições de ensino, com ideais libertários contra a tradição da sociedade burguesa de então. Mas cada país tinha uma motivação diferente. No Brasil, o movimento estudantil tinha motivação política e lutava contra a ditadura imposta pelos militares. Ainda em nosso País, havia extremistas de ambos os lados, o que possibilitou o surgimento, por um lado, de guerrilhas urbanas, sequestros de embaixadores e ações terroristas e, por outro lado, de sessões de tortura nas celas do DOPS, patrulhamento ideológico, desaparecimento de cidadãos e perseguição dos simpatizantes do Comunismo. O acirramento das posições levou ao endurecimento do regime e à edição do AI-5. Nesse estado de coisas, os exageros são compreensíveis, mas os desfechos, imprevisíveis.
Comemoração dos 100 anos da presença franciscana em São João del-Rei
Em 2004, a Paróquia São Francisco de Assis de São João del-Rei comemorou 100 anos da presença franciscana na cidade, através da apresentação da opereta "Legenda de Santa Clara", encenada no Teatro Municipal de São João del-Rei, tendo na regência o também autor da música, Frei Joel Postma o.f.m. ³, e, no acompanhamento ao piano, o autor deste artigo. O concerto ocorreu no dia 05/12/2004, tendo o comentarista Prof. Abgar Campos Tirado tecido inúmeros fatos alusivos à data e o historiador Luiz Antônio Ferreira projetado inúmeros diapositivos e "slides" do antigo Ginásio Santo Antônio. Além da participação intensa do Coral "Trovadores da Mantiqueira" de Santos Dumont, a opereta contou ainda com a atuação dos seguintes personagens:
Clara (criança): Carla Rosita da Silva
Clara (adulta): Márcia Cristina da S. Ferreira
Francisco: Valtair Francisco da Silva
Favarone: Frei Óton da Silva Araújo Júnior
Hortulana: Rute Pardini (soprano lírico coloratura — convidada especial)
Frei Junípero: Frei Óton da Silva Araújo Júnior
Solistas: Sérgio Donizete Ferreira e Aparecida de Oliveira Rosa
Cronista: Edson Roberto dos Santos
Arauto: José Fernando da Costa
Inesquecível a ária "O Amanhecer", cantada por Hortulana no 1º ato da opereta, cena 3:
"O Senhor me agraciou: sua luz me iluminou,
uma filha à luz darei: claro, Clara a chamarei!
Ao banhá-la em santa fonte, Clara lhe darei por nome;
claro, os planos do meu Rei, com certeza, alcançarei."
Releva citar que a letra dessa opereta foi criação do poeta pernambucano Padre Reginaldo Veloso, que muito se notabilizou como autor de poemas sacros e ativista da antiga Ação Católica Operária e cuja obra poética tem suas raízes na cultura popular, na inculturação religiosa e na literatura de cordel. A música, conforme mencionado, é de autoria de frei Joel Postma, que em 2009 está comemorando 53 anos de vida religiosa, com intensa atividade na área da música litúrgica.
Imagem: fotografia tirada em 1968 e pertencente ao acervo da Província de Santa Cruz, na qual se vê, da esquerda para a direita, o corpo docente do Ginásio Santo Antônio (com exceção de Frei Orêncio Vogels) : Frei Feliciano van Sambeek, Frei Seráfico Schluter, Frei Diogo Reesink, Frei Augusto Uiterwaal, Frei Manuel Smeltink, Frei Geraldo de Reuver, Frei Orêncio Vogels (2º pároco da Paróquia São Francisco de Assis [1970-1985]), Professor Elpídio Ramalho, Professor Tomaz Perilli e Frei Jordano Noordermeer.
Notas do Autor
¹ Em Briela de Holanda, celebra-se o triunfo de dezenove Mártires chamados Gorcomienses: deles, onze eram frades menores. Consta que sofreram muitos tormentos e injúrias até à morte, por defenderem a autoridade da Igreja e a presença real de Cristo na Eucaristia. O Papa Pio IX os colocou no número dos santos Mártires.
² O Monsenhor Gustavo Ernesto Coelho (Lavras 1853-1924) era profundo conhecedor de fitoterapia (estudo das plantas medicinais e de suas aplicações na cura das doenças). Observe que a definição de fitoterápico não engloba o uso popular das plantas em si, mas de seus extratos. Seu livro "Medicina Vegetal" era vendido nas principais farmácias sanjoanenses (cf. "A Nota" (Diário Vespertino), p. 3, de 26/02/1918)
AQUINO (1950) registra que em 1888 assumiu em São João del-Rei a direção da Escola de latim, português e francês, mantida pela municipalidade.
CINTRA (1982, I, 139) relata que o monsenhor integra o corpo docente do Colégio Maciel (cadeiras de Geografia, Português e Filosofia), dirigido e mantido pelo Prof. João Batista Maciel, conforme Gazeta Mineira de 26/3/1892.
CINTRA (1982, I, 66; 1994, 65-68) informa que o monsenhor e Frei Cândido Vroomans fundam a União Popular em 27/12/1908, entidade de assistência social que prestou grandes serviços aos são-joanenses (1982, II, 534). Cita ainda como frutos dessa entidade a criação do Albergue Santo Antônio, do Clube Dramático União Popular, do jornal Ação Social e do Liceu de Artes e Ofícios.
³ Frei Joel, tendo chegado a Divinópolis em 1959, logo se engajou à missão de Mestre de Canto para a Faculdade de Teologia do Convento de Santo Antônio (coral de frades), logo passando a dirigir também o Coral Santo Antônio (coral de meninos cantores) e conjuntos instrumentais com cantores leigos, com os quais gravou os LP's de Salmos de Gelineau em português e Cânticos de Natal. Em 1964 foi para o Seminário Seráfico Santo Antônio em Santos Dumont, onde fundou o Coral Trovadores da Mantiqueira, regendo-o durante 20 anos. Chamado à Brasília, foi por 14 anos Chefe da Comissão Litúrgica da CNBB-Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, ocasião em que coordenou o lançamento de 4 hinários litúrgicos e fundou e regeu o coral Trovadores do Planalto. Além dessa opereta, Frei Joel compôs ainda três cantatas ("O Peregrino de Assis" ⁶, que em 1997 mereceu a gravação em CD pelo Côro de Câmara Pró-Arte, do Rio de Janeiro e em 2008 a gravação em DVD no Teatro Nacional Cláudio Santoro em Brasília, numa cooperação entre a Orquestra de Cordas da UnB e o Coral Cantus Firmus; "Francisco, Jogral de Deus" e "Os Louvores do Irmão Francisco"), além do Cântico das Criaturas (ou Cântico do Irmão Sol), que teve também registro fonográfico, e de muitas outras missas e peças sacras. Posso dizer que tenho muito orgulho de ter participado, como pianista convidado, de todas as apresentações das obras de Frei Joel em várias cidades do País — e não apenas sob a sua regência, mas também sob a batuta de seu aluno Frei Joaquim Fonseca de Souza —, a saber: em Indaiatuba-SP (bairro Itaici), onde se realiza tradicionalmente a reunião anual da Assembléia Nacional dos Bispos (3 vezes, numa das quais presidia a CNBB o saudoso são-joanense Dom Lucas Moreira Neves (1925-2002), ex-aluno do Ginásio Santo Antônio), Belo-Horizonte (3 vezes, sendo duas no Colégio Santo Antônio e uma no Teatro Dom Silvério), Ouro Preto (na Igreja de São Francisco de Assis), Betim, Santos Dumont, Juiz de Fora, Divinópolis, São João del-Rei (na Igreja de São Francisco de Assis e no Teatro Municipal), Anápolis-GO e Brasília-DF.
⁴ É curioso ainda transcrever o que está escrito em "O Porvir", publicação quinzenal dos alunos do Ginásio Santo Antônio, na edição de 23/02/1923 (Ano VII nº 83) em artigo de Frei Zacarias van der Hoeven, saudando o novo Diretor Frei Estêvão Lucassen o.f.m. : "Chamado pelo Rev. Pe. Comissário provincial dos Pes. Franciscanos, para reger a cadeira de Geografia, Corografia e Cosmografia, como também de Latim, teve nos 5 anos, que dedicou ao magistério, exatamente na época mais difícil da fundação e fixação do estabelecimento ... Frei Estêvão deixou ao Ginásio, para as respectivas Cadeiras, cujo fundador distinto ele teve a honra de ser, um compêndio de Corografia, ainda em uso, e um livro de exercícios de latim, infelizmente esgotado."
ASSIS (ibidem, p. 74) transcreve o relatório de certo fiscal do Governo, nos exames do fim do ano de 1925, no Ginásio Santo Antônio, onde se lê que "o seu programa está dividido em três cursos", a saber: primário, complementar e ginasial. Acredito que o curso complementar corresponde ao curso de admissão, existente ainda nos meus tempos de estudante.
⁵ BWV, abreviatura de "Bach-Werke-Verzeichnis" ou catálogo de obras de Bach, é o sistema de numeração definido em 1950 por Wolfgang Schmieder e usado para identificar obras compostas por Johann Sebastian Bach, agrupadas por tema, e não cronologicamente. Os números BWV são universalmente usados e aceitos como a forma padrão para enumerar as obras de Bach.
⁶ O texto dessa cantata é de autoria do poeta Léon Chancerel, traduzido para o português por Frei Urbano Plentz o.f.m. O poliglota são-joanense Gil Amaral Campos (1939-1999), ex-aluno do Ginásio Santo Antônio, verteu o texto francês para o neerlandês, o qual conservo em meu poder com muito carinho.
Agradecimentos
Finalmente, gostaria de agradecer às seguintes pessoas por me terem prestado informações importantes para a realização da presente pesquisa:
1. historiador Luiz Antônio Ferreira, funcionário da UFSJ, pela cessão de fotografias e cópias de jornais de época pertencentes a seu acervo particular;
2. Frei Joel Postma o.f.m. pelas informações sobre os primórdios do franciscanismo em São João del-Rei; e
3. meu irmão Carlos Fernando dos Santos Braga por ter-me enviado a fotografia do corpo docente do Ginásio Santo Antônio em 1968, estampada logo acima, para registro histórico nesta página.
B I B L I O G R A F I A
Acta Ordinis (editio specialis): A face do Franciscanismo da memória à profecia, 2000 (Consultar http://www.ofm.org/capgen/00/docs/Conf1.pdf)
AQUINO, Pe. Almir de Rezende: Álbum da Histórica Cidade de São João del-Rei — Sul de Minas, 1950, sem outras referências
ASSIS, Astrogildo; O Ginásio Santo Antônio no Tempo de Tancredo, Rev. do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, volume IV, 1986, pág. 71-77
CINTRA, Sebastião de Oliveira: Efemérides de São João del-Rei, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1982, 2 volumes
— : Galeria das Personalidades Notáveis de S. João del-Rei, publicado pela FAPEC-Fundação de Apoio à Pesquisa, Educação e Cultura, São João del-Rei, 1994
COELHO, Evandro de Almeida: Passeio a São João del-Rei, onde nasceu o Tiradentes (muito sentimental), monografia datilografada em 17 folhas, 1998
FERREIRA, Mauro Eustáquio: Frades da Santa Cruz na Terra do Divino, Museu Histórico de Divinópolis (Exposição "70 anos da presença franciscana em Divinópolis"), Divinópolis-MG, 1994, 23 p.
GUIMARÃES, Geraldo: O povoamento das Minas Gerais, Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, volume V, 1987, pág. 39-48
JÚNIOR, Roberto B. Nicioli e MATTOS, Cristiano Rodrigues de: Uma Análise de Livros Didáticos de Física das Décadas de 50 e 60 (Consultar em
PROVÍNCIA FRANCISCANA SANTA CRUZ: O Peregrino de Assis (música: Frei Joel Postma), organizado por Frei Joaquim Fonseca de Souza, Belo Horizonte, 1996, 312 p.
MAGNANI, Maria Cláudia Almeida Orlando.: O hospício da Diamantina - 1889-1906, dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História das Ciências da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz-FIOCRUZ, Rio de Janeiro (Consultar na Internet)
REUVER, Frei Geraldo de: Gramática Elementar da Língua Francesa, Edições Melhoramentos, São Paulo, 4a. edição, 1960
— : Francês (Leituras e Exercícios para o primeiro, segundo, terceiro e quarto ano do Curso Ginasial), Gráfica Santo Antônio, Divinópolis-MG, 1a. edição, 1956; 2a. ed. 1962; 3a. ed. 1986; 4a. ed. 1989
SANTOS, Maria Cecília Guimarães e FERREIRA, Mauro Eustáquio (org.): Presença Seráfica (publicação especial em homenagem aos 70 anos da presença franciscana em Divinópolis), CMPHAPD-Conselho Municipal de Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico de Divinópolis, Divinópolis, junho de 1995, 16 p.
VASCONCELOS, Diogo de: História Antiga das Minas Gerais, 2º volume, Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1974
VIEGAS, Augusto.: Notícia de São João del-Rei, 3a. edição, Belo Horizonte, 1969
WERNECK, Gustavo: História de amor e solidariedade, Jornal Estado de Minas, 3/5/2009
Diversos números de "O PORVIR", jornal exclusivo do Ginásio Santo Antônio, que teve no Prof. Domingos Horta seu eminente diretor.
* O autor do presente artigo é ex-aluno do Ginásio Santo Antônio e pianista de Frei Joel Postma o.f.m. nas apresentações de suas composições por todo o País.
* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...
2 comentários:
Adoro este blog, pois ele é uma fonte perene de conhecimento.
Meu prezado amigo FJSBRAGA, de repente eu me vi, no inicio do ano de 1953, com 11 anos de idade, saindo do Hotel Espanhol, com meus pais em busca de uma igreja para assistirmos à missa dominical. Resolvemos seguir os sinos cujo badalar mais nos agradava e chegamos à monumental igreja de São Francisco de Assis.
Depois da missa conhecemos o Ginásio. Fiz o exame de admissão e não voltei para minha Curvelo, fiquei naquele imenso prédio que durante 5 anos tornou-se a minha segunda casa.
Vi, com imensa emoção, todos os vídeos. Os alunos daquele encontro não foram meus contemporâneos. Revi o prédio, os dormitórios, os laboratórios, os salões de estudos, os refeitórios, os pátios, os campos de futebol e revi o que para mim foi o mais importante:-os mestres e os frades franciscanos que com seus ensinamentos fizeram de mim um homem. Caráter, honra, humildade.
Não vou esconder que cheguei as lágrimas; triste é se eu não tivesse chorado.
Guardo este Ginásio, estes frades e estes mestres no meu coração, até o final de meus dias. Vou guardar estes vídeos para sempre.
Muito obrigado por ter-se lembrado de mim.
Abraços do Lúcio Flávio.
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