sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

105 Anos da Presença Franciscana em São João del-Rei e o centenário Ginásio Santo Antônio > > > Parte 1


Por Francisco José dos Santos Braga

Breve história dos primórdios

Pedro Álvares Cabral, escolhido como chefe militar da expedição, partiu de Portugal, em 9 de março de 1500, com destino à Índia, levando entre sua numerosa comitiva nove padres do clero secular e oito franciscanos, tendo a escolha de D. Manuel recaído sobre Frei Henrique de Coimbra, um dos oito franciscanos, para chefiá-los a todos. Os outros franciscanos eram Frei Gaspar, Frei Francisco da Cruz, Frei Simão de Guimarães, Frei Luís Salvador (todos os quatro sacerdotes pregadores), Frei Masseu (músico e organista) e Frei Pedro Neto (corista), ambos sacerdotes, e o irmão Frei João da Vitória. Frei Henrique de Coimbra tinha sido escolhido como guardião dos conventos que a Ordem Franciscana iria edificar na Índia, sob os auspícios do Papa.

O papa Alexandre VI concedeu, em 1497, a D. Manuel o direito de alargar as conquistas portuguesas, confirmando-lhe a posse de todos os domínios adquiridos, esperando que ele empenhasse os melhores esforços em propagar e exaltar a fé católica. Prevalecia a forma típica de compromisso medieval entre a Igreja de Roma e a Coroa Portuguesa.

Confirmando a norma, os poderes temporal e espiritual compunham uma dualidade recorrente nas navegações portuguesas. Atestando a interação dessas duas componentes, a missão tinha a dupla tarefa de catequizar e mercadejar.

O acaso — ou uma espécie de intencionalidade presumida? — levou a frota às plagas americanas.

A Carta do escrivão Caminha reflete uma tomada de posse cartorial da nova terra, devendo atestar que tudo se passou conforme relatado. Por isso, informa que, logo pela manhã, no Domingo de Pascoela, o Capitão mandou armar um pavilhão naquele ilhéu, e dentro levantar um altar muito bem arranjado para que Frei Henrique oficiasse uma missa, a que assistiram os portugueses da frota e os naturais da terra que se iam aproximando, com muito prazer e devoção. "Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação, da história evangélica; e no fim tratou da nossa vida, e do achamento desta terra, referindo-se à Cruz, sob cuja obediência viemos, que veio muito a propósito, e fez muita devoção."

Passar a chamar a terra descoberta de "Terra de Vera Cruz" foi apenas um passo.

Até o ano de 1549, somente os franciscanos exerceram a ação missionária no Brasil, quando edificaram os primeiros templos e conventos, cabendo destacar a construção do Santuário da Penha, em Vitória.

Em março de 1549, chegaram os primeiros quatro jesuítas nos navios de Tomé de Souza, o fundador de Salvador: os padres Manoel da Nóbrega, Aspicuelta Navarro, Antônio Rodrigues e Pêro Correia.

Em 1585, foi fundada em Olinda a Custódia de Santo Antônio, subordinada à província portuguesa de Santo Antônio de Lisboa, tendo sido escolhido o Frei Melchior de Santa Catarina para dirigi-la. A iniciativa para o estabelecimento definitivo dos franciscanos no Brasil partiu do governador de Pernambuco, Jorge de Albuquerque Coelho, que apelou diretamente ao Ministro Geral da Ordem, Frei Francisco Gonzaga, que na ocasião (1584) se encontrava em Portugal.

Em 1624, foi instalada a Custódia de Santo Antônio do Grão-Pará e em meados do século a Custódia de Santo Antônio recebia o nome de Província de Santo Antônio do Brasil.

Diante do crescimento da Ordem Seráfica no Brasil, os conventos do sul separaram-se para fundar a Província da Imaculada Conceição do Rio de Janeiro, em 1675.

Descoberta das minas gerais

A descoberta de metais preciosos nas "Minas Gerais dos Cataguás" no final do século provocou o rápido crescimento da região e sangrentos conflitos.

Conforme VASCONCELOS (1974, pág. 23),o jesuíta André João Antonil refere-se a respeito da grande invasão no distrito das Minas da seguinte forma: "Cada ano vem nas frotas quantidade de portugueses, e de estrangeiros para passarem às Minas. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil vão brancos, pardos, pretos e muitos índios de que os paulistas se servem. A mistura é de toda a condição de pessoas, homens e mulheres, moços e velhos, nobres e plebeus, ricos e pobres, seculares e religiosos de diversos institutos, muitos dos quais não têm no Brasil nem conventos nem casas." Ou ainda, nas palavras de outro autor (GUIMARÃES, 1987, pág. 39): "Sobre o assunto manifestou-se José Álvares de Oliveira, emboaba contemporâneo e participante ativo dos acontecimentos, em sua 'História do Distrito do Rio das Mortes', referindo-se ao Caminho Velho, único na época para as minas então descobertas: '... caminho antiquíssimo que sempre seguiram as bandeiras dos sertanistas para o Sertão dos Cataguazes até o fim do século de setecentos que deste tempo por diante o caminho que só era trilhado dos sertanistas se fez uma estrada frequentada de muita gente tanto de Serra Acima como de Serra Abaixo e suposto desta ao princípio morresse bastante parte. Uns encontrando a morte na agrestidão de tal caminho e outros na maleficência dos naturais, contudo não se escusavam do convite que lhes faziam as minas de novo descobertas no mesmo Sertão dos Cataguazes, nome que nos primeiros anos tiveram as chamadas Minas Gerais (...) ."

Consta que, só de Portugal vieram às Minas, a cada ano e durante sessenta anos, cerca de 10 mil pessoas. A população de paulistas ficou paulatinamente menor, tanto em termos absolutos quanto em relativos. Os paulistas, concentrados no Rio das Mortes, embora minoritários, se julgavam donos das minas por direito da descoberta. A todos os forasteiros os paulistas chamavam de "emboabas". A rivalidade e as hostilidades de ambos os lados resultou na Guerra dos Emboabas. O desfecho foi a mortandade dos paulistas no local conhecido como Capão da Traição, em fevereiro de 1708. Expulsos das Minas, os paulistas penetraram em Goiás e Mato Grosso, onde novas jazidas seriam descobertas.

VASCONCELOS (ibid., pág. 135) acusa o sistema governamental, que, desde o começo das Minas, dava lugar à dualidade do fôro, pelos desmandos cometidos pelo clero e principalmente pelos "frades fugidos dos conventos ou apóstatas". Segundo o historiador, "os Bispos, tendo uma posição política e exercendo muitas atribuições civis, eram quase soberanos em sua esfera. Para sustentarem a sua influência, em face da autoridade temporal, ordenavam o maior número de padres que podiam, chegando a ponto que criminosos protegidos por dignidade eclesiástica, não raras vezes, recebiam as ordens para se livrarem da jurisdição e do fôro comum... Nas Minas não obedeciam os clérigos a ninguém. Isentos da jurisdição civil, não respeitavam nem o seu Bispo, e os frades apóstatas não o reconheciam por seu prelado. Daí a libertinagem e a simonia e apenas um haveria menos concorrente aos gozos materiais, que a riqueza e o luxo sabem engendrar. Eram negociantes, mineiros, senhores de engenho e de escravos; mas sobretudo fatores desabusados e sem peias dos contrabandos e extravios do ouro. As autoridades não podiam tocá-los, e em geral não havia quem mal os quisesse por esta conveniência de extraviarem o ouro para si e para os amigos."

VIEGAS (1969, pág. 20-21) informa que "a competição pelo ouro, motivando o violento dissídio de 1707 a 1709 no Distrito do Rio das Mortes, teve ainda no 'estado de completa anarquia da região mineira' naquele tempo o ambiente adequado à rixa e ao crime", aí incluída "a perniciosa influência que exerceu no ambiente da capitania a cizânia por toda parte lançada pelo 'maquiavélico Frei Francisco de Menezes' contra os paulistas por haverem estes se oposto a que, de súcia com Francisco do Amaral Gurgel, houvesse a 'irrefreável cobiça' do frade apóstata conseguido odioso monopólio do talho da carne em toda a região mineira", atribuindo a notícia aos historiadores Diogo de Vasconcelos e José Pedro Xavier da Veiga.

O sistema de então era tão ruim que VASCONCELOS considera "o progresso religioso atual sobre instituições e sistemas que davam espaço a tais escândalos e conflitos, uma vez que se confundiam as esferas da Igreja e do Estado no híbrido organismo que levava os bispos e prelados a recrutarem padres, como felizmente agora não fazem." (grifo meu) (ibid., pág. 137)

Autorização para os franciscanos construírem hospícios em Minas Gerais

A Coroa Portuguesa, apesar de ter proibido a instalação de conventos nas Minas, permitiu aos franciscanos construírem hospícios em Sabará, Vila Rica e no Caraça, na tentativa de pacificar os ânimos após as refregas da Guerra dos Emboabas. MAGNANI (2004), em sua pesquisa, lembra que hospício era uma designação dada a hospedarias religiosas que pertenciam a companhias do clero regular, e eram utilizadas por frades franciscanos esmoleres que percorriam a Capitania coletando dinheiro para a Terra Santa e ministrando sacramentos. A permissão para a construção dos hospícios se justificou em função do pequeno número de párocos nas Minas.

A atuação dos franciscanos não se restringiu àquelas três povoações; antes, atingiu outras, onde foram criadas irmandades franciscanas da Ordem Terceira, construindo capelas, monumentos e igrejas.

O Hospício da Terra Santa em São João del-Rei foi instalado em 1743 e estava localizado onde hoje funciona a sede diocesana. A respeito desse hospício, CINTRA (1982, pág. 380) noticia:

"12/09/1719: D. Pedro de Almeida e Portugal, Governador da Capitania escreve o Senado da Câmara de S. João del-Rei, convocando os Sanjoanenses para a criação de um hospício na vila. O Senado responde ao Conde de Assumar 'que tendo chamado algumas pessoas da edilidade, com elas assentou que se aceitasse o hospício de 6 até 7 missionários'. Sobre o assunto, manifestara-se a 24-05-1719 o Senado da Vila, em carta enviada ao Bispo do Rio de Janeiro, na qual se lê: —'concordaram todos em que fosse o Hospício de religiosos franciscanos que com grande vontade os querem logo.' Somente em 1743 instalou-se em S. João del-Rei o Hospício da Terra Santa, que se localizava em terrenos próximos da atual Igreja de S. Francisco."

O Hospício da Terra Santa no Arraial do Tejuco (primeira designação de Diamantina) foi instalado em 1750, juntamente com o de Mariana. Mariana,especialmente, foi escolhida para ser o primeiro bispado de Minas Gerais, o que veio a ocorrer em 6 de dezembro de 1745, sendo destacado o prelado Dom Frei Manoel da Cruz, ex-professor de Teologia da Universidade de Coimbra, para a importante missão.

De interesse para São João del-Rei cabe mencionar a fundação da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis, em 8 de março de 1749, a segunda a se constituir e ereta canonicamente por Dom Frei Manoel da Cruz. A referida Ordem Terceira foi a promotora da construção do majestoso templo franciscano (Igreja de São Francisco de Assis) que é considerado um dos mais expressivos monumentos religiosos do Barroco Mineiro. Os trabalhos arquitetônicos tiveram início em 1774 e continuaram por 20 anos.

Reflexos do embate entre Marquês de Pombal e os jesuítas

De 1750 a 1889, o Catolicismo no Brasil passou por um momento crítico. O sério atrito entre o Marquês de Pombal e a Companhia de Jesus resultou na expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759. Entre os franciscanos, a situação não era diferente, tendo chegado ao ponto de, no ano de 1889, só contarem com oito frades na Província de Santo Antônio e apenas um - o provincial Frei João do Amor Divino Costa - na Província da Imaculada Conceição.

Reflexos da proclamação da República

Proclamada a República, era chegada a hora da restauração do Catolicismo. Os frades da Província da Saxônia de Santa Cruz, com sede em Hannover, foram convocados para colaborar nesta empreitada. O Capítulo Geral de 1889 encarregou a Saxônia de restaurar as duas províncias brasileiras que estavam ameaçadas de extinção. O Ministro Provincial da entidade alemã, Frei Gregório Janknecht, aceitou de bom grado a nova missão. A partir desta data, a assim chamada Missão da Bahia teve por objetivo renovar e restaurar a Província de Santo Antônio, levando muitos religiosos alemães - padres, clérigos, noviços e irmãos - a desembarcarem em portos brasileiros para repovoar os conventos abandonados, todos situados no litoral.

Foi mais difícil restaurar a Província Imaculada Conceição, devido à resistência do único frade sobrevivente à incorporação dos frades alemães. Só em 1899, diante dos rápidos progressos da Missão que, de norte a sul, abrangia uma vasta extensão territorial, decidiu o Definitório dividir a referida Província em dois Comissariados. Após várias crises e vicissitudes, o Vigário Geral da Ordem, Frei David Fleming, em 14 de setembro de 1901, elevou os dois Comissariados a Províncias autônomas, com o nome das duas antigas entidades. Desta forma, estavam finalmente restauradas as Províncias de Santo Antônio e da Imaculada Conceição.

Em 1899, os bispados de Manaus e Petrópolis apelaram para a colaboração dos frades da Província dos Santos Mártires Gorcomienses, da Holanda ¹, tendo o convite sido aceito pelo provincial holandês, Frei Estêvão van de Burgt. Em 7 de maio de 1900 chegaram ao Rio de Janeiro Frei Rogério Burges e Frei Frederico Voorvelt. Niterói, então capital do Estado do Rio de Janeiro, tornou-se a primeira cidade-sede do "Comissariado Franciscano da Província dos Santos Mártires Gorcomienses no Brasil", sendo Frei Rogério Burges o primeiro comissário provincial. O historiador Frei Helano van Koppen comenta a propósito: "quando em 1899 os franciscanos (holandeses) chegaram ao Brasil, vinham alegres para continuar uma antiga tradição de sua Ordem, pois a Ordem Seráfica entrou no Brasil juntamente com os descobridores portugueses".

Atualmente, a Ordem dos Frades Menores (OFM) no Brasil é formada por onze entidades: quatro Províncias (Santo Antônio, Imaculada Conceição, Santa Cruz e São Francisco de Assis), quatro Vice-Províncias (Sete Alegrias de Nossa Senhora, Santíssimo Nome de Jesus, São Benedito da Amazônia e Assunção, além de três entidades dependentes de Províncias italianas (Custódia S. Coração de Jesus, Fundação Nossa Senhora de Fátima e Fundação Nossa Senhora das Graças).

Ocupação franciscana de Minas Gerais

Em 1903, a convite do bispo de Mariana, Dom Silvério Gomes Pimenta, é fundada a casa de Ouro Preto, a fim de assumir a paróquia da Imaculada Conceição.

Em 1904, os franciscanos holandeses vieram a São João del-Rei para fundar uma escola católica e ajudar o vigário Monsenhor Gustavo Ernesto Coelho no trabalho de evangelização.

Em 1906, estabeleceram-se em Teófilo Otoni; em 1911, em Cabo Verde; em 1912, iniciaram as missões de Joaíma, São Miguel de Jequitinhonha e Araçuaí; em 1914, foram confiados aos franciscanos o Reitorado do Barro Preto, em Belo Horizonte, e as paróquias de Pirapora e Monte Belo; em 1916, durante dez meses, dirigiram a paróquia de Manhuaçu, serviço que se estendeu em 1917 a Cordisburgo, Corinto, Rio Preto (Itaipé) e Almenara (Vigia); em 1919, os franciscanos holandeses assumiram também a paróquia de Novo Cruzeiro (Lufa); em 1921, foram dirigir a paróquia de Muzambinho e, finalmente, em 1922, foram atuar em Caraí.

A pedido do Padre José Alexandre de Mendonça, vigário de Carmo do Cajuru, o arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Dom Antônio dos Santos Cabral, por carta ofereceu, em 8 de abril de 1924, a Paróquia do Divino Espírito Santo de Divinópolis à OFM. Frei Paulo Stein e Frei Júlio Berten, respectivamente comissário e vice-comissário, visitaram Divinópolis e, em seguida, visitaram o arcebispo na Capital para demonstrar o interesse de não apenas assumir a paróquia como também fundar um seminário. Consultada a província na Holanda, a autorização para a OFM se estabelecer em Divinópolis chegou por telegrama em 20 de junho do mesmo ano.

(Continua na Parte 2 desta série)



* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...

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