terça-feira, 1 de janeiro de 2019

CASA PATERNA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS, HOJE PARTE DA IGREJA NOVA DE ASSIS


Por Padre Francesco De Lazzari
Tradução livre por Francisco José dos Santos Braga 


AQUI "UM SOL NASCEU PARA O MUNDO" ¹

Antes de entrar na igreja, à esquerda da porta de entrada, uma placa dá boas vindas aos que entram no Santuário:

Irmão, irmã, eu esperava você.
Seja bem vindo à casa onde nasci,
e onde eu vivi os primeiros 24 anos da minha vida:
festas com amigos e sonhos de glória,
o encontro com o Senhor
e a jornada de conversão para Ele,
a Prisão já experimentada em Perúgia
e então aqui, na minha casa,
o conflito com meu pai e, finalmente, a saída daqui.

Deus estava me chamando para reparar Sua casa em mim,
e então a Igreja do Seu Filho.
Era melhor obedecer a Deus
do que a meu pai Pietro.

Irmão, irmã,
faze-te peregrino da minha casa terrena,
mas caminha em direção à casa de Deus em ti,
em direção à Sua Casa, o Paraíso.

Levanta-te e anda.

Estou te acompanhando com o testemunho da minha vida,
Estou sustendo teus passos com a oração.

Anda. Te espero. Deus te abençoe.

Francisco de Assis, teu irmão

Placa à esquerda da entrada na Igreja Nova

“Cárcere” de Francisco na casa paterna, hoje parte da Igreja Nova

O bem-vindo texto ² do pe. Francesco De Lazzari tem o objetivo de interpretar a mensagem do Santuário, tendo em mente os primeiros 24 anos da vida de S. Francisco vividos na sua casa, com a sua família. Aqui Francisco nasceu, trabalhou no negócio do pai, viveu os seus sonhos, acalentou os ideais e, por fim, aceitou que Deus entrasse na sua vida. As Fontes Franciscanas relatam cerca de vinte fatos vividos pelo jovem Francisco. Alguns são conhecidos; outros, menos. Uns são históricos, outros hagiográficos. Os biógrafos de S. Francisco, sobretudo Tommaso da Celano e S. Boaventura, embora com ênfases diferentes, nos oferecem indicações claras sobre o mundo e sobre a vida do jovem Francisco: rico, rei das festas, gentil e cortês, altruísta e generoso, sonhador, amante dos ideais humanos. Aos vinte anos aproximadamente, Francisco vive a primeira experiência forte da sua vida. Assis está em guerra com Perúgia. Ali toma parte também ele. Francisco é feito prisioneiro em Perúgia por um ano. Falta a liberdade, faltam-lhe os amigos, a família, o ser o rei das festas. O rosto triste dos prisioneiros fazem-no refletir sobre os horrores da guerra. Tenta amparar seus colegas, refletir, fazer desaparecer a nostalgia de casa. Depois de um ano, o pai o resgata. Francisco retorna a Assis, fraco, enfermo, provado no coração e na mente. Cuidado pela mãe, retoma a vida anterior à sua prisão. Mas não é mais o mesmo. Assim foi a primeira parte da sua vida jovem. Deus o reservava a uma missão e a ideais maiores: dos ideais humanos, sob a ação do Espírito Santo, o conduz aos ideais do espírito. Deus o chamava a ser um Evangelho vivo. Na segunda parte da sua juventude Francisco é convidado a dar os primeiros passos. Certamente não seriam fáceis, certamente nunca pensados. Aproveita a oportunidade para realizar uma grande ação em benefício dos Lugares santos. Com alguns colegas seus, associa-se ao grande condottiero Gualtieri di Brienne e parte para a Puglia. Mas Deus também se serve de nossas oportunidades para intervir em nossa vida. Em Spoleto, Francisco é interrompido por duas perguntas que o perturbam: “Francisco, a quem é melhor servir, ao amo ou ao criado?” Francisco reflete. Responde: “Ao amo.” A voz, que ainda soava, prossegue: “E por que então serves ao criado e não ao Amo?” Francisco compreende. Faz uma pergunta: “Quem és tu, Senhor? O que queres que eu faça?” De seus lábios vem sua primeira oração feita com o coração e a mente. A resposta o inquieta: “Volta a Assis e ficarás sabendo que coisa terás que fazer.” Um retorno amargo. Uma obediência amarga. Um retorno de derrotado, de quem renuncia aos sonhos de glória, de se tornar um cavaleiro. E agora? Quem é o amo? Quem é ou que coisa é o criado? E volta a Assis. Ridicularizado e humilhado, inicia uma profunda revisão de si mesmo. Quase quatro anos para chegar, gradualmente, a uma conversão radical. Perde o sabor daquilo que vivia anteriormente. Eleva a oração pronunciada com as lágrimas: “Retirava-se a uma gruta no Monte Subasio para implorar a clemência de Deus.” Em São Damião articula uma oração implorante: “Ó alto e glorioso Deus, ilumina o meu coração. Dá-me fé direta, esperança certa, caridade perfeita e humildade profunda, sabedoria e conhecimento para que eu sirva a teus mandamentos” (FF 276). Ele mesmo passa pelo desgosto de ver os leprosos, e fugir à vista deles, ao abraço e beijo. É a primeira grande vitória sobre si mesmo, do Senhor sobre ele. Recorda-a por toda a vida. Nos meses precedentes, irmã morte, na Porciúncula ³, dita seu Testamento. Inicia assim: “O Senhor conceda a mim, irmão Francisco, começar assim a fazer penitência, pois, estando eu nos pecados, parecia-me amargo ver os leprosos; e o próprio Senhor me conduziu entre eles e eu usei misericórdia para com eles. E quando eu os deixei, o que parecia amargo se me converteu em doçura de alma e de corpo. E então fiquei um tempo e saí do mundo” (Test. 1-4; FF 110). Desde que com ricos e nobreza, começa a servir os pobres; veste-te como um pobre e pede esmola (cfr 2 Cel IV, 8; FF 589); torna-te pobre a serviço dos últimos. Do silêncio do Crucifixo de S. Damião finalmente acolhe com alegria e generosidade a palavra-comando tão esperada: “Francisco, vá, restaure a minha casa que, como se vê, está toda em ruínas”. Após ser o ídolo de seu pai, que o satisfazia em tudo, ele vive o dilacerante conflito até às surras, aos insultos, à prisão doméstica. Mas para ele, Francisco, “era melhor obedecer a Deus do que a seu pai Pietro.” E assim, “quando parou de adorar a si mesmo, começou a compreender Deus”. Passo a passo, a conversão toma consistência, atinge uma primeira meta importante, necessária: sai de casa e vai ao bispado para ser processado e deserdado, para se colocar permanentemente nas mãos de Deus, a seu total serviço. Quando Deus te toma pela mão, Ele te mantém preso. Tu sentes o calor da mão Dele e o amor Dele, e te deixas levar. Tu te permites levar aonde ele te quer. E vives na alegria Dele. E Deus Se torna teu Deus, teu tudo.

SÃO FRANCISCO “CONVERSO”

Assim, os habitantes de Assis o chamaram. O título real é “S. Francisco converso (convertido)”. De acordo com uma tradição comprovada e uma suficiente documentação, na área da igreja ficava a casa paterna e natal de S. Francisco. Um documento de 1300 atesta que, na área do presbitério, um quarto foi transformado em capela. É fácil pensar que foi o quarto onde nasceu S. Francisco. 

Os frades há muito tempo tentavam possuir este lugar. No início dos anos 1600, graças ao interesse do Pe. Antonio Treja, Vigário, primeiro, e depois, Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores, conseguiu adquirir a casa. Esta foi quase completamente demolida e a igreja foi construída em sua área. Filipe III, rei de Espanha, colocou à disposição uma contribuição substancial, e foi feita nas Províncias da Ordem uma captação de recursos. Uma procissão solene, bispo, clero diocesano, religiosos, uma grande multidão de pessoas e autoridades civis, desceram da Catedral de S. Rufino carregando a “pedra fundamental”, colocada na fundação de todo o edifício. A arquitetura da igreja segue um projeto de Rafael. Construída em seis anos, foi toda revestida de afrescos de 1621 a 1631. Lá trabalharam os Giorgetti, pai e filho, o Cesare Sermei e, parece, algum outro autor. A cúpula foi pintada em 1687 por Emanuele, de Como.

Nos anos 1920-1925 a maioria dos afrescos, inexplicavelmente, foram cobertos com um reboco questionável de mármores falsos. Pe. Francesco De Lazzari, em 2013, através de uma mediação, conseguiu entrar em contato com Sergey Matvienko, irmão ortodoxo de São Petersburgo. Com grande generosidade, tendo em mente o profundo significado do lugar, financiou a restauração dos afrescos. E assim a Igreja está retornando ao seu primitivo esplendor arquitetônico e pictórico. Dentro da igreja, sobre o primeiro pilar central esquerdo se conserva o “cárcere” onde Pietro di Bernardone trancou seu filho Francisco. Do segundo pilar central, sempre à esquerda, pode-se acessar a frente da casa com as entradas. Descendo e virando à direita, entra-se na loja onde Francisco, junto com seu pai, realizava sua atividade diária como comerciante de tecidos comuns e preciosos.

Fachada da Igreja Nova
Estátuas dos pais de Francisco: Pietro di Bernardone e Pica de Bourlemont

AGRADECIMENTO 


Agradeço à minha amada esposa Rute Pardini o seu cuidado em fixar as imagens de nossa passagem pela Igreja Nova de Assis. 
 

NOTAS  EXPLICATIVAS


¹  Com estas palavras, no XI canto do "Paraíso" da Divina Comédia, Dante apresenta a figura de Giovanni di Pietro di Bernardone, mais conhecido como São Francisco de Assis, nascido em Assis provavelmente em 5 de julho de 1182.

²   LAZZARI, Pe. Francesco De: Sui passi del giovane Francesco: il santuario della Chiesa Nuova (Nos passos do jovem Francisco: o santuário da Igreja Nova), revista Chiesa Insieme nº 3, março de 2017, Anno XXXV, p. 8 e 9.
Cfr https://issuu.com/chiesainsieme/docs/xsa3_2017

³   Pequena igreja fora de Assis, atualmente contida dentro de uma basílica muito maior, a Basílica de Santa Maria dos Anjos. Ali morreu Francisco de Assis. A Porciúncula foi a terceira igreja restaurada por Francisco de Assis, depois de ter tido um sonho no qual ouviu o chamado de Deus para "reconstruir a sua igreja".

⁴  O Convento da Igreja Nova aparece já em um documento de 1398, no qual se menciona uma pequena igreja, construída sobre o sítio que a tradição identifica como "a casa paterna e de nascimento de São Francisco de Assis", que foi uma etapa importante nas peregrinações nos passos de Francisco de Assis, tendo morado ali até os 24 anos, quando se converteu. 
Em 1610, a mando do rei da Espanha Filipe III, uma nova igreja em estilo barroco foi construída, em vez daquela medieval: segundo uns sobre projeto de Rafael, segundo outros sobre projeto de Rufino, de Cerchiara.

13 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Estivemos minha esposa Rute e eu fazendo um “tour” pela Itália durante uns 40 dias em setembro e outubro de 2014 e reservamos uma semana para Assis, na província de Perúgia, na região da Úmbria. Dentre inúmeras surpresas que tivemos na cidade natal de S. Francisco de Assis, destaco uma. Um dos atrativos turísticos da cidade constitui uma adaptação da casa onde nasceu S. Francisco, transformada no templo chamado Chiesa Nuova (“igreja nova”, por ter sido uma das últimas a serem construídas na época). Foi uma das poucas igrejas projetadas e construídas por Raphael, decorada com afrescos de Cesare Sermei e Giorgetti Giacomo. Sabe-se que o altar-mor foi colocado sobre a suposta sala do jovem Francisco. Pode-se também visitar a loja onde ele vendia tecidos na loja de seu pai, distribuindo o que arrecadava aos pobres (para desespero do pai), bem como a escada onde se localiza a “cela” em que foi mantido preso por seu pai. Este é o lugar onde Francisco decidiu responder ao chamado divino e renunciar a seus bens materiais. Mas o que mais chamou nossa atenção foi, à esquerda da entrada na igreja, uma placa com texto de São Francisco dando boas vindas aos que ali entram, com algumas recomendações finais para o visitante, enunciadas com a convocação do visitante para "caminhar em direção à casa de Deus em si mesmo" e com o célebre convite “Levanta-te e anda!”. Esse texto é revisitado pelo padre Francesco De Lazzari, autor do artigo intitulado “Sui passi del giovane Francesco: il santuario della Chiesa Nuova” (Nos passos do jovem Francisco: o santuário da Igreja Nova), cuja tradução livre, feita por mim, tenho o prazer de submeter à sua apreciação.


https://bragamusician.blogspot.com/2019/01/casa-paterna-de-sao-francisco-de-assis.html


Cordial abraço,

Francisco Braga

Dr. Paulo Milagre (corretor de imóveis, escritor, membro e ex-presidente da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Boa noite.
Deve ser fantástico visitar esses lugares, onde esteve São Francisco.
Abraço.

Anizabel Nunes Rodrigues de Lucas (flautista, professora de música e regente são-joanense) disse...

Felizes vocês que puderam testemunhar todas essas maravilhas. Que linda a história de São Francisco de quem sou devota e admiradora.Feliz 2019 e grandes realizações, das quais possam nos trazer mais informações .

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga;
Interessantes as suas impressões sobre locais e alguns aspectos decisivos da opção de vida de S. Francisco de Assis. Elas sugerem, por exemplo, uma análise psicológica da personalidade desse célebre e inspirador santo católico.
Parabéns pela publicação.

Prof. Fernando de Oliveira Teixeira (professor universitário, escritor, poeta e membro da Academia Divinopolitana de Letras, onde é Presidente) disse...

Grato, amigo Braga, pelo envio. Que o pobrezinho de Assis nos abençoe. Fernando Teixeira

Pedro Paulo Torga da Silva (participante e incentivador do Movimento dos Focolares no Brasil) disse...

Obrigado Francisquinho, São Francisco é universal! Inconteste! Excelente para propósitos de início de ano. Feliz Ano Novo, sob as bênçãos de Deus pra vc e Rute.
Abração!

Padre Saulo José Alves (autor do livro intitulado "Stabat Mater" e membro efetivo da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Prezado Confrade!

Agradeço-lhe pelo envio de seu artigo.
Gostei muito e me trouxe à memória a experiência vivida nesses mesmos monumentos que tanto atraíram minha atenção, nas oportunidades que lá estive.
Abç
Pe. Sáulo

Nereu do Vale Pereira (Historiador e fundador do Ecomuseu do Ribeirão da Ilha) disse...

Caro colega Francisco Braga.
Muito obrigado pela bela e santa mensagem. Falar sobre São Francisco de Assis é voltar nosso olhar para a natureza e pelos pobres. Já lá estive também por duas vezes e saber da tua ida e notícia fico muito agradecido pela recordação que me proporciona.

Luzia Rachel dos Santos Braga disse...

Obrigada por compartilharem conosco estes momentos tão preciosos. Assis é especial, indescritível, a atmosfera ainda parece ter a presença de Francisco de Assis. Sua descrição me levou de volta até lá, cuja casa paterna ainda não tinha sido reconstruida dessa forma descrita. Um belo presente para este novo ano, obrigada! Francisco de Assis nos proteja, ilumine, nos guie neste novo ano que já se descortina tão incerto, nebuloso. Abraços fraternos!

Dr. Mário Pellegrini Cupello (escritor, pesquisador, presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, e sócio correspondente do IHG e Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Caro amigo Braga

Agradecemos pelo envio de seu Blog com a notícia de sua visita, juntamente com Rute, ao Santuário de São Francisco de Assis que também eu e Beth visitamos em 1997.

Nossa visita foi muito marcante pois “três dias” após sairmos da Italia, quando já estávamos em Londres, vimos pela televisão o triste evento ocorrido na Úmbria, quando um terremoto danificou a parte superior da nave da Igreja, causando rachaduras naqueles belos afrescos que retratam a vida de um dos santos mais cultuados do cristianismo. Felizmente hoje, dentro do possível, tudo está recuperado.

Com os nossos reiterados agradecimentos,

Os amigos Mario e Beth.

Betânia Maria Monteiro Guimarães (escritora, pesquisadora, professora universitária e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Caro confrade Francisco:
também já tive o privilégio de visitar os lugares que nos remetem a São Francisco. Especialmente Assis me tocou muito, na Terra Santa tudo que existe relacionado à Igreja Católica Apostólica Romana está sob a guarda dos franciscanos. Muito obrigada por me fazer relembrar tão bem esses lugares. Betânia

Vamireh Chacon Albuquerque (professor universitário e autor de Os Partidos Brasileiros no Fim do Século XX) disse...

Parabéns pela feliz ideia de traduzir Assis na sua visita à Úmbria.

Patrícia Ferreira dos Santos (escritora, mestre e doutora pela USP e pós-doutora pela UFMG em História Social e vice-presidente da Casa de Cultura-Academia Marianense de Letras) disse...

Dr. Francisco Braga,

Que relato impressionante. Achei maravilhosa a forma como se entrecruzaram a descrição pormenorizada da tua visita, bem como o trabalho de tradução do texto de São francisco de Assis, cuja leitura tanto comove, pela força do seu exemplo.

Muito grata pela partilha.
Meus cumprimentos pela bela tradução.

Patrícia Ferreira dos Santos Silveira
Casa de Cultura - Academia Marianense de Letras